E se você descobrisse que não é grande demais para ser amado, mas apenas ainda não encontrou alguém cujo coração seja vasto o suficiente? Esta é a história de Rafael, um homem que se escondeu do mundo por medo de causar dor, até que uma mulher com um violoncelo quebrado entrou em sua oficina e mudou tudo.
Antes de começarmos, me conta aqui nos comentários de onde você está assistindo. E se essa história tocar seu coração, não esquece de deixar seu like e se inscrever no canal. Vamos juntos nessa jornada emocionante. Preparado? Então vamos lá. A garua fina de Gramado transformava a tarde de quinta-feira num quadro embaçado.
Nas ruas do centro histórico, turistas corriam procurando abrigo sobre as marquises das lojas de chocolate e malhas. Mas na oficina de Rafael Medeiros, o som da chuva no telhado de Zinco era apenas mais uma nota na sinfonia silenciosa do trabalho solitário. Rafael passou a lixa número 320 sobre o braço do violino, com movimentos circulares, precisos, quase meditativos.
Seus dedos grandes, desproporcionais para o resto do corpo já imponente de 1,93, seguravam a ferramenta com uma delicadeza que contradizia sua aparência. A luz alaranjada da luminária de mesa projetava sombras longas nas paredes de tijolos aparentes, onde violões, violinos e violas esperavam sua vez de renascer. Eram quase 6 da tarde quando a cineta da porta tocou.
Rafael ergueu os olhos, o coração disparando, como sempre acontecia quando alguém invadia seu santuário. Uma mulher entrou carregando um estojo de violoncelo quase do tamanho dela. Vestia um casaco bege encharcado pela garoa e tinha os olhos escuros arregalados, absorvendo cada detalhe da oficina como se estivesse entrando numa catedral.
“Boa tarde”, ela disse, a voz suave quebrando o silêncio de madeira e verniz. “Você é o Rafael Medeiros?” Ele assentiu já se levantando. O movimento fez a cadeira ranger e ele viu, como sempre via, o momento exato em que ela registrou seu tamanho. Os olhos dela percorreram sua altura, a largura dos ombros, as mãos que pareciam pequenas paz, mas diferente de outras pessoas, não havia medo naquele olhar, apenas curiosidade. Sou Marina.
Ela continuou avançando. Me falaram que você é o melhor restaurador da Serra Gaúcha. Preciso de ajuda com isso aqui. Bateu levemente no estojo do violoncelo. Rafael limpou as mãos num pano já sujo de serragem e acenou para que ela se aproximasse da bancada principal.
Quando Marina passou por ele, deixou um rastro sutil de perfume floral que se misturou ao cheiro de madeira e cola. Ela abriu o estojo com cuidado reverente, revelando um violoncelo antigo com verniz rachado e uma fissura visível na lateral. Era do meu avô, Marina disse, a voz embargada. Ele tocava todos os dias antes de dormir, sempre a mesma peça, uma suí de bac.
Rafael se inclinou para examinar o instrumento e seus dedos roçaram a madeira com a familiaridade de quem toca um rosto amado. Era um exemplar belíssimo, provavelmente dos anos 40, feito com madeiras nobres que já não se encontravam facilmente. A rachadura era séria, mas reparável. Posso salvar? Ele disse, sua voz grave, ecoando no espaço.
Vai levar umas seis semanas, talvez oito, quanto tempo for necessário. Marina respondeu. Ela o olhava com uma intensidade que o desarmava. Você ama o que faz, não é? A pergunta o pegou desprevenido. As pessoas costumavam perguntar sobre prazos, valores, garantias, nunca sobre amor. É a única coisa que sei fazer. Ele respondeu honesto demais.
Marina sorriu e foi como se alguém tivesse acendido mais uma luz na oficina. Posso voltar para ver como está o progresso? Não é só um instrumento, é tudo que me resta dele. Rafael deveria ter dito não. Deveria ter explicado que não recebia visitas, que trabalhava melhor sozinho, que ela poderia ligar para saber do andamento. Mas algo naqueles olhos escuros, naquela vulnerabilidade compartilhada sobre perda e música, o fez assentir.
Pode vir quando quiser. Quando Marina saiu levando apenas o estojo vazio, Rafael ficou parado no meio da oficina. o violoncelo do avô dela sobre sua bancada. Lá fora, a garoa tinha virado chuva de verdade. Ele tocou a rachadura da madeira, sentindo as irregularidades sob seus dedos grandes demais. E pela primeira vez em anos, aquela solidão cuidadosamente construída pareceu menos um refúgio e mais uma prisão.
Ele não sabia ainda, mas sua vida acabara de começar a mudar. E tudo começaria com um simples gesto. Uma mulher que não teve medo de suas mãos grandes, mas viu nelas a possibilidade de restauração. Rafael tinha dito que ela poderia voltar quando quisesse, imaginando que seria em uma semana, talvez duas. Marina apareceu três dias depois.
Era segunda-feira de manhã e ele estava aplicando o removedor de verniz com uma espátula fina quando ouviu a cineta. ergueu a cabeça, irritado com a interrupção, mas a irritação morreu no instante em que viu Marina na porta, segurando duas xícaras de café do café colonial. “Trouxe um pingado para você”, ela disse, sorrindo. “Pensei que poderia usar.” Rafael piscou sem saber como reagir. Ninguém nunca tinha simplesmente aparecido com café.
Ele limpou as mãos e aceitou a xícara, seus dedos enormes fazendo o recipiente descartável parecer de brinquedo. “Obrigado”, murmurou Marina. já estava olhando ao redor com aquele mesmo fascínio da primeira visita, como se cada ferramenta, cada instrumento pendurado fosse um tesouro a ser descoberto.
Ela se aproximou da bancada onde o violoncelo do avô descansava, já livre do verniz velho. “Nossa,” sussurrou, “vo você trabalha rápido. É um processo delicado”, Rafael, explicou, surpreso consigo mesmo por querer compartilhar. Primeiro tiro todo o verniz antigo, depois trabalho na estrutura.
A rachadura precisa ser colada e prensada por no mínimo 48 horas antes de começar o lixamento. Marina se virou para ele, os olhos brilhando. Pode me explicar? Quero entender cada etapa. E assim Rafael se viu falando, realmente falando, pela primeira vez em meses. Explicou sobre tipos de verniz, sobre como a madeira respira, sobre como cada instrumento tem uma alma que precisa ser respeitada no processo de restauração.
Marina ouvia com atenção absoluta, fazendo perguntas inteligentes, tocando delicadamente as ferramentas quando ele permitia. Quando ela finalmente foi embora, quase duas horas depois, Rafael ficou parado na oficina vazia, o café dela pela metade sobre sua bancada. Algo estranho e assustador estava acontecendo em seu peito.
Parecia com esperança, mas ele tinha enterrado essa emoção há tanto tempo que mal a reconhecia. Na terça-feira, Marina voltou com pão de queijo ainda quente. Na quarta trouxe cucas caseiras de sua tia, que morava em Nova Petrópolis. Na quinta, chegou com flores silvestres do campo para alegrar o ambiente. Rafael sabia que deveria desencorajá-la.
Sabia que cada visita era um tijolo a menos na muralha que ele havia construído ao redor de si mesmo, mas não conseguia, porque pela primeira vez desde os 27 anos, 8 anos atrás, ele não se sentia como um monstro escondido numa caverna. Sentia-se como um homem trabalhando em sua oficina, enquanto uma mulher interessante lhe fazia companhia. Na sexta-feira, Marina chegou com um livro.
“Posso ler enquanto você trabalha?”, perguntou quase tímida. Prometo que não vou atrapalhar. Rafael a sentiu, incapaz de formar palavras. Ela se acomodou numa cadeira velha perto da janela, enrolada em um chale de lã, e começou a ler Claric Lispector em voz alta. A voz dela transformava as palavras em música e Rafael se pegou trabalhando no ritmo daquela melodia, suas mãos grandes moldando a madeira enquanto Marina moldava o silêncio com literatura.
Quando a tarde escureceu e ela se levantou para ir embora, parou na porta e olhou para trás. Rafael chamou suavemente. Sim, você tem as mãos mais bonitas que já vi. Mãos de artista. e saiu antes que ele pudesse responder, deixando-o com o coração batendo descompassado e uma sensação estranha de que o chão havia se movido sob seus pés.
Aquela noite, Rafael não conseguiu dormir. Deitado na cama estreita do apartamento que ficava nos fundos da oficina, ele fitava o teto e permitia-se, pela primeira vez em anos, imaginar, imaginar uma vida onde não estava sozinho, onde alguém trazia café e flores, onde mãos que sempre causaram dor poderiam talvez causar outra coisa.
Mas com a imaginação veio o medo e com o medo as lembranças. O fim de semana passou como um deserto. Rafael trabalhou sem parar, tentando não pensar em Marina, mas tudo na oficina agora a lembrava. A xícara de café vazia, as migalhas de pão de queijo, o perfume que ainda pairava no ar. Na segunda-feira de manhã, ela chegou com um sorriso que iluminava a garoa lá fora.
Bom dia, trouxe chimarrão. Você toma? Rafael assentiu e logo estavam sentados lado a lado na bancada, passando a cuia de um para o outro num ritual gaúcho que parecia criar uma intimidade maior do que qualquer conversa poderia. A erva mate amarga aquecia por dentro e Rafael se pegou, relaxando de uma forma que não fazia em anos.
“Pode me contar sobre você?”, Marina? Perguntou de repente, seus olhos fixos nele. “Quero dizer, além do trabalho, quem é Rafael Medeiros?” A pergunta o congelou. Quem era ele? Um homem quebrado, um reconstrutor de coisas quebradas que nunca conseguiu reconstruir a si mesmo? Não há muito para contar, disse cuidadosamente. Meu pai era marceneiro. Me ensinou a trabalhar com madeira desde criança.
Um dia restaurou um piano antigo para um cliente e eu fiquei fascinado. O resto é história. E por que instrumentos musicais especificamente? Rafael tomou um gole longo de chimarrão, ganhando tempo. Como explicar que era mais fácil trabalhar com coisas quebradas do que com pessoas? Que madeira rachada podia ser colada, mas corações partidos eram mais complicados? Por quê? Ele disse finalmente, um instrumento quebrado ainda tem uma canção dentro dele. Só precisa de alguém que saiba ouvir.
Marina ficou em silêncio por um longo momento, estudando seu rosto. E você, qual é a sua canção? A pergunta o atingiu como um soco no peito. Ninguém nunca tinha feito essa pergunta. Ninguém nunca tinha olhado para ele e visto além do corpo grande demais, das mãos assustadoras. Acho que esqueci. Ele admitiu a voz rouca.
Marina colocou a mão sobre a dele, pequena, delicada, sobre aquela enormidade. E Rafael quase se afastou, mas não o fez, porque o toque dela era gentil, não havia medo nele, não havia julgamento. Então, vamos encontrá-la. juntos ela disse simplesmente. Nos dias seguintes, as visitas de Marina se tornaram diárias. Ela chegava no início da tarde, sempre trazendo algo.
Café, comida, livros, flores. Lia para ele, conversava ou simplesmente ficava em silêncio, observando-o trabalhar com uma admiração que o deixava sem jeito. Rafael começou a notar pequenas coisas. Como ela mordia o lábio inferior quando estava pensativa, como seus dedos tamborilavam ritmos invisíveis.
quando estava ansiosa, como ela inclinava a cabeça ao sorrir, fazendo o cabelo escuro cair sobre um dos ombros, e notou algo mais perturbador. Estava começando a esperar por ela. A oficina, que sempre fora seu refúgio, agora parecia vazia sem a presença dela. Na quinta-feira da segunda semana, enquanto Rafael trabalhava no lixamento fino do violoncelo, Marina se levantou da cadeira e veio ficar ao lado dele, tão perto que ele podia sentir o calor do corpo dela. “Posso tentar?”, ela perguntou, apontando para a lixa. Rafael hesitou, mas entregou a ferramenta.
Guiou a mão dela, colocando sua própria mão grande sobre a dela, mostrando o movimento circular, a pressão certa. Era a primeira vez que tocava alguém intencionalmente em anos e o contato elétrico que passou entre eles foi innegável. “Ah, sim?” Marina sussurrou.
E Rafael percebeu que ela estava olhando para cima, para seu rosto, não para o instrumento. “Ah, sim”, ele confirmou, a voz saindo mais baixa que o normal. ficaram assim por um momento que pareceu eterno, a mão dele sobre a dela, os corpos próximos, algo imenso e assustador crescendo entre eles. Foi Marina quem se afastou primeiro, limpando a garganta. “Acho que acho que vou fazer um café”, ela disse. As bochechas coradas.
Rafael apenas assentiu, o coração trovejando no peito, as mãos tremendo levemente, e, pela primeira vez, desde que ela entrou em sua vida, ele sentiu não apenas esperança, mas terror absoluto, porque sabia que isso, fosse lá o que fosse, só podia terminar de uma forma. Com ele machucando-a era o que sempre acontecia, era o que seu corpo, grande demais, desproporcional, sempre fazia.
E ele não suportaria ver medo nos olhos dela, não dela. Na manhã de sexta-feira, a Marina chegou tarde. Rafael tinha passado a manhã inteira olhando para a porta, tentando não parecer ansioso, falhando miseravelmente. Quando ela finalmente entrou, às 11 horas, trazia um embrulho e um sorriso nervoso.
“Desculpa o atraso”, disse, tirando o casaco úmido. Tive que passar numa livraria. Ela estendeu o embrulho para ele. Rafael o abriu com cuidado, revelando um livro de capa dura, uma edição especial da obra completa de Carlos Drumon de Andrade. Vi você olhando para aquela estante ali. Marina apontou para a pequena prateleira, onde Rafael guardava alguns livros antigos.
Notei que tinha alguns poetas, mas não Drumon, e todo gaúcho que se preze precisa de Drumon de na estante. Rafael segurou o livro como se fosse um objeto sagrado. Ninguém nunca tinha lhe dado um presente apenas porque sim, sem ser Natal ou aniversário, apenas porque percebeu algo que lhe faltava. Eu Ele Ele começou, mas a voz falhou.
Marina tocou seu braço levemente. Você não precisa dizer nada. Só queria que soubesse que eu presto atenção. E essa foi a frase que quebrou algo dentro de Rafael, porque ele tinha passado a vida inteira sendo notado por todas as razões erradas. Grande demais, mãos demais, corpo demais. Mas Marina o notava de jeitos diferentes.
Notava o que ele lia, como trabalhava, os pequenos gestos que faziam dele quem era. Naquela tarde, sentados no chão da oficina, com as costas apoiadas na bancada, Marina leu Drumon em voz alta. Enquanto a chuva caía lá fora, quando chegou ao poema Amar, sua voz vacilou: “Que pode uma criatura senão entre criaturas? Amar, amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar?” Rafael fechou os olhos, deixando as palavras o penetrarem: “Amar, quando foi a última vez que permitiu a si mesmo ao menos considerar essa possibilidade?” “Rafael!” Marina chamou suavemente.
Posso te fazer uma pergunta pessoal? Ele abriu os olhos e assentiu tenso. Por que você está sempre sozinho? Quero dizer, um homem como você, talentoso, inteligente, gentil, por ninguém, por machuco? Ele interrompeu. A verdade escapando antes que pudesse detê-la. Marina franziu a testa.
Como assim, machuca? Rafael se levantou abruptamente, caminhando até a janela, as mãos enfiadas nos bolsos da calça. Lá fora, os turistas corriam pela chuva, entrando e saindo das lojas. Vidas normais, relacionamentos normais. “Você me vê, Marina?”, ele disse, sem se virar. “Realmente me vê? Tenho quase 2 m de altura.
Minhas mãos”, ergueu uma delas, olhando para ela como se fosse uma arma. Minhas mãos são do tamanho da sua cabeça. E não é só isso. Meu corpo todo é desproporcional, como se Deus tivesse me construído com peças que não combinam. Rafael, não. Ele continuou. A voz carregada de anos de dor. Deixa eu terminar. Desde os 16 anos eu sabia que era diferente, mas tentei.
Aos 19 tive uma namorada. A primeira vez foi foi um desastre. Eu a machuquei. Ela ficou com medo. Terminamos aos 23. Tentei de novo. Mesma coisa. Aos 27, uma última tentativa. Ela saiu correndo, literalmente correndo. Nunca vou esquecer o terror nos olhos dela. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Rafael esperou ouvir os passos dela se afastando, a porta se fechando, mas em vez disso ouviu passos se aproximando. Marina tocou suas costas levemente.
“Olha para mim!”, ela pediu. Ele se virou lentamente preparado para ver nojo, pena, medo, mas os olhos dela estavam firmes sem nenhuma dessas coisas. Você acha que eu não percebi? Você acha que eu não notei o jeito que você se afasta quando estou perto? Como suas mãos tremem quando me toca? Como você sempre deixa espaço entre nós como se fosse perigoso? Rafael não conseguiu responder. Eu percebi tudo. Marina continuou.
E sabe o que mais percebi? a gentileza, a forma como você toca os instrumentos como se fossem feitos de luz, o cuidado que você tem comigo, a delicadeza nas suas mãos, que supostamente são grandes demais. Rafael, você não é o que aconteceu com aquelas mulheres, você é o que está aqui agora comigo. Mas e se ele começou? E se nada? Ela interrompeu firmemente. Escuta o que estou dizendo. Eu não tenho medo de você. Nunca tive.
E se algum dia decidirmos explorar isso, se eu decidir te beijar ou mais, vai ser porque eu escolhi, porque eu quero. E vamos descobrir juntos com paciência como fazer funcionar, porque é isso que pessoas que se importam fazem. Rafael sentiu lágrimas queimar em seus olhos. A primeira vez em anos que chorava. Eu não sei se consigo sussurrou.
Então vamos descobrir, Marina disse, pegando uma das mãos enormes dele entre as suas. Juntos. sem pressa, sem pressão, apenas juntos. E naquele momento, com a chuva caindo lá fora e Drumon aberto no chão, Rafael permitiu-se acreditar apenas um pouco, que talvez, apenas talvez ele não estivesse destinado à solidão para sempre.
Os dias seguintes trouxeram uma nova dinâmica entre eles. A confissão de Rafael tinha criado uma vulnerabilidade compartilhada que, em vez de afastá-los, os aproximou ainda mais. Marina não tratava o assunto como tabu, nem como algo a ser consertado. Simplesmente estava presente.
E essa presença constante começou a dissolver camadas de vergonha que Rafael carregava há anos. Na terça-feira, ela chegou com uma proposta inusitada. Quer dançar comigo? Rafael parou no meio do polimento do violoncelo, a esponja ainda na mão. O quê? Dançar? Marina repetiu já mexendo no celular. Você me disse que trabalha melhor com música, mas sempre fica em silêncio.
Acho que está na hora de mudar isso. Antes que ele pudesse protestar, os acordes suaves de Águas de Marso começaram a tocar pelas caixinhas de som. Marina estendeu a mão. Vem. Eu não sei dançar, Rafael murmurou, mas já estava guardando a esponja. Então vou te ensinar. Ela o puxou para o centro da oficina, colocou uma das mãos dele em sua cintura e segurou a outra.
Rafael estava paralisado, hiperconsciente de cada ponto de contato entre eles. Sua mão na cintura dela era tão grande que quase circundava completamente seu corpo. “Relaxa”, Marina, sussurrou, começando a se mover no ritmo da música. “É só deixar o corpo sentir um passo, depois outro”.
Assim, eles se moveram desajeitadamente no início, Rafael pisando em seus próprios pés, tenso demais. Mas Marina era paciente, rindo suavemente quando ele tropeçava, guiando-o com gentileza. Aos poucos, algo estranho aconteceu. O corpo de Rafael, geralmente tão desconfortável, começou a encontrar um ritmo. Não era graça, não era técnica, mas era conexão. Quando a música terminou, eles estavam mais próximos do que antes, os rostos a centímetros de distância.
Rafael podia sentir a respiração dela, ver as pequenas falhas douradas em seus olhos escuros. Seu coração batia tão forte que tinha certeza de que ela podia ouvi-lo. Viu? Marina sussurrou. Não foi tão difícil, mas Rafael sabia que ela não estava falando apenas sobre dançar. Nos dias seguintes, aquilo se tornou um ritual.
Toda a tarde, antes de ir embora, Marina colocava uma música e dançavam. Às vezes era MPB, outras vezes era música clássica. Elis Regina, Chico Buarque, Tom Jobim. Cada dança era uma conversação silenciosa, seus corpos aprendendo a linguagem um do outro. E a cada dia, Rafael sentia as muralhas ao redor de seu coração, se desmoronando um pouco mais.
Na quinta-feira, quando terminaram de dançar garota de Ipanema, Marina não se afastou, ficou ali na altura de seu peito, olhando para cima com uma expressão que Rafael não conseguia decifrar. “Posso te contar um segredo?”, ela perguntou sempre. Eu fiquei três dias parada na frente da sua oficina antes de entrar naquele primeiro dia. Rafael piscou surpreso.
“Por quê?” “Porque eu sabia.” Marina disse simplesmente: “No momento em que vi você através da vitrine trabalhando naquele violino, as mãos tão grandes, mas tão cuidadosas, eu soube que você ia mudar minha vida e isso me apavorou. Marina, não, deixa eu terminar. Desde que meu avô morreu, eu estava apenas existindo.
Ia para o conservatório, tocava mecanicamente, voltava para casa, não sentia nada, estava anestesiada. Mas quando te vi, sentindo aquela madeira como se estivesse lendo Brailey, algo despertou e eu precisei de três dias para juntar coragem de entrar. Rafael engoliu em seco.
E agora? Se arrepende? Marina sorriu e foi como o sol rompendo através de nuvens de tempestade. Agora eu só me arrependo de não ter entrado mais cedo. E então ela fez algo que congelou Rafael no lugar, ficou na ponta dos pés e pressionou os lábios suavemente contra o canto de sua boca. Não bem um beijo, mas a promessa de um, um vislumbre do que poderia ser.
quando se afastou, os olhos dela estavam brilhando. “Só queria que soubesse que eu quero”, ela disse baixinho. “Quando você estiver pronto, se estiver pronto, eu quero.” E saiu, deixando o Rafael parado no meio da oficina, o coração batendo descompassado, a pele formigando onde ela tinha tocado, e, pela primeira vez em 8 anos, algo que se parecia perigosamente com coragem, começando a se formar em seu peito. O violoncelo estava quase pronto.
Seis semanas de trabalho cuidadoso haviam transformado o instrumento quebrado em algo novo, mantendo sua alma antiga. Rafael aplicava as últimas camadas de verniz quando Marina chegou numa tarde de sexta-feira com um brilho diferente nos olhos. Termina isso amanhã. Ela ordenou mais do que pediu. Hoje você vai comigo. Para onde? É surpresa. Pega um casaco. Rafael sabia que deveria resistir.
Deveria manter as fronteiras que protegiam ambos. Mas ultimamente suas defesas contra a Marina eram tão eficazes quanto papel contra a chuva. Pegou o casaco. Ela o levou de carro pelo centro de Gramado, subindo em direção ao Lago Negro. O parque estava quase vazio naquele fim de tarde de outono.
As árvores começando a mudar de cor, dourados e laranjas pontilhando o verde dos pinheiros. A água do lago refletia o céu que começava a avermelhar com o pô do sol. “Vem”, Marina disse pegando sua mão. “Um gesto que já se tornara natural entre eles, embora ainda fizesse o coração de Rafael disparar.
Caminharam ao redor do lago, seus passos ecuando nas tábuas de madeira do deck. Alguns casais tiravam fotos. Famílias com crianças alimentavam os patos. Rafael se sentiu exposto, grande demais naquele espaço aberto, mas a mão de Marina na dele o ancorava. Finalmente, ela parou num ponto isolado, onde os pinheiros formavam uma espécie de catedral natural.
Sem dizer nada, foi até o carro buscar o estojo do violoncelo. Você trouxe Rafael começou. Está terminado o suficiente. Marina interrompeu. E eu preciso fazer isso aqui agora com você. Ela abriu o estojo, revelando o violoncelo restaurado sob a luz dourada do pô do sol, mesmo sem o verniz final. Estava glorioso. As rachaduras haviam sido curadas. A madeira respirava novamente.
Rafael observou Marina pegar o instrumento com mãos trêmulas. “Não toco desde que ele morreu”, ela confessou, a voz quebrada. “Não conseguia. Cada vez que tentava, era como se meus dedos esquecessem todos os movimentos, como se a música tivesse morrido com ele. Marina, você não precisa. Preciso para mim, para ele, para nós. Ela se sentou num banco próximo, ajeitou o violoncelo entre as pernas, pegou o arco.
Por um longo momento, ficou apenas ali imóvel, os olhos fechados. Rafael mal respirava, testemunhando algo profundamente íntimo. Então, Marina começou a tocar. As primeiras notas da suí no Miri de Bach emergiram trêmulas, mas gradualmente, conforme os dedos dela redescobriram os caminhos familiares, a música ganhou corpo. E não era apenas música, era luto transformado em som.
Era amor sobrevivendo à morte. Era um neto conversando com um avô através das cordas de um instrumento que tinha visto gerações. Lágrimas escorriam pelo rosto de Marina enquanto tocava, mas ela não parava. Rafael sentiu sua própria visão embaçar, porque de alguma forma aquela música era sobre eles também, sobre coisas quebradas sendo restauradas, sobre beleza emergindo da dor.
Quando a última nota se dissolveu no ar da tarde, o silêncio que se seguiu foi sagrado. Marina segurou o violoncelo contra o peito, soluçando abertamente. Agora Rafael se ajoelhou na frente dela. Ele estaria orgulhoso disse suavemente. Marina o olhou através das lágrimas.
Você me deu isso, me devolveu a música, me devolveu a ele. Você fez isso sozinha? Não. Ela negou com a cabeça. Foi você, suas mãos, seu cuidado, seu amor pela restauração. Você não apenas restaurou madeira, Rafael, você me restaurou também. Eles ficaram assim por um longo momento, ela sentada, ele ajoelhado à sua frente, o violoncelo entre eles como uma terceira presença.
O pô do sol pintava tudo de dourado e laranja, e o mundo inteiro parecia suspenso naquele instante. Foi Marina quem se moveu primeiro. Colocou o violoncelo cuidadosamente de lado, pegou o rosto de Rafael entre as mãos, tão pequenas comparadas ao dele, e o trouxe para perto. “Eu vou te beijar agora”, ela sussurrou. Se você não quiser, me para.
Rafael congelou, todos os seus medos voltando de uma vez. E se ele machucasse? E se fosse grande demais até para isso? E se? Mas então os lábios dela tocaram os dele, suaves como uma oração, e todos os pensamentos cessaram. O beijo foi gentil, exploratório, sem pressa. Marina o beijava como ele restaurava instrumentos, com cuidado, com reverência, como se ele fosse algo precioso que poderia quebrar. Quando se separaram, ambos estavam tremendo. Foi.
Rafael começou, mas não tinha palavras. Foi perfeito. Marina completou, sorrindo através das lágrimas. E vai ser assim sempre, perfeito do nosso jeito, no nosso ritmo. E ali, sob os pinheiros do lago negro, com o violoncelo restaurado como testemunha silenciosa, Rafael permitiu-se acreditar, realmente acreditar, que talvez ele não fosse grande demais para ser amado.
Talvez apenas precisasse encontrar alguém cujo amor fosse vasto o suficiente para abraçá-lo completamente. Talvez aquele alguém sempre tivesse sido Marina. Rafael não foi à oficina no dia seguinte, nem no outro, nem no próximo. Pela primeira vez em 10 anos, as portas da oficina permaneceram fechadas no meio da semana. Dentro, Rafael estava sentado no chão, de costas contra a bancada, olhando fixamente para o nada, o beijo, o maldito beijo, que tinha sido tudo que ele sempre quis e tudo que mais temia, porque agora não havia como voltar atrás. Agora ele tinha provado como era ser tocado com amor e isso tornava tudo
infinitamente mais assustador. Seu celular vibrava constantemente, mensagens de Marina que ele não conseguia abrir. Rafael, está tudo bem? Por favor, responde. Estou preocupada. Foi por causa do beijo, foi demais? Desculpa se pelo menos me diz que está vivo. Mas ele não respondia. Porque o que diria? que estava apavorado, que o beijo tinha sido tão perfeito, que agora ele queria mais, queria tudo, mas sabia, sabia que eventualmente machucaria ela, que a história sempre terminava da mesma forma, com dor e rejeição. Na terceira
noite, houve uma batida insistente na porta dos fundos, aquela que dava para o apartamento. Rafael ignorou, mas a batida continuou acompanhada da voz de Marina. Rafael Medeiros, eu sei que você está aí. Abra essa porta. Silêncio. Tudo bem. Não abre, mas vou ficar aqui e vou falar e você vai escutar. Pode fechar as orelhas, colocar fones, fazer o que quiser. Eu vou falar do mesmo jeito.
Rafael fechou os olhos, encostando a cabeça na parede fria. Você acha que está me protegendo, né? Fugindo antes que eu me machuque, antes que descubra que você é grande demais, perigoso demais, whatever demais, mas sabe o que é isso? É covardia. As palavras atingiram Rafael como um tapa. Não é proteção, Rafael, é você protegendo a si mesmo.
Porque é mais fácil fugir do que arriscar. É mais fácil ficar com suas certezas de que vai machucar do que descobrir que talvez, só talvez, você possa amar alguém sem causar dor. Rafael sentiu lágrimas queimar em seus olhos. Eu vou te contar uma coisa que não contei antes. Meu avô morreu de coração, de repente.
Estava tocando, simplesmente parou e caiu. E sabe qual foi meu primeiro pensamento depois do choque? Ainda bem que eu não estava lá. Ainda bem que eu não tinha visitado naquele dia como tinha prometido. Ainda bem que não tive que ver. Ele ouviu a voz dela quebrar do outro lado da porta.
Passei um ano inteiro me punindo por isso, por ter escolhido segurança em vez de amor, por ter ficado longe, porque ensaio, porque trabalho, porque mil desculpas. E quando ele morreu, eu não pude nem me despedir. Você entende? Eu escolhi medo em vez de amor e agora vivo com esse arrependimento todos os dias. Um soluço abafado. Não faça isso comigo, Rafael. Não escolha medo. Não me prive da escolha de te amar.
Porque é isso que você está fazendo, decidindo por mim que eu não posso lidar, que vou me machucar, que sou frágil demais para o seu amor. Mas quem te deu esse direito? Silêncio. Apenas respirações pesadas dos dois lados da porta. Eu escolho você. Marina pronunciou cada palavra com força.
Eu escolho você com suas mãos grandes, com seu corpo que você acha desproporcional, com seus medos e suas cicatrizes e tudo mais. Eu te escolho sabendo exatamente quem você é. E se você não me deixar fazer essa escolha, se você tirar isso de mim, então você é tão controlador quanto aquelas pessoas que te rejeitaram. Rafael se levantou abruptamente e abriu a porta. Marina estava ali com os olhos vermelhos, o rosto manchado de lágrimas, o cabelo desarrumado, a mulher mais linda que ele já tinha visto. “Você está certa”, ele disse à voz rouca. “Estou sendo covarde.
Estou decidindo por você. E isso é, isso é tão errado quanto tudo que já fizeram comigo. Então, para, Marina disse simplesmente, para de decidir sozinho. Para de carregar tudo sozinho. Me deixa entrar, Rafael, de verdade. Não só na oficina, no medo, também na dor, também em tudo. E se eu te machucar? Então a gente descobre juntos como evitar que aconteça de novo.
A gente conversa, a gente aprende, a gente tem paciência, mas a gente faz, a gente tenta, a gente arrisca. Rafael estendeu a mão, aquela mão enorme que sempre foi sua maior vergonha. E Marina a pegou sem hesitar. “Eu tenho muito medo”, ele confessou. “Eu também”, ela respondeu. “Mas vamos ter medo juntos.” Tudo bem.
E Rafael, pela primeira vez na vida, permitiu que alguém realmente entrasse, não apenas na oficina, não apenas nas conversas superficiais, mas na escuridão, no terror, na vergonha que ele carregava havia anos. E descobriu que quando você divide o medo ao meio, ele não pesa tanto assim. Marina não foi embora naquela noite.
Depois da conversa carregada de emoção, ela simplesmente entrou no apartamento dos fundos de Rafael, um espaço que ele nunca tinha deixado ninguém ver, e olhou ao redor. Era minimalista, quase ao ponto de ser monástico. Uma cama estreita, uma estante com livros, uma pequena cozinha. Nas paredes nenhuma foto, nenhuma decoração, como se ele tivesse passado anos tentando ocupar o mínimo de espaço possível.
Você vive aqui? Marina perguntou e não havia julgamento na voz, apenas tristeza. É funcional, é uma cela. Ela corrigiu gentilmente, então virando-se para ele. Chega de fugir, chega de se esconder. Vamos fazer isso direito. Fazer o quê? Nós vamos começar do começo. Vamos namorar, Rafael, de verdade, com jantares, conversas, beijos.
E quando formos prontos, quando você for pronto, vamos explorar o resto, mas no seu tempo, com honestidade, com comunicação, do jeito certo. Rafael sentiu algo se soltar no peito. Você quer me namorar mesmo depois de especialmente depois? Marina interrompeu. Porque agora eu sei quem você realmente é. Não só o artesão talentoso, mas o homem assustado que ainda assim abriu a porta. Esse é o homem que eu quero. Ela se aproximou, pegou as mãos dele.
Mas vamos estabelecer algumas regras. Primeira, comunicação total. Se algo está demais, a gente fala. Se algo está bom, a gente fala também. Sem suposições, sem adivinhar. Rafael assentiu. Segunda, você para de decidir por mim. Se eu disser que está tudo bem, você acredita. Se eu disser que preciso ir devagar, você respeita. Mas você confia na minha palavra. Pode ser difícil.
Sei que pode, Marina disse suavemente. Mas é necessário. Você precisa confiar que eu sei o que estou fazendo, que eu sou adulta o suficiente para fazer minhas escolhas. E a terceira regra? Marina sorriu. A terceira é que você vai me levar para jantar amanhã em algum lugar bonito onde a gente pode conversar e se conhecer melhor fora dessa oficina. Pode ser.
Rafael sentiu um sorriso, algo raro, se formar em seus lábios. Pode. No dia seguinte, Rafael fechou a oficina mais cedo e se arrumou com um cuidado que não tinha em anos. Escolheu uma camisa social azul escura que Marina uma vez tinha comentado que ficava bonita com seus olhos. Passou gel no cabelo, olhou para si mesmo no espelho e pela primeira vez tentou ver o que Marina via.
Ainda se via grande demais, desajeitado, mas talvez, talvez houvesse algo mais ali também. Levou Marina ao Malbec, um restaurante aconchegante no centro de Gramado, com paredes de pedra e iluminação suave de velas. O garçom os levou a uma mesa num canto tranquilo, perto de uma janela que dava para a rua iluminada por postes antigos.
“Está nervoso?”, Marina? Perguntou sorrindo enquanto estudava o cardápio. “Apavorado, Rafael admitiu. Não saio assim desde bom, desde nunca. Na verdade, eu também estou nervosa”, ela confessou. Mas é aquele nervosismo bom, sabe, de expectativa. Pediram vinho, um fundu de entrada, um risoto de cordeiro como o prato principal e conversaram. Realmente conversaram sobretudo.
Marina contou sobre crescer em Porto Alegre, filha de professores, sempre rodeada de música, sobre a decisão de estudar violoncelo profissionalmente, as dúvidas, os sacrifícios. Rafael compartilhou sobre sua infância em Gramado, filho único de um marceneiro viúvo, que bebia demais, mas amava madeira.
Sobre como aprendeu que objetos eram mais confiáveis que pessoas, que trabalho era um refúgio seguro. “Quando você percebeu sobre seu corpo?”, Marina perguntou gentilmente quando já estavam na sobremesa. Um petig gatô compartilhado. Rafael respirou fundo aos 16. Foi meio óbvio que eu não era normal. Procurei na internet e tentei descobrir se havia algo errado médico, mas não, é só genética.
Uma combinação rara de proporções que faz com que, Ele parou as palavras presas na garganta, que faz com que você seja único, Marina completou, e dificulta a intimidade física de formas convencionais. É uma forma gentil de colocar. É a forma verdadeira de colocar. Ela corrigiu. Rafael, você não é o primeiro homem no mundo com essa característica.
E existem formas de fazer funcionar com comunicação, paciência, criatividade. Mas primeiro você precisa parar de ver isso como uma monstruosidade e começar a ver como apenas uma característica. Como eu tenho olhos escuros e você tem olhos claros. Como eu sou baixa e você é alto. Não é tão simples. Não é. Marina concordou. Mas também não é o fim do mundo. E eu não vou mentir.
Vai exigir cuidado. Vai exigir que a gente seja criativo. Mas Rafael, ela pegou a mão dele sobre a mesa. Vale a pena. Você vale a pena. Quando saíram do restaurante, a noite estava fria e estrelada. Caminharam pela rua coberta, observando as lojas ainda abertas, os turistas tirando fotos.
Rafael mantinha o braço ao redor dos ombros de Marina, sentindo-a próxima, sentindo-se normal, como um casal normal, fazendo coisas normais de casal. Na porta da casa dela, um apartamento pequeno a algumas quadras da oficina, Marina o puxou para um beijo. Diferente do primeiro, este tinha menos hesitação, mais promessa. Quando se separaram, ambos estavam sem fôlego. “Quer subir?”, ela ofereceu. “Só para conversar, tomar um chá? Nada mais.
” “Ainda não, Rafael. sentiu e seguiu a escada acima, o coração batendo forte, mas não mais de medo. Agora era de expectativa, expectativa de que talvez finalmente as coisas pudessem ser diferentes. Os meses seguintes trouxeram uma transformação que Rafael nunca imaginou possível.
Marina não se mudou oficialmente para a oficina, mas estava lá quase todos os dias. Aos poucos, seus pertences foram invadindo o espaço. Uma escova de dente no banheiro, um roupão pendurado na porta, uma estante de partituras ao lado dos livros dele. Criaram rituais que transformavam dias comuns em algo sagrado. Todas as manhãs, Rafael preparava café enquanto Marina praticava escalas.
O som do violoncelo se misturava ao aroma do café fresco, criando uma sinfonia doméstica que aquecia o espaço de formas que nenhum aquecedor poderia. Às tardes, tomavam chimarrão juntos na bancada da oficina, passando a cuia de um para o outro, enquanto Rafael trabalhava e Marina lia ou apenas observava.
Ela tinha razão quando disse que tinha começado a ocupar espaço, não apenas físico, mas emocional. O apartamento nos fundos não era mais uma cela. Havia flores nas janelas, cortinas coloridas, fotos deles dois começando a aparecer nas paredes, mas a verdadeira transformação acontecia nas pequenas intimidades. Marina ensinava Rafael a receber afeto. Quando ela passava os dedos pelo cabelo dele enquanto assistiam um filme, ele não se encolhia mais.
Quando ela se aninhava contra seu peito, ele não ficava rígido de medo. Estava aprendendo que seu corpo podia trazer conforto, não apenas dor. Numa quinta-feira de inverno, com a lareira acesa no apartamento, Marina fez uma proposta. “Quero tentar algo”, ela disse, sentada no sofá com as pernas dobradas. “Mas precisa prometer que vai me ouvir, se comunicar, não fugir.
” Rafael, que estava preparando o chocolate quente, se virou. O quê? Quero explorar. Você e eu, não tudo, não ainda, mas mais aos poucos. No nosso ritmo, o coração de Rafael disparou. Marina, escuta. Ela se levantou, aproximando-se. Faz quase três meses. Três meses de namoro maravilhoso. Você me beija, me abraça.
Dormimos juntos, literalmente juntos, na mesma cama, mas sempre para ali. E eu respeito que você tenha medo. Mas, Rafael, estou dizendo que estou pronta para começar a explorar mais. E se eu te machucar? Então a gente para, conversa tenta diferente. Marina disse com simplicidade. Amor não é só os momentos perfeitos, é também tropeçar, aprender, tentar de novo.
Mas a gente não pode nem começar se você não estiver disposto a arriscar. Rafael colocou as xícaras de lado e puxou Marina para perto. Ela se encaixava perfeitamente contra seu peito. Tão pequena, mas tão forte. Eu tenho medo de te perder, ele confessou baixinho. É o único bom que tenho na vida. Se eu estragar, você não vai me perder. Marina prometeu. A menos que continue me afastando.
A menos que decida sozinho que sabe melhor do que eu o que eu aguento. Aí sim você pode me perder, mas não por tentarmos e não dar certo na primeira vez. Isso eu não faria. Como você é tão sábia. Não sou. Ela riu suavemente. Só sou apaixonada. E pessoas apaixonadas são corajosas. Naquela noite, em passos lentos e cautelosos, exploraram mais um do outro.
Marina tirou a camisa dele, seus dedos traçando as linhas de seus músculos, do peito largo, dos ombros que sempre o envergonharam. Beijou cada insegurança, transformando-a em algo belo. Quando ele tremeu sob seu toque, ela sussurrou: “Você é lindo. Cada parte de você.” Rafael, por sua vez, tocava a como tocava instrumentos, com reverência, com cuidado infinito.
Descobriu que ela era sensível atrás das orelhas, que suspirava quando ele beijava a curva do pescoço, que se arqueava quando seus dedos traçavam sua espinha. Não foram mais longe naquela noite, mas deitados juntos depois, semivestidos sob as cobertas, com os corpos entrelaçados e corações batendo em sincronia, Rafael sentiu algo fundamental mudar. Ele tinha tocado alguém com desejo, não com medo, e o mundo não tinha acabado.
Marina não tinha fugido, apenas o abraçava mais forte, sorrindo contra seu peito. “Foi bom?”, ela perguntou sonolenta. “Foi, foi liberdade?”, Rafael respondeu honestamente: “Era mesmo liberdade de anos de vergonha, liberdade de autorecriminação, liberdade de acreditar que estava destinado à solidão. Nos dias seguintes, continuaram explorando, sempre devagar, sempre comunicando.
Marina era franca sobre o que gostava, o que era demais, o que queria tentar. Rafael aprendia a perguntar, a verificar, a confiar que ela diria se algo estivesse errado. Descobriram que posições convencionais precisavam ser adaptadas, que paciência era essencial, que lubrificante era um aliado, não uma admissão de fracasso, que o corpo de Rafael não era uma arma, apenas requeria criatividade.
E numa noite de sábado, com chuva batendo nas janelas e velas iluminando o quarto, finalmente fizeram amor completamente. Foi lento, foi gentil. Houve momentos de desconforto que exigiram pausas e ajustes, mas houve também conexão profunda, prazer compartilhado. E quando terminaram, ambos tinham lágrimas nos olhos, não de dor, mas de alegria. “Eu te amo”, Rafael, sussurrou, as palavras saindo sem planejamento. “Eu te amo tanto que dói.
” Marina sorriu, as próprias lágrimas escorrendo pelas têmporas. Eu também te amo. Cada centímetro enorme de você. E pela primeira vez, Rafael acreditou. O outono chegou a Gramado, pintando as árvores de dourado e laranja. Rafael tinha começado um projeto secreto três meses atrás, trabalhando nele apenas quando Marina não estava na oficina.
Toda manhã, antes dela chegar, cobria o projeto com um pano e voltava a trabalhar nos reparos regulares. Era um violoncelo, mas não qualquer violoncelo, um feito completamente do zero, usando as madeiras mais nobres que conseguiu encontrar. Imbuíia para o corpo, cedro para o tampo, pau brasilo. Cada peça escolhida com um pensamento específico sobre marina.
A imbuía porque era resistente, mas flexível como ela. O cedro porque tinha um tom quente, como a voz dela quando lia poesia. O pau brasil porque era raro e precioso, como o amor que ela lhe dera. Um sábado de manhã, Marina entrou na oficina mais cedo que o normal e pegou Rafael descobrindo o projeto. Ele congelou como uma criança pega, roubando biscoitos.
Rafael Medeiros, ela disse lentamente, os olhos arregalados. É isso que você está há quanto tempo? Três meses. Ele admitiu, deixando o pano cair completamente. Queria ser surpresa. Marina se aproximou devagar, como se estivesse numa transe. O violoncelo ainda não estava terminado, mas já era possível ver sua forma, sua beleza emergindo da madeira bruta.
É para mim? Ela perguntou à voz quebrada. Cada peça. Rafael confirmou. Selecionei madeiras brasileiras, as melhores que encontrei. Queria fazer algo que fosse só seu, que tivesse minha marca em cada detalhe, como forma de agradecer por quê? Marina interrompeu, lágrimas escorrendo.
Por me restaurar, Rafael disse simplesmente, você me mostrou que eu não estava quebrado, apenas apenas esperando as mãos certas para me tocar. Marina soluçou e se jogou nos braços dele. Rafael assegurou sua própria visão embaçando. “Posso ajudar?”, ela perguntou quando finalmente se afastou. “Quero fazer parte disso. Seria uma honra. Nos meses seguintes, o violoncelo se tornou um projeto compartilhado.
Marina estava ao lado de Rafael em cada etapa, segurando peças enquanto ele colava, escolhendo o tom exato do verniz, opinando sobre o formato das volutas. Ela até esculpiu suas iniciais minúsculas na base onde ficariam escondidas. ML paus RM, um segredo só deles. Trabalhavam ao som de música clássica, parando ocasionalmente para dançar ou se beijar ou simplesmente ficarem abraçados. A oficina tinha se transformado completamente do refúgio solitário que era antes.
Agora havia vida ali, risadas, música, amor. Numa tarde de quinta-feira, enquanto Rafael aplicava a última camada de verniz, Marina fez um comentário casual que o congelou. Sabe, estou pensando em dar aulas aqui no espaço da frente. O que você acha? Rafael a encarou. Você quer compartilhar o espaço oficialmente? Se você quiser, ela disse, de repente, tímida.
Sei que este é seu santuário, mas pensei que bem, eu praticamente moro aqui mesmo. E tenho alguns alunos que vinham perguntando sobre aulas particulares. Poderíamos transformar aquela parte ali? Apontou para um canto vazio em uma mini sala de música. Rafael largou o pincel e foi até ela, pegando seu rosto entre as mãos. Marina, este espaço já é seu, sempre foi.
Desde o dia que você entrou pela primeira vez, você pode fazer o que quiser, inclusive, ele respirou fundo. Inclusive se mudar oficialmente, se quiser. Os olhos dela se arregalaram. Você está me pedindo para morar junto? Estou. Rafael confirmou. A voz firme, apesar do coração disparado. Você transformou esta oficina em um lar. Transformou minha vida em algo que vale a pena viver. Eu não quero mais noite sem você.
Não quero mais acordar e esperar você chegar. Quero acordar com você ao meu lado. Sempre. Marina não respondeu com palavras. Respondeu se levantando na ponta dos pés e beijando-o com tanta paixão que Rafael teve que se segurar na bancada para não cambalear. Isso é um sim, ele perguntou quando se separaram. Isso é um sim absoluto. Marina riu através das lágrimas. Mas sob uma condição.
Qual? A gente vai num mercado hoje e compra comida de verdade, porque eu não aguento mais pão de queijo e café como refeição básica. Vamos ter uma cozinha funcional, jantares de verdade e eu vou cuidar de você do jeito que você merece ser cuidado. Rafael riu. Um som que há seis meses atrás era praticamente inexistente. Trato feito.
Naquela noite começaram a fundir suas vidas oficialmente. Marina trouxe roupas, livros. Seus equipamentos de música reorganizaram o espaço juntos, criando um lar que era dos dois. A oficina ganhou mais cor, mais vida, mais amor. E, no centro de tudo, o violoncelo que Rafael estava construindo esperava pacientemente para ser terminado.
Um símbolo perfeito de que coisas belas precisam de tempo, cuidado e as mãos certas para ganhar vida. A vida juntos não era um conto de fadas. Era melhor que isso. Era real. Marina descobriu que Rafael era obsessivamente organizado com suas ferramentas, mas deixava pilhas de roupas pela casa. Rafael descobriu que Marina era madrugadora e queria conversar às 6 da manhã enquanto ele demorava para despertar completamente.
Tiveram sua primeira briga num domingo chuvoso. Marina tinha convidado alguns amigos músicos para jantar sem avisar Rafael primeiro. Ele chegou de uma entrega de um violão restaurado e encontrou a casa cheia de gente, barulho, música alta. Entrou em pânico silencioso e se trancou na oficina. Marina o encontrou duas horas depois. sentado no escuro.
“O que aconteceu?”, ela perguntou preocupada. “Você não me avisou”, Rafael disse a voz tensa. “Eu não estava preparado para para tanta gente no nosso espaço. São meus amigos, Rafael. Pensei que você fosse gostar. Como eu ia gostar se não sabia que viriam? Marina, eu preciso me preparar mentalmente para interações sociais.
Não posso simplesmente Não pode simplesmente ser espontâneo receber pessoas na nossa casa? Nossa! casa. Rafael se levantou abruptamente. Esta era a minha oficina, meu refúgio, e agora está cheia de estranhos. Marina recuou como se tivesse sido esbofeteada. estranhos. São meus amigos e você me pediu para morar aqui.
Disse que era nosso espaço, mas aparentemente continua sendo só seu quando é conveniente. Ficaram em silêncio tenso, a raiva vibrando entre eles. Foi Rafael quem quebrou o silêncio primeiro, passando as mãos pelo rosto. Desculpa, isso foi isso foi injusto. Foi. Marina concordou, os olhos marejados, mas eu também não avisei. Achei que seria uma surpresa boa. Não pensei que que eu sou uma pessoa difícil?”, Rafael completou amargamente.
“Não, não pensei que você ainda tivesse tanto medo de ser visto, de ter pessoas no seu espaço, de ser normal”. A palavra caiu entre eles como uma pedra. “Talvez eu não seja normal”, Rafael disse baixinho. “E daí?” Marina retrucou, frustração explodindo. Ninguém é completamente normal. Eu tenho ansiedade social antes de tocar em público.
Minha melhor amiga é agora fóbica. Meu professor de violoncelo tem síndrome do pânico. Todo mundo tem suas coisas, mas a gente não fica escondido por causa delas. Você não entende? Então me explica Marina praticamente gritou. Me ajuda a entender. Porque estou tentando aqui, Rafael. Estou realmente tentando. Mas parece que a cada passo que dou em direção a você, você dá dois para trás.
Rafael se deixou cair na cadeira derrotado e então finalmente falou a verdade que vinha evitando. Eu tenho medo que eles vejam o que eu sou, como sou e que te julguem por estar comigo. Que digam, coitada da Marina, presa a um monstro, que você perceba que merece alguém melhor. Marina ficou parada por um longo momento, então lentamente se ajoelhou na frente dele.
Rafael, me olha. Ele relutantemente ergueu os olhos. Meus amigos já me veem feliz, me veem sorrindo pela primeira vez em anos, me vem tocando com paixão de novo. Eles não vem um monstro quando olham para você. Vem o homem que me devolveu à vida. E se alguém ousar julgar, essa pessoa sai da minha vida, não você.
Mas não, chega de chega de decidir como os outros vão reagir antes de dar a chance. Você fez isso comigo, lembra? decidiu que eu ia te rejeitar antes mesmo de me conhecer direito. E estava errado. Talvez esteja errado sobre outras pessoas também. Rafael respirou fundo. Então, o que fazemos? Como resolvemos isso? Comunicação. Marina disse firmemente.
Da próxima vez eu aviso antes de convidar pessoas. Te dou tempo para se preparar e você tenta, só tenta dar uma chance, conhecer meus amigos, deixá-los conhecer em você. Podemos fazer isso? Posso tentar, Rafael disse, mas vai ser difícil. Eu sei, mas está aqui o segredo dos relacionamentos, amor. Eles são difíceis para caramba.
O importante é continuar tentando. Rafael a puxou para um abraço, sentindo-a se encaixar nos seus braços, como sempre fazia. Desculpa por ter surrado”, sussurrou contra o cabelo dela. “Desculpa por não ter avisado.” Ela murmurou contra o peito dele.
Voltaram para dentro juntos, onde os amigos de Marina estavam educadamente fingindo que não tinham ouvido a briga. Rafael se forçou a ficar, a conversar, a conhecer essas pessoas importantes na vida de Marina. foi desconfortável e estranho. Mas no final da noite, quando o último amigo foi embora, e ele estava exausto, mas orgulhoso de si mesmo, Marina o abraçou e sussurrou: “Obrigada por tentar”.
E Rafael percebeu que era isso que amor significava, não perfeição, mas tentar, sempre tentar. O violoncelo ficou pronto numa quarta-feira de tarde. Rafael passou o último dia aplicando um polimento especial que faria a madeira brilhar como âmbar sob a luz. Marina estava dando aula na sala que montaram. Agora ela tinha três alunos regulares que vinham duas vezes por semana.
O som de escalas sendo praticadas por uma menina de 12 anos flutuava pela oficina. Quando terminou, Rafael simplesmente ficou olhando para o instrumento. Seis meses de trabalho, centenas de horas, cada detalhe perfeito, mas mais que isso, era o símbolo físico de sua transformação. Quando começou este violoncelo, ainda estava aprendendo a acreditar que podia ser amado.
Agora, terminando-o, sabia. A aula de Marina terminou e ele ouviu a aluna e a mãe saindo. Então os passos leves dela se aproximando. Rafael, ela chamou da porta. Posso? Ela parou ao ver o violoncelo finalmente completo sobre a bancada, iluminado pela luz dourada da tarde. “Ó meu Deus!”, sussurrou, as mãos voando para a boca. Está terminado”, Rafael disse desnecessariamente.
Marina se aproximou devagar, os dedos estendidos, mas sem tocar, como se fosse sagrado demais. O instrumento era perfeito, as curvas suaves, o verniz brilhante mostrando os veios da madeira, as cordas novas reluzindo. “É o mais bonito que já vi”, ela disse. Lágrimas já escorrendo. “Rafael, é uma obra de arte”. É seu, ele respondeu.
Foi sempre seu. Cada escolha que fiz foi pensando em você, na sua música, na forma como você toca. Até mesmo coloquei um espaço secreto aqui. Mostrou um compartimento minúsculo escondido na base, onde você pode guardar coisas. Marina abriu o compartimento e encontrou algo dentro. Com mãos trêmulas, retirou um pequeno envelope. O que é isso? Abre.
Dentro havia uma carta escrita com a letra cuidadosa de Rafael. Marina, quando você entrou na minha oficina há ito meses trazendo o violoncelo do seu avô quebrado, eu não sabia que estava trazendo também a possibilidade de me consertar. Eu vivi 35 anos acreditando que estava destinado à solidão, que meu corpo era uma sentença, não um presente, que amar era algo para outras pessoas, não para mim.
Você provou que eu estava errado, não apenas com palavras, mas com ações, com paciência, com sua presença todos os dias, com sua recusa em desistir de mim mesmo, quando eu desisti de mim mesmo. Este violoncelo é feito com as melhores madeiras brasileiras que encontrei, mas mais que isso, é feito com gratidão, com admiração, com amor profundo e permanente.
Obrigado por me ensinar a criar novamente, a acreditar novamente, a viver novamente. Sempre seu Rafael. Marina estava chorando abertamente agora, a carta tremendo em suas mãos. Rafael, mas ele não tinha terminado, ajoelhou-se na frente dela, tirando uma pequena caixa do bolso. Quando abriu, revelou um anel simples de prata com uma pequena pedra delicada, modesto, mas perfeito.
“Casa comigo”, disse, a voz embargada, mas firme. “Não porque você me consertou, porque você não me consertou. Você me mostrou que eu nunca estive quebrado. Apenas precisava das mãos certas, do coração certo, do amor certo.
Casa comigo porque eu quero passar o resto da minha vida te amando, aprendendo com você, construindo com você. Casa comigo porque você é minha música, Marina. A canção que eu não sabia que tinha dentro. Marina estava soluçando as mãos, tremendo. Sim, sim, sim, sim. Rafael colocou o anel em seu dedo, pequeno e delicado, naquela mão enorme. Então se levantou e a puxou para um abraço que a tiou do chão, girando-a enquanto ambos riam e choravam ao mesmo tempo.
Quando finalmente a colocou de volta no chão, Marina foi até o violoncelo. “Posso?”, perguntou. “É seu.” Rafael lembrou. Sempre foi. Marina pegou o instrumento. Seu instrumento feito especialmente para ela pelas mãos do homem que amava. E o posicionou. pegou o arco e começou a tocar. Não foi a suí de BC do avô, foi algo novo, uma improvisação que fluiu diretamente de seu coração.
Era alegria em forma de música, era amor transformado em som, era o futuro cantando através de madeira e cordas. E Rafael ficou ali observando e pensou que toda a sua vida, toda a dor, toda a solidão, todas as rejeições, tinha valido a pena para chegar neste momento. Este momento onde ele não era grande demais, nem pequeno demais. Era apenas exatamente do tamanho certo para amar e ser amado por esta mulher extraordinária.
Quando Marina terminou de tocar, olhou para ele com um sorriso radiante. Quando você quer casar? Rafael fingiu pensar. Que tal aqui na oficina onde tudo começou? Perfeito. Marina concordou. Mas uma coisa primeiro, o quê? Preciso ligar para minha mãe. Ela vai surtar. E riram juntos. Porque amor também era isso.
Pequenas realidades mundanas misturadas com grandes momentos épicos. Ligar para os pais, planejar cerimônias, dividir espaço no armário. Era tudo. E era tudo que ambos sempre quiseram. A alegria do noivado durou exatamente três dias antes da tempestade chegar. Foi a mãe de Marina quem trouxe as nuvens.
Ela chegou a Gramado num sábado de manhã sem avisar, entrando na oficina como um furacão humano. Marina Alves Lopes, o que você pensa que está fazendo? Marina congelou no meio da prática matinal. Rafael, que estava na bancada, lentamente se levantou, sentindo o perigo no ar, como um animal sente a chegada de uma tempestade. Mãe, o que você está fazendo aqui? Carmen Lopes era uma mulher elegante de 50 e poucos anos, cabelos pretos presos num coque impecável, roupas caras.
Ela olhou ao redor da oficina com uma expressão de desdém disfarçado antes de fixar os olhos em Rafael. Então você é o Lutier”, disse, e a palavra soou como um insulto. “Mãe!” Marina se levantou, colocando o violoncelo de lado. “Não fale assim. Como você quer que eu fale? Você me liga dizendo que vai casar com um homem que conhece há menos de um ano? Um homem que”, Ela fez uma pausa, os olhos percorrendo à altura de Rafael com óbvio desconforto, que você mal me contou sobre, porque sabia que reagiria exatamente assim. Carmen se virou para a filha. Marina, você tem 28 anos, é
jovem, talentosa, tem uma carreira brilhante pela frente e quer jogar tudo fora para brincar de casinha num lugar como esse. Não estou jogando nada fora. E este lugar é minha casa agora. Sua casa é em Porto Alegre, com sua família, não escondida nesta nesta oficina. Rafael viu Marina tremer, os punhos cerrados. Ele queria intervir, mas sabia que isso era entre mãe e filha.
Ainda assim, deu um passo à frente. Senora Lopes disse calmamente. Entendo que isso foi repentino, mas eu amo sua filha e farei de tudo. Você Carmen se virou para ele e havia algo perigoso em seus olhos. Você realmente acha que é bom o suficiente para ela? Olhe para você. Olhe para Marina. Vocês nem combinam. O silêncio que se seguiu foi absoluto.
Rafael sentiu cada palavra antiga, cada insegurança, cada medo voltando como uma tsunami. Claro, claro que não combinavam. Como ele tinha sido tão idiota de achar que alguém não veria isso? Sai daqui, Marina! Gritou de repente a voz ecoando pela oficina. Agora, Marina, eu só estou tentando.
Você não está tentando nada além de destruir a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. Rafael é gentil, talentoso, amoroso e me trata como uma rainha. Ele me devolveu a música, me devolveu a vida. E você entra aqui e tem a audácia de dizer que ele não é bom o suficiente. Filha, por favor, seja racional. Racional? Você quer racional? Aqui está. Você tem 5 segundos para sair antes que eu nunca mais fale com você de novo. Um, dois.
Carmen olhou entre a filha e Rafael, percebendo que tinha ido longe demais. Marina, três, quatro. Está bem, está bem, eu vou, mas não venha chorar para mim quando isso desmoronar. E saiu batendo a porta. O silêncio retornou, mas agora estava carregado de uma energia diferente. Marina estava tremendo, lágrimas de raiva escorrendo pelo rosto.
Rafael permanecia imóvel, processando o que tinha acabado de acontecer. Ela tem razão. Ele disse finalmente, a voz morta. Marina se virou para ele abruptamente. O quê? A gente não combina. Eu sou Eu sou grande demais, desajeitado. Você merece alguém? Não. Marina marchou até ele, apontando um dedo acusador. Não, você também. Não agora. Não depois de tudo que passamos.
Mas ela ela está errada, completamente, absolutamente, ridiculamente errada. E se você não consegue ver isso, Rafael? Se você vai deixar as palavras venenosas de uma mulher que nem te conhece destruir tudo que construímos, não é só ela. Rafael explodiu. É todos. Qualquer um que nos vê pensa a mesma coisa.
O que uma mulher como ela está fazendo com um homem como ele? É o que você não vê? Ou o que você insiste em não ver? O que eu vejo? Marina disse, a voz perigosamente baixa, é um homem incrível que ainda não aprendeu a se amar. O que eu vejo é alguém que construiu um violoncelo com as próprias mãos como declaração de amor, mas ainda acha que não é digno de amor.
E sabe qual é a parte mais triste? Rafael não respondeu. É que você está certo. A gente não combina porque eu sou corajosa e você ainda é covarde. Eu enfrento o mundo e você quer se esconder. Eu escolhi você, mas você ainda não me escolheu de verdade. Ainda está com um pé fora, esperando o momento em que eu finalmente perceba e fuja.
As palavras atingiram Rafael como socos físicos. Isso não é justo. Justo? Marina quase gritou. Sabe o que não é justo? Eu ter que lutar sozinha por este relacionamento, ter que provar todo santo dia que não vou te abandonar, que te amo, que te escolho enquanto você fica ali esperando o pior. Isso não é justo, Rafael. Ela pegou seu casaco, as mãos tremendo. Preciso de ar.
Preciso, preciso pensar. Marina, por favor. Mas ela já tinha saído, a porta se fechando com um estalo final que ecoou pela oficina vazia. Rafael se deixou cair no chão, as costas contra a bancada, exatamente onde tinha estado meses atrás quando tudo começou, e pensou que talvez ele tivesse estado certo desde o início.
Talvez algumas pessoas simplesmente não fossem feitas para serem felizes. Talvez ele fosse uma delas. Rafael não dormiu naquela noite. Ficou na oficina, cercado pelos instrumentos que tinha restaurado, pensando em como tinha conseguido restaurar tanta coisa quebrada menos a si mesmo. Ao amanhecer, ele pegou papel e caneta e escreveu: “Não uma carta para Marina, mas para si mesmo, uma lista de todas as coisas que tinha aprendido nos últimos ito meses. Mãos grandes podem ser delicadas.
Ocupar espaço não é um crime. Amor requer coragem, não perfeição. Ser vulnerável é mais forte que ser invulnerável. Eu mereço ser feliz. Leu a última linha várias vezes. Eu mereço ser feliz. Será que merecia? A porta se abriu. Marina entrou, os olhos vermelhos de uma noite chorando, mas havia determinação neles também. Precisamos conversar, ela disse. Eu sei.
Sinto muito. Não, não se desculpe ainda. Primeiro me escuta. Eu passei a noite pensando sobre nós, sobre o que minha mãe disse, sobre o que você disse. E cheguei a uma conclusão. Rafael esperou, o coração na garganta. Você está certo em uma coisa. Relacionamentos exigem duas pessoas lutando. E eu não posso lutar por nós dois.
Eu não posso passar a vida te convencendo de que você é digno quando você não acredita. Isso vai me destruir e vai destruir a gente. Rafael sentiu o chão desaparecer sob seus pés. Mas Marina continuou. Eu também estava certa. Você tem sido covarde. Não com ações. Você fez coisas incríveis. Atingiu-me completamente, construiu uma vida comigo, mas mentalmente, emocionalmente.
Você ainda está naquela oficina vazia oito meses atrás esperando o mundo te rejeitar. Ela se aproximou, pegando as mãos dele. Então, aqui está o que vai acontecer. Você vai fazer terapia. Vai trabalhar essas questões com um profissional, porque eu te amo, Rafael.
Te amo tanto que dói, mas não posso ser sua terapeuta e sua noiva. Preciso que você faça o trabalho interno necessário para realmente acreditar que merece isso. Rafael a encarou. E se eu não conseguir? E se for tarde demais? Não é tarde demais, Marina disse firmemente. Nunca é tarde para curar, mas você precisa querer curar. precisa escolher acreditar que é digno, não porque eu digo, mas porque você sabe, profundamente sabe.
E quanto a nós, o casamento está adiado, não cancelado. Adiado até você estar pronto, até a gente estar pronto, de verdade. Rafael sentiu lágrimas queimar em seus olhos. Eu não quero te perder. Então não me perca. Lute por mim. Mas, mais importante, lute, porque você merece, Rafael. Você sempre mereceu. Nos dias seguintes, Rafael fez algo que nunca imaginou que faria.
Procurou ajuda. Marina o ajudou a encontrar um terapeuta em Porto Alegre que atendia online. Duas vezes por semana, ele se sentava na frente do computador e conversava sobre seus medos, suas inseguranças, os fantasmas que o perseguiam desde a adolescência. Foi doloroso, foi difícil. Houve sessões que ele terminou chorando, mas houve também revelações.
A terapeuta o fez ver padrões que ele repetia, crenças tóxicas que carregava, a diferença entre proteção e autossabotagem. Marina não foi embora. Continuou na oficina, continuou amando, mas havia limites mais claros. Agora, quando Rafael caía em padrões antigos de autodepreciação, ela gentilmente o redirecionava. Isso é seu medo falando.
Qual é a verdade? Três meses depois, num sábado de primavera, Rafael fez algo corajoso. Convidou a mãe de Marina para almoçar. Carmen chegou ao restaurante defensiva, mas Rafael estava preparado. Senora Lopes começou. Eu não vim aqui pedir sua bênção. Vim aqui para estabelecer limites. Eu amo sua filha. Ela me ama. Vamos nos casar.
E a senhora pode escolher ser parte disso de forma positiva, ou pode escolher não ser parte. Mas o que a senhora não pode fazer é tentar destruir o que temos. Carmen piscou, surpresa com a firmeza. Eu entendo que sou diferente do que imaginou para Marina. Não sou rico. Não venho de família tradicional. Sou um artesão, mas sou um artesão que ama sua filha com cada fibra do meu ser, que a respeita, que a apoia e, mais importante, que faz ela feliz.
A senhora viu, Marina nos últimos meses? Realmente viu? Carmen ficou em silêncio porque se viu, percebeu que ela está radiante, tocando melhor que nunca, sorrindo, vivendo. E parte disso sou eu, assim como ela é parte do que me fez melhor. A gente se complementa e se a senhora não consegue ver isso, então, com todo respeito, o problema é da senhora, não nosso. O silêncio se estendeu.
Então, surpreendentemente, Carmen sorriu, pequeno, mas genuíno. Meu marido me disse que eu estava sendo idiota. Disse que não tinha visto Marina tão feliz desde antes do avô morrer. Eu eu só queria protegê-la. Eu também, Rafael disse, mas a melhor proteção que posso dar é amá-la completamente, e isso inclui confiar nas escolhas dela. Carmen acenou. Talvez, talvez eu possa tentar conhecê-lo melhor, recomeçar. Eu gostaria disso. Não foi perfeito.
Carmen ainda tinha reservas, mas foi um começo. Seis meses depois, numa tarde dourada de outono, Rafael e Marina se casaram na oficina, exatamente onde tinham dito que fariam. Era pequeno, íntimo, alguns amigos músicos, o pai de Rafael, sóbrio pela primeira vez em anos, e até Carmen, que chorou quando Marina caminhou pelo corredor improvisado ao som do violoncelo que Rafael tinha construído tocado por um amigo dela.
Rafael vestia um terno simples, Marina, um vestido de renda branca que a fazia parecer um anjo. Quando ficaram de frente um para o outro, as mãos entrelaçadas, Marina sussurrou: “Pronto, mais do que nunca.” Rafael respondeu. E dessa vez acreditava de verdade. Os votos foram simples. Prometeram amor, paciência, comunicação. Prometeram lutar juntos, não contra.
Prometeram ocupar espaço no mundo, no coração um do outro, na vida que construiriam juntos. Quando o oficiante disse: “Pode beijar a noiva”. Rafael pegou Marina e a beijou com tanta paixão que os convidados aplaudiram. E pela primeira vez ele não se encolheu, não se preocupou com o que pensavam, porque ele finalmente entendia. Ele não era grande demais para ser amado.
Apenas precisava encontrar alguém cujo coração fosse vasto o suficiente e tinha encontrado. Marina não apenas aceitava seu tamanho, ela celebrava. Não apenas tolerava suas inseguranças, ela o ajudava a vencê-las. Na festa que se seguiu, simples, mas alegre, Rafael dançou com a esposa, ambos descalços no chão de madeira da oficina.
Ao redor deles, instrumentos restaurados brilhavam sob luzes de cordão. Marina ria, a cabeça jogada para trás, completamente livre. “No que está pensando?”, ela perguntou. Rafael a puxou mais perto, aquele gesto que já era tão natural que passei anos acreditando que madeira quebrada era mais fácil de consertar que corações quebrados. Mas eu estava errado. Corações quebrados podem ser restaurados.
Só precisam das mãos certas. E eu tive muita sorte de encontrar as suas. Marina sorriu, os olhos brilhando. Não foram minhas mãos que te restauraram, foram as suas. Você fez o trabalho. Eu apenas segurei a luz enquanto você trabalhava. Então, somos uma equipe, a melhor equipe. E dançaram sob as luzes douradas, cercados por instrumentos que conheciam o peso de quebrar e a graça de serem restaurados.
Porque era isso que eles eram. Duas pessoas quebradas que encontraram beleza nas rachaduras um do outro, que aprenderam que imperfeição não é defeito, é humanidade. Anos depois, quando pessoas perguntavam como se conheceram, Marina sempre sorria e dizia: “Ele restaurou o violoncelo do meu avô, mas no processo restaurou muito mais que isso.
E Rafael, segurando a mão dela, aquela mão pequena na sua enorme, sempre completava. Ela me ensinou que eu não era grande demais para ser amado. Apenas ainda não tinha encontrado alguém cujo amor fosse grande o suficiente para me abraçar completamente.
Porque na Serra Gaúcha, numa oficina que cheirava a madeira e verniz, onde música e carpintaria se encontravam, dois corações encontraram seu lar e descobriram que amor verdadeiro não é sobre encontrar alguém perfeito, é sobre encontrar alguém que torna suas imperfeições perfeitas, alguém que não diminui você para caber, mas expande seu mundo para que você caiba nele. Rafael e Marina construíram uma vida assim.
Uma vida cheia de música, madeira, chimarrão compartilhado em tardes frias, dança descalça na oficina, discussões sobre verniz e vibrato, uma vida imperfeita, real e absolutamente linda. Porque no fim não somos definidos por nossos medos ou por como os outros nos veem. Somos definidos por nossa coragem de amar apesar dos medos, de ocupar espaço apesar do mundo nos dizer que somos demais, de acreditar que merecemos felicidade, mesmo quando tudo nos diz o contrário.
Rafael aprendeu que não era um monstro em uma caverna, era um artesão com mãos que criavam beleza, um homem com um coração que amava profundamente, um parceiro que merecia ser amado tão ferozmente quanto amava. E Marina aprendeu que às vezes a maior coragem não é lutar contra o mundo, mas lutar por alguém até que ele aprenda a lutar por si mesmo. Juntos, eles provaram que finais felizes existem, não os perfeitos, sem obstáculos, mas os reais conquistados através de comunicação, terapia, brigas, reconciliações, escolhas diárias de permanecer, de amar, de crescer.
E se você perguntar a qualquer um dos dois se valeu a pena, eles olharão um para o outro. Ele com sua altura imponente, ela com seu sorriso que ilumina cômodos e responderão em uníssono: Valeu cada segundo.
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