O dia em que tudo mudou, o vestido branco pesava como chumbo nos ombros de Júlia Santos. Cada centímetro de renda francesa importada, cada pérola costurada à mão, cada detalhe que deveria fazê-la se sentir como uma princesa, só intensificava a sensação de que estava caminhando para sua própria prisão. Ela tinha 19 anos, apenas 19.
Do outro lado da porta de madeira maciça da sacristia da Igreja São José, no Jardim Europa, centenas de convidados aguardavam, pessoas que ela não conhecia, rostos de empresários, socialaites, políticos, todos ali para testemunhar o que chamavam de casamento do ano e o que ela chamava silenciosamente de sua sentença.
Está pronta, Júlia? A voz de sua tia Helena era gelada como sempre, sem traço de afeto ou preocupação genuína. Júlia olhou para o espelho mais uma vez. Seus olhos castanhos, normalmente brilhantes, estavam opacos. Sua pele morena clara parecia pálida sob a maquiagem pesada. Os cabelos longos e lisos caíam em cascata pelas costas, presos por um vel de me que parecia um manto de rendição.
“Eu não quero fazer isso”, sussurrou ela, a voz quebrando. Não era a primeira vez que dizia isso, nem a décima. Tio Marcos, um homem corpulento, de olhar duro, deu um passo à frente. Seus dedos agarraram o braço de Júlia com força suficiente para deixar marcas. Você vai fazer isso, menina.
Ele sebilou baixo para que ninguém mais ouvisse. Depois de tudo que fizemos por você, te acolhemos quando ficou sozinha aos 15 anos. Te demos um teto, comida, educação. Essa é sua forma de retribuir sozinha. A palavra ecoou na mente de Júlia como um sino fúnebre.
Ela havia perdido seus pais 4 anos atrás em uma noite chuvosa na rodovia dos Bandeirantes. Um segundo, um único segundo de distração de um motorista e toda a sua vida havia desmoronado. Tio Marcos e tia Helena a acolheram, sim, mas nunca como família, sempre como um fardo, uma obrigação, algo a ser tolerado. E agora? Agora a estavam vendendo. A palavra era crua, brutal, mas era a verdade.
Tio Marcos tinha dívidas de jogo que ameaçavam destruí-lo. E Gabriel Almeida, o bilionário, o magnata, o homem que ela nunca havia visto pessoalmente até três semanas atrás, ofereceu uma solução: casamento em troca de dinheiro e perdão das dívidas. Júlia ainda se lembrava da primeira vez que ouviu o nome dele, Gabriel Almeida.
O dono da Almeida Holdings, ela havia perguntado incrédula quando os tios sentaram com ela na sala pequena e abafada da casa em que moravam em Osasco. O mesmo, tio Marcos respondera, os olhos brilhando com ganância mal disfarçada. Ele tem 47 anos, é o oitavo homem mais rico do Brasil, segundo a Forbes, e quer se casar com você. Mas, mas por quê? Ele nem me conhece, não importa o porquê.
Tia Helena interrompera, ríspida, importa que é a oportunidade da sua vida. Você vai ter tudo que sempre quis. Eu não quero isso. Eu não quero me casar com um homem que eu não conheço, que tem idade para ser meu pai. Mas seus protestos caíram em ouvidos surdos. Duas semanas depois, ali estava ela. A música começou a tocar.
O canon de Pachel Bell ecoou pelas paredes de pedra da igreja centenária e as portas se abriram. Júlia sentiu seus joelhos fraquejarem. O corredor se estendia diante dela como um túnel infinito. Flores brancas e lilazes decoravam cada banco. Velas cintilavam em castiçais de prata. Tudo era perfeito, deslumbrante, digno de uma revista de casamentos de luxo.
E no final do corredor, sob o arco de rosas brancas, estava ele, Gabriel Almeida. Júlia piscou surpresa, apesar do medo que a consumia. Ela o tinha visto apenas de longe, rapidamente durante a assinatura do contrato prénupcial. Mas agora, sob a luz suave que entrava pelos vitrais, ela podia vê-lo claramente.
Ele era bonito, inegavelmente bonito, alto, devia ter 1,90 m, ombros largos sob o smoking italiano impecável, cabelos pretos com fios grisalhos nas têmporas, curtos e penteados para trás, a postura ereta de quem estava acostumado a comandar, a ser obedecido, mas eram os olhos que a capturaram. Mesmo à distância, ela podia ver.
verde escuros, intensos, fixos nela, com uma expressão que Júlia não conseguia decifrar. “Anda logo, tio Marcos empurrou-a suavemente para a frente. Júlia começou a caminhar. Cada passo parecia durar uma eternidade. Rostos se viravam para vê-la. Sorrisos educados, sussurros de admiração pela beleza do vestido da noiva, da cerimônia.
Ninguém sabe”, pensou ela amargamente. “Ninguém sabe que estou sendo vendida como gado.” Ela manteve os olhos no chão, mas a cada passo se aproximava mais dele. E então, quando estava a apenas 3 m, ela ergueu o olhar. Gabriel estava olhando diretamente para ela e havia algo em seus olhos. “Piedade, tristeza?” Júlia não sabia.
Tio Marcos a entregou sem cerimônia, como quem se livra de um fardo, e foi sentar-se ao lado da esposa na primeira fileira. Júlia subiu os dois degraus até o altar. Suas mãos tremiam tanto que o buquê de rosas brancas balançava visivelmente. Gabriel estendeu a mão. Ela hesitou, então, lentamente, colocou sua mão na dele.
A mão dele era grande, quente, firme. Os dedos se fecharam suavemente ao redor dos dela e Júlia sentiu um arrepio subir por seu braço. O padre começou a cerimônia. Júlia mal ouvia as palavras. Algo sobre amor, compromisso, fidelidade, palavras vazias para um casamento vazio.
Gabriel Almeida, você aceita Júlia Santos como sua legítima esposa para amá-la e respeitá-la na alegria e na tristeza, na saúde e na doença todos os dias de sua vida? Aceito. A voz de Gabriel era profunda, firme, ressoando pela igreja. O padre se virou para ela. Júlia Santos, você aceita Gabriel Almeida como seu legítimo esposo para amá-lo e respeitá-lo na alegria e na tristeza, na saúde e na doença todos os dias de sua vida. Júlia abriu a boca, mas nenhum som saiu.
Seu coração batia tão forte que ela tinha certeza de que todos na igreja podiam ouvi-lo. Ela sentiu a mão de Gabriel apertar a sua muito suavemente. Não era ameaçador, era quase reconfortante. Júlia, o padre insistiu. Uma lágrima rolou por sua bochecha, manchando a maquiagem perfeita. Eu voz era um sussurro rouco. Eu aceito. As palavras saíram como uma confissão de derrota. O padre sorriu.
Alheio ao desespero silencioso da noiva. Então, pelo poder que me foi conferido, eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva. Júlia fechou os olhos, preparando-se para o inevitável, mas o beijo que veio não foi o que ela esperava. Gabriel se inclinou e seus lábios tocaram sua bochecha. Foi apenas um roçar suave. respeitoso Casto.
Quando ele se afastou, Júlia abriu os olhos confusa. Ele a encarava com aquela mesma expressão indecifrável. Os convidados aplaudiram. A música triunfal ecoou. A arroz foi jogado enquanto eles desciam o corredor de mãos dadas. Júlia estava casada e absolutamente apavorada com o que viria a seguir.
A recepção foi realizada no terraço Itália, no topo de um dos edifícios mais emblemáticos de São Paulo. Do 41º andar, a vista panorâmica da cidade se estendia infinitamente. Prédios iluminados, avenidas pulsando com vida, o edifício Copan, iluminado ao longe, a Avenida Paulista brilhando como uma artéria luminosa. de tirar o fôlego. Em qualquer outra circunstância, Júlia teria ficado maravilhada, mas naquele momento ela mal conseguia respirar.
Sentada à mesa principal, ao lado de Gabriel, ela empurrava a comida cara no prato, salmão grelhado com molho de alcaparras, risoto de fungue e porcine, mil iguarias que ela nem sabia pronunciar. Tudo tinha gosto de cinzas. Gabriel conversava com os convidados que se aproximavam em um fluxo constante, empresários, políticos, pessoas de poder que Júlia via apenas na televisão.
Ele falava em português fluente, seu sotaque carregando apenas um leve traço que ela não conseguia identificar completamente, mas que tornava sua voz ainda mais hipnótica. Parabéns, Gabriel, uma noiva linda. Um homem grisalho de terno azul marinho exclamou, apertando a mão dele com vigor. Obrigado, senador. Gabriel respondeu com educação cort, mas Júlia notou que seu sorriso não alcançava os olhos.
A cada poucos minutos, os olhos de Gabriel deslizavam para ela. Júlia sentia o peso daquele olhar, mas não conseguia encará-lo de volta. Seu estômago estava revirado demais. Você precisa comer alguma coisa. Gabriel disse baixinho, apenas para ela ouvir. Sua voz surpreendentemente gentil. Não estou com fome. Júlia respondeu, mantendo os olhos fixos no prato. Houve uma pausa.
Então, Gabriel pegou um garfo e colocou um pequeno pedaço de salmão em um prato limpo ao lado de alguns aspargos. Pelo menos isso. Ele empurrou o prato para mais perto dela. Você não comeu nada o dia todo. Como ele sabe disso? Júlia pensou, mas não perguntou. Ela pegou o garfo mais para evitar chamar atenção do que por qualquer desejo de comer e levou um pequeno pedaço à boca. A noite se arrastou como melaço. Discursos foram feitos.
Tio Marcos falou sobre abençoada união com uma falsidade que fez Júlia sentir náuseas. Gabriel fez um discurso curto, agradecendo a presença de todos, sua voz firme e controlada. Em nenhum momento ele mencionou o amor. Júlia notou isso. Era como se ambos estivessem encenando uma peça, recitando falas que não sentiam.
Quando finalmente chegou a hora da valça dos noivos, Júlia sentiu o pânico apertar sua garganta. Gabriel se levantou e estendeu a mão. Seus olhos verdes encontraram os dela. E, por um breve segundo, Júlia jurou ter visto compreensão neles, como se ele soubesse exatamente o que ela estava sentindo. “Vamos?”, ele perguntou suavemente. Júlia colocou sua mão na dele e se deixou ser guiada até o centro do salão. As luzes diminuíram.
Um holofóte os iluminou. A música começou. Uma valsa clássica, suave e melancólica. Gabriel colocou uma mão na cintura dela, firme, mas não apertando. Com a outra, segurou sua mão. Eles começaram a dançar. Júlia manteve os olhos fixos no peito dele, no smoking preto impecável, na gravata de seda preta.
Qualquer coisa para evitar olhar em seu rosto. Você dança bem. Gabriel comentou enquanto a conduzia pela pista com uma facilidade que sugeria anos de prática. Minha mãe me ensinou”, Júlia respondeu automaticamente e então sua voz falhou. Falar da mãe sempre abria uma ferida que nunca cicatrizava completamente. Ela sentiu Gabriel a puxar levemente para mais perto, quase imperceptivelmente.
“Sinto muito”, ele disse. E havia algo genuíno em sua voz. “Sei que perdeu seus pais, jovem.” Júlia finalmente ergueu os olhos para ele. De perto, os olhos de Gabriel eram ainda mais impressionantes. Verde escuros com pequenas manchas douradas, cercados por cílios escuros. Havia linhas finas nos cantos, marcas do tempo.
E Júlia suspeitava de muitas preocupações. “Como você sabe disso?”, ela perguntou. “Sua voz apenas um sussurro. Eu sei muitas coisas sobre você, Júlia”, ele respondeu. E não havia ameaça em suas palavras. Apenas constatação. Sei que você gosta de ler, que seu autor favorito é Machado de Assis, que sonhava em fazer faculdade de letras na USP. Sei que seus tios nunca permitiram.
Sei que você tem medo de tempestades e que sua cor favorita é verde água. Júlia o encarou chocada. Como? Como você sabe tudo isso? Gabriel deu um pequeno sorriso triste, porque eu precisava saber com quem estava me casando. Mesmo que você não tivesse a mesma opção. A música terminou. Os convidados aplaudiram, mas Júlia permaneceu imóvel por um longo momento, encarando aquele homem que de repente parecia menos assustador e mais intrigante. Então tio Marcos subiu ao pequeno palco e pegou o microfone.
“Senhoras e senhores, é chegada a hora de os noivos partirem para a lua de mel”, ele anunciou com entusiasmo falso. Júlia sentiu o sangue gelar em suas veias, a lua de mel, a parte que ela mais temia. Gabriel deve ter sentido ela tremer ao seu lado, porque ele se inclinou e sussurrou em seu ouvido: “Respire, apenas respire.” Mas como ela podia respirar quando sabia o que viria a seguir? Eles foram escoltados para fora do terraço Itália, sob uma chuva de pétalas de rosas, um carro preto, luxuoso, esperava na entrada. Um motorista uniformizado abriu a porta.
Júlia entrou no banco de trás, seu vestido volumoso preenchendo metade do espaço. Gabriel entrou depois dela e a porta se fechou com um clique suave que suou como uma sentença final. O carro começou a se mover, deslizando pelas ruas iluminadas de São Paulo.
Para onde estamos indo? Júlia finalmente reuniu coragem para perguntar. Gabriel olhou pela janela antes de responder: “Angra dos Reis, tem uma propriedade lá. Uma ilha particular. Uma ilha particular? Claro, porque homens normais tinham apartamentos de férias, mas bilionários tinham ilhas. Quanto tempo vamos ficar?”, sua voz estava tensa, controlada. “Cinco dias.
” Gabriel respondeu, virando-se para encará-la. “Júlia, eu sei que você está com medo. Você não sabe nada.” Ela retrucou, surpreendendo a si mesma com a acidez em sua voz. Você está certa. Ele concordou para seu espanto. Eu não sei exatamente como você se sente, mas posso imaginar. Júlia virou o rosto, olhando pela janela. As luzes da cidade passavam em um borrão.
Ela piscou rapidamente, tentando conter as lágrimas que ameaçavam transbordar. “Por que você fez isso?”, ela perguntou, sua voz quebrada. “Por que você concordou com esse esse negócio?” Houve uma longa pausa. Quando Gabriel finalmente respondeu, sua voz estava carregada de algo que Júlia não conseguiu identificar.
Porque eu também tinha minhas razões, ele disse simplesmente. E porque, apesar de tudo, eu prometi a mim mesmo que faria isso da maneira certa. Júlia não entendeu o que ele quis dizer e tinha medo demais de perguntar. Eles chegaram a um aeroporto privado nos arredores de São Paulo. Júlia nem sabia que existiam aeroportos assim, pequenos, exclusivos. discretos.
Um helicóptero negro esperava na pista, suas hélices já girando preguiçosamente. Gabriel saiu primeiro e estendeu a mão para ajudá-la. Júlia pegou, seus dedos tremendo visivelmente agora. Dentro do helicóptero, ela colocou os fones de ouvido que abafavam o barulho ensurdecedor das hélices. Gabriel sentou-se ao seu lado, tão próximo que seus ombros se tocavam.
A aeronave decolou e São Paulo ficou para trás, transformando-se em um mar de luzes que gradualmente desapareceu na escuridão. Júlia fechou os olhos tentando controlar o pânico que crescia em seu peito como uma fera enjaulada. Em algumas horas estariam sozinhos, completamente sozinhos.
E ela não fazia ideia do que aconteceria quando a porta se fechasse atrás deles. O voo durou pouco mais de uma hora, mas para Júlia pareceu uma eternidade. Ela manteve os olhos fechados a maior parte do tempo, fingindo dormir, embora soubesse que não estava enganando ninguém, muito menos Gabriel, que permaneceu em silêncio respeitoso ao seu lado. Quando o helicóptero começou a descer, Júlia abriu os olhos e prendeu a respiração.
Mesmo na escuridão da noite, iluminada apenas por um luar generoso, a ilha era de uma beleza estonteante. Águas negras, como tinta circundavam uma massa de terra coberta de vegetação densa. Palmeiras se curvavam suavemente com a brisa marinha. E no centro, empoleirada em uma elevação suave, uma casa moderna de vidro e madeira brilhava com luz dourada. O helicóptero pousou em um eliporto perfeitamente iluminado.
Gabriel desceu primeiro e, mais uma vez, estendeu a mão para ajudá-la. Júlia saiu e o vestido de noiva imediatamente se tornou um obstáculo ridículo. O tecido pesado arrastava pela superfície do eliporto e ela tropeçou. Gabriel a segurou pelo cotovelo firme, “Com cuidado”, ele disse, e havia genuína preocupação em sua voz. Um casal de meia idade aguardava na entrada da casa.
A mulher de cabelos grisalhos presos em um coque sorriu calorosamente. O homem alto e magro acenou. Dona Amélia cuida da casa. Gabriel explicou enquanto caminhavam. E seu João é responsável pela manutenção e pela lancha. Eles moram em uma casinha do outro lado da ilha, mas estarão disponíveis se precisarmos de qualquer coisa. Seja muito bem-vinda, senora Almeida.
Dona Amélia disse com genuína simpatia: “Preparei um jantar leve, caso estejam com fome.” “Senora Almeida, o nome soou estranho aos ouvidos de Júlia. Ela não era Júlia Santos mais, era Júlia Almeida agora, a esposa do bilionário. Obrigada, dona Amélia, Gabriel respondeu. Mas acho que só precisaremos de um pouco de privacidade por enquanto. Claro, claro. A mulher assentiu compreensiva. Deixei toalhas limpas no banheiro e a água e frutas no quarto.
Qualquer coisa é só me chamar. Ela e o marido se retiraram discretamente, desaparecendo por um caminho iluminado por pequenas luzes no chão, que levava presumivelmente a casa deles. E então Júlia estava sozinha com Gabriel. A casa era impressionante. Piso de madeira clara, paredes de vidro que ofereciam vista para o oceano, decoração minimalista, mas elegante.
Gabriel a guiou por uma escada em espiral até o segundo andar. Este é o quarto principal”, ele disse, abrindo uma porta de madeira de demolição. Júlia entrou e teve que admitir: era magnífico. A parede inteira de frente para o mar era de vidro, oferecendo uma vista desobstruída do oceano prateado sob a lua.
Uma enorme cama kingsize dominava o centro do quarto, coberta com lençóis brancos imaculados. Velas aromáticas estavam distribuídas pela superfície, criando uma atmosfera romântica que fazia o estômago de Júlia revirar. “O banheiro é por aqui.” Gabriel apontou para uma porta à direita. “Tem banheira de hidromassagem, chuveiro com ducha, tudo que você possa precisar”. Dona Amélia deixou alguns camisões para você no closet.
Júlia permaneceu imóvel no meio do quarto, seus braços cruzados sobre o peito em uma postura defensiva clara. Gabriel a observou por um longo momento, então suspirou suavemente e caminhou até ela. Júlia deu um passo para trás instintivamente. Ele parou, mantendo distância. Júlia? Sua voz era surpreendentemente gentil. Olhe para mim. Ela ergueu os olhos relutantemente.
A luz suave das velas, o rosto de Gabriel tinha uma qualidade quase vulnerável. Eu sei que você não queria isso. Ele começou escolhendo as palavras cuidadosamente. Sei que seus tios a forçaram a este casamento por razões egoístas, mas preciso que você entenda uma coisa muito importante. Ele deu um passo para mais perto, mas ainda mantendo uma distância respeitosa.
Está segura? Júlia? Piscou confusa pela pergunta estranha. O quê? Está segura? Ele repetiu mais devagar, como se cada palavra carregasse um peso imenso. Essa é a pergunta mais importante que vou te fazer esta noite e todas as outras noites. Está segura? Você está segura comigo, Júlia? Não vou tocá-la a menos que você queira. Não vou forçá-la a nada.
Este casamento pode ter sido uma imposição, mas seu corpo, suas escolhas, sua vontade, tudo isso é só seu. Júlia o encarou sem palavras. De todas as coisas que ela esperava que ele dissesse, aquilo não estava nem remotamente na lista. Gabriel caminhou até o sofá no canto do quarto e pegou um travesseiro e um cobertor que estavam dobrados ali.
Vou dormir no sofá da sala, ele anunciou calmamente. Esta cama, este quarto são seus. Quando e se um dia você quiser que eu fique, você me dirá, mas só quando você se sentir segura de verdade. Ele começou a caminhar em direção à porta, mas parou no batente, virando-se mais uma vez.
Está segura, Júlia? Ele perguntou de novo. E agora ela podia ver a sinceridade ardente em seus olhos. Preciso ouvir você dizer. A garganta de Júlia estava apertada. Lágrimas ardiam em seus olhos. Toda a atenção, todo o medo, toda a raiva que ela havia segurado por semanas, finalmente encontraram uma saída. Uma lágrima rolou por sua bochecha.
Estou, ela sussurrou, a voz rouca. Estou segura. Gabriel assentiu lentamente e Júlia jurou ter visto alívio em seu rosto. Boa noite, Júlia, ele disse suavemente e então saiu fechando a porta atrás de si com um clique suave. Júlia ficou parada no meio do quarto por vários minutos. em completo choque.
Então, lentamente, suas pernas fraquejaram e ela se deixou cair no chão, o vestido de noiva se espalhando ao seu redor como uma nuvem branca. E pela primeira vez desde que soube do casamento forçado, Júlia chorou, não de medo ou desespero, mas de algo que ela não conseguia nomear. Alívio, confusão, gratidão, ela não sabia. Mas pela primeira vez em semanas, Júlia se permitiu sentir algo além de terror.
Depois de um tempo indeterminado, ela se levantou e foi até o banheiro. Levou quase 20 minutos para sair do vestido de noiva. Havia milhões de botõezinhos minúsculos nas costas que ela precisou desabotoar por Tátil, contorcendo os braços desajeitadamente. Finalmente, livre da prisão de renda e pérolas, ela tomou um banho longo e quente, deixando a água massagear os músculos tensos de seu pescoço e ombros.
No closet, ela encontrou vários camisões de seda. Escolheu o mais simples, um camisão branco de manga curta que ia até os joelhos. Quando finalmente se deitou na cama gigantesca, Júlia esperava ficar acordada a noite toda, a mente girando com tudo que havia acontecido. Mais exausta emocional e fisicamente, ela caiu no sono quase instantaneamente e, pela primeira vez em muito tempo, dormiu sem pesadelos.
Júlia acordou com o som de ondas quebrando suavemente na praia. Por um momento, desorientada, ela não soube onde estava. Então, a memória veio como uma onda. O casamento, o helicóptero, a ilha. Gabriel dizendo, “Está segura?” Ela se sentou na cama, o cabelo despenteado caindo sobre os ombros.
A luz do sol entrava pelas imensas janelas de vidro, banhando o quarto em tons dourados. Pela primeira vez, Júlia pôde ver a vista completa. O oceano azul turquesa se estendia até onde seus olhos alcançavam, as ondas formando linhas brancas de espuma. Palmeiras se curvavam graciosamente na brisa matinal. Era paradisíaco. Ela olhou para o relógio na mesinha de cabeceira 847.
Seu estômago roncou, lembrando-a de que havia comido muito pouco no dia anterior. Relutantemente, Júlia levantou-se e foi até o banheiro. Lavou o rosto, escovou os dentes com os produtos que estavam meticulosamente organizados na bancada de mármore e penteou os cabelos.
Ainda vestindo o camisão branco, ela abriu a porta do quarto com cautela e desceu a escada em espiral. A casa estava silenciosa. Júlia explorou o andar de baixo. Uma sala de estar ampla com sofás brancos e almofadas azul turquesa, uma cozinha gourmet toda equipada, uma sala de jantar com mesa de madeira que comportava facilmente 12 pessoas. E então ela o viu. Gabriel estava na varanda que se estendia da sala de estar, apoiado no corrimão de madeira.
Olhando para o mar, ele havia trocado o smoking por roupas casuais, uma camisa branca de linho com as mangas dobradas até os cotovelos e calças de alfaiataria cinza claras. Os cabelos estavam ligeiramente desarrumados pelo vento. Ele parecia diferente, menos intimidador, mais humano, como se sentisse sua presença. Gabriel virou-se. Seus olhos se encontraram. Por um momento, nenhum dos dois disse nada.
Bom dia. Gabriel foi o primeiro a falar, sua voz suave. Dormiu bem? Dê. Sim. Júlia respondeu surpresa por ser verdade. Gabriel gesticulou para uma mesa na varanda, onde um café da manhã completo estava disposto. Frutas tropicais frescas, mamão, manga, abacaxi, pães ainda quentes, geleias artesanais, queijos, sucos, café em uma cafeteira francesa. Dona Amélia preparou antes de ir para a vila do continente fazer compras. Ele explicou. Ela volta amanhã.
Até lá, teremos a ilha só para nós. A ideia deveria tê-la assustado, mas estranhamente não assustou. Júlia se aproximou hesitante e sentou-se em uma das cadeiras. Gabriel esperou até que ela estivesse sentada antes de ocupar a cadeira oposta, mantendo a mesa entre eles. Uma distância respeitosa. “Você come mamão?”, ele perguntou, pegando uma fatia e colocando no prato dela antes de esperar resposta.
Júlia assentiu, sem saber o que dizer. Gabriel adicionou outras frutas ao prato, serviu o suco de laranja fresco em seu copo, colocou um pão francês quentinho com manteiga. “Você deve estar faminta”, ele comentou, preparando seu próprio prato. Eles comeram em silêncio por alguns minutos. Júlia tinha que admitir, estava delicioso.
O mamão era doce e suculento, o pão estaladiço por fora e macio por dentro. Júlia. Gabriel começou e ela ergueu os olhos para encontrá-lo, observando-a com atenção. Está segura? A pergunta de novo. Aquela pergunta estranha que ele fez na noite anterior. Por que você continua perguntando isso? Ela finalmente reuniu coragem para perguntar.
Gabriel pousou o garfo, seus olhos verdes fixos nela, com uma intensidade que a fez querer desviar o olhar, mas ela se forçou a mantê-lo. Por que é importante? Ele respondeu simplesmente, mais importante do que qualquer outra coisa. Mas por quê? Júlia insistiu. Eu não. Eu não entendo. Gabriel ficou em silêncio por um longo momento, como se estivesse decidindo quanto revelar. Finalmente ele suspirou e olhou para o oceano.
Quando eu tinha 20 anos, minha mãe ainda estava viva. Ele começou, sua voz assumindo um tom distante, quase melancólico. Ela foi forçada a se casar com meu pai quando tinha apenas 17 anos. Uma união arranjada entre famílias, muito comum naquela época na Itália, de onde minha família veio. Júlia se inclinou para a frente, surpresa.
Gabriel raramente falava sobre sua vida pessoal, pelo menos não no pouco que ela conhecia dele. Meu pai era difícil. Gabriel continuou escolhendo as palavras com cuidado. Controlador, autoritário. Minha mãe nunca teve voz, nunca teve escolha em nada. Eu cresci vendo o medo nos olhos dela toda vez que meu pai entrava na sala. Cresci vendo-a encolher, tornar-se menor, apagar-se lentamente. Sua mandíbula se apertou.
Ela morreu quando eu tinha 25 anos. Ataque cardíaco fulminante, disseram os médicos. Mas eu sabia a verdade. Ela morreu de tristeza, de uma vida inteira de sentir-se prisioneira. Gabriel virou-se para encará-la de novo e Júlia viu dor genuína em seus olhos. Eu jurei para mim mesmo, no funeral dela, que se algum dia me casasse, minha esposa jamais sentiria o que minha mãe sentiu. Jamais teria medo de mim, jamais se sentiria presa.
Ele fez uma pausa e quando falou novamente, sua voz estava carregada de emoção. Você não escolheu estar aqui, Júlia. Você foi forçada assim como minha mãe foi, mas ao contrário do que aconteceu com ela, eu posso garantir que neste casamento você terá escolha sobre tudo, especialmente sobre seu próprio corpo, sua própria intimidade.
Por isso eu pergunto, está segura? Porque preciso que você saiba todos os dias que está. Júlia sentiu lágrimas quentes rolarem por suas bochechas. Ninguém, ninguém em toda a sua vida, havia se preocupado tanto com o que ela sentia, com o que ela queria. Eu eu não sei o que dizer”, ela sussurrou. “Você não precisa dizer nada”, Gabriel respondeu gentilmente.
“Só precisa saber que é verdade.” Eles ficaram em silêncio, o som das ondas preenchendo o espaço entre eles. Então, Gabriel se levantou. “Vou te deixar terminar o café em paz.” Ele disse. “Se precisar de mim, estarei no escritório, no térrio. Tenho algumas ligações para fazer”. Ele começou a se afastar, mas Júlia o chamou.
“Gabriel!”, Ele parou e se virou. “Obrigada”, ela disse simplesmente por por tudo. Gabriel deu um pequeno sorriso, o primeiro sorriso genuíno que ela via nele. “Não precisa agradecer por ser tratada com respeito, Júlia. Isso deveria ser o mínimo.” E com essas palavras, ele entrou na casa, deixando Júlia sozinha na varanda com seus pensamentos turbulentos.
Ela olhou para o oceano, o vento brincando com seus cabelos. Uma parte dela ainda estava assustada, ainda incerta, mas uma parte pequena e hesitante começava a pensar que talvez, apenas talvez, tudo não seria tão terrível quanto ela havia imaginado. E essa possibilidade era, ao mesmo tempo aterrorizante e emocionante.
Os dias na ilha adquiriram um ritmo próprio, quase onírico. Júlia acordava com o sol nascente, tomava café da manhã na varanda com Gabriel e então cada um seguia para seus próprios espaços. Ela geralmente ficava lendo na rede que estava amarrada entre duas palmeiras na frente da casa e ele trabalhava no escritório.
Mas sempre, sem falta, Gabriel aparecia e perguntava: “Está segura?” Às vezes era durante o almoço leve que eles preparavam juntos na cozinha, outras vezes era durante um passeio pela praia ao entardecer. Mas a pergunta sempre vinha e Júlia começou a esperar por ela, a encontrar conforto nela. No terceiro dia, Gabriel a surpreendeu com um convite. “Você gosta de mergulhar?”, ele perguntou enquanto terminavam o café da manhã.
“Nunca tentei, Júlia admitiu. Meus pais queriam me levar para a praia quando eu fosse mais velha, mas sua voz falhou, mas nunca tiveram a chance.” Gabriel assentiu compreensivamente, não forçando o assunto. “Que tal tentarmos hoje? A água aqui é cristalina e há um recife de corais a poucos metros da praia que é incrível.” Júlia hesitou.
Mas havia algo no convite, na maneira gentil como Gabriel o fez, que a fez querer dizer sim. Tudo bem, ela concordou. Uma hora depois, vestida em um maiô que dona Amélia havia providenciado antes de partir, um maiô discreto de uma peça preto que cobria adequadamente, mas ainda assim fazia Júlia se sentir exposta, Júlia estava na praia com Gabriel. Ele usava uma sunga preta simples e Júlia tentou não olhar para o corpo dele.
Ombros largos, braços definidos, abdômen marcado, mas não exagerado. Para um homem de 47 anos, Gabriel estava em forma impressionante. Primeiro vamos praticar a respiração. Gabriel instruiu, mostrando como usar o snorkel. É simples. Respire normalmente pela boca através deste tubo. Se entrar água, basta soprar forte para limpar.
Ele foi paciente, respondendo a todas as suas perguntas, demonstrando várias vezes. Finalmente eles entraram na água. Era mais quente do que Júlia esperava, abraçando seu corpo como um cobertor líquido. Gabriel nadou ao lado dela, sempre mantendo uma distância respeitosa, mais próximo o suficiente para que ela soubesse que ele estava lá.
“Agora coloque o rosto na água”, ele instruiu. Júlia hesitou, o coração batendo forte. Então respirou fundo através do snorkel e mergulhou o rosto. E o mundo explodiu em cores. Abaixo dela, um universo inteiro se revelou. Peixes de todas as cores imagináveis nadavam entre corais que pareciam jardins submarinos.
Azuis elétricos, amarelos vibrantes, verdes neon, laranjas flamejantes. Era mágico. Júlia soltou um grito abafado de pura alegria através do snorkel. Gabriel nadou ao lado dela, apontando para diferentes peixes, fazendo gestos que ela interpretava como: “Olhe ali ou veja aquele”. Eles ficaram na água por mais de uma hora, explorando o Recife. E Júlia sentiu algo que não sentia há anos, pura simples felicidade.
Quando finalmente saíram, se jogando na areia quente da praia, ambos rindo e sem fôlego, Júlia se virou para Gabriel. Isso foi incrível”, ela disse ainda esbaforida. “Obrigada por me mostrar.” Gabriel estava deitado de costas na areia, os olhos fechados contra o sol, um sorriso genuíno em seu rosto. “Foi um prazer”, ele respondeu. “Ver sua reação valeu mais do que qualquer mergulho que já fiz sozinho.
” Eles ficaram ali na areia em um silêncio confortável. Júlia olhou para o céu azul sem nuvens, sentindo o calor do sol em sua pele, ouvindo o som rítmico das ondas. E pela primeira vez, desde que soube do casamento, ela se permitiu apenas existir, sem medo, sem ansiedade, sem pensar no futuro ou lamentar o passado, apenas existir naquele momento.
“Júlia”, Gabriel disse suavemente e ela virou a cabeça para olhá-lo. Ele estava apoiado em um cotovelo, observando-a. “Está segura?” E desta vez, quando ela respondeu, não havia hesitação. Estou, ela disse. E significava de verdade. Aquela noite, depois do jantar que prepararam juntos, um peixe fresco que seu João havia deixado, grelhado com limão e ervas, eles se sentaram na varanda sob um céu repleto de estrelas.
Gabriel havia preparado uma fogueira na praia e eles a observavam de longe, as chamas dançando na escuridão. “Posso te fazer uma pergunta?” Júlia reuniu coragem. Qualquer coisa. Gabriel respondeu. Por que você aceitou esse casamento? Você poderia ter qualquer mulher.
Por que concordar em se casar com alguém que você nem conhecia? Gabriel ficou em silêncio por tanto tempo que Júlia pensou que ele não iria responder. Então ele suspirou. Porque estou cansado de estar sozinho? Ele admitiu sua voz baixa. Construí um império. Tenho mais dinheiro do que poderia gastar em 10 vidas. aparece constantemente em listas das pessoas mais ricas do Brasil.
Mas no final do dia, quando volto para casa, não há ninguém, nenhum riso, nenhuma conversa, nenhum calor. Ele olhou para as estrelas. Tentei relacionamentos convencionais, mas cada mulher que se aproximava estava interessada no meu dinheiro, meu status. O que eu poderia dar a elas? Ninguém via, apenas eu, o homem por trás da fortuna. Gabriel se virou para encará-la.
Quando seus tios me procuraram com a proposta, minha primeira reação foi recusar. Era absurdo, medieval. Mas então eles me mostraram uma foto sua, me falaram sobre você e eu fiquei curioso. Fiz minhas próprias investigações, descobri sobre sua história, seus sonhos, o que você gostava e vi algo genuíno, algo real. Mas você sabia que eu estava sendo forçada. Júlia apontou sem acusação, apenas constatação.
Sabia, ele admitiu, e por isso estabeleci minhas próprias regras. Eu concordei com o casamento, mas não com tudo que seus tios esperavam que viesse depois. Eles achavam que eu iria apenas tomar o que quisesse, mas eu não sou esse homem. Júlia sentiu algo se movendo em seu peito. Compreensão talvez, ou o início de algo mais.
Você se arrependeu? Ela perguntou suavemente. De ter concordado. Gabriel a encarou com aqueles olhos verdes intensos. Não ele disse com convicção. Nem por um segundo. E você? Júlia pensou antes de responder. A resposta honesta era complicada. Eu me arrependo de ter sido forçada, ela disse lentamente, de não ter tido escolha.
Mas não me arrependo de estar aqui agora, neste momento. Isso é estranho? Não, Gabriel respondeu. Acho que é perfeitamente humano. Eles voltaram a ficar em silêncio, mas não era um silêncio desconfortável, era o silêncio de duas pessoas que começavam a se entender. E quando Gabriel se levantou para ir dormir no sofá da sala, como fazia todas as noites, ele parou e perguntou: “Está segura, Júlia?” E ela respondeu com um sorriso pequeno, mas real: “Estou, Gabriel, estou segura.
” No quarto dia na ilha, Júlia acordou com o som de trovões distantes. Ela se levantou e caminhou até a janela de vidro. O céu, que havia sido azul perfeito nos últimos dias, agora estava carregado de nuvens escuras que se acumulavam no horizonte como exércitos prontos para a batalha. Uma tempestade de verão se aproximava.
Júlia sentiu um aperto familiar no peito desde o acidente que tirou seus pais. Tempestades a deixavam nervosa. Não era medo racional. Ela sabia disso. Mas sempre que o céu escurecia e os trovões começavam, ela sentia novamente aquela sensação de desamparo, de perda, de mundo desabando. Ela desceu para encontrar Gabriel já acordado, preparando café na cozinha. Bom dia.
Ele a cumprimentou, mas então franziu a testa ao ver sua expressão. O que houve? Nada. Júlia mentiu tentando sorrir. Só vai chover. Gabriel seguiu seu olhar para a janela, para o céu ameaçador. Você tem medo de tempestades? Ele constatou. Não era uma pergunta. Júlia assentiu relutantemente por causa do acidente.
Gabriel completou com compreensão e Júlia se perguntou mais uma vez quantos detalhes sobre sua vida ele realmente sabia. “Estará tudo bem”, ele disse gentilmente. “A casa é absolutamente segura, construída para resistir até furacões. Seu João verificou todos os sistemas ontem. Estamos perfeitamente protegidos.
” Júlia sabia que isso era verdade, logicamente, mas emoções não eram lógicas. O café da manhã foi tranquilo, mas Júlia mal tocou na comida, seu estômago revirado com ansiedade crescente, enquanto os trovões se aproximavam. Por volta das 10 da manhã, a tempestade chegou com força total. O céu escureceu como se fosse noite.
Relâmpagos rasgavam as nuvens em fractais brilhantes de luz branca. O vento uivava, fazendo as palmeiras se curvarem perigosamente. A chuva começou, não uma chuva gentil, mas uma torrente violenta que martelava contra as janelas de vidro como milhares de tambores. E então, sem aviso, a energia caiu. A casa mergulhou na escuridão.
Júlia, que estava na sala de estar tentando ler um livro que não conseguia se concentrar, soltou um grito abafado. Júlia! A voz de Gabriel veio do escritório. Está segura? Eu eu estou, ela respondeu, mas sua voz tremeu. Ela ouviu passos e então Gabriel estava ali, uma lanterna na mão iluminando seu rosto por baixo, criando sombras dramáticas.
“Vem comigo”, ele disse, estendendo a mão livre. Júlia hesitou apenas um segundo antes de pegar sua mão. Gabriel a guiou pela casa, subindo à escada, entrando em um quarto que ela não havia explorado antes. Uma biblioteca com estantes de madeira do chão ao teto, repletas de livros. “Senta aqui”, ele indicou um sofá grande de couro. Enquanto Júlia se sentava, Gabriel começou a acender velas.
Ele tinha dezenas delas estrategicamente colocadas por todo o cômodo. Lentamente, a biblioteca foi se enchendo de uma luz dourada e dançante. Sempre tenho velas por toda a casa”, Gabriel explicou enquanto acendia a última. Nunca se sabe quando vai precisar. Um trovão particularmente alto ecoou, fazendo a casa inteira tremer.
Júlia se encolheu no sofá, abraçando uma almofada contra o peito. Gabriel se sentou ao lado dela, não perto demais, mantendo uma distância respeitosa, mas perto o suficiente para que ela soubesse que ele estava ali. “Quer conversar?”, ele ofereceu. “Ou prefere ficar em silêncio?” Conversar, Júlia respondeu rapidamente. Silêncio significava ouvir a tempestade.
E isso era a última coisa que ela queria. Sobre o quê? Qualquer coisa. Ela disse. Me conta, me conta sobre você, sobre sua vida antes de eu entrar nela. Gabriel se acomodou no sofá pensativo. Bem, nasci em São Paulo, mas meus pais vieram da Itália quando eram jovens. Ele começou. Meu pai tinha grandes ambições, queria fazer fortuna no Brasil e conseguiu, de certa forma, construiu uma empresa de importação e exportação que foi bastante bem-sucedida. Um relâmpago iluminou a sala, seguido quase imediatamente por um
trovão ensurdecedor. Júlia se encolheu. Gabriel continuou falando, sua voz calma e constante, uma âncora na tempestade, mas ele era um homem difícil, como eu disse, obsecado com trabalho, com status, com aparências. Minha mãe era o oposto, gentil, amorosa, criativa. Ela pintava, você sabia? Aquarelas lindas de paisagens italianas que ela não via desde a infância.
Igual à minha mãe! Júlia sussurrou. Ela também pintava. Gabriel sorriu. Eu sei. Foi uma das primeiras coisas que descobri sobre você. Outro trovão, este mais distante. Gabriel notou que Júlia relaxou um pouco. “Continua”, ela pediu. “Quando minha mãe morreu, eu tinha 25 anos e acabava de terminar meu MBA na Harvard Business School.” Ele prosseguiu.
Meu pai queria que eu assumisse a empresa dele, mas eu não queria. Não queria nada que tivesse a ver com ele. Sua voz ficou dura. Então eu peguei o dinheiro que minha mãe me deixou em segredo. Ela tinha uma herança dos pais dela que meu pai não sabia.
e comecei minha própria empresa, tecnologia, investimentos, algo completamente diferente do negócio dele. E você conseguiu? Júlia observou. Consegui. Gabriel confirmou. Trabalhei 18 horas por dia, sete dias por semana por anos. Construí um império. Provei que não precisava do meu pai, da empresa dele, do nome dele e seu pai.
Onde ele está agora? A mandíbula de Gabriel se apertou. Morreu há 10 anos. Farto. Eu estava em uma reunião em Nova York quando recebia a ligação. Voltei para o Brasil, para o funeral, mas não senti nada, nem tristeza, nem raiva, apenas vazio. A chuva agora era um tamborilar constante, mas menos violento. A pior parte da tempestade estava passando. Nunca se reconciliaram. Júlia perguntou suavemente. Não. Gabriel respondeu.
Ele morreu acreditando que eu era um fracasso, porque rejeitei o caminho que ele escolheu para mim e eu deixei que acreditasse nisso. Ele olhou para Júlia. Arrependimento é uma coisa estranha. Você carrega ele não pelo que fez, mas pelo que não fez. Eu poderia ter tentado falar com ele e fazer as pazes, mas não tentei. E agora é tarde demais.
Júlia estendeu a mão e, surpreendendo a si mesma, tocou o braço de Gabriel. “Você não pode mudar o passado”, ela disse. “Só pode escolher como viver o presente.” Gabriel olhou para onde a mão dela tocava seu braço, então para o rosto dela. Havia algo novo em seus olhos, vulnerabilidade misturada com outra coisa que Júlia não conseguiu identificar. “E por isso que pergunto todo dia”, ele disse suavemente.
“Está segura, Júlia? A mão dela ainda estava em seu braço. Ela não a retirou. Estou, ela respondeu. E algo mudou no arre. Uma eletricidade que não tinha nada a ver com os relâmpagos lá fora. Lentamente, Gabriel levantou sua mão e a pousou sobre a de Júlia que estava em seu braço. Seus dedos entrelaçaram com os dela.
“Está segura?”, ele perguntou de novo. Mais baixo agora, quase um sussurro. O coração de Júlia batia forte, mas não de medo, de algo completamente diferente. Estou, ela repetiu. Eles permaneceram assim, mãos entrelaçadas, olhando um para o outro à luz dançante das velas, enquanto a tempestade lá fora gradualmente se acalmava.
E Júlia percebeu, com um misto de surpresa e inevitabilidade, que estava começando a ver Gabriel não como seu captor ou mesmo como seu marido forçado, mas como um homem, apenas um homem com suas próprias dores, suas próprias cicatrizes, sua própria solidão. Um homem que talvez ela estivesse começando a entender e talvez, apenas talvez a sentir algo mais.
O quinto e último dia na ilha amanheceu com um céu limpo e azul, como se a tempestade da noite anterior nunca tivesse acontecido, mas algo havia mudado entre Júlia e Gabriel. Havia uma facilidade agora, uma proximidade que não existia antes.
Durante o café da manhã na varanda, seus dedos se tocaram acidentalmente, ao mesmo tempo que alcançavam a garrafa de suco. Ambos sorriram, um sorriso tímido, mas genuíno. “Então voltamos para São Paulo hoje à noite”, Júlia comentou, tentando esconder a pontada de desapontamento em sua voz. Sim, Gabriel confirmou. O helicóptero vem nos buscar às 6, mas ainda temos o dia todo aqui. Ele fez uma pausa, então continuou.
Na verdade, eu pensei que poderíamos fazer algo especial. Há uma parte da ilha que eu não te mostrei ainda. Um lugar bem particular. Júlia inclinou a cabeça, curiosa. Onde? Gabriel sorriu misteriosamente. É surpresa. Mas precisamos caminhar um pouco. Você está disposta? Claro. Júlia concordou. sem hesitar. Depois do café, ambos trocaram de roupa.
Júlia vestiu um short jeans e uma blusa leve de algodão branca. Gabriel usava uma camisa de linho azul clara e bermuda bege. Eles começaram a caminhada pela trilha que serpenteava pela ilha. A vegetação era densa. Palmeiras, arbustos floridos, árvores antigas cobertas de trepadeiras.
O som de pássaros tropicais ecoava, misturando-se com o constante murmúrio do oceano. “Comprei esta ilha há 5 anos”, Gabriel contou enquanto caminhavam. “A primeira vez que a vi, algo em mim assentou, como se eu finalmente tivesse encontrado um lugar onde pudesse apenas ser, não trazer trabalho, reuniões, pressões.” Júlia completou, entendendo? Exatamente. Ele concordou, sorrindo para ela.
“Você entende?” A trilha começou a subir, ficando mais íngrem um ponto, Júlia tropeçou em uma raiz exposta. Gabriel imediatamente segurou seu cotovelo, estabilizando-a. “Cuidado”, ele disse. E seus olhos se encontraram. Por um momento, eles ficaram assim, a mão dele em seu cotovelo, muito perto um do outro. Júlia podia sentir o calor dele, cheirar seu perfume, algo amadeirado e masculino. “Está segura?”, Gabriel perguntou.
Mas desta vez havia algo diferente em sua voz, uma intensidade nova. Estou, Júlia, sussurrou. Gabriel não soltou seu cotovelo imediatamente. Seus olhos percorreram o rosto dela como se estivesse memorizando cada detalhe. Então ele se afastou e eles continuaram caminhando. Finalmente a trilha abriu em uma clareira no topo de uma pequena colina e Júlia prendeu a respiração.
Era uma cachoeira, não grande, mas perfeita, água cristalina caindo de uma formação rochosa coberta de musgo para uma piscina natural cercada por pedras lisas e vegetação exuberante. Raios de sol filtravam através das folhas, criando padrões de luz dançantes na água. Ó meu Deus! Júlia sussurrou. É lindo. Pensei que você gostaria, Gabriel disse, observando sua reação com satisfação evidente.
Eles se aproximaram da piscina natural. Gabriel tirou os sapatos e mergulhou os pés na água. Está perfeita. Ele anunciou. Quer entrar? Júlia hesitou apenas um segundo antes de tirar as sandálias e se juntar a ele. A água era surpreendentemente morna, aquecida pelo sol que batia nas pedras rasas.
Eles ficaram ali sentados lado a lado na beira da piscina, pés balançando na água em um silêncio confortável. Júlia, Gabriel finalmente falou. Quero te dizer algo se virou para olhá-lo, o coração acelerando inexplicavelmente. Estes cinco dias, ele começou escolhendo as palavras cuidadosamente. Foram os melhores dias que tive em muito, muito tempo. Não por causa da ilha ou do sol ou do mar, mas por causa de você.
Júlia sentiu suas bochechas esquentarem. Você me lembrou o que é simplesmente viver. Ele continuou. Não trabalhar, não construir, não perseguir a próxima meta, apenas existir no momento. Eu havia esquecido como fazer isso. Ele se virou completamente para encará-la, seus joelhos agora se tocando. E eu sei que isso tudo começou de uma maneira terrível.
Sei que você foi forçada e que eu fui a causa disso, mesmo que indiretamente, mas eu espero, eu realmente espero que possamos construir algo real, algo que escolhemos, não algo que foi escolhido para nós. Júlia sentiu lágrimas picar em seus olhos. Eu não sei o que estou sentindo ela admitiu honestamente. Tudo isso é tão confuso. Há uma semana eu te odiava sem nunca ter te conhecido.
E agora? Agora? Gabriel pressionou gentilmente. Agora não sei ela respondeu. Mas não é ódio. Definitivamente não é ódio. Gabriel sorriu um sorriso triste, mas esperançoso. É suficiente, ele disse. Por enquanto é mais do que suficiente. Ele ficou de pé e estendeu a mão. Vamos nadar. Júlia olhou para a água tentadora, então para Gabriel. Não trouxe maiô. Pode entrar de roupa.
Ele sugeriu com um sorriso travesso. Vai secar rápido no caminho de volta. E então, surpreendendo a si mesma, Júlia riu. Uma risada genuína, livre, alegre. Você é louco? Ela disse. Talvez. Ele concordou. Então vem. Júlia pegou sua mão e se levantou. E antes que pudesse pensar demais sobre isso, ela pulou na piscina natural.
estiu vestida, Gabriel pulando logo atrás dela. A água os engolfou, fresca e límpida. Júlia emergiu rindo, o cabelo grudado no rosto, a roupa colada ao corpo. Gabriel emergiu ao lado dela, também rindo, parecendo anos mais jovem. Eles nadaram, brincaram, espirraram água um no outro como crianças.
E por aquelas horas preciosas, Júlia não pensou em casamentos forçados, tios cruéis ou futuros incertos. Ela apenas existiu livre e leve no momento presente. Quando voltaram para a casa, tarde da tarde, ambos estavam molhados, mas felizes. Júlia tomou um banho demorado, preparando-se mentalmente para deixar a ilha para voltar à realidade. O jantar de despedida foi simples, mas delicioso.
Dona Amélia havia voltado e preparado uma moqueca capixaba tradicional que encheu a casa de aromas maravilhosos. Vou sentir falta daqui. Júlia admitiu enquanto comiam na varanda, observando o pôr do sol pintar o céu de laranjas e rosas. Podemos voltar sempre que quiser. Gabriel ofereceu. Esta ilha é nossa agora. Nossa, Júlia. Não só minha.
Nossa. A palavra soou estranha, mas boa. O helicóptero chegou pontualmente às 6. Júlia lançou um último olhar para a ilha enquanto decolavam, memorizando cada detalhe. as palmeiras, a praia branca, a casa de vidro, a cachoeira escondida. Durante o voo de volta, Júlia adormeceu, sua cabeça eventualmente inclinando para o ombro de Gabriel.
Ela meio acordou quando sentiu ele ajustar sua posição para que ela ficasse mais confortável, mas não abriu os olhos, apreciando o calor dele, a sensação de segurança. Quando pousaram em São Paulo, a cidade era um mar de luzes. Um carro esperava para levá-los à mansão de Gabriel em Alfavila. Júlia nunca havia estado lá.
Enquanto atravessavam os portões de segurança e subiam por um longo caminho ladeado de árvores, ela sentiu a ansiedade retornar. A lua de mel havia acabado. A vida real estava começando e Júlia não tinha ideia do que esperar dela. A mansão tirou o fôlego de Júlia. Mesmo na escuridão da noite, iluminada por luzes estrategicamente posicionadas no jardim, era imponente, moderna, toda em linhas retas e ângulos precisos, com paredes de vidro que refletiam as luzes externas. Devia ter facilmente 1000 m².
É grande”, Júlia comentou, sentindo-se pequena de repente. Gabriel notou sua hesitação. Grande demais. “Eu sei”, ele admitiu. “Comprei quando estava tentando provar algo. Para quem? Nem sei mais. O motorista parou na entrada principal. Um funcionário.” Júlia presumiu ser o mordomo. Esperava na porta. “Bem-vindo de volta, senor Almeida.
” O homem disse com uma leve reverência. Senhora Almeida, senhora Almeida. Aquele título novamente, agora na voz de um estranho em uma casa enorme que seria sua nova realidade. Este é Roberto, Gabriel apresentou. Ele gerencia a casa. Roberto, esta é minha esposa, Júlia. É um prazer, senhora. Roberto disse educadamente.
Preparei o quarto principal, conforme o senhor solicitou. Júlia e Gabriel entraram. O interior era tão impressionante quanto o exterior. Piso de mármore claro, escadaria ampla com corrimão de vidro, obras de arte nas paredes que Júlia tinha certeza de que custavam mais do que uma casa inteira. Tudo era perfeito, luxuoso, frio.
Não parecia um lar, parecia um hotel cinco estrelas. Deixei a bagagem da senhora no closet do quarto principal. Roberto informou. Se precisarem de qualquer coisa, estarei no escritório ao lado da cozinha. Ele se retirou silenciosamente. Gabriel se virou para Júlia. Quer ver o quarto? Ela assentiu, embora uma parte dela preferisse adiar o inevitável.
Eles subiram à escadaria. O segundo andar era um corredor longo com várias portas. Gabriel abriu a última porta no final do corredor. O quarto era enorme, maior que todo o apartamento onde Júlia morava com os tios. Uma cama que size dominava o centro, coberta com lençóis brancos e maculados.
Havia uma área de estar com sofás, uma varanda privativa com vista para o jardim iluminado e a piscina infinita. “O closet é por aqui”, Gabriel mostrou, abrindo uma porta que revelava um espaço maior que o quarto que Júlia tinha na casa dos tios. Suas poucas roupas, as que os tios permitiram que ela trouxesse, pareciam perdidas no espaço imenso.
E o banheiro? O banheiro era mármore branco e dourado, com uma banheira de imersão grande o suficiente para três pessoas. Um chuveiro com múltiplas duchas e duas pias separadas. Júlia apenas olhou tudo, sentindo-se sobrecarregada. Gabriel deve ter percebido porque tocou suavemente seu braço. Júlia, está segura? Ela forçou um sorriso. Sim, estou. É só é muita coisa. Gabriel a sentiu compreensivo. Eu sei.
Leva um tempo para se acostumar, mas pode mudar o que quiser. Decorar como preferir. Esta é sua casa agora. Sua casa. Mas não parecia assim. Vou te deixar descansar. Gabriel disse pegando um travesseiro e cobertor do closet. Tem uma suí no final do corredor onde vou ficar. Júlia piscou surpresa.
Você Você não vai ficar aqui? Gabriel sorriu gentilmente. Júlia, eu disse na ilha que você escolhe. Isso não mudou só porque estamos em São Paulo. Quando e se você quiser que eu fique, você me dirá. Ele caminhou até a porta, mas parou no batente. Está segura? E Júlia, olhando ao redor do quarto enorme em uma casa que não parecia sua, respondeu honestamente: “Fisicamente sim, emocionalmente, estou tentando ficar.” Gabriel assentiu, entendendo.
É tudo que posso pedir. Boa noite, Júlia. Boa noite. E ele se foi, fechando a porta suavemente atrás de si. Júlia ficou parada no meio do quarto, de repente se sentindo perdida. Na ilha tudo havia sido simples, íntimo, real. Mas aqui nesta mansão gigantesca, ela se sentia como uma impostora jogando o papel de uma esposa que não era realmente.
Ela tomou um banho longo, esperando que a água quente aliviasse a tensão em seus ombros. Depois, vestindo um dos camisões de seda que encontrou no closet, ela se deitou na cama enorme. Os lençóis eram macios, a temperatura perfeita, graças ao ar condicionado central. Tudo deveria ser confortável, mas Júlia não conseguia dormir.
Ela se virou de um lado para o outro, o quarto parecendo engoli-la com sua vastidão. Acostumada ao quarto pequeno na casa dos tios, este espaço imenso a fazia sentir exposta, vulnerável. Então ela ouviu um grito abafado, mas innegável. Júlia se sentou na cama, o coração disparando. Outro grito vindo do final do corredor. Gabriel, sem pensar, ela saiu da cama e correu pelo corredor. A porta da suí onde Gabriel estava ficando estava entreaberta. Júlia empurrou-a e viu.
Gabriel estava na cama, claramente em meio a um pesadelo terrível. Ele se contorcia, o rosto contorcido em agonia, suor brilhando em sua testa. Não, mãe, não. Ele murmurava, a voz cheia de dor. Por favor. Júlia se aproximou rapidamente. Gabriel. Ela o chamou tocando seu ombro. Gabriel, acorde. Ele continuou se debatendo, preso no pesadelo. Gabriel. Ela o sacudiu mais forte.
Seus olhos se abriram abruptamente. Por um momento, ele parecia desorientado, perdido. Então, focou nela e a realidade voltou. Júlia, ele se sentou à respiração pesada. O que? Desculpa, eu te acordei. Você estava tendo um pesadelo? Ela disse, sentando-se na beira da cama. Um pesadelo ruim. Gabriel passou a mão pelo rosto, tentando se recompor.
Acontece às vezes. Ele admitiu a voz rouca. Geralmente quando estou estressado ou ou quando algo me lembra dela. Minha mãe. Júlia não pensou antes de agir. Ela simplesmente o abraçou. Gabriel ficou rígido de surpresa por um segundo. Então, lentamente, seus braços a envolveram, apertando-a contra ele.
“Está segura?”, ele sussurrou, mesmo no meio de seu próprio tormento, ainda preocupado com ela. “Estou”, Júlia, respondeu e então acrescentou. “A pergunta é: “Você está seguro?” Gabriel não respondeu imediatamente. Ele apenas assegurou, seu rosto enterrado em seu cabelo, seus ombros tremendo levemente.
Eles ficaram assim por vários minutos abraçados na escuridão, dois náufragos agarrando um ao outro em meio à tempestade. Finalmente, Gabriel se afastou o suficiente para olhar nos olhos dela. “Obrigado”, ele disse simplesmente, “por vir, por por se importar.” Claro que eu me importo, Júlia respondeu e percebeu que era verdade. Em algum momento durante aqueles cinco dias na ilha, Gabriel havia deixado de ser um estranho assustador e se tornado alguém que ela se importava. Fica. Gabriel pediu sua voz vulnerável.
Por favor, não precisa ser nada além disso. Só fica aqui essa noite. Eu não quero ficar sozinho. Júlia hesitou apenas um segundo antes de assentir. Ela se deitou ao lado dele, por cima das cobertas. Mantendo uma distância respeitosa. Gabriel se deitou também, virando-se de lado para encará-la. “Está segura, Júlia?”, ele perguntou pela última vez naquela noite. “Estou”, ela respondeu.
“E você, Gabriel? Está seguro?” Ele sorriu, um sorriso pequeno, mas genuíno. Agora estou. E assim eles adormeceram, não se tocando, mas próximos o suficiente para sentirem a presença um do outro. Duas almas solitárias encontrando conforto na escuridão. Júlia acordou com luz do sol, invadindo o quarto. Por um momento desorientada, ela não sabia onde estava. Então a memória voltou.
A mansão, o pesadelo de Gabriel ter dormido ao lado dele. Ela virou a cabeça. Gabriel não estava mais na cama, mas ela podia ouvir o som do chuveiro vindo do banheiro da suí. Rapidamente, Júlia se levantou e voltou para seu próprio quarto. Ela não queria que ele acordasse e a encontrasse ali, criando uma situação constrangedora.
Uma hora depois, ela desceu para o andar de baixo, vestida em roupas casuais, uma calça jeans e uma blusa branca simples que trouxera da casa dos tios. Gabriel já estava na cozinha fazendo café. Ele usava roupas de trabalho, calças sociais cinza e camisa branca, com as mangas dobradas até os cotovelos. “Bom dia.” Ele a cumprimentou com um sorriso. “Dormiu bem?” “Sim, Júlia”, respondeu, sentindo suas bochechas esquentarem.
E você, depois de, você sabe, depois que você veio me resgatar do pesadelo, ele completou sem constrangimento. Dormi perfeitamente, melhor do que tenho dormido em meses, na verdade. Ele serviu café para ambos e colocou pratos com frutas, pães e queijos na bancada da cozinha. Então, ele começou enquanto comiam. Hoje eu tenho que ir ao escritório. Fiquei cinco dias fora.
Há mil coisas acumuladas. Mas você pode explorar a casa, a propriedade, há uma piscina, uma sala de cinema, biblioteca, academia. E Roberto pode te levar a qualquer lugar se quiser sair. Júlia assentiu, tentando esconder o desconforto. A ideia de ficar sozinha naquela mansão enorme, com funcionários que ela não conhecia era intimidadora.
Gabriel deve ter percebido porque continuou. ou se preferir, posso te mostrar meu escritório. Você pode vir comigo hoje, ver como é. Amanhã, se quiser, podemos discutir o que você gostaria de fazer. Faculdade, talvez. Você mencionou querer estudar letras. Júlia olhou para ele. Surpresa. Você Você Você deixaria? Deixaria. Gabriel franziu a testa confuso.
Júlia, você não é minha prisioneira. Claro que você pode estudar, trabalhar, fazer o que quiser. Na verdade, eu insisto que você faça. Lágrimas inesperadas picaram os olhos de Júlia. Seus tios nunca haviam permitido que ela nem pensasse em faculdade, dizendo que era desperdício de dinheiro. “Obrigada”, ela sussurrou.
Gabriel apenas a sentiu como se fosse a coisa mais natural do mundo. Duas horas depois, Júlia estava no banco de passageiro do carro de Gabriel, um Tesla preto discreto, sem motorista desta vez, indo em direção à Avenida Paulista. O escritório da Almeida Holdings ocupava três andares de um prédio moderno de vidro e aço, bem no coração financeiro de São Paulo.
Quando entraram, funcionários cumprimentaram Gabriel com respeito reverente. Bom dia, senor Almeida. Bem-vindo de volta, senhor”, Gabriel respondia a todos educadamente, mas Júlia notou como ele imediatamente mudava quando entrava em modo trabalho. Postura mais ereta, expressão mais séria, tom de voz firme e autoritário.
Este era o Gabriel Almeida que o mundo conhecia, o bilionário, o empresário implacável, o magnata. E Júlia percebeu que ela havia conhecido um lado dele que talvez pouquíssimas pessoas viam, o homem vulnerável. gentil, assombrado por fantasmas do passado. Este é meu escritório. Gabriel abriu uma porta de madeira maciça.
O espaço era impressionante. Janelas do chão ao teto ofereciam vista panorâmica de São Paulo. Uma mesa de vidro moderna dominava o centro, rodeada por poltronas de couro. Havia uma área de reuniões com uma mesa longa e até um bar discreto no canto. Você pode ficar aqui se quiser Gabriel ofereceu.
Há uma rede Wi-Fi, livros, revistas. Vou ter reuniões a manhã toda, mas sempre posso te levar para almoçar. Júlia se instalou em um dos sofás próximos à janela com um livro que Gabriel tinha na estante, Dom Casmurro, coincidentemente, uma das suas obras favoritas. As horas passaram. Júlia tentava ler, mas constantemente se distraía observando Gabriel trabalhar.
Ele estava ao telefone a maior parte do tempo, alternando entre português e inglês fluentemente. Havia reuniões com executivos que entravam e saíam. Júlia ficou impressionada com ele comandava tudo com facilidade natural, decisivo, inteligente, sempre três passos à frente. Por volta do meio-dia, a última reunião terminou. Gabriel desligou o telefone e se virou para ela.
“Desculpa terte deixado entediada”, ele disse com um sorriso apologético. “Almoço? Eles foram a um restaurante italiano elegante perto do escritório. À medida que comiam, Júlia um risoto de fungue, Gabriel umobuco, ela reuniu coragem para fazer uma pergunta que vinha queimando em sua mente. Gabriel, posso te perguntar uma coisa? Qualquer coisa. Por que você foi tão gentil comigo?”, ela perguntou. Desde o começo.
Você poderia ter sido diferente. Poderia ter usado o fato de que eu estava presa neste casamento, mas não foi. Por quê? Gabriel pausou o garfo no ar pensativo. Porque eu vi minha mãe sofrer a vida toda em um casamento onde ela não tinha voz, não tinha escolha. Ele respondeu lentamente. Eu vi o que isso fez com ela, como a destruiu lentamente, dia após dia, e eu jurei que nunca faria isso com outra pessoa. Ele colocou o garfo de volta no prato.
Além disso, Júlia, eu não quero uma esposa que fica comigo por obrigação ou medo. Eu quero eu quero algo real. Mesmo que nunca aconteça, mesmo que você nunca me veja dessa forma, pelo menos saberei que não me tornei meu pai. Júlia estendeu a mão por cima da mesa e tocou a dele. “Você não é seu pai, Gabriel.” Ela disse firmemente. Você é nada como seu pai.
Os olhos de Gabriel brilharam com emoção. “Obrigado”, ele disse suavemente. “Isso significa mais do que você imagina”. Nas semanas seguintes, um ritmo se estabeleceu. Gabriel ia para o escritório todas as manhãs. Júlia, depois de alguns dias explorando a mansão e se familiarizando com o espaço, começou a prestar vestibular. Com a ajuda de um tutor particular que Gabriel contratou, ela se preparava para as provas.
As noites se tornaram o momento favorito de Júlia. Gabriel sempre chegava por volta das sete e eles jantavam juntos, às vezes na enorme sala de jantar, mas mais frequentemente na cozinha, sentados na bancada, conversando sobre seus dias. Gabriel contava sobre negócios, desafios no trabalho, reuniões frustrantes. Júlia falava sobre seus estudos, livros que estava lendo, planos para a faculdade.
E sempre, sem falta, antes de Gabriel ir para seu quarto separado, ele perguntava: “Está segura, Júlia?” E ela sempre respondia: “Estou.” Mas a cada noite que passava, a resposta se tornava mais complexa, porque Júlia estava começando a perceber que não queria mais que ele fosse para o quarto separado. Ela estava começando a querer que ele ficasse. Dois meses haviam passado desde o casamento.
Dois meses de convivência pacífica, de descobertas graduais, de uma amizade estranha, mas genuína, crescendo entre Júlia e Gabriel. Era uma quinta-feira comum quando tudo mudou. Júlia estava na varanda da mansão, deitada na rede que Gabriel havia instalado especialmente para ela, lendo Machado de Assis. O sol de final de tarde pintava o céu de laranja e rosa.
Ela ouviu o carro de Gabriel chegando e, surpreendentemente sentiu seu coração acelerar. Acontecia cada vez mais ultimamente essa antecipação, essa excitação ao saber que ele estava chegando em casa. Casa. A mansão finalmente começava a aparecer isso. Gabriel entrou pela porta dos fundos que dava para a varanda. Ele parecia exausto. Havia tirado a gravata.
Os primeiros botões da camisa estavam desabotoados e havia uma tensão em seus ombros que Júlia já havia aprendido a reconhecer como sinal de um dia difícil. “Oi”, ela o cumprimentou, levantando-se da rede. “Oi?”, ele respondeu, mas sua voz estava cansada. Dia ruim? Gabriel passou a mão pelos cabelos, despenteando-os. Você nem imagina. Perdemos um contrato importante.
Um dos nossos melhores executivos pediu demissão e ainda tive que lidar com acionistas reclamando sobre bem sobre tudo. Júlia caminhou até ele e, surpreendendo a ambos, colocou as mãos em seus ombros tensos. “Senta”, ela ordenou suavemente, indicando uma das cadeiras da varanda. Gabriel obedeceu curioso.
Júlia ficou atrás dele e começou a massagear seus ombros, trabalhando os nós de tensão. Júlia, você não precisa. Gabriel começou, mas ela o interrompeu. Eu sei que não preciso. Eu quero. Ela continuou a massagem e lentamente sentiu os músculos dele relaxarem sob suas mãos. Gabriel deixou a cabeça pender para a frente, soltando um suspiro profundo.
“Isso é incrível”, ele murmurou. Eles ficaram assim por vários minutos, Júlia trabalhando os ombros dele, os dois em silêncio confortável. Então Gabriel pegou uma das mãos dela e a trouxe até seus lábios, beijando suavemente seus dedos. O gesto foi tão inesperado, tão íntimo, que Júlia prendeu a respiração. Gabriel se virou na cadeira para encará-la, mas não soltou sua mão. Júlia, ele começou sua voz rouca.
Posso te perguntar uma coisa? Claro. Você é feliz aqui? A pergunta a pegou de surpresa. Eu sim, estou feliz. Mas ele pressionou, percebendo a hesitação em sua voz. Júlia mordeu o lábio, debatendo se deveria ser honesta, mas às vezes me sinto incompleta. Ela finalmente admitiu, como se estivéssemos vivendo metade de um casamento. Temos a amizade, a convivência, o respeito, mas falta.
Ela deixou a frase no ar, sem saber como completá-la. Gabriel se levantou ainda segurando sua mão, agora de pé tão próximo que ela precisou inclinar a cabeça para trás para olhar em seus olhos. “Falta o que, Júlia?”, ele perguntou suavemente. “Diga, por favor.” O coração de Júlia batia tão forte que ela tinha certeza de que ele podia ouvi-lo. “Falta você”, ela sussurrou.
“Falta você ficar, não ir para o quarto separado todas as noites. Falta intimidade.” Os olhos de Gabriel se arregalaram. Júlia, você tem certeza do que está dizendo? Porque não quero que você se sinta pressionada ou está segura? Júlia o interrompeu usando a pergunta dele contra ele. Não é isso que você sempre me pergunta? Bem, eu estou te respondendo. Estou segura.
Estou mais segura do que jamais estive e estou pronta. Gabriel a encarou por um longo momento, como se estivesse procurando qualquer sinal de dúvida em seu rosto. Então, lentamente, ele levantou a mão e acariciou sua bochecha. “Está segura?”, ele perguntou de novo, precisando ter absoluta certeza.
“Gabriel, Júlia colocou sua mão sobre a dele, que estava em sua bochecha. Eu quero isso. Eu quero você.” E então Gabriel a beijou. Não foi como o beijo casto na igreja. Este foi um beijo de verdade, profundo, apaixonado, cheio de dois meses de tensão acumulada e sentimentos não expressos. Os braços de Gabriel a envolveram, puxando-a contra ele. Júlia passou os braços ao redor de seu pescoço, derretendo contra seu corpo.
Quando finalmente se separaram, ambos sem fôlego, Gabriel descansou a testa contra a dela. “Eu queria fazer isso há tanto tempo”, ele confessou, “mas tinha medo de ser cedo demais, de te assustar. Você não me assusta mais, Júlia respondeu. Na verdade, acho que estou me apaixonando por você. Gabriel recuou o suficiente para olhar em seus olhos. Acho? Ele perguntou com um sorriso. Júlia sorriu de volta. Tudo bem.
Não estou achando. Eu estou me apaixonando por você. Graças a Deus. Gabriel suspirou dramaticamente. Porque eu já me apaixonei por você faz tempo. Ele a pegou no colo, fazendo-a gritar de surpresa, e começou a caminhar em direção à casa. Gabriel, o que você está fazendo? levando minha esposa para nosso quarto.” Ele respondeu, os olhos brilhando de felicidade.
“Se ela ainda tem certeza, claro. Está segura?”, ele perguntou mais uma vez. “Eu estou?”, Júlia respondeu, beijando o seu pescoço. “Pela primeira vez em muito tempo, estou completamente segura.” Naquela noite, Gabriel foi tudo que Júlia imaginava que ele seria: gentil, paciente, atencioso. A cada passo ele pausava e perguntava: “Está segura? Estou te machucando?” E Júlia, com lágrimas de alegria nos olhos, respondia que sim. Estava segura e não. Ele não estava machucando.
Quando finalmente se uniram, pele contra pele, coração contra coração, Gabriel segurou o rosto dela entre as mãos. Eu te amo, Júlia”, ele disse, sua voz embargada de emoção. “Desde o primeiro momento em que te vi caminhando pelo corredor da igreja, apavorada, mas tão linda, eu te amo,” Júlia, com lágrimas rolando por suas bochechas, respondeu: “Eu também te amo. Você me mostrou o que é se sentir segura, respeitada, valorizada. Você me mostrou o que é o amor de verdade.
Eles fizeram amor lentamente, explorando, descobrindo, conectando-se de uma maneira que ia muito além do físico. E quando terminaram, deitados e entrelaçados nos lençóis, suados e felizes, Gabriel a puxou para seu peito e beijou seu cabelo. “Está segura?”, ele sussurrou pela última vez naquela noite.
“Estou”, Júlia murmurou já meio adormecida, completamente satisfeita. Estou em casa. E pela primeira vez desde que seus pais morreram, Júlia realmente se sentia em casa, não por causa da mansão luxuosa ou da vida confortável, mas por causa do homem que assegurava, como se ela fosse a coisa mais preciosa do mundo.
Os meses seguintes foram os mais felizes da vida de Júlia. Ela passou no vestibular para Letras na USP com notas excelentes, começando as aulas em agosto. Gabriel não apenas apoiou sua decisão, mas comemorou como se fosse sua própria conquista, levando-a para jantar no restaurante mais sofisticado de São Paulo.
“Estou tão orgulhoso de você”, ele disse naquela noite, segurando sua mão sobre a mesa, seus olhos verdes escuros brilhando de admiração genuína. A vida ganhou uma rotina nova, mais completa. Júlia acordava cedo, ia para a universidade, assistia aulas, fazia amigos. Gabriel continuava com seu império corporativo, mas agora chegava em casa mais cedo, ansioso para ouvi-la falar sobre Machado de Assis, sobre análise literária, sobre seus professores e colegas.
As noites eram deles, jantares na varanda, conversas que se estendiam por horas, risadas genuínas e depois, no quarto que agora compartilhavam completamente, uma intimidade que crescia mais profunda a cada dia. Gabriel nunca deixou de perguntar: “Está segura?” Mas agora a pergunta tinha um significado diferente. Não era mais sobre medo ou hesitação.
Era um lembrete constante de que ele sempre colocaria o bem-estar dela em primeiro lugar. Um sábado de manhã, três meses depois daquela primeira noite juntos, Júlia acordou sozinha na cama. Ela ouviu sons vindos da cozinha e desceu curiosa. Gabriel estava preparando o café da manhã. Panquecas americanas, frutas picadas, suco de laranja espremido na hora.
Ele usava apenas uma calça de moletom cinza, o peito nu, revelando o físico que ainda fazia o coração de Júlia acelerar. Bom dia, meu amor. Ele a cumprimentou com um beijo quando ela entrou na cozinha. Meu amor. As palavras soavam tão naturais agora, tão certas. O que é toda essa produção? Júlia perguntou, sorrindo.
Não posso mimar minha esposa? Gabriel respondeu com um sorriso travesso. Além disso, tenho uma surpresa para você. Surpresa? Depois do café da manhã, Gabriel a levou até a garagem. Lá com um enorme laço vermelho no capô estava um carro, um Honda Civic novo na cor verde água. “Gabriel!” Júlia exclamou sem palavras.
“Sua cor favorita?” Ele explicou claramente satisfeito com sua reação. “Agora você pode ir para a USP quando quiser. Não precisa depender de motorista.” Júlia se jogou em seus braços. “Você é louco. Isso é demais. Nada é demais para você.” Gabriel respondeu beijando seu cabelo. Nada nunca será, mas nem tudo era perfeito no paraíso.
Um dia, Júlia estava no shopping com amigas da faculdade quando viu seu tio Marcos, parado perto de uma loja, olhando diretamente para ela. O sangue gelou em suas veias. Ela não ouvia desde o casamento. Gabriel havia deixado claro que os tios não eram bem-vindos, que haviam recebido o que lhes era devido e agora deveriam desaparecer. Mas ali estava ele com aquele sorriso oleoso que Júlia conhecia tão bem. Júlia? Ele se aproximou, ignorando completamente suas amigas.
Minha sobrinha querida, como você está? O que você quer? Júlia perguntou sua voz fria. Quer? Não posso simplesmente querer ver como você está? Ele fingiu ofensa. Somos família, afinal você deixou de ser minha família quando me vendeu. Júlia respondeu cada palavra afiada como vidro.
O sorriso de Marcos falhou brevemente, revelando algo feio por baixo. Olha, não vamos discutir o passado. Eu vim porque, bem, sua tia e eu estamos passando por dificuldades. Pensei que você poderia ajudar. Afinal, você está casada com um dos homens mais ricos do Brasil, o que são alguns milhares de reais para vocês. Júlia sentiu náuseia. Você está me pedindo dinheiro? Não pedindo, querida. Apenas esperando que você se lembre de tudo que fizemos por você.
Te criamos, te demos um lar. Chega. Júlia o interrompeu, sua voz alta o suficiente para fazer pessoas ao redor olharem. Vocês não fizeram nada por mim. Me trataram como fardo, me venderam como gado. Vocês receberam o pagamento de Gabriel. Não vão receber mais nada, nunca mais. Ela se virou para ir embora, mas Marcos agarrou seu braço. Você vai se arrepender disso.
Ele sebilou. Vou contar para todo mundo como você é ingrata, como Tire a mão dela agora. A voz de Gabriel era baixa, perigosa. Júlia se virou e viu seu marido caminhando em direção a eles, seus olhos verdes escuros como tempestade. Marcos soltou o braço de Júlia imediatamente. Senr. Almeida. Ele tentou sorrir. Que coincidência.
Eu estava apenas Eu sei exatamente o que você estava fazendo. Gabriel o interrompeu, colocando-se protetoramente entre Marcos e Júlia. E vou deixar bem claro pela última vez. Você e sua esposa não se aproximam de Júlia nunca mais.
Se eu souber que vocês tentaram contatá-la, falar com ela ou sequer olhar na direção dela, vou usar todos os recursos que tenho para destruir vocês. Entendido? Marcos empalideceu. Mas nós só. Entendido?”, Gabriel repetiu, sua voz cortante como aço. “Sim, senhor”, Marcos murmurou, então praticamente correu para longe. Gabriel se virou para Júlia, seu rosto imediatamente suavizando.
“Está segura?”, ele perguntou, acariciando sua bochecha. Júlia a sentiu ainda tremendo da adrenalina. “Estou agora.” Gabriel a puxou para um abraço apertado bem ali no meio do shopping, sem se importar com as pessoas olhando. “Eles nunca vão te machucar de novo”, ele prometeu. Nunca. E Júlia acreditou nele. Naquela noite depois que as amigas de Júlia foram embora e eles voltaram para casa, Gabriel assegurou extra perto na cama.
“Você entende o quanto significa para mim, certo?”, Ele sussurrou no escuro. Não apenas como minha esposa, mas como como a pessoa que me fez sentir inteiro pela primeira vez na vida. Júlia se virou nos braços dele para encará-lo. Você também me faz sentir assim, ela respondeu. Você pegou os pedaços quebrados de mim e os juntou de novo.
Gabriel beijou sua testa, seu nariz, seus lábios. Está segura, Júlia? Ele perguntou como sempre. Completamente, ela respondeu. Com você sempre estarei. Três meses depois do incidente no shopping, Júlia começou a sentir algo estranho. Cansaço excessivo, náuseas matinais, seios sensíveis.
Ela tentou ignorar os sintomas por duas semanas, mas finalmente em uma manhã de sexta-feira decidiu fazer um teste de gravidez. Estava sozinha na mansão, Gabriel no escritório, funcionários ocupados em outras partes da casa. Ela trancou-se no banheiro, seguiu as instruções do teste e esperou os três minutos mais longos de sua vida.
Quando olhou o resultado, seu mundo virou de cabeça para baixo. Positivo, ela estava grávida. Júlia se sentou no chão frio do banheiro, o teste tremendo em suas mãos. Um milhão de emoções a atingiram simultaneamente. Choque, medo, excitação, pânico. Um bebê. Ela ia ter um bebê de Gabriel. Ela não sabia quanto tempo ficou ali sentada no chão até ouvir a voz de Gabriel chamando-a de algum lugar da casa.
Júlia, você está aqui? Ela se levantou rapidamente, escondendo o teste na gaveta da penteadeira e saiu do banheiro tentando parecer normal. “Aqui”, ela chamou. Gabriel apareceu na porta do quarto e seu rosto imediatamente franziu em preocupação. “O que houve? Você está pálida?” “Nada, eu só acho que não dormi bem. Gabriel se aproximou, colocando a mão em sua testa.
Você está quente, quer que eu chame o médico? Não. Júlia respondeu rápido demais. Não estou bem, prometo. Gabriel não pareceu convencido, mas não pressionou. Tudo bem, mas se não melhorar, vamos ao hospital, está bem? Júlia assentiu, sentindo-se terrível por não contar a verdade, mas ela precisava ter certeza primeiro. Precisava ir ao médico, fazer exames, confirmar antes de contar a Gabriel.
Na segunda-feira, Júlia marcou uma consulta com uma ginecologista, dizendo a Gabriel que era apenas checkup de rotina. Ela foi sozinha, seu coração batendo descompassado durante todo o trajeto. A médica Dra. Fernanda, uma mulher de seus 40 anos com um sorriso gentil, confirmou o que Júlia já sabia. Parabéns, senora Almeida. Você está grávida de aproximadamente oito semanas. Oito semanas. Dois meses.
Júlia fez as contas rapidamente. Foi logo depois da primeira noite que passaram completamente juntos. “O bebê está saudável?”, ela perguntou à voz ansiosa. “Perfeitamente. Vou prescrever vitaminas pré-natais e marcar ultrassons regulares.” Mas está tudo bem, querida. Você está criando uma nova vida. Uma nova vida.
Júlia saiu do consultório em um estado de choque feliz. Ela colocou a mão sobre a barriga ainda plana. imaginando a pequena vida crescendo ali dentro. Mas agora vinha a parte difícil contar a Gabriel. Ela planejou tudo cuidadosamente. Preparou um jantar especial, o prato favorito de Gabriel, lasanha caseira que ela havia aprendido a fazer com dona Amélia.
Acendeu velas na sala de jantar, colocou música suave tocando. Quando Gabriel chegou em casa, ele imediatamente notou. “O que está acontecendo?”, Ele perguntou, mas estava sorrindo. Esqueci algum aniversário? Não. Júlia respondeu, sentindo seu estômago dar voltas de nervosismo. Eu só preciso te contar algo. A expressão de Gabriel ficou séria.
Está tudo bem? Você está bem? Estou. Melhor do que bem, na verdade. Só senta, por favor. Gabriel sentou-se à mesa e Júlia serviu o jantar. Eles comeram conversando sobre amenidades, mas ela podia ver que ele estava ansioso, esperando que ela revelasse o que tinha para dizer. Finalmente, depois da sobremesa, Júlia não aguentou mais. “Gabriel, eu fui ao médico hoje.
” Ela começou, o rosto dele empalideceu. “O quê? Por quê? Você está doente?” “Não, não, não estou doente.” Ela rapidamente o tranquilizou, então respirou fundo. Estou grávida. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Gabriel a encarou, processando as palavras. Seus lábios se moveram, mas nenhum som saiu.
Gabriel, Júlia chamou, começando a ficar preocupada com sua falta de reação. Então, de repente, Gabriel se levantou tão rapidamente que a cadeira quase caiu. Ele estava ao lado dela em dois passos, ajoelhando-se ao lado de sua cadeira. “Você está grávida?”, ele repetiu. Sua voz rouca. Nós vamos ter um bebê. Júlia assentiu, lágrimas começando a rolar por suas bochechas.
Sim, oito semanas. Gabriel soltou um som que era metade riso, metade soluço. Ele colocou as mãos no rosto dela, então desceu uma mão para sua barriga, pousando-a ali com reverência. “Há uma vida aqui”, ele sussurrou maravilhado. “Nossa vida, um pedacinho de mim e de você.” Então ele a beijou profundamente, suas próprias lágrimas misturando-se com as dela.
“Eu te amo tanto”, ele disse quando se separaram. “E já amo este bebê também. Tanto Júlia, tanto.” Júlia soluçou de alívio e alegria. “Então você está feliz?” “Feliz?” Gabriel riu ainda ajoelhado ao lado dela, uma mão em seu rosto e outra em sua barriga. “Júlia, eu estou Não há palavras. Você me deu tanto já, amor.
Um lar de verdade, uma razão para acordar todo dia com um sorriso e agora isso, uma família. Ele descansou a testa contra a dela. Está segura? Ele perguntou. Mas desta vez havia camadas de significado. Segura com a gravidez? Segura com ele como pai? Estou. Júlia respondeu sem hesitação. Você vai ser um pai incrível, Gabriel. Eu sei disso. Vou tentar, ele prometeu.
Vou passar cada dia tentando ser o pai que o meu nunca foi. Nosso filho vai crescer sabendo que é amado, seguro, valorizado. Vai crescer sabendo que suas escolhas importam, que sua voz é ouvida. Júlia sorriu através das lágrimas. Nosso filho já tem sorte de ter você como pai.
Gabriel a puxou para um abraço apertado e eles ficaram assim por um longo tempo, dois corações agora batendo por três. A gravidez progrediu lindamente. Júlia teve apenas náuseas leves no primeiro trimestre e Gabriel foi incrivelmente atencioso, chegando em casa mais cedo, massageando seus pés inchados, lendo livros sobre paternidade, como se fosse estudar para o exame mais importante de sua vida.
Eles descobriram que era um menino no ultrassom de 20 semanas. Gabriel chorou abertamente no consultório médico, segurando a mão de Júlia enquanto olhava para a tela, mostrando seu filho. Miguel, Júlia disse suavemente. Quero chamá-lo de Miguel como meu pai. Gabriel olhou para ela com tanto amor que Júlia sentiu seu coração transbordar. Miguel Almeida. Ele testou o nome. Perfeito.
Mas então, quando Júlia estava com seis meses de gravidez, tudo desmoronou. Gabriel estava em uma coletiva de imprensa importante, algo sobre um novo investimento multimilionário. Júlia assistia de casa pela TV, acariciando sua barriga já proeminente. De repente, um jornalista fez uma pergunta que mudou tudo. Senr.
Almeida, há rumores de que seu casamento com Júlia Santos foi um acordo financeiro com os tios dela, que tinham dívidas de jogo. O senhor tem algum comentário? Júlia sentiu o sangue gelar. A sala parecia girar. Na TV, Gabriel ficou visivelmente tenso. Por um momento, ele pareceu considerar negar. Mas então, para absoluto horror de Júlia, ele decidiu pela verdade.
“É verdade”, Gabriel disse calmamente, sua voz ecuando pelo salão cheio de jornalistas. “Meu casamento com Júlia foi inicialmente arranjado pelos tios dela em troca de pagamento de dívidas. O salão explodiu em burburinho. Fleches dispararam freneticamente. Jornalistas gritavam perguntas sobre perguntas, mas Gabriel levantou a mão pedindo silêncio. Porém, ele continuou sua voz firme.
Isso foi apenas o começo. O que Júlia e eu construímos desde então é real, genuíno e mais precioso do que qualquer contrato ou acordo jamais poderia ser. Sim, nosso casamento começou de forma não convencional, mas o amor que temos agora é absoluto.
Na sala de estar da mansão, Júlia desligou a TV tremendo, não de raiva, de choque, de medo do que viria a seguir e veio rápido. Em poucas horas, a notícia estava em todos os portais. Bilionário admite casamento por contrato. Júlia Santos foi comprada por Gabriel Almeida. Jovem esposa de Magnata estava à venda. O telefone de Júlia não parava de tocar.
Amigos da faculdade, conhecidos, até pessoas que ela mal conhecia ligando para saber se ela estava bem, mas claramente buscando fofoca. Júlia ignorou todas as ligações, exceto uma, sua melhor amiga da USP, Marina. Júlia, você está bem? Marina perguntou genuinamente preocupada. Eu vi as notícias. Estou, Júlia respondeu, mas sua voz traiu a mentira. Eu preciso de um tempo, Marina.
Vou te ligar depois, OK? Quando Gabriel chegou em casa, três horas depois, ele encontrou Júlia sentada no escuro da sala de estar, olhando para o nada. Júlia? Ele disse seu nome como uma prece. Eu sinto muito. Eu não planejei contar assim. Não queria que você descobrisse pela TV. Eu deveria ter te avisado antes.
Eu Por que você contou? Júlia o interrompeu. Sua voz estranhamente calma. Você poderia ter negado, poderia ter dito que eram rumores falsos. Gabriel se ajoelhou na frente dela, tentando pegar suas mãos, mas ela as afastou. Porque eu não ia mentir, ele respondeu. Não ia negar nossa história, mesmo que começou de forma difícil. E por quê? Porque eu queria deixar claro uma coisa.
Ele esperou até que ela finalmente olhasse para ele. Eu queria deixar claro que, apesar de tudo, o que temos agora é real e queria anunciar algo. Anunciar o quê? Gabriel respirou fundo. Amanhã vou fazer uma transferência completa.
Todas as minhas empresas, todas as propriedades, todos os ativos, tudo vai para o seu nome. Júlia piscou confusa. O quê? Por quê? Porque você precisa estar segura. Gabriel explicou. Sua voz carregada de emoção. Não apenas emocionalmente, mas legalmente, financeiramente. Você precisa saber que pode ir embora quando quiser, que não é minha prisioneira, que tem o poder de escolher ficar-te ou partir. Gabriel, isso é loucura. Júlia exclamou.
Você está falando de bilhões de reais e vale cada centavo se isso te provar que você é livre. Ele retrucou. Júlia, nosso casamento começou com você não tendo escolha, mas vai continuar apenas se você escolher ficar. E você só pode verdadeiramente escolher se tiver poder real, se não depender de mim para nada. Lágrimas começaram a rolar pelo rosto de Júlia. Você é louco? Ela sussurrou.
Completamente louco por você? Gabriel sorriu tristemente. Sempre fui. Júlia olhou para aquele homem ajoelhado à sua frente. O homem que ela havia temido, depois conhecido, depois amado. O homem que estava prestes a dar todo o seu império para ela, só para provar um ponto. Está segura? Gabriel perguntou pela milionésima vez. Porque essa é a única coisa que importa para mim.
E naquele momento, Júlia entendeu completamente. Entendeu o que Gabriel estava fazendo, o sacrifício que ele estava disposto a fazer. Ela se levantou, forçando Gabriel a se levantar também. Então colocou as mãos no rosto dele. Você é o homem mais tolo e mais nobre que já conheci. Ela disse: “E eu te amo não pelo dinheiro, não pela mansão ou pela vida confortável.
Te amo porque você me deu algo que ninguém mais nunca me deu. Segurança verdadeira. Ela beijou-o profundamente. Mas não vou aceitar as empresas. Ela continuou quando se separaram. Não porque não confio em você, mas porque não preciso delas para saber que você me ama.
Você já provou isso todos os dias, com cada está segura, com cada gesto gentil, com cada momento de paciência e respeito. Gabriel a puxou para um abraço apertado, sendo cuidadoso com sua barriga. “Então você fica?”, ele perguntou vulnerável, como ela nunca o tinha visto. Mesmo depois de tudo isso virar público, mesmo com pessoas julgando, falando, fico.
Júlia respondeu sem hesitar, porque o que temos é real. E o que as pessoas pensam não importa. Está segura? Ele perguntou uma última vez. Nunca estive tão segura de nada na minha vida. 5 anos depois. A casa no Jardim Europa não era tão grande quanto a mansão de Alphaaville, mas era perfeita. Três andares de arquitetura moderna, mais acolhedora, com um jardim enorme, onde duas crianças corriam naquele momento.
Miguel, com quatro anos e meio, perseguia sua irmã mais nova, Laura, de 2 anos pelo gramado. Ele tinha os olhos verdes intensos do pai e o sorriso radiante da mãe. Laura, ainda instável nas perninhas, corria gargalhando, seus cachos castanhos saltando com cada passo. “Devagar, Miguel!” Júlia chamou da varanda, uma mão repousando em sua barriga já proeminente novamente. Seis meses de gravidez da terceira criança.
Sua irmã é menor. Estou só brincando, mamãe. Miguel gritou de volta, mas diminuiu o ritmo, deixando Laura alcançá-lo e derrubá-lo no chão em um ataque de abraço. Gabriel saiu pela porta dos fundos naquele momento, carregando uma bandeja com sucos e frutas picadas. Lanche”, ele anunciou e as crianças correram para ele como pequenos furacões. Júlia observou a cena com um sorriso no rosto.
Gabriel, o poderoso empresário, o bilionário temido no mundo corporativo, sentado no chão do jardim com seus filhos, deixando Miguel escalar suas costas e Laura bagunçar seus cabelos já grisalhos nas têmporas. “Papai, conta a história de como você e a mamãe se conheceram.” Miguel pediu, sua boca cheia de melancia.
Gabriel olhou para Júlia, uma pergunta em seus olhos. Ela assentiu com um sorriso. Bem, Gabriel começou ajustando Laura em seu colo. Papai e mamãe se conheceram de um jeito bem especial. Como no filme da princesa? Laura perguntou. Parecido. Gabriel respondeu. Mas melhor, porque era real. Ele contou uma versão editada da história.
Como eles se casaram mesmo sem se conhecer bem, como a mamãe estava assustada no começo, mas como o papai fez uma promessa importante. Que promessa? Miguel perguntou fascinado. Gabriel olhou para Júlia, depois para seus filhos. Eu prometi que a mamãe sempre estaria segura comigo, que eu sempre perguntaria se ela estava bem, se estava feliz, se estava segura. E você pergunta. Miguel exclamou.
Você pergunta para a mamãe todo dia. Isso mesmo, Gabriel confirmou. E sabe por quê? Por quê? Porque as pessoas que amamos precisam saber que estão seguras conosco, que podem confiar em nós, que suas escolhas importam. Miguel franziu a testa pensativo. Então, repentinamente, ele derrubou seu copo de suco que se espatifou no chão de madeira da varanda.
Seu rostinho imediatamente se contorceu, pronto para chorar. Gabriel imediatamente colocou Laura de lado e foi até o filho, ajoelhando-se na altura dele. “Miguel”, ele disse gentilmente, colocando as mãos nos ombros do menino. “Está seguro?”, Miguel? Piscou confuso. “O papai está bravo?” “Não.” Gabriel respondeu firmemente. Acidentes acontecem. Você está seguro aqui sempre.
“Entendeu?” Miguel assentiu, o medo deixando seus olhos. “Entendi, papai.” “Ótimo.” Gabriel sorriu bagunçando seus cabelos. Agora vamos limpar isso juntos, ok? Júlia observou a cena, os olhos marejados. Gabriel havia pego aquela pergunta. Está segura? e a transformado no fundamento de toda a família deles.
Miguel e Laura estavam crescendo em um lar onde sabiam que eram amados, onde erros eram oportunidades de aprendizado, não motivos para medo. Mais tarde, naquela noite, depois que as crianças estavam dormindo, Júlia e Gabriel se sentaram na varanda do segundo andar, observando as estrelas. “Você já se arrepende?”, Júlia perguntou de repente de ter vendido a empresa principal, de ter se afastado um pouco do mundo corporativo.
Depois do escândalo 5 anos atrás, Gabriel havia feito mudanças drásticas. vendeu a Almeida Holdings para um consórcio de investidores, mantendo apenas algumas empresas menores que exigiam menos de seu tempo. Ele queria estar presente para a família, não ser um pai ausente como o dele foi. Nunca, Gabriel respondeu sem hesitação, pegando sua mão.
Construi um império, Júlia. Mas o que construímos aqui? Esta família, este lar, vale mais do que todos os bilhões que já tive. Ele colocou a mão na barriga dela, sentindo o bebê chutar. “Oi, pequeno”, ele sussurrou. “Papai está aqui?” Júlia pousou sua mão sobre a dele. “Menina, dessa vez?” Ela disse. Tenho certeza. “Então vamos ter que pensar em um nome.” Gabriel comentou. “Alguma sugestão?” Helena.
Júlia respondeu suavemente, como sua mãe. Gabriel olhou para ela, seus olhos brilhando. “Você você faria isso?” Claro, Júlia respondeu. Ela seria tão orgulhosa de você, Gabriel, do homem que você se tornou, do pai que você é. Gabriel a puxou para um beijo profundo, agradecido. Eu te amo ele disse quando se separaram. Você transformou a pior versão de mim na melhor. Você já era a melhor versão. Júlia retrucou.
Só precisava de alguém para enxergar. Eles ficaram em silêncio por um momento, apenas apreciando a presença um do outro. Está segura? Gabriel perguntou como fazia todos os dias há 5 anos. Júlia virou-se para encará-lo completamente, colocando as duas mãos em seu rosto. Estou mais do que segura, Gabriel. Estou em casa. Estou completa. Estou amada.
Você pegou aquele dia terrível quando meus tios me venderam e transformou em algo lindo. Transformou uma prisão em um lar, um casamento forçado em amor verdadeiro. Lágrimas rolaram por suas bochechas. Se alguém me dissesse naquele dia na igreja, quando eu estava apavorada, que 5 anos depois eu estaria completamente feliz com o homem que mais amo no mundo, nossos filhos lindos, outra criança a caminho, eu jamais acreditaria. Ela sorriu através das lágrimas, mas Deus realmente escreve certo por linhas tortas.
Ele pegou minha maior dor e transformou na minha maior bênção. Gabriel a abraçou, cuidadoso com sua barriga, mas firme. Eu vou passar cada dia do resto da minha vida, garantindo que você continue se sentindo assim. Ele prometeu. Está segura, Júlia, para sempre segura. Júlia se aninou em seus braços, olhando para o céu estrelado sobre São Paulo. Para sempre, ela concordou.
E ali, naquela varanda sob as estrelas, com o homem que escolheu amar e que a escolheu de volta todos os dias, Júlia finalmente entendeu o verdadeiro significado daquelas duas palavras que mudaram sua vida. Está segura. Não era apenas sobre segurança física ou proteção.
Era sobre ter a liberdade de escolher, a coragem de confiar, a certeza de ser amada exatamente como era. Era sobre saber que, não importa o que acontecesse, ela tinha um lar. Não em uma mansão luxuosa ou uma casa elegante, mas nos braços de alguém que perguntava todos os dias se ela estava bem e sempre se importava genuinamente com a resposta. Epílogo. 20 anos depois, Júlia estava sentada naquela mesma varanda, agora com cabelos levemente grisalhos, mas ainda linda, observando seus três filhos adultos brincarem com seus próprios filhos no jardim.
Miguel, agora com 24 anos, era médico. Laura, com 22 estudava literatura como a mãe. Helena, aos 19 estava cursando administração, querendo seguir os passos do pai. E Gabriel, aos 72 anos, ainda forte e presente, estava no gramado com os netos, fazendo-os rir com suas histórias.
Júlia observou quando um dos netos, pequeno Marcos, de 3 anos, filho de Miguel, tropeçou e caiu, começando a chorar. Gabriel imediatamente foi até ele, ajoelhando-se com alguma dificuldade devido à idade, mas com o mesmo amor de sempre. Marcos, ela ouviu ele dizer, está seguro? O vovô está bravo? E Júlia sorriu, lágrimas de felicidade nos olhos. A pergunta continuava, passando de geração em geração, um legado não de riqueza, mas de amor, respeito e segurança.
E tudo começou em um casamento forçado, com uma menina assustada e um homem que se recusou a ser o vilão de sua história. Em vez disso, ele se tornou seu maior amor, sua maior segurança, seu lar. M.
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