Você já se perguntou quanto vale uma vida? Um milhão de reais, dois, três. E se eu te dissesse que existe algo que nenhuma quantia de dinheiro pode comprar de volta o tempo perdido com quem você ama? Esta é a história de um homem que descobriu isso da pior forma possível. Me conta nos comentários de onde você está assistindo esse vídeo e não esquece de se inscrever no canal e deixar aquele like para me ajudar a trazer mais histórias como essa. A chuva tamborilava contra as janelas panorâmicas do 43º
andar da Cavalcante Corporativo, transformando a Avenida Paulista em um borrão de luzes douradas e cinzas. Ricardo Cavalcante ajustou o nó da gravata Hermés enquanto observava o caos controlado da metrópole lá embaixo. 32 anos, cabelos negros perfeitamente penteados, ternos sob medida que custavam mais que um carro popular.
Ele era a personificação do sucesso paulistano. O interfone zumbiu. “Senhor Cavalcante, a senrita Juliana está aqui”, anunciou a voz robotizada da recepcionista. Ricardo fechou os olhos por um momento, respirou fundo, enchendo os pulmões com o ar condicionado, que cheirava a couro italiano e ambição.
Quando os abriu novamente, sua expressão havia se transformado na máscara impenetrável que usava em reuniões de conselho. Mande entrar. A porta de Mógno se abriu silenciosamente. Juliana Costa entrou com passos hesitantes, os sapatos de salto médio afundando no tapete persa que cobria o piso de mármore. 26 anos, cabelos castanhos presos em um coque profissional, blusa branca e saia lápis preta. Por três anos, ela havia sido sua secretária.
Por dois, havia sido seu segredo. Ela segurava a bolsa contra o corpo como um escudo. “Senta, Ju”, disse Ricardo, gesticulando para uma das poltronas de couro em frente à sua mesa. Ele não conseguiu olhar diretamente nos olhos dela, aqueles olhos castanhos que costumavam brilhar quando o viam. Juliana sentou-se na beirada da poltrona, as costas retas, as mãos cruzadas sobre o colo.
Ricardo notou que elas tremiam levemente. “Você pediu para me ver?” Ela começou, a voz mais firme do que ele esperava. Ricardo abriu a gaveta superior da mesa. O cheque já estava preenchido, dobrado ao meio dentro de um envelope creme. Ele o colocou sobre a mesa, empurrando-o lentamente em direção a ela. “1 milhão deais”, disse ele, cada palavra saindo como uma pedra de sua boca, depositado em qualquer conta que você indicar.
Discretamente, Juliana olhou para o envelope, como se fosse uma cobra prestes a atacar. Seus lábios se separaram, mas nenhum som emergiu. Ricardo viu o momento exato em que ela compreendeu. Para resolver a situação, ele continuou odiando a própria voz, o próprio vocabulário corporativo que transformava uma vida em situação. Eu já conversei com uma clínica particular, discreta, a melhor de São Paulo, tudo arranjado. Resolver.
Juliana repetiu a palavra saindo como um sussurro cortante. A situação Ricardo se levantou, incapaz de permanecer sentado, caminhou até a janela, colocando as mãos nos bolsos da calça. Lá embaixo, a cidade continuava seu ritmo frenético, indiferente aos dramas dos que a habitavam. Meu pai está pressionando o casamento com Fernanda Nogueira.
Você sabe como é. Os Nogueira t o maior império têxtil do sul. É uma fusão estratégica. As famílias já As famílias já acertaram tudo. Juliana completou. E havia algo novo em sua voz agora. Algo que Ricardo não conseguia identificar. E eu, o bebê, somos apenas um problema a ser resolvido. Ricardo se virou. Finalmente a encarou.
Os olhos dela estavam úmidos, mas nenhuma lágrima havia caído ainda. Ela estava mais bonita do que nunca, pensou ele e imediatamente se odiou por pensar isso agora. Ju, você é jovem. tem a vida inteira pela frente. Com esse dinheiro pode recomeçar, fazer o que quiser, viajar, estudar, abrir um negócio sem o seu filho. Não é um filho ainda. São apenas algumas semanas.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Juliana se levantou lentamente, seus movimentos controlados quase mecânicos, caminhou até a mesa e pegou o envelope. Por um momento, Ricardo sentiu um alívio terrível, inundando o seu peito. Mas então ela abriu o envelope, retirou o cheque e o observou. 1 milhão deais sua assinatura na linha inferior.
Sabe o que isso significa para você, Ricardo? ela perguntou e sua voz estava estranhamente calma. Agora para você isso é quanto? Três meses de lucro? Seis. O preço de um carro? Juliana, para mim é a vida inteira. É nunca mais ter que me preocupar com dinheiro. É segurança, é liberdade. Ela dobrou o cheque ao meio. E sabe o que mais é? Ricardo não respondeu. É a prova de que eu nunca signifiquei nada para você além de uma conveniência, uma secretária eficiente de dia, uma amante discreta à noite e agora um problema que pode ser resolvido com dinheiro. Ela rasgou o cheque ao meio. O som foi alto no silêncio do
escritório. Ricardo deu um passo à frente, mas parou quando ela rasgou novamente e novamente. Pedaços de papel caíram sobre o tapete persa como confete macabro. Eu vou ter esse bebê. Juliana disse cada palavra cristalina. Vou criá-lo sozinha. E quando ele ou ela crescer e me perguntar sobre o pai, eu vou contar a verdade. Que você teve a chance de ser um homem, mas escolheu ser um covarde. Espera.
Ricardo estendeu a mão, mas ela já estava na porta. Juliana parou com a mão na maçaneta. Virou-se parcialmente o perfil iluminado pela luz fria da cidade lá fora. Um dia, Ricardo Cavalcante, você vai acordar e perceber que dinheiro não compra as únicas coisas que realmente importam. E quando esse dia chegar, ela abriu a porta.
Eu espero que você se lembre deste momento e que doa tanto em você quanto está doendo em mim agora. A porta se fechou suavemente. Ricardo ficou parado, os pedaços do cheque aos seus pés, ouvindo os saltos dela se afastando pelo corredor de mármore. Quando o elevador tocou, anunciando a partida dela, ele finalmente se moveu, caminhou até a janela e pressionou a testa contra o vidro frio.
Lá embaixo, minutos depois, viu uma figura pequena emergir do prédio, a chuva imediatamente encharcando seus ombros. Juliana não abriu o guarda-chuva que carregava. simplesmente começou a caminhar, desaparecendo na multidão da Paulista. Ricardo não sabia ainda, mas aquela seria a imagem que o assombraria pelos próximos anos de sua vida.
Juliana, sozinha sob a chuva, carregando o filho dele para longe, enquanto ele ficava em sua torre de vidro e dinheiro, mais sozinho do que nunca havia estado. Três semanas depois, a mesa de Juliana na Cavalcante Corporativo estava vazia. Ricardo passou por ela todas as manhãs, os olhos fixos à frente, fingindo não notar o espaço que antes era preenchido por sua presença.
Uma nova secretária havia sido contratada. Beatriz, eficiente, mas sem o calor de Juliana, sem aquele sorriso que costumava iluminar o escritório cinza. Mas São Paulo é uma cidade pequena para quem se move nos mesmos círculos e boatos viajam mais rápido que o metrô na hora do rush. Ouvi dizer que a secretária do Ricardo Cavalcante saiu grávida”, comentou uma das advogadas no elevador, sem saber que Juliana estava três pessoas atrás dela. Imagina o escândalo, se for dele.
Com o casamento dele marcado para dezembro, Juliana apertou a pasta contra o peito e desceu no próximo andar, mesmo não sendo o seu. As entrevistas de emprego se tornaram uma tortura meticulosamente planejada. Sentada em salas de espera climatizadas, foliando revistas de negócios que pregavam meritocracia e oportunidades, Juliana via a mesma sequência se repetir.
Interesse inicial ao ver seu currículo, entusiasmo ao discutir suas qualificações e então inevitavelmente a pergunta. Tr anos na Cavalcante Corporativo? Impressionante, dizia o entrevistador, ajustando os óculos. Por que decidiu sair? E Juliana sabia que eles já sabiam.
São Paulo é uma cidade de 12 milhões de pessoas, mas o mundo corporativo é uma aldeia onde todos se conhecem. Busco novos desafios. Ela respondia, a mentira seca em sua boca. Entendo. Nós entraremos em contato. Nunca entravam. À noite, em seu apartamento de um quarto na Vila Mariana, 35 m quadrados que consumiam metade do seu salário, Juliana fazia contas, o notebook aberto na mesa da cozinha, planilhas se multiplicando como células cancerígenas.
Aluguel: 1800, condomínio 350, luz, água, internet, comida, 600 horas. Restava quase nada da sua rescisão trabalhista, que havia sido generosa em números, mas insuficiente em meses, e havia um bebê crescendo dentro dela. Juliana colocou a mão sobre a barriga, ainda plana, mas diferente. Ela sabia que estava lá.
podia sentir, não com as mãos, mas com algo mais profundo, mais primitivo. “Vai ficar tudo bem”, ela sussurrou para o silêncio do apartamento. “Eu prometo. Foi em uma terça-feira chuvosa de maio que o caixa eletrônico cuspiu o extrato que mudaria tudo.” Saldo 342. Bir city 67. Juliana ficou parada na cabine, a chuva tamborilar contra o vidro, pessoas passando apressadas lá fora com seus guarda-chuvas corporativos e suas vidas organizadas.
Ela tinha 26 anos, um diploma em administração, 3 anos de experiência em uma das maiores empresas do país e 342 moasse 67 ares no banco. O celular tocou, número desconhecido. Alô, senrita Costa. Dr. Henrique Moreira do escritório Moreira em Associados. Represento o Senr. Ricardo Cavalcante. Juliana fechou os olhos.
Meu cliente gostaria de estabelecer um acordo financeiro para suporte à criança, sem necessidade de reconhecimento de paternidade público. Uma quantia mensal depositada discretamente em troca da sua Não, perdão. Eu disse não. Juliana repetiu. Cada sílaba cortante como vidro. Diga ao seu cliente que eu não quero o dinheiro dele. Não quero nada dele. E se ele mandar mais algum advogado me ligar, eu vou processar por assédio. Ela desligou antes que o advogado pudesse responder.
Naquela noite, Juliana vendeu o sofá da sala. Era de couro falso, mas estava em bom estado. Conseguiu 400leys no Mercado Livre. No dia seguinte, vendeu a TV. Depois, a bicicleta ergométrica que mal havia usado, os livros de faculdade, o micro-ondas. A cafeteira italiana que havia ganhado de amigo secreto.
O apartamento foi ficando vazio, ecos se multiplicando onde antes havia vida. Foi sua tia Rosa quem ligou em uma manhã de domingo. Juliana quase não atendeu. Ligações de família significavam perguntas que ela não queria responder. “Ju, minha filha, quanto tempo!” A voz calorosa de rosa encheu a linha, trazendo com ela cheiro imaginário de pão caseiro e mar.
Como você está? E talvez fosse o cansaço ou a solidão ou o fato de que ela não havia conversado com alguém além de entrevistadores e advogados em semanas. Mas Juliana começou a chorar. Tia, eu estou grávida. O silêncio do outro lado não foi de julgamento, foi de processamento de compreensão. E o pai não está na jogada. Outro silêncio mais curto. Você tem onde ficar.
Tenho um apartamento, mas Juliana olhou ao redor para as paredes nuas para as caixas começando a se acumular. Não sei por quanto tempo mais. Vem para ti, Rosa disse sem hesitação. A pousada tem um quarto sobrando. Você pode trabalhar comigo, ajudar com os hóspedes. Não é glamoroso, mas é honesto.
E ela fez uma pausa e Juliana pôde ouvir o sorriso na voz dela. O ar do mar faz bem para grávidas. Juliana olhou pela janela do apartamento. Lá fora, São Paulo continuava sua dança frenética. Carros buzinando, pessoas correndo, prédios competindo por cada centímetro de céu. Tinha sido sua cidade dos sonhos uma vez. A cidade onde ela construiria uma carreira, onde encontraria o amor, onde se tornaria alguém.
Mas sonhos ela estava aprendendo. Às vezes precisam morrer para que outros possam nascer. Quando posso chegar, a estrada Rio Santos se desenrolava como uma cobra de asfalto entre a Mata Atlântica e o Oceano. Juliana tinha as janelas do ônibus abertas, o vento salgado bagunçando seus cabelos já crescidos e sem o corte mensal que costumava fazer nos jardins.
4 horas de São Paulo, passando por Ubatuba, São Sebastião, todas aquelas praias que ela só conhecia de fotos no Instagram. Para ti surgiu como uma miragem colonial. Casas brancas com janelas coloridas, ruas de pedra que brilhavam sob o sol da tarde, barcos coloridos balançando na baía.
Era como viajar no tempo, do século XX, com seus prédios de vidro para o século XVII, com sua arquitetura portuguesa preservada. O ônibus parou no terminal rodoviário, pequeno e charmoso, nada como o monstro de concreto da barra funda. Juliana desceu com suas duas malas. Tudo que restava da sua vida em São Paulo cabia agora em 46 kg de bagagem. Ju, aqui, minha filha.
Tia Rosa parecia menor do que Juliana se lembrava, mas talvez fosse porque ela havia crescido. 62 anos, cabelos grisalhos presos em um rabo de cavalo, pele bronzeada pelo sol da costa, olhos que eram pura bondade. Elas se abraçaram ali mesmo na frente do ônibus, enquanto o motorista descarregava malas e outros passageiros se dispersavam. Rosa cheirava a coco e sabão de coco.
Um cheiro que Juliana não sentia desde a infância, desde antes de São Paulo e suas ambições. Deixa eu ver você. Rosa afastou Juliana, segurando-a pelos ombros. Seus olhos percorreram o rosto da sobrinha, a barriga ainda discreta sob a blusa folgada. Está mais magra, não está se alimentando direito. Estava economizando. Juliana admitiu. Bom, isso acaba hoje. Vem.
A pousada fica a 10 minutos daqui. Elas pegaram um táxi, um gol branco que já havia visto dias melhores e seguiram pelas ruas de pedra. Juliana tinha esquecido como era possível ouvir o silêncio, o quanto a ausência de buzinas podia ser ensurdecedora para ouvidos acostumados com o caos. A pousada Recanto do Mar ficava às cinco quadras do centro histórico, em uma casa colonial de dois andares, pintada de branco com molduras azul turquesa. Uma placa de madeira pendurada na varanda anunciava vagas.
Buganvilhas rosa e roxo escalavam as paredes e Juliana podia ouvir o oceano, não ver ainda mais ouvir um sussurro constante que prometia não estar muito longe. “Não é a Avenida Paulista”, Rosa disse, abrindo o portão de ferro, “mas é casa. O interior cheirava a limpeza e bolo de fubá.
O chão era de tábuas envernizadas que rangiam sob os pés e havia aquela desordem organizada de lugares que são amados: Fotos nas paredes, plantas em vasos de barro, toalhas de mesa bordadas. “Seu quarto é no fundo do segundo andar”, Rosa disse subindo à escada de madeira. Longe da rua, então é mais silencioso e tem vista para o quintal. O quarto era pequeno, mas acolhedor.
Cama de casal com colxa de retalhos, uma cômoda antiga, cortinas que dançavam com a brisa e a janela. A janela dava para um quintal com mangueiras e abacateiros. E além das árvores entre as folhas, Juliana podia ver o azul do oceano. “É perfeito”, ela sussurrou. “Descansa hoje”, Rosa disse colocando as malas ao lado da cômoda. “Amanhã te mostro como funciona a rotina. Não é trabalho pesado.
Trocar roupas de cama, limpar quartos, servir café da manhã. Temos cinco quartos para hóspedes. Geralmente ficam cheios nos fins de semana e feriados. Juliana assentiu, sentindo o cansaço de meses, finalmente desabando sobre ela. Tia Rosa, obrigada. Eu não sei como vou te agradecer. Rosa caminhou até ela e pegou seu rosto entre as mãos, como fazia quando Juliana era criança e passava as férias ali.
Você agradece ficando bem, você e esse bebê. É tudo que eu quero. Quando Rosa saiu, Juliana sentou na beira da cama. Através da janela aberta, ela podia ouvir o som distante de crianças brincando, o canto de um pássaro, o oceano sempre presente. Não havia buzinas, não havia elevadores apitando, não havia o zumbido constante da ambição, aquele som definido sua vida em São Paulo.
Colocou a mão na barriga, agora com uma pequena curva começando a se formar. “Bem-vindo ao nosso novo lar”, ela sussurrou. Naquela noite, Juliana jantou com rosa na cozinha da pousada, peixe grelhado com legumes, arroz e feijão simples, mas delicioso. Depois caminhou até a praia. A praia do Pontal estava quase vazia, a lua cheia refletindo no mar calmo. Juliana tirou os sapatos e deixou a água fria lamber seus pés.
Em São Paulo, ela costumava trabalhar até às 9, depois pegar o metrô lotado, depois deitar na cama e rolar até dormir, apenas para acordar e recomeçar. Aqui o tempo parecia se mover diferente, como mel viscoso e doce. Seu celular vibrou, uma mensagem de um número desconhecido. Senrita Costa, por favor, reconsidere nossa proposta.
Meu cliente está disposto a aumentar a oferta mensal. Precisamos resolver isso da melhor forma para todos. Juliana bloqueou o número, depois, por impulso, abriu o Instagram. Foi até o perfil de Ricardo, privado, claro, mas sua foto de perfil era visível. Ele em um evento terno impecável, sorriso calculado, noivado confirmado entre Ricardo Cavalcante e Fernanda Nogueira, dizia a legenda da última postagem que havia curtido.
Casamento marcado para dezembro no Jocky Club. Juliana fechou o aplicativo, guardou o celular no bolso e olhou para o mar, para aquela imensidão escura que se estendia até onde seus olhos podiam ver. “Não preciso dele”, ela disse para a noite. “Nós não precisamos dele.” E pela primeira vez em meses, ela acreditou nas próprias palavras. Os meses escorreram como areia entre dedos.
Juliana acordava às 5 da manhã antes que o sol pintasse o oceano de rosa e dourado. Preparava o café da manhã para os hóspedes. Pão de queijo mineiro que Rosa ensinara a fazer, frutas tropicais cortadas em cubos perfeitos, tapiocas recheadas, café passado na hora. Às 7 começava a rotina de limpeza. 5 quartos. 10. Se a pousada estivesse cheia, trocando lençóis, lavando banheiros, aspirando carpetes, seu corpo mudava, a barriga crescia, primeiro sutil, depois impossível de esconder. Os hóspedes perguntavam, curiosos, mas gentis: “Para quando é o
bebê?” “Setembro”, Juliana respondia, a mão automaticamente indo para a barriga. “E o pai? Está longe”, ela dizia. E era a verdade mais simples que conseguia oferecer. Rosa a protegia como uma leoa protege seus filhotes. Ju, deixa eu carregar essa roupa de cama. Você já fez muito hoje. Ju, senta e descansa.
Eu termino os quartos. Ju, você está comendo direito. Mas Juliana precisava trabalhar. Precisava se manter ocupada. Porque quando parava, quando o silêncio da noite chegava e ela ficava sozinha em seu quarto com vista para o mar, os pensamentos vinham como ondas inevitáveis. E se ela não conseguisse fazer isso sozinha? E se não fosse o suficiente? E se a criança perguntasse sobre o pai e ela não tivesse respostas que não machucassem? Em maio, quando a barriga já era redonda e impossível de esconder, Juliana fez sua primeira consulta no posto de saúde de Parati.
Dr. Carlos, um médico de cabelos grisalhos e mãos gentis, fez o ultrassom. É uma menina, ele anunciou, sorrindo forte e saudável. Olha só, dá para ver o perfil. Juliana olhou para a tela borrada em preto e branco, e lá estava ela, uma criatura minúscula, mas completa, um nariz, dedos, um coração pulsando como um tambor minúsculo e perfeito.
Ela começou a chorar ali mesmo na maca, o gelado em sua barriga, os olhos fixos naquele milagre impossível. “Tudo bem, doutor”, Carlos? Perguntou preocupado. “Está tudo certo?”, Juliana disse entre soluços. Pela primeira vez em muito tempo, está tudo certo. Os preparativos começaram. Rosa transformou um canto do quarto de Juliana em um mini bersário.
Um berço de madeira comprado no brechó, pintado de branco por elas mesmas em uma tarde chuvosa, fraldas de pano guardadas em uma cesta de vime, roupinhas minúsculas que Rosa costurava à noite, sentada na varanda com sua máquina antiga. “Como você vai chamá-la?”, Rosa perguntou uma noite enquanto bordava um ursinho em uma mantinha amarela. Juliana, que estava lendo um livro sobre maternidade, olhou para cima. Sofia, ela disse sem hesitar.
Sofia Juliana Costa. Sofia significa sabedoria e ela vai precisar de muita sabedoria nesse mundo. É um nome lindo. Rosa sorriu. Mas nem tudo era tranquilo. Em agosto, o advogado ligou novamente. Um novo, dessa vez mais insistente. Senrita Costa, o senhor Cavalcante está preparando um acordo de custódia.
Se você não cooperar, ele pode buscar vias legais. Para quê? Juliana cortou a voz dura. para ter direito sobre uma filha que ele não quis, para comprar seu caminho de volta, porque agora sua consciência está pesando. Ele está preocupado agora. Ele está preocupado. Onde estava essa preocupação quando ele colocou um cheque na minha frente? Diga ao seu cliente que eu não quero nada dele, nem dinheiro, nem acordo, nada.
E se ele continuar me perturbando, eu vou mudar meu número? Ela desligou, bloqueou e tentou não pensar em Ricardo, em como ele estaria se preparando para seu casamento de dezembro, enquanto ela se preparava para trazer a filha dele ao mundo sozinha.
Foi em uma tarde de setembro, três semanas antes da data prevista que as contrações começaram. Juliana estava dobrando toalhas no quintal quando sentiu uma dor baixa e profunda, como uma onda quebrando dentro dela. Depois outra. E outra. Tia Rosa ela chamou. E sua voz tinha uma urgência que fez Rosa largar a panela no fogão e correr. É hora? Acho que sim.
O hospital de Parati era pequeno, mas limpo, com paredes pintadas de verde água e enfermeiras que conheciam todo mundo pelo nome. Rosa segurou a mão de Juliana durante todo o trabalho de parto, 12 horas de dor que pareciam reescrever o próprio conceito de sofrimento. “Você consegue, minha filha”, Rosa repetia, enxugando a testa de Juliana. “Você é mais forte do que pensa.
” E talvez ela fosse, porque quando o médico finalmente disse, “Empurra mais uma vez”. Juliana encontrou uma reserva de força que não sabia possuir. Empurrou com tudo que tinha, toda a raiva de Ricardo, toda a dor da solidão, todo o medo do futuro incerto. E então, no silêncio carregado que precedeu, um choro, um choro alto, indignado, furioso de estar vivo.
É uma menina, a enfermeira anunciou, colocando um pacote minúsculo envolto em uma manta cor-de-osa nos braços de Juliana. Sofia Juliana Costa tinha cabelos escuros grudados na cabeça redonda, punhos minúsculos cerrados, olhos que tentavam se abrir contra a luz do mundo.
E quando eles finalmente se abriram, castanho, mel, exatamente a cordos de Ricardo, Juliana sentiu seu coração se partir e se recompor simultaneamente. “Oi, Sofia”, ela sussurrou, as lágrimas escorrendo livremente. Eu sou sua mãe e eu prometo que você nunca vai se sentir abandonada. Prometo que você vai crescer sabendo que é amada, que é o suficiente, que é tudo. Rosa chorava também, uma mão na boca, a outra na cabeça de Sofia.
Ela é perfeita, Ju. É. Juliana, concordou, não conseguindo tirar os olhos da filha. Ela é naquela noite, sozinha no quarto do hospital, Sofia dormindo em um berço ao lado da cama. Juliana pegou o celular. Seus dedos pairaram sobre o WhatsApp, sobre o número de Ricardo que ela nunca havia deletado, apesar de ter bloqueado.
Ela poderia enviar uma foto, poderia escrever: “Você tem uma filha, Sofia. Ela tem seus olhos.” Mas então Sofia mexeu, fazendo aquele barulhinho que bebês fazem no sono. E Juliana guardou o celular. É só nós duas, ela sussurrou na escuridão. “E nós vamos ficar bem. e contra todas as probabilidades, contra todo o medo, ela acreditou. Sofia tinha seis meses quando sorriu pela primeira vez.
Não aqueles sorrisos reflexos de gases, mas um sorriso real, iluminando seu rosto rechonchudo enquanto Juliana fazia caretas engraçadas. Tinha nove meses quando começou a engatinhar pelas tábuas envernizadas da pousada, perseguindo o gato laranja de rosa, que era paciente demais para seu próprio bem.
Com um ano, ela deu seus primeiros passos cambaliantes na areia da praia do Pontal, suas perninhas rechonchudas lutando contra a instabilidade da areia, rindo cada vez que caía. Juliana documentava tudo, fotos no celular que ela nunca compartilhava em redes sociais, apenas guardava em uma pasta chamada Minha Vida. Eram memórias privadas, sagradas. Sofia cobrindo o rosto com areia, Sofia tentando comer uma manga e ficando com o rosto todo melado.
Sofia dormindo na rede da varanda, seus cachinhos escuros colados na testa suada. “Ela parece com você”, os hóspedes diziam frequentemente. E Juliana sorria e agradecia, mas a verdade era mais complicada. Sofia tinha o nariz de Juliana, a boca de Juliana, o formato do rosto de Juliana, mas tinha os olhos de Ricardo, aquele castanho mel intenso que mudava para dourado sob o sol. Tinha os gestos dele também.
Juliana percebeu com o tempo a forma como franzia a testa quando estava concentrada, como tocava o queixo quando pensava, como inclinava a cabeça quando estava curiosa. Era um lembrete constante. Mas Juliana aprendeu a separar a filha do pai. Sofia era Sofia, sua própria pessoa, completa e perfeita, não uma metade de ninguém. A rotina se estabeleceu como as marés.
Juliana acordava com o sol, preparava o café da manhã com Sofia, amarrada em um sling contra seu peito. Depois a colocava em um cercadinho na cozinha enquanto limpava os quartos. Quando Sofia começou a andar com segurança, aos 15 meses, ela seguia a mãe por toda a pousada, seu brinquedo favorito nas mãos, um ursinho de pelúcia desbotado que Rosa havia feito.
“Mamãe trabalhando!” Sofia dizia com sua pronúncia imperfeita, sentando no corredor enquanto Juliana aspirava. Isso mesmo, amor. Mamãe está trabalhando para a gente. As finanças eram justas, mas suficientes. Rosa não cobrava aluguel e Juliana contribuía com o trabalho e metade dos custos de comida. Elas comiam bem. Peixe fresco do mercado, frutas das árvores do quintal, feijão e arroz sempre prontos. Sofia crescia forte e saudável.
Suas bochechas redondas, suas pernas robustas. Aos dois anos, Sofia falava frases completas. uma tagarela incansável que fazia perguntas sobre tudo. Mamãe, por que o céu é azul? Por causa da luz do sol, meu amor. Porque a luz é amarela? Porque? Bem, é assim que Deus fez. Onde está Deus? Em todo lugar. Aqui também.
Aqui também. E lá Sofia apontava para o oceano. Especialmente lá. Foram anos de pequenas alegrias. Aniversários celebrados no quintal da pousada, com bolo simples que Juliana aprendera a fazer e balões coloridos amarrados nas mangueiras. Sofia aos três anos correndo entre os hóspedes, que se tornaram tios e tias honorários.
Sofia aos quatro, aprendendo a nadar nas águas calmas da praia do Jabaquara, seus bracinhos batendo vigorosamente, rindo cada vez que engolia a água salgada. Olha, mamãe, eu sou um peixe. E Juliana olhava, sempre olhava, guardando cada momento como se fossem diamantes, porque sabia, tinha aprendido da pior forma, que o tempo não esperava por ninguém. Mas havia perguntas que começaram a surgir, especialmente depois que Sofia começou a frequentar a escolinha municipal aos 5 anos.
“João tem um papai”, Sofia disse uma noite, sentada à mesa da cozinha, desenhando com giz de cera. E Maria também. E Pedro. Juliana, que lavava pratos, sentiu seu estômago apertar. É verdade, ela disse cuidadosamente. Eu tenho um papai. Juliana secou as mãos lentamente, ganhando tempo.
Ela havia se preparado para essa conversa, ensaiado mil versões na cabeça, mas agora que estava acontecendo, todas as palavras pareciam inadequadas. Sentou-se à mesa, puxando Sofia para seu colo. “Você tem?” Ela disse suavemente. Mas ele mora muito longe. Por quê? Porque às vezes adultos fazem escolhas que não fazem sentido. E ele escolheu não estar aqui. Ele não gosta de mim? Ó, meu amor.
Juliana apertou Sofia contra si, sentindo as lágrimas queimarem. Isso não tem nada a ver com você. Você é perfeita. Tão perfeita. O problema é dele, não seu. Sofia ficou quieta por um momento, processando. Mas eu tenho você. tem sempre. E tia Rosa. E tia Rosa. E o mel? Sofia acrescentou, referindo-se ao gato laranja. E o mel? Juliana riu através das lágrimas. Sofia se aconchegou mais.
Então está tudo bem. A gente não precisa de mais ninguém. Mas nas noites que se seguiram, Juliana via Sofia desenhando famílias, sempre com uma mãe e um pai de mãos dadas, uma criança no meio, e cada desenho era uma pequena facada, um lembrete do que ela não conseguira dar à filha.
Ricardo nunca mais tentara entrar em contato. O advogado desistira depois das primeiras tentativas. Não havia dinheiro chegando misteriosamente, não havia cartas, não havia sinais de que Sofia existia no universo dele. E Juliana tinha certeza de que era assim que ele queria, fora da vista, fora da mente. Ele devia estar casado agora, talvez pensando em ter filhos com Fernanda, filhos que seriam reconhecidos, amados, incluídos.
Mas Juliana aprendera algo nesses anos. Amor não se dividia, se multiplicava. E o amor que ela sentia por Sofia, feroz, incondicional, infinito, era suficiente. Tinha que ser. Aos seis anos, Sofia era uma mistura perfeita de tímida e corajosa, tímida com estranhos, escondendo-se atrás das pernas de Juliana, corajosa com o oceano, mergulhando nas ondas sem medo, tímida na escola, levando semanas para fazer amigos, corajosa em defender outros, colocando-se entre um valentão e uma criança menor, mesmo sendo pequena para sua idade. “De onde ela tira essa coragem?”, Rosa perguntou uma vez,
assistindo Sofia a confrontar um menino maior que estava puxando o rabo do gato. Não sei Juliana respondeu, mas no fundo ela sabia. Sofia tinha herdado a persistência de Ricardo, sua teimosia, sua incapacidade de aceitar derrota. Eram traços que em Ricardo serviam negócios, mas em Sofia serviam ao amor.
E talvez, Juliana pensou enquanto via a filha rir na praia, seus cachinhos escuros voando ao vento. Talvez isso fosse suficiente. Talvez pudessem construir uma vida inteira aqui, apenas elas duas, o oceano e o céu, longe de São Paulo e suas promessas quebradas. Mas o universo, Juliana aprenderia em breve, tinha outros planos.
Ricardo Cavalcante tinha 39 anos quando sua vida perfeita começou a rachar. De fora, tudo parecia impecável. Seu da Cavalcante Corporativo após a morte de seu pai dois anos antes, expandindo a empresa para novos mercados, aparecendo em capas de revistas de negócios. Casado com Fernanda Nogueira, havia 5 anos.
Ela linda, elegante, sempre com o sorriso certo nos eventos certos. Mas sozinho, nas madrugadas son em seu apartamento de cobertura na Faria Lima, Ricardo se pegava pensando em Juliana, perguntando se onde ela estaria, se estava bem, se o filho, não, a filha.
O detetive que ele contratara anos atrás confirmara uma menina chamada Sofia, estava saudável. O detetive também encontrara o endereço pousada Recanto do Mar para ti, RJ. Ricardo guardara a informação como um segredo vergonhoso, um número anotado em um papel escondido em uma gaveta trancada, mas nunca fizera nada com a informação.
O que poderia fazer? Aparecer do nada depois de 7 anos? Oi, sou o pai que abandonou você. Seu casamento era uma farça educada. Ele e Fernanda dormiam em quartos separados havia três anos. Conversavam sobre negócios, eventos sociais, a fusão de suas empresas. Mas, amor, aquilo havia murchado antes mesmo de começar, se é que algum dia existira.
“Você está infeliz?”, Fernanda disse uma manhã durante café da manhã, foliando a Vog enquanto ele mexia mecanicamente seu café. “Estou bem.” Ricardo mentiu. “Não, você não está. Não está há anos.” Ela o olhou por cima da revista e havia algo quase como piedade em seus olhos. Mas eu também não estou, então estamos kits. Foi durante uma viagem de negócios ao Rio, uma semana depois dessa conversa, que o destino decidiu intervir.
Ricardo tinha uma reunião com investidores em Angra dos Reis e seu motorista sugerira um caminho diferente de volta. Podemos passar por para ti, senhor. É só mais meia hora, mas a vista é linda. E tem um shopping outlet ali, caso queira parar. Ricardo não sabia por aceitou.
Talvez cansaço, talvez curiosidade mórbida, talvez algo mais profundo, algo que sussurrava que essa era sua chance. O Village Molde Parati era modesto comparado aos shoppings de São Paulo, mas charmoso com sua arquitetura que imitava o estilo colonial da cidade. Ricardo entrou sem propósito real, apenas matando tempo antes de voltar para a estrada. foi quando ele a ouviu.
Uma risada cristalina, musical, infantil, o tipo de risada que faz adultos sorrirem automaticamente. Ricardo se virou e seu coração parou. A menina tinha cerca de 7 anos, vestindo um vestido azul simples e sandálias cor-de-osa, cabelos castanhos escuros em caixos que caíam pelos ombros.
Ela estava em frente a uma vitrine de brinquedos, apontando animadamente para algo dentro, conversando com alguém que Ricardo ainda não via, mas eram os olhos dela. Mesmo de longe, mesmo através do movimento de pessoas no corredor, Ricardo reconheceu aqueles olhos, porque eram os dele, castanho mel, grandes e expressivos, com aquela forma particular de amêndoa que era distintiva em sua família.
Sua mãe tinha esses olhos, seu avô tinha esses olhos e agora essa menina Sofia tinha que ser Sofia, tinha esses olhos. Ricardo deu um passo à frente, depois parou. Seu coração batia tão forte que ele podia ouvi-lo nos ouvidos. Suas mãos tremiam. “Mãe, posso? Por favor”, Sofia estava dizendo. E então uma figura apareceu ao seu lado, Juliana. 7 anos haviam mudado ela.
Os cabelos estavam mais longos, presos em um rabo de cavalo casual. Vestia jeans e uma camiseta simples, sem maquiagem, pele bronzeada pelo sol. estava mais magra, mas de uma forma saudável, atlética, e havia uma serenidade nela que Ricardo não se lembrava, como se ela tivesse feito as pazes com o mundo. “Sofinha, a gente já conversou sobre isso.
” Juliana estava dizendo pacientemente, agachando-se ao nível da filha. “Hoje não é dia de comprar brinquedo. Viemos buscar o material escolar, lembra?” Mas é tão bonito”, Sofia insistiu fazendo beinho. “Eu sei, amor. Que tal tirarmos uma foto e colocarmos na lista de aniversário?” Sofia pensou por um momento, então assentiu. Tá bom. Juliana pegou o celular e tirou uma foto da vitrine.
Depois estendeu a mão. Sofia a pegou e elas começaram a caminhar direto em direção a Ricardo. Ele não podia se mover, não podia respirar. Ficou congelado ali enquanto elas se aproximavam. E então os olhos de Juliana encontraram os dele. Ricardo viu o momento exato em que ela o reconheceu. Seus olhos se arregalaram.
Sua boca se abriu levemente, seu corpo inteiro ficou rígido. A mão que segurava a de Sofia apertou. “Mãe”, Sofia, perguntou, olhando para cima, confusa. Juliana piscou, quebrando o contato visual. Sua expressão se fechou, transformando-se em uma máscara dura. “Vem, Sofia, temos que ir.
” Ela acelerou o passo, puxando a filha, passando por Ricardo, como se ele fosse um estranho qualquer. Mas Sofia olhou para trás, curiosa seus olhos, os olhos dele, encontrando-os dele por um segundo carregado. E então elas desapareceram na multidão. Ricardo ficou parado ali por quanto tempo, segundos, minutos. Pessoas passavam ao seu redor, conversas fluíam, música tocava nos altofalantes, mas ele não ouvia nada, exceto o sangue rugindo em seus ouvidos.
Sua filha, ele tinha uma filha de carne e osso, não apenas um conceito abstrato em um relatório de detetive, uma menina real, com a risada de Juliana e seus olhos, com seus próprios sonhos e personalidade, crescendo a apenas 4 horas de distância dele, e ele tinha perdido 7 anos. S anos de primeiras palavras, primeiros passos, primeiros dias de escola.
7 anos de acordar no meio da noite para afastar pesadelos, de curar joelhos ralados, de assistir ela descobrir o mundo. Sete anos roubados pela sua própria covardia. Ricardo saiu do shopping em um transe, ligou para seu motorista, cancelou as reuniões do resto do dia e mandou que o levasse de volta para São Paulo. No caminho, ele não conseguia parar de ver. Sofia apontando para o brinquedo, os olhos brilhando.
Juliana agachada ao lado dela, paciente e amorosa, a forma como Sofia confiava completamente nela, a mão minúscula dentro da mão de Juliana. Elas tinham uma vida, uma vida completa, preenchida, sem ele, e a realização mais dolorosa de todas. Elas pareciam felizes. Quando chegou em casa, Fernanda estava saindo para um evento. “Você está bem?”, Ela perguntou, notando sua expressão.
Eu vi minha filha, Ricardo disse, as palavras saindo antes que ele pudesse pará-las. Fernanda ficou muito quieta. Ela sabia, claro que sabia. Em 5 anos de casamento, mesmo em um sem amor, alguns segredos eventualmente emergem. E eu perdi tudo, Ricardo disse, sua voz quebrando. Eu perdi 7 anos, Fernanda.
7 anos da vida dela. Fernanda o estudou por um longo momento. Depois, surpreendentemente, caminhou até ele e colocou uma mão em seu ombro. Então, talvez seja hora de parar de perder, ela disse suavemente. Se você realmente quer estar na vida dela, se é isso que finalmente vai te fazer feliz, você sabe o que precisa fazer. Ricardo olhou para ela e viu compreensão ali, não amor.
Isso morrera há muito tempo, mas compreensão, empatia, talvez até alívio. Nós dois merecemos ser felizes, Ricardo, de verdade, não esse teatro que estamos fazendo. Naquela noite, Ricardo sentou em seu escritório em casa, aquele com vista para a cidade iluminada, e pegou o papel com o endereço que guardava há anos.
Pousada, Recanto do Mar, Rua da Praia, 847, Centro Histórico, Parati TI, RJ. Sua filha estava lá, Sofia, 7 anos, olhos castanho mel, risada como música e ele tinha uma escolha a fazer. Podia continuar sua vida vazia em São Paulo, fingindo que aquela criança não existia, ou podia fazer a única coisa certa que havia falhado em fazer 7 anos atrás, lutar.
Ricardo esperou três dias antes de ir. Três dias de prepação, de diálogo interno, de reestruturar sua vida inteira. Na segunda-feira, ele chamou Fernanda para uma conversa séria. Não brigaram, estavam além disso. Simplesmente concordaram que era hora. Um divórcio amigável, já em processo há meses, na verdade, apenas aguardando um deles ter coragem de dar o passo final.
Vá atrás dela”, Fernanda disse na despedida sem rancor. “Vá ser o pai que você deveria ter sido desde o início.” Na terça-feira, Ricardo organizou seu trabalho, passou responsabilidades, remarcou reuniões. Sua secretária, não Juliana, nunca mais seria Juliana, anotou tudo com eficiência mecânica. Na quarta-feira, ele acordou às 5 da manhã antes que São Paulo despertasse.
Tomou banho, vestiu jeans e uma camisa polo. Nada de ternos hoje. Ele decidiu. Pegou as chaves do Mercedes e começou a dirigir. A rodovia dos tamoios cortava através da serra do mar, a estrada sinuosa descendo das altitudes paulistas para o nível do mar. Ricardo tinha esquecido como era verde aqui, verde de todas as tonalidades, a mata atlântica densa e úmida, cercando a estrada dos dois lados. A BR101, a Rio Santos, serpenteava pela costa.
À direita, fleches de azul entre as árvores, o oceano. À esquerda, montanhas cobertas de florestas subindo dramaticamente. Passou por Ubatuba, São Sebastião, pequenas cidades praieiras que existiam em um ritmo completamente diferente de São Paulo. 4 horas depois, um pouco mais por causa do trânsito em São Sebastião, Ricardo viu a placa para ti, centro histórico, 5 km. Seu estômago apertou.
A cidade apareceu como algo saído de um cartão postal. Casas coloniais brancas com janelas e portas pintadas em azuis, verdes, amarelos vibrantes. Ruas de pedra pé de moleque que brilhavam úmidas. A maré havia subido recentemente, alagando as ruas do centro, como acontecia desde os tempos coloniais. Turistas fotograavam, crianças brincavam, barcos coloridos balançavam no cais.
Ricardo seguiu o GPS até encontrar um estacionamento. Carros não entravam no centro histórico. Saiu, trancou o Mercedes e começou a caminhar. Suas sapatilhas de couro italiano pareciam ridículas nas pedras irregulares. Ele se sentia ridículo, na verdade, um homem de São Paulo em Parati, carregando suas ambições e seus arrependimentos como bagagem pesada.
A rua da praia era calma, ladeada por casas antigas, que haviam sido convertidas em pousadas, restaurantes, lojas de artesanato. E então ele a viu, uma placa de madeira pintada à mão, uma gaivota estilizada e as palavras pousada recanto do mar. Ricardo parou em frente ao portão de ferro pintado de branco.
Podia ouvir vozes lá dentro, risadas, uma música suave tocava. MPB Caetano Veloso. Por um momento, ele considerou voltar, entrar no carro, dirigir de volta para São Paulo, continuar sua vida vazia, mas ordenada. Mas então ele lembrou Sofia, a forma como ela olhara para ele no shopping, apenas por um segundo, curiosidade pura em seus olhos. Seus olhos. Ricardo abriu o portão.
O quintal era um jardim tropical. Buganvilhas, palmeiras, samambaias pendendo de vasos de barro. Uma mesa de madeira sob uma mangueira, cadeiras de balanço na varanda e então vindo da lateral da casa, ele ouviu: “Pega, vovó Rosa, pega!” Ricardo se virou e viu Sofia correndo pelo quintal, um pipa colorida nas mãos, rindo enquanto uma mulher mais velha fingia tentar pegá-la e ela o viu.
Sofia parou de correr, a pipa esquecida em suas mãos, olhando para o estranho em seu quintal. “Olá”, Ricardo disse. E sua voz saiu rouca. inadequada. Oi, Sofia, respondeu curiosa, mas cautelosa. Você se perdeu? Eu não. Eu estou procurando a dona da pousada. É minha tia avó Rosa. Sofia apontou para a mulher mais velha, que agora caminhava em direção a eles, com uma expressão protetora.
Mas ela está ocupada. Posso ajudar? Sofia. Quem é? Rosa chamou, chegando mais perto, mas antes que alguém pudesse responder, a porta lateral da casa se abriu e Juliana saiu carregando uma cesta de roupas de cama limpas. Ela o viu. A cesta caiu de suas mãos, lençóis se espalhando no chão. “O que você está fazendo aqui?”, ela perguntou. E havia gelo em cada sílaba.
Sofia olhou entre sua mãe e Ricardo, confusão se formando em seu rosto. “Mãe, você conhece ele? Sofia, vai para dentro. Juliana ordenou sem tirar os olhos de Ricardo. Mas agora Rosa pegou Sofia pela mão e a menina obedeceu, mas olhou para trás enquanto era guiada para dentro da casa. Seus olhos grandes arregalados, encontrando-os de Ricardo mais uma vez.
Quando a porta se fechou, Juliana caminhou até Ricardo. Ela era menor do que ele lembrava, mas de alguma forma parecia maior, mais forte. Eu perguntei. Ela disse cada palavra cortante. O que você está fazendo aqui? Eu vi vocês no shopping no fim de semana e decidiu o quê? Que depois de 7 anos você tem direito de aparecer? Não. Ricardo disse rapidamente.
Não, eu não tenho direito nenhum. Eu sei disso. Mas Juliana, eu eu só quero conhecê-la. Sofia, minha filha. Sua filha? Juliana riu, mas era um som sem humor. Ela não é sua. Você abriu mão desse direito quando colocou aquele cheque na minha frente. Eu sei, eu sei. E não há desculpa para o que eu fiz, mas eu estava vendo ela e sua voz quebrou.
Juliana, ela tem meus olhos e meu sorriso e minha teimosia e meu coração. Porque eu sou quem esteve aqui. Eu sou quem ficou acordada a noite inteira quando ela teve febre. Eu sou quem segurou a mão dela no primeiro dia de escola. Você estava em São Paulo brincando de empresário, casado com sua herdeira, fingindo que nós não existíamos. Cada palavra era uma facada e Ricardo merecia cada uma delas.
Que eu me divorciei ele disse, há seis meses e meu pai morreu no ano passado. As pressões que existiam não existem mais. E isso muda o quê? Você acha que pode simplesmente aparecer porque agora é conveniente para você? Não é sobre conveniência. Ricardo levantou a voz, depois se controlou. Juliana, não passa um dia sem que eu pense em você duas, sem que eu me arrependa do que fiz.
Eu contratei um detetive três anos atrás. Sei onde vocês moram. Poderia ter vindo a qualquer momento, mas não veio. Porque eu era um covarde, porque eu não achava que merecia e não acho que mereço. Mas ela merece ter um pai e eu quero. Eu preciso tentar ser esse homem. Juliana o encarou por um longo momento. Ricardo viu emoções se movendo em seu rosto.
Raiva, dor, talvez até o fantasma de algo que um dia fora amor. Você me machucou. Ela finalmente disse, sua voz mais baixa agora. Você me destruiu, Ricardo. Você me fez sentir que eu não valia nada, que o bebê não valia nada. Eu sei. Eu tive que reconstruir minha vida do zero, sozinha, grávida, com 26 anos e nenhum lugar para ir. Eu sei.
E agora você quer entrar na vida dela, na nossa vida? Ricardo respirou fundo. Eu quero uma chance, apenas uma chance de conhecê-la, de estar presente. Se você me der essa chance e eu estragar tudo, você nunca mais me verá. Mas Juliana, por favor, deixa eu tentar. O silêncio se estendeu entre eles, preenchido apenas pelos sons de Parati, sinos de igreja ao longe, conversas de transeútes nas ruas. o oceano sempre presente.
Eu preciso pensar, Juliana finalmente disse. E não importa o que eu decida, tem condições. Muitas condições. Aceito qualquer uma delas. Não foi uma pergunta, Ricardo. Foram termos. Ela se virou para ir embora, depois parou. Tem um café na esquina. Esquina do mar. Me encontra lá amanhã, às 7 da manhã antes que Sofia acorde e então a gente conversa de verdade sobre tudo. Eu vou estar lá.
Juliana assentiu e caminhou de volta para a casa, pegando os lençóis caídos no caminho. Ricardo a viu desaparecer pela porta e então ficou sozinho no quintal, ouvindo o vento nas folhas das mangueiras. Ele tinha uma chance, pequena, frágil, mas real, e ele não ia desperdiçar.
O amanhecerem para ti pintava o céu de tons de rosa e dourado, refletindo nas águas calmas da baia. Ricardo não havia dormido. Passou a noite em uma pousada próxima, olhando o teto, ensaiando o que diria. Às 6:45, ele já estava no café esquina do mar, sentado em uma mesa externa, bebendo o café mais amargo que já provara. Turistas começavam a circular, câmeras prontas, pescadores retornavam com as capturas noturnas. para ti. Acordava devagar, sem pressa.
Às 7:2, Juliana chegou, cabelos presos em um rabo de cavalo sem maquiagem, vestindo um vestido simples de algodão, linda, de uma forma que ela nunca havia sido em São Paulo, com seus ternos corporativos e suas máscaras profissionais. Ela sentou sem cerimônias, recusando o café que ele tentou oferecer. “Vou direto ao ponto”, ela começou.
Sofia me perguntou quem você era ontem à noite. Ricardo inclinou para a frente. O que você disse? Que você era um amigo antigo de São Paulo. Ela perguntou se você ia voltar. Eu disse que não sabia. Juliana o encarou. Então me diz, Ricardo, você vai voltar? Sim. Para quê? Para alimentar sua culpa? Para se sentir melhor consigo mesmo? Não.
Ricardo disse firmemente, para conhecer minha filha, para estar presente na vida dela, para ser o pai que eu sempre deveria ter sido. Bonitas palavras são a verdade. Juliana respirou fundo, depois tirou um papel amassado do bolso. Ricardo reconheceu sua própria letra, uma lista feita durante a noite insy.
Escreveu suas condições? Ela perguntou: “Não, essas são as minhas condições para você.” Ela abriu o papel e leu em voz alta. Um. Você só pode ver Sofia em Parati. Nada de levá-la para São Paulo até que ela esteja confortável contigo. E peça dois, você será apresentado como um amigo da família.
A decisão de revelar que você é o pai dela será minha e minha sozinha, quando e se eu sentir que é o momento certo. Três, você mantém um emprego estável e uma presença consistente. Nada de aparecer e desaparecer da vida dela. Quatro. Ao primeiro sinal de que isso está machucando Sofia emocionalmente, você vai embora sem discussão, sem advogados. Você simplesmente vai. E cinco, ela olhou para ele.
Você nunca, jamais faz ela sentir que não é querida, que é um fardo. O que dinheiro é mais importante que amor. Ricardo assentiu lentamente. Concordo com todas. Você entende o que está aceitando? Você vai dirigir 4 horas de São Paulo todo fim de semana. Vai passar tempo com uma criança que não sabe quem você realmente é.
Vai ter que ganhar a confiança dela, da tia Rosa e a minha. E tudo isso sem garantia nenhuma de que você eventualmente será reconhecido como pai dela. Eu entendo por quê? Juliana perguntou e pela primeira vez sua voz quebrou levemente. Por que agora, Ricardo? Porque não há 7 anos quando ela nasceu? Ou há cinco quando ela deu os primeiros passos? Ou a três quando ela teve pneumonia e quase morreu e eu fiquei sozinha no hospital rezando para que ela sobrevivesse? Ricardo sentiu como se tivesse levado um soco. Ela teve pneumonia. Sim, dois dias no CTI. Eu dormia em uma cadeira de
plástico ao lado da cama dela porque não tinha dinheiro para hotel e não queria estar longe caso acontecesse algo. Lágrimas corriam livremente pelo rosto de Juliana. Agora, você quer saber onde você estava? Provavelmente em algum jantar corporativo ou de férias em Búzios com sua esposa. Miami? Ricardo sussurrou. Eu estava em Miami para uma convenção.
Pois é, enquanto você estava em Miami, eu estava rogando a Deus que não levasse minha filha. O silêncio entre eles era denso. Eu não posso mudar o passado. Ricardo finalmente disse, sua voz rouca: “Cada palavra que você está dizendo, cada acusação é verdadeira. Eu fui um covarde. Eu falhei com você, com Sofia, comigo mesmo.
E se eu pudesse voltar no tempo, se eu pudesse ter uma única chance de refazer essas escolhas, ele limpou a garganta, mas eu não posso. Tudo que eu posso fazer é tentar a partir de agora ser diferente. Juliana enxugou as lágrimas com as costas da mão. Tem mais uma condição ela disse. Você tem que ser honesto comigo sempre.
Se em algum momento você sentir que isso é pesado demais, que você não consegue manter você me conta, você não desaparece sem explicação. Você me dá a cortesia de dizer a verdade. Eu prometo. Promessas são baratas, Ricardo. Então deixa eu provar. Quanto tempo você precisa? Um mês, três, seis? Juliana pensou por um longo momento, olhando para a baia, onde barcos de pesca balançavam suavemente.
Você pode vir neste fim de semana. Ela finalmente disse: “Sábado de manhã vou apresentar você como Ricardo, um amigo antigo que está visitando. Você pode passar o dia, almoçar com a gente, conhecer Sofia de verdade, então a gente vê como ela reage.” “Obrigado,” Ricardo disse. E havia tanta emoção em sua voz que até Juliana piscou surpresa. “Não me agradeça ainda.
Você não sabe como é difícil lidar com uma criança de 7 anos, especialmente essa criança. Ela é intensa. Ela parece você. Ela é ela mesma. Juliana corrigiu, mas havia um toque de orgulho em sua voz. E Ricardo, uma última coisa. Sim, você vai quebrar o coração dela. Eu nunca vou te perdoar. Entendeu? Nunca. Eu aguentei você quebrar o meu, mas se você quebrar o dela, sua voz era de aço.
Não vai ter dinheiro, advogado ou distância que vão te proteger da minha raiva. Ricardo segurou o olhar dela. Não vou quebrar nem o dela, nem o seu. Não, de novo. Juliana se levantou, alisando o vestido. Sábado, 9 da manhã. E Ricardo, não vista terno. Não traga presentes caros. Seja apenas Seja real. Ele assistiu ela caminhar de volta pelas ruas de pedra, desaparecendo entre as casas coloniais, e sentiu algo que não sentia há anos, esperança. Sábado, chegou com céu limpo e mar calmo.
Ricardo estacionou o Mercedes, duas quadras antes da pousada, seguindo o conselho de Juliana de não ostentar, e caminhou lentamente, observando para ti acordar. Eram 8:55, 5 minutos de antecedência. Ele não queria chegar cedo demais e parecer desesperado, mas também não queria se atrasar nem um segundo. Sofia estava no quintal quando ele chegou, desenhando com gis no chão de cimento. Olhou para cima quando o portão rangeu.
“Oi”, ela disse, sorrindo. “Você é o amigo da minha mãe.” “Sou. Me chamo Ricardo. Posso chamar você de Sofia? Claro, todo mundo me chama assim, exceto a vovó Rosa, que às vezes me chama de Sofinha. Ela inclinou a cabeça, estudando-o. Você tem olhos tristes, Ricardo piscou surpreso. Tenho. Tem, mas são olhos gentis também, como os do Senr. Whiskers. Senor Whiskers? Meu gato imaginário. Ele morreu ano passado.
Ohó, sinto muito. Tudo bem. Ele está no céu agora com Deus e os outros gatos imaginários. Antes que Ricardo pudesse responder, Juliana saiu da casa carregando uma jarra de suco. Vejo que vocês já se conheceram. Ela disse, colocando a jarra na mesa sob a mangueira. Sofia, o Ricardo vai passar o dia com a gente.
Tudo bem? Sofia deu de ombros. Tudo bem. Ele pode me ajudar a desenhar. E assim simplesmente Ricardo foi aceito no mundo dela. Os primeiros minutos foram estranhos. Ricardo não sabia como falar com crianças. Em seus 39 anos, ele havia evitado meticulosamente qualquer situação que envolvesse menores. Mas Sofia tinha uma forma de fazer perguntas que tornavam impossível não responder. Você gosta de desenhar? Não sou muito bom nisso.
Ninguém é bom no começo. Você só precisa praticar. Olha, vou te ensinar. Ela literalmente o puxou pela mão, aquela mãozinha quente e minúscula, tão confiante, e o sentou no chão ao lado dela. Entregou-lhe um pedaço de giz azul. Desenha um peixe. Ricardo olhou para o giz, depois para o chão, depois para Sofia.
Ela o observava expectante, esperando, ele desenhou. Foi horrível, mas parecia uma batata com barbatanas, mas Sofia aplaudiu. Muito bom. Agora desenha o oceano. Juliana os observava da varanda, uma xícara de café nas mãos. Rosa havia juntado a ela e as duas mulheres trocavam olhares que Ricardo não conseguia decifrar.
As horas passaram de uma forma que Ricardo não experimentava desde a infância. Não havia urgência, não havia reuniões para correr, não havia celular tocando. Ele havia deixado no silencioso. Havia apenas Sofia. Seu entusiasmo inesgotável, sua curiosidade infinita. Você mora em São Paulo? Moro. Eu já fui lá quando eu era bebê. Não me lembro. É muito diferente daqui. Muitos prédios, muitos carros. Eu gosto daqui.
Tem praia. Você gosta de praia? Amo. Você quer ver? Minha mãe disse que podemos ir. E assim Ricardo se encontrou caminhando pelas ruas coloniais de Parati, Sofia pulando à frente, Juliana ao seu lado, mantendo uma distância educada, mas presente. A praia do Jabaquara era uma curva de areia dourada cercada por coqueiros. A água era calma, cristalina, perfeita para crianças.
Sofia tirou as sandálias antes mesmo de chegarem na areia e correu, mergulhando nas ondas pequenas com uma risada de pura alegria. Ela é feliz. Ricardo disse: “Mais para si mesmo do que para Juliana”. É, Juliana, confirmou, observando a filha. Apesar de tudo, ou talvez por causa de tudo, você fez um trabalho incrível com ela. Não foi trabalho, foi amor.
Ricardo assistiu Sofia a fazer um castelo de areia, chamando-os para ajudar. Eles passaram duas horas ali. Ricardo, que não tocava a areia há décadas, encontrou-se de joelhos cavando fossos e construindo torres sobástica de uma arquiteta de 7 anos. “Agora precisamos de um dragão, Sofia anunciou. Todo castelo tem um dragão. Por que não uma princesa?” Juliana sugeriu sentada na areia ao lado deles.
Porque princesas são chatas, dragões são legais. Justo! Ricardo riu” e notou Juliana olhando para ele com uma expressão que não conseguia ler. No almoço, na pousada, Sofia insistiu que Ricardo sentasse ao lado dela. Eles comeram peixe grelhado com salada e arroz. E Sofia contou histórias sobre a escola, sobre seus amigos, sobre o gato laranja que insistia em dormir em sua cama.
E ontem ela disse, comendo uma cenoura, eu briguei com o Miguel. Por quê? Juliana perguntou, sobrancelhas levantadas. Porque ele disse que a Maria não podia brincar com a gente porque ela é menina. Aí eu disse que eu também sou menina. Aí ele disse que eu não contava porque eu era corajosa igual menino. Aí eu disse que meninas podem ser corajosas.
Aí ele me empurrou. Aí eu empurrei de volta. Sofia. Juliana suspirou. Mas eu avisei primeiro. Eu disse não me empurra de novo ou eu vou empurrar de volta. E ele me empurrou. Então foi justo. Ricardo se pegou, sorrindo. Ela tem razão. Juliana lhe lançou um olhar, mas havia humor nele. Quando a tarde começou a esfriar, Ricardo sabia que era hora de ir.
Não queria ultrapassar os limites. Não queria forçar. Sofia, ele disse, agachando-se ao nível dela. Eu preciso voltar para São Paulo, mas eu gostei muito de passar o dia com você. Você pode voltar? Ela perguntou. E havia algo esperançoso em seus olhos que fez o coração de Ricardo apertar. Se sua mãe deixar, Sofia olhou para Juliana.
Ele pode, mãe. Juliana olhou de Sofia para Ricardo e depois assentiu lentamente. Pode ai? Sofia abraçou Ricardo sem aviso, seus braços pequenos envolvendo suas pernas. Até logo, Ricardo com olhos tristes. Ricardo olhou para Juliana sobre a cabeça de Sofia. Ela acenou para que ele correspondesse ao abraço.
Hesitante, ele colocou as mãos nas costas de Sofia. Ela era tão pequena, tão delicada. E ainda assim, segurando-a, Ricardo sentiu algo que nunca havia sentido antes. Completude. Os fins de semana seguintes estabeleceram um ritmo. Sexta-feira à noite, depois do trabalho, Ricardo empacotava uma mala pequena e dirigia, 4 horas pelo asfalto serpente, descendo a serra, passando pelas praias, até chegar em Parati, quando as luzes coloniais começavam a piscar na escuridão.
Dormia em uma pousada modesta perto do centro, acordava cedo, tomava café no mesmo café onde havia conversado com Juliana naquela primeira manhã. E às 9 estava no portão do recanto do mar. Sofia sempre o esperava. Ricardo! Ela gritava correndo pelo quintal com os braços abertos. E toda vez aquele abraço era um bálsamo em feridas que Ricardo nem sabia que carregava.
Eles desenvolveram suas próprias tradições. Sábados eram dias de praia, praia do Jabaquara, praia do Pontal, às vezes pegando um barco para alguma ilha próxima. Sofia ensinava Ricardo sobre os melhores lugares para encontrar conchas, sobre como o oceano tinha personalidade, bravo em alguns dias, gentil em outros.
“Ele tá feliz hoje”, ela dizia, apontando para as ondas calmas. Isso significa que alguém fez algo bom no mundo. Quem te ensinou isso? Ninguém. Eu simplesmente sei. Domingos eram mais tranquilos. Caminhadas pelo centro histórico, sorvete na pracinha, visitas à livraria onde Sofia podia escolher um livro.
Ricardo aprendeu que ela amava histórias sobre aventuras, sobre crianças corajosas, sobre mágica escondida no mundo cotidiano. “Você acredita em mágica?”, Sofia perguntou uma vez. enquanto eles sentavam no CIS vendo os barcos. Não sei. Você acredita? Claro. Mágica está em todo lugar.
No jeito que as estrelas brilham, no jeito que a mãe sabe quando eu tô triste, mesmo sem eu falar nada. No jeito que você apareceu exatamente quando eu estava desejando ter alguém para me ajudar a construir castelos de areia. Ricardo engoliu o nó na garganta. Eu não sabia que você desejava isso. Eu desejava toda a noite antes de dormir. E um dia você apareceu. Com três meses de visitas, algo mudou.
Sofia começou a procurar Ricardo especificamente, não apenas quando ele estava lá, mas planejando para quando ele viria.