O sol de Fernando de Noronha derramava-se pela varanda da suí presidencial como mel dourado, tingindo o oceano de tons impossíveis de azul turquesa. A baía do Sancho estendia-se lá embaixo um cartão postal de beleza obsena que contrastava violentamente com o frio que Eloía sentia nas entranhas. Ela estava de pé diante do espelho panorâmico, vestindo um roupão branco do resort, os dedos tremendo enquanto tentava amarrar o cinto na cintura. 21 anos.
Casada há exatos três dias e ainda se sentia como uma estranha dentro da própria pele. Eloía. A voz dele cortou o silêncio como uma lâmina cirúrgica, precisa controlada. Dr. Rafael Monteiro tinha 42 anos, cabelos grisalhos nas têmporas que lhe conferiam uma distinção cruel e olhos castanhos que raramente revelavam qualquer emoção, além de uma eficiência calculada. Ela se virou lentamente.
Rafael estava sentado na poltrona de couro próxima à cama kingsiz, entocada, vestindo calças de linho bege e uma camisa branca com as mangas dobradas até os cotovelos. Tinha uma pasta de couro marrom sobre o colo. “Precisamos conversar”, disse ele. E algo na forma como pronunciou cada sílaba fez o estômago de Eloía se contrair. Ela caminhou até a poltrona oposta, sentando-se na beirada como um pássaro prestes a levantar voo.
Suas mãos encontraram-se sobre o colo, dedos entrelaçados com tanta força que os nós dos dedos embranqueceram. Sobre o quê? A voz dela saiu mais fraca do que pretendia. Rafael abriu a pasta com movimentos metódicos, retirou alguns documentos grampeados e os colocou sobre a mesinha de centro entre eles. Eloía reconheceu a caligrafia jurídica, os carimbos oficiais, o contrato prénupcial que havia assinado sem ler completamente, desesperada para salvar sua família da falência.
Quero deixar claro o que espero deste arranjo”, começou ele, e a palavra arranjo caiu como gelo sobre ela. Seu pai me procurou com uma proposta. Ele sabia que eu precisava de um herdeiro. Alguém jovem, saudável, sem complicações genéticas conhecidas. Cada palavra era uma agulha. Eloía sentiu lágrimas queimar em seus olhos, mas piscou furiosamente para contê-las. “Não aqui, não agora.
Você você não precisa ser tão direto”, sussurrou ela. Rafael inclinou a cabeça, estudando-a como um cientista observa uma cobaia. Prefiro honestidade à hipocrisia romântica. Nós dois sabemos porque estamos aqui. Você salva sua família. Eu obtenho o meu herdeiro. É uma transação justa. Transação? Repetiu ela, provando o gosto amargo da palavra. Exatamente. Ele apontou para os documentos. O protocolo é simples.
Você tem um ano para engravidar. Durante a gravidez, receberá os melhores cuidados médicos que o dinheiro pode comprar. Eu mesmo supervisionarei tudo. Após o nascimento da criança, você receberá uma pensão vitalícia de R$ 50.000 mensais e sua liberdade completa. O mundo de Eloía inclinou-se perigosamente.
E E o bebê ficará comigo. É meu herdeiro, afinal. Ele pausou. os olhos fixos nela sem pestanejar. Você poderá visitá-lo em ocasiões especiais se desejar, mas a custódia será minha. As lágrimas finalmente escaparam, deslizando silenciosamente pelas bochechas de Eloía. Ela as limpou com raiva, odiando sua própria fraqueza.
Então eu sou o quê? Uma incubadora, uma parceira de negócios? Corrigiu ele, sem traço de ironia ou crueldade proposital. Era apenas factual, uma muito bem compensada. Devo acrescentar. Eloía levantou-se abruptamente, caminhando até a varanda.
O vento salgado do mar chicoteou seus cabelos castanhos e ela abraçou o próprio corpo como se pudesse segurar os pedaços despedaçados de sua dignidade. “Por que se casar então?”, sua voz tremeu. “Por que não simplesmente contratar uma barriga de aluguel? Houve um longo silêncio. Quando Rafael finalmente falou, havia algo diferente em seu tom, algo quase vulnerável. Meu sobrenome é antigo, respeitado.
O herdeiro Monteiro não pode nascer de um contrato clínico anônimo. Precisa haver legitimidade, tradição. Ela se virou para encará-lo. Rafael havia se levantado e caminhado até a porta da varanda, parando a poucos metros dela. A luz do sol iluminava seu perfil aristocrático, realçando a mandíbula forte, as linhas de expressão ao redor dos olhos que falavam de longas noites em salas de cirurgia.
E o que você ganha com isso?”, perguntou Eloía, a raiva começando a substituir a tristeza. Além de um bebê, quero dizer, por que um homem como você precisa de um herdeiro tão desesperadamente? Rafael a estudou por um longo momento, então, surpreendentemente respondeu: “Meu pai morreu quando eu tinha 20 anos.
Deixou um legado médico de três gerações, hospitais, clínicas, pesquisas pioneiras em obstetrícia, tudo nas minhas mãos.” Ele respirou fundo. Passei 22 anos construindo sobre essa fundação e não posso deixar que tudo morra comigo. Então é sobre orgulho, concluiu ela amargamente. É sobre propósito! Retrucou ele. E pela primeira vez um lampejo de emoção atravessou seus olhos.
Algo que você entenderá quando tiver um. Eloía sentiu como se tivesse levado um tapa. Meu propósito agora é ser sua reprodutora. Rafael fechou os olhos brevemente e por um segundo Eloía pensou ter visto algo parecido com remorço cruzar suas feições, mas quando ele os abriu novamente, a máscara de controle estava de volta. Você terá tudo o que precisar. Roupas, joias, viagens, educação.
Pode terminar sua faculdade de arquitetura se desejar. A única condição é que você me dê um filho saudável e depois me descarte como lixo”, completou ela. “Depois te liberte”, corrigiu ele suavemente, com recursos suficientes para viver confortavelmente pelo resto da vida. Eloía olhou para o oceano infinito lá embaixo.
Pensou em Thiago, seu irmão mais novo, que poderia finalmente terminar a faculdade de engenharia. Em sua mãe, que não perderia a casa onde criara seus filhos. em seu pai, que não precisaria se enforcar em dívidas até o fim dos dias. E pensou em si mesma, em como aos 21 anos estava vendendo não apenas seu corpo, mas seu útero, seu futuro, seu coração. Quando, quando começamos? Perguntou ela, a voz vazia.
Rafael caminhou de volta para dentro da suí, pegou a pasta e a fechou com um clique definitivo. Amanhã farei sua avaliação médica completa. Precisamos garantir que está tudo em ordem. Depois seguiremos um protocolo de fertilidade otimizado. Eloía riu sem humor. Protocolo de fertilidade. Meu Deus, você transforma até isso em algo clínico. Sou médico disse ele simplesmente. É o que faço.
Ela se virou para encará-lo e, pela primeira vez, desde que acordara naquela manhã como senora Monteiro, permitiu que ele visse a raiva bruta em seus olhos. Você é um monstro. Rafael a estudou por um longo momento, então, inesperadamente, seus lábios curvaram-se em algo que poderia ser um sorriso triste.
Talvez, mas sou um monstro honesto. Ele caminhou até a porta da suí. Jantaremos às 8. Vista algo confortável. não há necessidade de representar para os outros hóspedes. E então ele saiu, deixando Eloía sozinha com o som das ondas e o peso esmagador do futuro que acabara de se fechar sobre ela como uma jaula de ouro.
Ela deslizou até o chão da varanda, abraçando os joelhos contra o peito, e finalmente permitiu que os soluços a consumissem. Chorou pela menina que havia sido, pela mulher que nunca seria, pelo bebê que geraria e perderia. E enquanto o sol continuava sua descida inexorável em direção ao horizonte, pintando o céu de rosas e laranjas impossíveis, Eloía Monteiro compreendeu a verdade cruel de sua situação.
Ela estava vivendo no paraíso, mas o paraíso descobriu: “Poderia ser o inferno quando você estava acorrentada nele.” Florianópolis recépcio, no casal com céu cinzento e brisa fria, um contraste brutal com o calor escaldante de Fernando de Noronha. O carro de Rafael, um Mercedes classe S preto impecável, deslizou pelas ruas da Lagoa da Conceição, subindo uma estrada particular que levava ao topo de uma colina arborizada.
Quando a mansão surgiu à vista, Eloía teve que conter um suspiro. Era uma estrutura contemporânea de vidro e concreto aparente, toda em linhas retas e ângulos precisos. Três andares que pareciam flutuar um sobre o outro, com paredes de vidro do chão ao teto, que ofereciam vista panorâmica para a lagoa e, ao longe, o Oceano Atlântico.
Era linda da forma como uma lâmina cirúrgica é linda, perfeita, letal, fria. “Bem-vinda ao seu novo lar”, disse Rafael, estacionando na garagem subterrânea, que abrigava mais três carros de luxo. Eloía desceu do veículo, seus sapatos ecoando no concreto polido. “Lar”, pensou amargamente. A palavra parecia obscena aqui.
Rafael a guiou através de uma porta de aço escovado que abriu para um hall de entrada com piso de mármore carrara. Uma escadaria flutuante de madeira clara subia em espiral para os andares superiores. Tudo era minimalista, impecável, sem uma única marca pessoal à vista. Dona Marlene chamou Rafael e uma mulher de cerca de 60 anos emergiu do que parecia ser a cozinha. Tinha cabelos grisalhos presos num coque apertado e um avental branco imaculado.
Seus olhos, porém, eram gentis quando pousaram em Eloísa. Senhor Monteiro, sejam bem-vindos. Ela acenou com a cabeça para Eloía. Senhora, dona Marlene administra a casa, explicou Rafael mecanicamente. Qualquer coisa que precisar, pode solicitá-la. Ela também é excelente cozinheira. Prazer em conhecê-la”, murmurou Eloía. “O prazer é meu, querida”.
Dona Marlene sorriu calorosamente e sentiu algo se afrouchar em seu peito. Pelo menos havia um rosto amigável naquele mausoléu de vidro. Rafael consultou seu relógio, um Patec Felipe que provavelmente custava mais do que a antiga casa de Eloía. “Preciso ir ao hospital.” Uma paciente entrou em trabalho de parto prematuro. Ele olhou para Eloía. Dona Marlene mostrará seus aposentos. Instalou-se descanse.
Amanhã pela manhã, às 7, faremos sua primeira avaliação. E assim, sem um beijo, sem um toque, sem qualquer gesto de intimidade de um marido para sua esposa, ele partiu. Dona Marlene conduziu Eloía por uma escada de mármore até o segundo andar.
O corredor era amplo, com paredes brancas decoradas com arte contemporânea abstrata, que Eloía não conseguia decifrar. Estes são seus aposentos. Minha querida”, disse a governanta, abrindo uma porta dupla de madeira clara. Eloía entrou e parou. A suí era maior que todo o apartamento onde crescera. Uma cama kings com cabeceira acolchoada em veludo cinza dominava o espaço ladeada por criados mudos de mármore.
Havia um closet separado que parecia maior que seu antigo quarto e portas de vidro que levavam a uma varanda privativa com vista para a lagoa. “O banheiro é ali”, indicou dona Marlene, apontando para outra porta. Banheira de hidromassagem, chuveiro duplo, aquecimento no piso. O senhor mandou deixar produtos de higiene feminina premium, tudo marca preferida. Eloía franziu a testa.
Como ele sabe minha marca preferida? Dona Marlene sorriu com tristeza. O Dr. Monteiro é meticuloso. Ele investiga tudo. Investiga como se ela fosse um caso médico, uma cobaia. E onde onde fica o quarto dele? A governanta apontou para o teto. O senhor ocupa o terceiro andar inteiro. É uma suí master com escritório privado. Ele prefere sua privacidade. Prefere sua privacidade.
As palavras eram um eufemismo educado para não quer você por perto entendo murmurou Eloía, sentindo o aperto familiar na garganta. Dona Marlene tocou seu braço gentilmente. Querida, posso lhe dar um conselho? De mulher para mulher. Eloía acenou com a cabeça, desesperada por qualquer centelha de humanidade naquele lugar. O Dr. Monteiro não é mau.
Ele é ferido, muito ferido. A governanta suspirou. Trabalho para ele há 15 anos. Viu que aquela mulher fez com ele. Desde então ele se fechou. Construiu muros tão altos que nem ele mesmo consegue escalá-los. Que mulher. Mas dona Marlene balançou a cabeça. Não cabe a mim contar. Só tenha paciência.
Por baixo de todo esse gelo existe um homem bom, um homem assustado. Antes que Eloía pudesse perguntar mais, a governanta saiu, fechando a porta suavemente atrás de si. Eloía ficou sozinha em sua gaiola de luxo. Os dias que se seguiram estabeleceram um padrão cruel de rotina. Todas as manhãs, às 7 horas, Rafael batia em sua porta. Eloía descia para a clínica particular dele, um anexo sofisticado da mansão, equipado como um consultório de primeiro mundo.
Lá ele realizava exames, media sua temperatura basal, coletava sangue, fazia ultronografias para mapear seu ciclo ovulatório. “Pressão arterial perfeita”, dizia ele, estudando os números em uma tablet. “Seu útero está em excelentes condições. O revestimento endometrial está saudável.” Ele falava de seu corpo como um mecânico falaria de um carro eficiente, desapaixonado, profissional.
Eloía começou a se sentir como um animal de fazenda, sendo preparado para a reprodução. “Preciso que você tome estas vitaminas”, instruía Rafael, entregando-lhe cartelas de suplementos: ácido fólico, ferro, ômega-3, vitamina D e esta aqui é para regular seus hormônios. Tomará antes de dormir. “Você está me dopando?”, perguntou ela sec. Estou otimizando sua fertilidade, corrigiu ele sem se abalar.
A nutrição inadequada pode afetar a implantação do embrião engolia as pílulas com água, sentindo-as descer por sua garganta, como pequenas pedras de vergonha. Os almoços eram eventos solitários. Rafael raramente estava em casa durante o dia, sempre no hospital Moinhos de Vento, onde era chefe do departamento de obstetrícia. Eloía comia na sala de jantar formal.
Sentada sozinha em uma mesa que comportava 12 pessoas. Dona Marlene tentava animá-la, preparando pratos deliciosos, mas tudo tinha gosto de cinzas. “Você precisa comer, querida”, insistia a governanta. O Dr. Monteiro deixou instruções nutricionais específicas. Instruções, sempre instruções, protocolos, como se ela fosse um experimento científico.
As tardes eram as piores. Eloía vagava pela mansão como um fantasma. explorando cômodos vazios, que pareciam mais salas de exposição do que espaços vividos. Havia uma biblioteca no primeiro andar, com estantes de teca do chão ao teto, preenchidas com tratados médicos e literatura clássica.
Ela se refugiava ali, perdendo-se em romances, tentando escapar de sua própria realidade. Foi numa dessas tardes que Thago ligou. Irmã, a voz dele era alegre e esperançosa. Como está a vida de casada? A mansão é tão incrível quanto dizem. Eloía apertou os olhos para conter as lágrimas. É grande. Grande? Só isso? Thago riu. Cara, o Rafael é bilionário. Você deve estar vivendo um conto de fadas. Conto de fadas? Se ele soubesse.
Como vão as coisas aí? Desviou ela, desesperada para falar de qualquer coisa além de sua prisão dourada. Ah, tudo melhorando. O papai conseguiu renegociar as dívidas com o dinheiro que o Rafael pagou. A mamãe voltou a sorrir e eu A voz dele encheu-se de orgulho. Eu consegui uma bolsa integral na UFSK. Engenharia civil. Irmã, meu sonho.
Eloía sorriu através das lágrimas. Isso é maravilhoso, Ti. Estou tão orgulhosa de você. Tudo graças a você, disse ele a voz suave. Sei que deve ter sido difícil se casar tão jovem com um cara que você mal conhecia, mas olha, você salvou nossa família, isso significa tudo. Depois que desligou, Eloía abraçou o telefone contra o peito e chorou silenciosamente. Pelo menos seu sacrifício tinha significado. Pelo menos alguém estava feliz.
As noites eram formais e frias. Rafael chegava pontualmente às 8, sempre impecável em seus ternos sob medida. Janvam juntos na sala de jantar, sentados nas extremidades opostas da mesa, absurdamente longa. “Como foi seu dia?”, perguntava ele, cortando o filé minhon com precisão cirúrgica. Bem, mentia ela. Li bastante. Ótimo. Estimulação mental é importante. Ele pausava.
Amanhã começaremos os exercícios físicos. Contratei uma personal trainer especializada em condicionamento pré-gestacional. Você pensou em tudo”, comentou ela, incapaz de disfarçar a amargura. Rafael a olhou por cima da taça de vinho tinto, que ele bebia, mas que ela não podia tocar, porque álcool prejudica a fertilidade. “É meu trabalho pensar em tudo.

Seu trabalho”, repetiu ela. “É sempre sobre trabalho com você, não é? Nunca sobre pessoas, sentimentos.” Ele pousou o garfo e a faca com cuidado, os olhos fixos nela. Sentimentos são variáveis, podem mudar com o humor, o clima, uma má notícia. Eu lido com fatos, consciência, com coisas que posso controlar e prever, mas eu não sou uma experiência científica a voz dela subiu. Sou uma pessoa.
Eu sei disso, disse ele calmamente. Sabe mesmo? Porque você me trata como como um útero com pernas. Rafael fechou os olhos brevemente. Quando os abriu, havia algo diferente neles. Algo que poderia ser culpa. Eloía eu. Mas ele não terminou. Simplesmente levantou-se, dobrou o guardanapo com precisão militar e murmurou: “Preciso revisar uns laudos. Boa noite. E a deixou sozinha de novo.
À noite, deitada em sua cama enorme e vazia, Eloía olhava para o teto e se perguntava como sua vida tinha chegado àquele ponto. 21 anos, casada com um estranho, sendo preparada para gerar um filho que seria arrancado de seus braços assim que nascesse. Às vezes, tarde da noite, ela ouvia passos no andar de cima.
Rafael caminhando de um lado para o outro, inquieto. Será que ele também não conseguia dormir? Será que havia uma consciência enterrada em algum lugar por baixo de toda aquela frieza clínica? Ou seria ela apenas mais um projeto para ele, mais uma paciente em sua longa lista de casos bem-sucedidos? Eloía virou-se de lado, abraçando um travesseiro contra o peito, e permitiu que as lágrimas silenciosas molhassem o linho egípcio caríssimo.
Naquela mansão de vidro e mármore, cercada de luxo que a maioria das pessoas nunca conheceria, Eloía nunca se sentira tão pobre. Pobre de afeto, pobre de humanidade, pobre de esperança. E lá em cima, separado por um teto e um universo de distância emocional, Rafael Monteiro permanecia acordado, olhando pela janela para as luzes de Florianópolis, piscando ao longe, lutando contra algo que nem ele mesmo ousava nomear.
Três semanas dentro da mansão, eía já havia memorizado cada ângulo, cada sombra, cada reflexo na superfície fria das paredes de vidro. Era como viver dentro de um aquário de luxo, observada, contida, mas fundamentalmente isolada do mundo real. Fora uma terça-feira especialmente cinzenta, quando o primeiro rachadura apareceu no gelo.
Eloía estava na biblioteca, encolhida em uma poltrona de couro próxima à janela, um exemplar de 100 anos de solidão abandonado no colo. Ela não conseguia se concentrar nas palavras. estava ocupada demais, sentindo pena de si mesma, lágrimas silenciosas escorrendo por seu rosto. Ela não ouviu Rafael entrar, não percebeu sua presença, até que algo macio caiu sobre seus ombros. Eloía pulou, limpando rapidamente as lágrimas, e percebeu que ele a havia coberto com um cobertor de cachimir cinza.
Rafael estava de pé ao lado da poltrona, a gravata afrouxada, as mangas da camisa arregaçadas até os cotovelos. Havia cansaço em seu rosto. “Você está tremendo”, disse ele simplesmente. Eloía puxou o cobertor em volta de si, mais para ter algo com que fazer as mãos do que por frio. Não percebi. Rafael ficou ali parado, como se não soubesse muito bem o que fazer a seguir. Era estranho vê-lo hesitante.
Ele que sempre sabia exatamente o que fazer, o que dizer, como proceder. “Posso, posso me sentar?”, perguntou ele, apontando para a poltrona oposta. Eloía acenou com a cabeça, surpresa demais para falar. Rafael se sentou, afundando na poltrona com um suspiro pesado. Por um longo momento, eles ficaram em silêncio. Do lado de fora, a chuva começou a cair, batendo suavemente nas enormes janelas.
“Tive um dia difícil”, disse ele finalmente, olhando para as mãos. “Perdi um bebê. Trigêmeos prematuros. Fizemos tudo certo, seguimos todos os protocolos, mas ele balançou a cabeça. Às vezes, não importa o quanto você tente, às vezes você simplesmente perde. Eloía o observou, vendo realmente pela primeira vez não o médico calculista, mas o homem. Havia linhas profundas de exaustão ao redor de seus olhos.
Seus ombros estavam curvados, sob um peso invisível. “Sinto muito”, murmurou ela e quis dizer. Rafael a olhou. E algo passou entre eles, algo frágil e humano. “Por que está chorando?”, perguntou ele suavemente. Eloía piscou, surpresa com a pergunta, com o fato de que ele havia notado que ele se importava o suficiente para perguntar. “Eu não sei tudo.

Eu acho nada.” Ela puxou o cobertor mais apertado. “Às vezes eu apenas me sinto tão sozinha, até mesmo rodeada de luxo, eu me sinto vazia”. Rafael a sentiu lentamente, como se entendesse perfeitamente. Luxo não preenche o vazio. Eu deveria saber. Vivo o rodeado dele há anos. Então, por Eloía gesticulou vagamente ao redor.
Por que tudo isso? Por tanto controle, tanta distância? Ele levou um longo tempo para responder. A chuva intensificou-se, trovões roncando ao longe, porque controle é o que eu entendo, distância é o que me mantém são. Ele olhou pela janela para a chuva. Quando você deixa as pessoas se aproximarem, elas podem te machucar.
Quando você entrega seu coração, eles podem despedaçá-lo. Eloía sentiu algo se mover dentro dela. Compaixão, talvez, ou reconhecimento. Alguém te machucou, disse ela suavemente. Não era uma pergunta. Rafael não respondeu, mas o silêncio foi resposta suficiente. Eles ficaram ali sentados enquanto a tempestade rugia lá fora. Dois estranhos compartilhando um momento de vulnerabilidade acidental.
Foi Rafael quem quebrou o silêncio primeiro. Vou pedir para dona Marlene trazer chá de camomila com mel. É bom para Ele pausou e pela primeira vez pareceu desconfortável para a alma. Eu acho. Antes que Eloía pudesse responder, ele se levantou e saiu rapidamente, como se tivesse dito mais do que pretendia.
Mas o cobertor permaneceu em volta de seus ombros, quente, gentil, um pequeno ato de humanidade em um mar de frieza. E Eloía pensou que talvez, apenas talvez, houvesse algo mais por baixo da superfície congelada de Rafael Monteiro. Dois dias depois, Eloía acordou com dor de garganta e corisa. Ela tentou esconder durante o exame matinal, mas Rafael notou imediatamente.
“Você está com febre?”, disse ele, pressionando a palma da mão contra sua testa. O toque foi clínico, mas a preocupação em seus olhos não era. “Só um resfriado”, murmurou ela. “Resfriados podem complicar a fertilidade se não forem tratados.” Ele pegou um termômetro digital. “Abra a boca.” Eloía obedeceu, sentindo-se ridiculamente infantil. O termômetro apitou. 38º, febre baixa. Rafael franziu a testa.
Vou prescrever vitamina C, Zinco, e você ficará de repouso hoje. Não precisa fazer tudo isso, protestou ela. Preciso sim. Ele a olhou firmemente. Você é minha responsabilidade. Responsabilidade? Não, esposa, não. Pessoa que me importo. Responsabilidade. Mas então, Rafael fez algo inesperado. Ele saiu da clínica e voltou minutos depois com um copo de algo quente, chá de gengibre e limão disse ele, entregando-lhe. é antioxidante e anti-inflamatório. E ele hesitou.
Minha mãe costumava fazer para mim quando eu ficava doente. Eloía pegou o copo, o calor aquecendo suas mãos. Ela olhou para Rafael, vendo-o realmente. Naquele momento, ele não era o médico calculista. Era apenas um homem que se lembrava da mãe e de chás caseiros. “Obrigada”, disse ela suavemente. Rafael acenou com a cabeça, já recuando para sua armadura profissional. Volte para a cama.
Descanse, dona Marlene levará suas refeições. Mas quando Eloía voltou para seus aposentos e se enfiou sobre as cobertas, ela descobriu que Rafael havia deixado uma caixa de lenços premium na mesinha de cabeceira e ao lado um bilhete em sua caligrafia médica precisa. Beba bastante líquido, durma bem. Preciso que você saudável. Eloía segurou o bilhete contra o peito, um sorriso pequeno e triste curvando seus lábios.
Talvez houvesse esperança, afinal, talvez por baixo de todo aquele gelo realmente houvesse um coração batendo, pequeno, assustado, mas batendo. Seis semanas dentro da mansão, o calendário na parede do quarto de Eloía marcava cada dia como uma sentença cumprida. Seis semanas de exames, protocolos, distância educada, seis semanas de solidão decorada com mármore e vidro.
Mas algo estava mudando sutilmente, como gelo derretendo tão devagar que você só percebe quando a água começa a escorrer. Era uma sexta-feira à noite. Eloía estava em seu quarto vestindo um pijama de seda que Rafael havia mandado comprar. “Tecidos naturais são melhores para a pele”, ele havia explicado com sua eficiência habitual. Ela estava prestes a se deitar quando ouviu.
Passos pesados, irregulares. Não eram os passos medidos e controlados de Rafael. Eram passos de alguém cambaleando. Eloía abriu a porta de seu quarto, espreitando para o corredor. A luz da escada estava acesa, lançando sombras longas. Rafael, chamou ela, hesitante. Um ruído abafado veio do andar de baixo, algo como um gemido sufocado. O coração de Eloía acelerou.
Ela desceu às escadas rapidamente, seguindo os sons até a biblioteca, e o encontrou. Rafael estava sentado no chão, as costas apoiadas contra uma estante, a gravata desfeita e pendurada frouxamente no pescoço, os cabelos normalmente perfeitamente penteados, completamente desalinhados.
Havia uma garrafa de whisky e escocês pela metade ao seu lado. Rafael Eloía correu até ele, ajoelhando-se. O que aconteceu? Você está machucado? Ele levantou o rosto e ela viu seus olhos vermelhos, devastados, perdidos. “Ela morreu”, disse ele. A voz rouquiu a e quebrada. Carol, 23 anos, primeira gravidez, tudo perfeito. E então, préeclâmpsia fulminante, convulsões, edema cerebral. Eu Eu tentei salvá-la, fiz tudo certo.
A cesariana foi perfeita. O bebê está bem. Mas ela, sua voz se quebrou completamente. Eloía sentiu lágrimas queimar em seus próprios olhos. Ela não pensou, simplesmente agiu. Envolveu seus braços ao redor dele, puxando sua cabeça para seu ombro. Rafael ficou rígido por um momento. Então, como uma barragem se rompendo, ele desmoronou.
Seus braços a envolveram de volta, segurando-a como se ela fosse a única coisa real em um mundo que havia desmoronado. E ele chorou. Não eram lágrimas silenciosas e contidas, eram soluços profundos e rasgados que sacudiam todo o seu corpo. Ranos de controle, de distância, de negação, tudo vindo à tona em uma torrente devastadora. Eu a prometi! Soluçou ele contra o ombro de Eloía.
Prometi que estaria tudo bem, que ela veria seu filho crescer. E agora? Agora há um bebê órfão, porque eu falhei. Você não falhou, disse Eloía firmemente, afastando-o o suficiente para olhar em seus olhos. Você não é Deus, Rafael. Você é humano. Você fez tudo que podia. Não foi suficiente, sussurrou ele. Nunca é suficiente.
Eloía segurou seu rosto entre as mãos, forçando-o a olhar para ela. Você salvou o bebê. Você lhe deu uma vida. Isso significa algo. Isso significa tudo. Rafael a olhou e naquele momento todas as paredes entre eles desapareceram. Não havia mais médico e paciente, marido e esposa de contrato. Apenas dois seres humanos quebrados, procurando algo para se agarrar no escuro.
“Eu não quero estar sozinho esta noite”, sussurrou ele, tão baixinho, que ela quase não ouviu. Eloía não hesitou. “Você não está sozinho.” Ela o ajudou a levantar. pegou a garrafa de whisky e a colocou de lado. Juntos cambalearam pelas escadas. Rafael apoiado nela, pesado com álcool e dor. Quando chegaram ao quarto dele, o santuário proibido do terceiro andar, que ela nunca havia entrado, Eloía pausou apenas por um momento. Então empurrou a porta.
O quarto era surpreendentemente espartano para um bilionário. Uma cama king size com lençóis cinza escuro, uma mesa de cabeceira com livros médicos empilhados. Uma janela enorme com vista para as luzes da cidade, nenhuma decoração, nenhuma marca pessoal, como se ele vivesse aqui, mas não habitasse. Eloía o guiou até a cama.
Rafael se sentou na beirada, desabotoando a camisa com dedos desajeitados. Ela o ajudou, removendo a camisa e a gravata, revelando um peito musculoso, mas marcado por tensão. “Deite-se”, instruiu ela suavemente. Ele obedeceu, deitando-se sobre as cobertas. Eloía hesitou apenas um momento antes de deitar-se ao seu lado. Rafael se virou para ela e, pela primeira vez, desde que se conheceram, realmente se viram.
Não através de protocolos ou contratos ou responsabilidades, apenas viram. Por que você está fazendo isso?”, perguntou ele, a voz ainda embargada. “Cuidando de mim. Você não precisa. Eu não mereço. Todo mundo merece não estar sozinho quando está despedaçado”, respondeu ela, tocando suavemente seu rosto.
Rafael fechou os olhos, inclinando-se em seu toque, como um homem sedento, bebendo água. “Eu sou tão vazio”, sussurrou ele. “Construí toda essa vida, toda essa reputação, mas por dentro eu sou nada. Um buraco negro que consome tudo e não dá nada de volta. Isso não é verdade. É sim. Ele abriu os olhos e a dor neles era crua.
Tratei você terrivelmente como um objeto, uma incubadora. Porque se eu te visse como pessoa, se eu deixasse você entrar, então eu teria que enfrentar o quanto eu sou quebrado. Eloía sentiu lágrimas escorrerem por seu rosto. Nós dois estamos quebrados, então podemos estar quebrados juntos. Rafael a puxou para mais perto, enterrando o rosto em seu cabelo. Eu não sei como fazer isso. Não sei como deixar alguém entrar.
Talvez possamos aprender”, sussurrou ela. E então, naquela noite de sexta-feira em que Rafael Monteiro havia perdido uma paciente e encontrado sua própria humanidade despedaçada, algo mudou entre eles. Não foi planejado. Não seguiu nenhum protocolo de fertilidade ou calendário ovulatório. Foi simplesmente dois seres humanos solitários encontrando consolo um no outro, encontrando calor onde havia apenas frieza, encontrando conexão onde havia apenas distância.
Quando Rafael a beijou, não foi com técnica ou eficiência, foi com desespero, com necessidade, com uma fome que ia além do físico. E quando seus corpos se uniram, não foi uma transação, foi uma súplica. Um grito silencioso de duas almas perdidas tentando se encontrar no escuro. Eloía acordou com a luz da manhã filtrando através das cortinas. Por um momento, ficou desorientada.
Este não era seu quarto. Esta cama era diferente. Então se lembrou. Ela se virou. Rafael estava deitado ao seu lado, acordado, olhando para o teto. Seu perfil estava tenso, a mandíbula apertada. “Rafael”, sussurrou ela. Ele não a olhou. “Ontem à noite. Foi um erro. As palavras a atingiram como um tapa.
Um erro?” Eu estava bêbado, emocionalmente comprometido, não estava pensando claramente. Sua voz era clínica, novamente, controlada, como se os últimos resquícios de vulnerabilidade tivessem sido enterrados sob camadas de autocontrole. Isso não pode acontecer de novo. Eloía sentiu raiva inflamar em seu peito.
Por quê? Por que você não pode simplesmente admitir que somos dois seres humanos que precisavam um do outro? Porque isso complica tudo”, disse ele finalmente olhando para ela. Seus olhos estavam frios, novamente, vazios, como se a noite anterior nunca tivesse acontecido. “Temos um acordo, um protocolo. Sentimentos só vão turvar as águas.” Eloía se sentou, puxando o lençol para cobrir-se.
“Turvar as águas? Meu Deus! Rafael, você é impossível. Sou realista.” Ele se levantou, pegando uma roupa de banho. Vou tomar banho. Quando eu sair, você deveria estar no seu quarto. Eloía observou o desaparecer no banheiro, a porta fechando-se entre eles como uma sentença final.
Ela se vestiu rapidamente, lágrimas de raiva e humilhação queimando seus olhos como ele ousava. Como ousava reduzi-la a nada novamente, depois de tudo que haviam compartilhado. Mas quando ela estava saindo do quarto, algo a fez parar. Na mesa de cabeceira de Rafael, por baixo de uma pilha de revistas médicas, havia uma foto, pequena, desgastada, de uma mulher linda, com cabelos escuros e sorriso radiante, abraçada a um Rafael muito mais jovem.
Ele estava sorrindo na foto, verdadeiramente sorrindo, como se o mundo fosse cheio de possibilidades. No verso da foto, em caligrafia feminina delicada, estava escrito para sempre seu, Letícia. Eloía recolocou a foto cuidadosamente e saiu do quarto. Agora ela entendia. Rafael não estava apenas ferido. Ele ainda estava sangrando.
Três semanas depois daquela noite, Eloía acordou sentindo algo diferente. Não era dor, não era desconforto, era apenas uma sensação, como se seu corpo estivesse sussurrando um segredo que sua mente ainda não conseguia compreender. Ela correu para o banheiro e vomitou.
Dona Marlene, que estava trazendo café da manhã, a encontrou ajoelhada no chão do banheiro, o rosto pálido e úmido de suor. Querida. A governanta largou a bandeja e correu para segurá-la. O que houve? Não sei. Ofegou Eloía. Acordei enjoada. Os olhos de dona Marlene se arregalaram. Então, um sorriso lento e esperançoso curvou seus lábios.
Querida, quando foi sua última menstruação? Eloía piscou. Então, lentamente, o entendimento a atingiu como um raio. Eu eu não sei. Com todo o estresse, eu nem prestei atenção. Fique aqui. Dona Marlene praticamente correu para fora do banheiro. 10 minutos depois, ela voltou com uma caixa. Um teste de gravidez. Eloía olhou para a caixa como se fosse uma bomba. Eu não posso. E se? E se sim.
Dona Marlene segurou sua mão. Querida, isso é o que você está aqui para fazer, não é? Então vamos descobrir. Com mãos tremendo, Eloía fez o teste. Três minutos nunca pareceram tão longos. Ela e dona Marlene ficaram sentadas no chão do banheiro, lado a lado, olhando para o teste sobre a pia, como se fosse um oráculo.
Quando a linha azul apareceu, nítida, inconfundível, Eloía não sentiu alegria, sentiu terror. “Estou grávida”, sussurrou ela. Dona Marlene a abraçou forte. Ó, querida, parabéns. Mas Eloía não conseguia processar. Um bebê. Havia um bebê crescendo dentro dela. Um bebê que em ve meses seria arrancado de seus braços e dado a um pai que tratava o amor como uma equação matemática.
“Eu preciso contar para ele”, disse ela, levantando-se com pernas trêmulas. “O doutor Monteiro está na clínica fazendo consultas”, informou dona Marlene. “Mas termine em uma hora.” Eloía desceu para a clínica privada anexa à mansão. A porta estava entreaberta e ela podia ouvir Rafael falando ao telefone. Sim, confirme a cirurgia para terça-feira e preciso dos resultados de todos os exames pré-operatórios até amanhã, sem exceções. Uma pausa. Ótimo. Obrigado.
Ele desligou e bateu suavemente na porta. Entre, disse ele sem olhar para cima, concentrado em algo em sua tablet. Eloía entrou, o teste de gravidez escondido em seu bolso como um segredo radiativo. Rafael finalmente levantou os olhos. Quando viu o rosto dela pálido, assustado, ele imediatamente se levantou. O que houve? Você está doente? Não, eu. Eloía respirou fundo.
Eu preciso te mostrar algo. Ela tirou o teste do bolso e o colocou sobre a mesa dele. Rafael olhou para baixo, ficou completamente imóvel. Por longos, longos segundos, ele simplesmente encarou o teste como se não pudesse processar o que estava vendo.
Então, lentamente, ele pegou o teste, estudou-o, virou-o como se fosse confirmar que era real. “Você está, Sua voz falhou.” Ele limpou a garganta. “Você está grávida?” “Sim.” Rafael colocou o teste cuidadosamente sobre a mesa, então tirou os óculos, limpou-os, colocou-os de volta. estava claramente ganhando tempo, processando. Precisamos confirmar com um exame de sangue.
O teste de farmácia pode ter falsos positivos, disse ele finalmente, e sua voz era profissional, apenas profissional. Eloía sentiu algo se partir dentro dela. Ela não sabia o que esperava. Alegria, abraço, qualquer coisa além deste distanciamento clínico. Claro disse ela, a voz vazia. Quando? Agora. Ele estava já se movendo, preparando seringas e tubos de coleta. Sente-se ali.
Eloía obedeceu, estendendo o braço. Rafael amarrou o torniquete, limpou a pele com álcool, inseriu a agulha. Tudo feito com eficiência mecânica, como se ela fosse apenas mais uma paciente. Teremos os resultados em algumas horas, disse ele, retirando a agulha e pressionando o algodão sobre o ponto de punção. Até lá, descanse.
Não faça esforços, Rafael. Eloía tocou seu braço, forçando-o a olhar para ela. Você não vai dizer nada além de protocolos médicos. Ele a olhou e por um momento, ela viu algo atravessar seus olhos. Algo grande, assustador, esmagador. Então ele piscou e estava frio novamente. O que quer que eu diga? Qualquer coisa.
Você está feliz, assustado? Sente alguma coisa? Rafael removeu cuidadosamente o torniquete, guardou as seringas, etiquetou os tubos de sangue. Cada movimento era preciso, controlado. “Sinto que conseguimos o que viemos buscar”, disse ele finalmente. “O acordo está se cumprindo conforme planejado. O acordo, sempre o maldito acordo.
” Eloía se levantou, raiva fervendo em suas veias. “Sabe de uma coisa? Eu sinto pena de você.” Rafael levantou os olhos surpreso. Pena? Sim, pena. Porque você está tão aferrado ao seu controle, tão apavorado de sentir qualquer coisa real que está deixando a vida passar direto por você.
Ela colocou a mão sobre seu próprio ventre, onde uma vida minúscula estava começando. Há um milagre acontecendo aqui. Um ser humano que é metade você, metade eu. E tudo que você consegue fazer é tratá-lo como como um projeto bem-sucedido. Eloía não. Ela levantou a mão.
Você teve sua chance de ser humano na noite em que veio até mim, destroçado, e eu vi o homem real por baixo de toda essa armadura. Mas você está tão determinado a reconstruir esses muros que não percebe que está se enterrando vivo dentro deles. Ela se virou para sair, mas a voz dele aparou. Você não entende. Eloía olhou por cima do ombro. Então me faça entender. Rafael estava parado ao lado da mesa, as mãos apoiadas sobre a superfície de aço, a cabeça baixa.
Quando falou, sua voz era tão baixa que ela mal conseguiu ouvir. Se eu deixar isso significar algo, se eu deixar me importar, então quando você for embora, será insuportável. O coração de Eloía parou. Quem disse que eu vou embora? O contrato diz. Ele finalmente a olhou e havia tanto medo em seus olhos que foi de partir o coração. É o que acordamos. Você gera o bebê, recebe sua liberdade e vai viver sua vida.
Longe de mim, Rafael, é mais fácil assim. Ele voltou sua atenção para os tubos de sangue, escapando novamente para a segurança de protocolos médicos. Mais limpo, menos complicado. Eloía quis gritar. Quis sacudi-lo até que visse o quanto estava sendo idiota. Mas ela também via o terror subjacente em cada linha de seu corpo, o medo de um homem que havia sido destruído antes e estava determinado a nunca, nunca deixar acontecer novamente.
“Quando você tiver os resultados, me avise”, disse ela cansada, saindo da clínica. 4 horas depois, Rafael bateu em sua porta. Entre”, disse ela sentada na cama com um livro que não estava realmente lendo. Ele entrou, segurando um envelope. Seu rosto era indecifrável. Os resultados chegaram. Eloía segurou a respiração. Rafael abriu o envelope e estudou o papel.
Então, pela primeira vez desde que ela o conhecia, ela viu um sorriso pequeno, mas real. “Beta HCG positivo. Você está grávida? Definitivamente, ele olhou para ela e o sorriso se ampliou ligeiramente. Parabéns. Eloía não percebeu que estava chorando até sentir as lágrimas escorrerem pelo rosto. Obrigada. Rafael deu um passo em direção a ela, então parou como se um campo de força invisível o impedisse.
Farei o primeiro ultrassom na próxima semana. Veremos o saco gestacional. Confirmaremos a implantação adequada. Você começará vitaminas pré-natais imediatamente. E Rafael: “Sim, você pode apenas sentar comigo só por um minuto, sem falar de protocolos ou procedimentos?” Ele hesitou, então, lentamente caminhou até a cama e sentou-se na beirada, mantendo uma distância respeitável. Eles ficaram assim, lado a lado, em silêncio.
Eloía colocou a mão sobre o ventre, onde uma vida estava começando, e jurou ali mesmo que, mesmo que Rafael não pudesse amar este bebê da forma como merecia, ela amaria por dois. Ela amaria o suficiente para preencher todos os espaços vazios deixados por um pai que tinha tanto medo de sentir que havia se tornado oco.
Uma semana e três dias após a confirmação, Eloía estava deitada na maca na clínica privada de Rafael, vestindo um avental hospitalar azul claro, os nervos vibrando sob sua pele como fios elétricos. Rafael preparava o equipamento de ultrassom, seus movimentos eficientes, mas ligeiramente trêmulos. Ela notou suas mãos, normalmente tão firmes, que podiam realizar cirurgias microscópicas, tremeram quando ele pegou o tubo de gel.
Estará frio”, avisou ele, levantando o avental para expor seu abdômen ainda plano. Eloía estremeceu quando o gel tocou sua pele. Rafael posicionou o transdutor, seus olhos fixos na tela do monitor, dedos ajustando controles. Por longos segundos, havia apenas estática em preto e branco.
Eloía prendeu a respiração, terror súbito agarrando sua garganta. E se não houvesse nada? E se fosse um falso alarme? E se Então, Rafael parou. Seus dedos congelaram nos controles. Seus lábios se separaram ligeiramente. “Aqui”, sussurrou ele, e sua voz rachava de emoção crua. “Aqui está.” Eloía olhou para a tela, mas tudo que via era um borrão de cinzas e pretos. Nada que fizesse sentido. “Eu não estou vendo ali.
” O dedo dele tocou a tela, apontando para uma forma minúscula, um pequeno feijão perdido em um mar de estática, o saco gestacional. E dentro ele moveu o transdutor ligeiramente, ampliou a imagem e de repente estava lá uma pequena cintilação, um piscar rítmico, como uma estrela pulsando no universo escuro do útero de Eloía. “O coração”, disse Rafael e sua voz se quebrou completamente. “O coração está batendo.
” Eloía não conseguiu conter as lágrimas. Elas escorreram pelo rosto, quentes e imparáveis. aquele pequeno piscar, aquela pequena vida real, viva, crescendo dentro dela. Rafael apertou alguns botões e, de repente, o quarto encheu-se de som. Um hush w rítmico e rápido.
O batimento cardíaco fetal era o som mais bonito que Eloía já tinha ouvido. Ela olhou para Rafael. Ele estava completamente focado na tela e havia lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Lágrimas silenciosas que ele nem tentou esconder ou enxugar. 158 batimentos por minuto disse ele à voz estrangulada. Perfeito, absolutamente perfeito. Eloía não pensou, apenas alcançou e segurou sua mão.
Rafael a apertou de volta, seus dedos entrelaçando-nos dela, e, por um longo, longo momento, eles apenas ficaram ali, ouvindo o batimento cardíaco de seu filho, conectados, juntos. É real, sussurrou Eloía. Há um bebê. Nosso bebê. Rafael sentiu, incapaz de falar. Ele limpou os olhos com a mão livre, rindo um pouco com sua própria emoção.
Desculpe, eu apenas realizo esses ultra sons todos os dias, centenas deles. Mas isso ele olhou para ela e a vulnerabilidade em seus olhos era de partir o coração. Isso é diferente. Isso é nosso. Nosso. A palavra ficou suspensa entre eles, frágil e preciosa. Rafael tirou algumas fotos do ultrassom, então desligou o equipamento.
Ele limpou cuidadosamente o gel do abdômen de Eloía, seus toques surpreendentemente gentis. Baseado nas medidas, você está com seis semanas e três dias. A data prevista do parto é, ele calculou rapidamente, 28 de abril. Primavera disse Eloía suavemente. Uma primavera bebê. Rafael sorriu. Um sorriso real que iluminou todo o seu rosto. Uma bebê primavera. Eloía piscou. Bebê? Você acha que é menina? Apenas uma intuição. Ele ajudou-a a sentar.
Confirmaremos com o ultrassom morfológico em algumas semanas. Mas enquanto Eloía se vestia, ela via como Rafael continuava olhando para as imagens impressas do ultrassom, como seus dedos traçavam o contorno daquele pequeno feijão com uma reverência que ela nunca havia visto nele.
Havia amor ali, enterrado sob décadas de controle e medo, mas definitivamente ali. A questão era: ele deixaria esse amor sair ou continuaria trancado dentro de sua prisão autoimposta? As semanas seguintes trouxeram uma mudança surpreendente na dinâmica da mansão. Rafael, sempre tão distante e controlado, tornou-se presente, não de forma sufocante, mas em pequenos gestos que Eloía começou a coletar como tesouros preciosos.
Ele começou a jantar com ela todas as noites, não nas extremidades opostas da absurda mesa de jantar, mas sentados lado a lado em um canto. Conversavam sobre coisas banais, o clima, notícias, livros, mas conversavam. Uma tarde, Eloía encontrou Rafael no segundo andar, parado diante de uma porta fechada no final do corredor. Ela nunca havia prestado atenção naquela porta antes. “O que há aí?”, perguntou ela, aproximando-se.
Rafael se virou e havia algo estranho em sua expressão, esperança, talvez, misturada com incerteza. Venha ver. Ele abriu a porta, revelando um quarto amplo e vazio, com enormes janelas que ofereciam vista para a lagoa. À luz da tarde inundava o espaço, fazendo o piso de madeira clara brilhar.
“Pensei que este poderia ser o quarto do bebê”, disse Rafael, as mãos nos bolsos parecendo quase tímido. Tem a melhor vista. O sol nasce aqui todas as manhãs e é perto dos seus aposentos. Então você Ele pausou para quando você precisar amamentar à noite e tal. Eloía entrou no quarto girando lentamente. Sim, sim. Este seria perfeito. É lindo. Há um closet aqui.
Podemos transformá-lo em um trocador. Rafael caminhava pelo quarto, claramente tendo pensado nisso. E esta parede seria ideal para o berço, longe das janelas, protegida de correntes de ar. Eloía olhou para ele surpresa e tocada por quantos detalhes ele já havia considerado. “Você você pensou muito sobre isso.
” Rafael corou levemente o que era tão incomum nele que Eloía quase riu. Bem, sim, é importante. O ambiente onde um bebê cresce impacta seu desenvolvimento. Luz natural, temperatura controlada, segurança. Rafael, ele parou, olhando para ela. Você não precisa justificar se importar”, disse ela suavemente. “Está tudo bem se importar”. Ele segurou seu olhar por um longo momento, então acenou com a cabeça quase imperceptivelmente.
“Então, você gosta do quarto?” “Eu amo.” A transformação do quarto vazio no ninho perfeito tornou-se um projeto conjunto, algo que Eloía nunca esperara. Ela e Rafael, lado a lado, planejando, decidindo, criando. Eles passaram horas navegando sites de móveis infantis, debates intensos sobre tons de tinta, rosa suave ou lavanda.
E se você estiver errado e for um menino, então amarelo neutro, discutindo a segurança de cada item. Este berço tem certificação? Mostre-me os padrões de segurança. Dona Marlene observava com um sorriso conhecedor, vendo o que Eloía estava apenas começando a perceber. Eles estavam agindo como um casal de verdade, como pais expectantes, compartilhando um sonho.
Foi numa tarde de domingo, enquanto montavam o berço juntos, Rafael com uma chave de fenda, seguindo instruções meticulosamente, Eloía organizando lençóis e mantas, que o próximo pedaço de sua armadura caiu. “Minha mãe costumava cantar para mim”, disse Rafael de repente, não olhando para cima de sua tarefa. Canções de Ninar antigas em francês. Ela era de Lon. Eloía parou, segurando uma manta amarela contra o peito. Você nunca me contou sobre ela.
Morreu quando eu tinha 12 anos, câncer de ovário. Ele apertou um parafuso com força desnecessária. Meu pai nunca se recuperou. Morreu 8 anos depois. Alguns dizem que foi ataque cardíaco. Eu acho que foi de coração partido. Rafael, eu sinto muito. Ele finalmente olhou para ela e havia uma vulnerabilidade crua em seus olhos.
Quero que nossa filha tenha o que eu tive. Uma mãe que cante, que conte, que a faça sentir amada, mesmo quando o mundo é assustador. Eloía se aproximou, ajoelhou-se ao lado dele, no chão coberto de peças de berço. Nossa filha terá isso, eu prometo. Mas por quanto tempo? A pergunta escapou dele como se tivesse sido arrancada à força.
O contrato diz, esqueça o contrato interrompeu Eloía, surpreendendo a si mesma com sua própria veemência. Só por um momento, esqueça o maldito contrato. Podemos apenas estar aqui agora, construindo o quarto de nossa filha. Rafael a estudou. Então, lentamente, um pequeno sorriso curvou seus lábios. Nossa filha, você continua dizendo menina, você também.
Eloía sorriu de volta. Palpite de médico. Intuição de pai. As palavras saíram suaves, quase tímidas. Pai. Ele havia se chamado de pai. Não de genitor, não deador genético. Pai. Eloía sentiu algo se expandir em seu peito. Esperança, talvez, ou amor nascente, ou ambos. Então vamos precisar de um nome, disse ela. Rafael voltou sua atenção para o berço, mas Eloía podia ver o sorriso persistente em seus lábios.
Luna disse ele suavemente. Sempre gostei de Luna. Luz na escuridão, guia na noite. Luna Monteiro testou Eloía. É perfeito. E enquanto trabalhavam lado a lado, montando o berço onde sua filha dormiria, Eloía permitiu que a esperança enraizasse profundamente em seu coração. Talvez eles pudessem fazer isso funcionar. Talvez o contrato não importasse.
Talvez apenas talvez eles pudessem ser uma família de verdade. Ela só precisava que Rafael acreditasse nisso também. O jantar beneficente no Museu de Arte de Santa Catarina era o tipo de evento que Eloía teria achado glamoroso antes. Agora, com 14 semanas de gravidez, vestindo um vestido de seda azul marinho que disfarçava sutilmente seu ventre levemente arredondado, ela só queria estar em casa comendo pipoca e assistindo filmes bobos com Rafael. Sim, com Rafael.
De alguma forma, nas últimas semanas, eles haviam desenvolvido uma rotina confortável de noites de sexta-feira no sofá da biblioteca, assistindo a documentários sobre medicina, escolha dele e comédias românticas, concessão dela que ele fingia detestar, mas secretamente curtia. Você está linda”, disse Rafael, ajustando sua gravata no reflexo de uma janela do museu.
Ele usava um smoking impecável, cabelos perfeitamente penteados. E Eloía pensou, não pela primeira vez como ele era absurdamente bonito. “Você tem que dizer isso. Sou sua esposa. Esposa de contrato”, corrigiu ele automaticamente. Mas havia um sorriso brincando em seus lábios que tirava o veneno das palavras. Eles entraram no salão principal. todo em mármore e iluminação suave, repleto das pessoas mais ricas e influentes de Santa Catarina. Eloía reconheceu alguns rostos, empresários, políticos, celebridades locais.
Rafael foi imediatamente puxado para conversas com colegas médicos. Eloía ficou ao seu lado, sorrindo educadamente, acenando quando apropriado, sentindo-se como uma atriz em uma peça que não havia ensaiado. Foi quando ela a viu. Uma mulher deslizou pelo salão como uma pantera alta, de cabelos negros perfeitamente lisos, caindo até a cintura, pele impecável, vestido vermelho que custava mais que um carro.
Ela era estonte da forma como obras de arte caras são estonteantes, linda, mas fria, intocável, e ela estava olhando diretamente para Rafael. Eloía sentiu Rafael ficar tenso ao seu lado. Sua mão, que havia estado descansando casualmente em suas costas, caiu. Rafael. A mulher se aproximou, sorriso brilhante e perfeitamente praticado. Faz tanto tempo, Letícia.
A voz dele era gelo sobre aço. Não esperava te ver aqui, Letícia. O nome da foto. A mulher que havia escrito para sempre seu. Você me conhece. Nunca perco um evento beneficente. Os olhos dela deslizaram para Eloía, avaliando-a da cabeça aos pés em menos de 2 segundos. E esta deve ser a esposa. A maneira como ela disse esposa fez soar como garçonete ou babá. Eloía disse Rafael tensamente.
Esta é Letícia Tavares, velha conhecida. Velha, conhecida. Que eufemismo maravilhoso. Prazer, mentiu Eloía, estendendo a mão. Letícia a apertou com dedos gelados e cobertos de anéis caros. O prazer é todo meu. Seu sorriso era afiado como vidro. Rafael, você não me disse que havia se casado.
Foi tudo tão repentino, quase suspeito. Minha vida pessoal não é assunto seu, Letícia. Claro, claro. Ela acenou com a mão como se estivesse afastando uma mosca chata. Só estou surpresa. Você sempre disse que nunca se casaria novamente depois. Bem. Seus olhos brilharam com maldade. Depois de mim, Eloía sentiu como se tivesse sido empurrada de um penhasco.
Vocês foram casados? Quase, corrigiu Letícia, ainda sorrindo aquele sorriso terrível. Estávamos noivos. Eu o deixei no altar. Bem, tecnicamente duas semanas antes do altar, mas quem está contando? Rafael pegou o braço de Eloía. Precisamos ir. Pessoas esperando para falar comigo. Claro, querido. Letícia piscou para Eloía. Foi adorável conhecer você.
Tenho certeza de que nos veremos mais. Florianópolis é tão pequena, não é? Ela deslizou para longe, deixando um rastro de perfume caro e veneno. Rafael conduziu Eloía para um canto mais quieto do salão, perto de uma escultura abstrata que Eloía não conseguia decifrar.
“Por que você não me contou?”, perguntou ela, tentando manter a voz estável. “Porque não importa. Foi há muito tempo. Outra vida. Ela te deixou?” “Sim.” Ele olhava fixamente para sua taça de champanhe que não havia tocado duas semanas antes do casamento. Apareceu em meu apartamento, disse que havia se apaixonado por outra pessoa. Um empresário alemão que conheceu em uma viagem a Berlim. Estava grávida dele. Eloía sentiu seu coração se apertar.
Rafael, foi há 15 anos. Eloía ele finalmente a olhou e seu rosto era uma máscara. Estou bem. Mas ele não estava bem. Ela podia ver a forma como seus ombros estavam tensos, como seus dedos apertavam a taça com força suficiente para quebrá-la. Letícia havia destroçado este homem e pelos muros que ele havia construído desde então, ela nunca havia realmente deixado.
O resto da noite foi uma tortura. Eloía podia sentir os olhos de Letícia sobre eles, sempre observando, sempre sorrindo aquele sorriso cruel. Quando finalmente voltaram para casa, Rafael desapareceu imediatamente para seu escritório, murmurando algo sobre laudos para revisar.
Eloía foi para seu quarto sozinha, deitou-se na cama e colocou as mãos sobre seu ventre, onde Luna crescia. Uma serpente havia entrado no jardim deles e tinha o terrível pressentimento de que ela não havia terminado de envenenar. Letícia apareceu três dias depois. Eloía estava no jardim dos fundos da mansão, sentada em um banco perto das hortênsias que dona Marlene cuidava meticulosamente, lendo um livro sobre desenvolvimento fetal.
O sol estava quente e ela havia se permitido relaxar pela primeira vez em dias. Que quadro sereno! Eloía pulou. Letícia estava parada há poucos metros, vestindo calças de linho brancas e uma blusa de seda preta, óculos de sol designer escondendo seus olhos. Como você, o portão tem código, ó, querida. Letícia sorriu removendo os óculos. Eu conheço todos os códigos desta casa.
Eu a ajudei a decorar há uma vida atrás, quando achávamos que seria nosso lar de amor eterno. Cada palavra era uma agulha cuidadosamente colocada. “Rafael não está em casa”, disse Eloía, fechando o livro e se levantando. “Ele está no hospital. Eu sei, por isso vim agora”. Letícia se sentou no banco onde Eloía havia estado, cruzando as pernas elegantemente.
Precisávamos de uma conversa de mulher para mulher. Não temos nada para conversar. Ah, mas temos. Letícia deu tapinhas no espaço ao lado dela. Sente-se. Não vou mordê-la ainda. Não. Contra seu melhor julgamento, ou talvez por perversa curiosidade, Eloía se sentou, manteve distância. Letícia a estudou por um longo momento. “Você está grávida?”, disse ela. E não era uma pergunta.
“Como você, por favor?” Letícia riu. “Eu sei ler os sinais. Você não bebeu uma gota no jantar. Suas mãos estavam protetoramente sobre o ventre o tempo todo. E há aquele brilho.” A palavra foi cuspida com desdém. Eloía não disse nada, mas sua mão instintivamente foi para seu ventre. Rafael deve estar estasiado. Ele sempre quis um herdeiro. Era a obsessão dele mesmo 15 anos atrás.
Letícia examinou suas unhas perfeitamente pintadas. Aposto que ele tem tudo planejado. O melhor berço, as melhores vitaminas, os melhores protocolos médicos. E se tem, ó, querida. Letícia a olhou com algo que poderia ser pena se não fosse tão cruel.
Você realmente acredita que isso é sobre amor, sobre família? Não sei do que você está falando. Claro que sabe. Letícia se inclinou mais perto. Rafael te contou sobre nosso acordo, sobre eu realmente o deixei. Eloía sentiu gelo escorrer por sua espinha. Ele disse que você se apaixonou por outra pessoa. Letícia riu genuinamente divertida.
Ó, é isso que ele conta a si mesmo? Que romântico! Não, querida. Eu o deixei porque ele queria transformar nosso casamento em uma fazenda de bebês. Disse que meu único propósito era gerar o herdeiro monteiro. Quando recusei, quando disse que queria uma carreira, que não estava pronta para crianças, ele bem, digamos que mostrou seu verdadeiro rosto.
Você está mentindo. Estou. Letícia tirou seu telefone, deslizou pela tela e virou-o para Eloía. Era um contrato antigo, impresso em papel amarelado pelo tempo, mas as palavras eram claras: acordo pré-matrimonial entre Rafael Monteiro e Letícia Tavares. E em uma sessão destacada, a parte B, Letícia, concorda em gerar pelo menos um um herdeiro masculino nos primeiros três tr anos de matrimônio.
Todas as decisões médicas relacionadas à gravidez e criação serão de responsabilidade exclusiva da parte A. Rafael. Eloía sentiu náusea subir em sua garganta. Isso, isso não pode ser real, ó. É muito real. Letícia guardou o telefone. E aposto que você assinou algo muito similar, não foi? Deixe-me adivinhar. Gerar o bebê, receber dinheiro depois desaparecer. O silêncio de Eloía foi resposta suficiente.
Letícia sorriu triunfalmente. Ele não muda, querida. Rafael Monteiro é um colecionador. Ele coleta pacientes, sucessos médicos e móveis. E agora, um herdeiro. Você é apenas a incubadora mais conveniente. Saia. Eloía se levantou tremendo. Saia da minha casa. Sua casa? Letícia também se levantou, colocando os óculos de sol de volta.
Ó minha doce criança iludida, isso nunca será sua casa. Você é temporária, uma funcionária com benefícios. E assim que Luna nascer, Eloía congelou, como você sabe o nome? Rafael sempre quis chamar uma filha de Luna. Mencionou isso dezenas de vezes quando estávamos juntos. Letícia começou a caminhar em direção ao portão, então parou e olhou por cima do ombro. Ah, mais uma coisa.
Rafael comprou um apartamento há duas semanas. Cobertura na beira Mar Norte, três quartos vista para o mar mobiliado. Você acha que é para quem? Para você, querida. seu prêmio de consolação quando ele te descartar. E então ela partiu, deixando Eloía sozinha no jardim, o mundo desmoronando ao seu redor.
Será que tudo tinha sido mentira? Os sorrisos, as conversas, as noites montando o berço juntos? Será que tudo tinha sido apenas performance? Rafael mantendo a incubadora feliz, Eloía correu para dentro, subiu as escadas até o quarto de Luna e parou na entrada o berço que haviam montado juntos, as mantas que haviam escolhido, as paredes que haviam pintado.
Tudo parecia diferente. Agora, não um ninho de amor, mas uma jaula preparada. Ela colocou as mãos sobre o ventre, lágrimas escorrendo. “Sinto muito, Luna”, sussurrou. Sinto muito por trazer você para este mundo bagunçado, que lá fora, escondida entre as árvores na borda da propriedade, Letícia sorriu enquanto dirigia para longe. As sementes do veneno haviam sido plantadas. Agora era apenas esperar que florescessem.
Eloía não contou a Rafael sobre a visita de Letícia. Como poderia? O que diria? Sua ex me disse que você me vê como gado reprodutor. É verdade? Mas o veneno trabalhava lenta e inexoravelmente, infectando cada interação deles. Quando Rafael chegou em casa naquela noite, sorrindo e carregando takeout de comida tailandesa, lembrei que você mencionou que estava com vontade.
Eloía só conseguia pensar. Ele está me mantendo bem alimentada, como gado. Algo errado? Perguntou ele, notando como ela cutucava o pé de tai sem apetite. Não, só cansada. Mentira. Mas o que era a verdade afinal? Ela nem sabia mais. Os dias seguintes foram uma espiral descendente. Cada gesto gentil de Rafael se tornava suspeito através da lente envenenada que Letícia havia colocado sobre os olhos de Eloía, quando Rafael trouxe vitaminas pré-natais de uma nova marca que havia pesquisado, mantendo o produto em perfeito estado, quando ele agendou mais exames de ultrassom, monitorando seu investimento, quando ele
tocou seu ventre com reverência e sussurrou: “Oi, Luna! Performance, tudo performance. Rafael notava a mudança. Claro que notava. Eloiza, o que está acontecendo? Perguntou ele numa noite, encontrando-a chorando no quarto de Luna. Você mal fala comigo há dias. Eu fiz algo errado. Você comprou um apartamento, disse ela abruptamente, limpando as lágrimas com raiva.
Rafael piscou claramente pego de surpresa. Como você? Então seu rosto escureceu. Letícia, ela esteve aqui. Responda à pergunta. Você comprou um apartamento para mim? Ele fechou os olhos, respirando fundo. Sim, mas não é o que você pensa. Então me diga o que é. Sua voz subiu, meses de tensão, finalmente explodindo.
Me diga porque você está me preparando uma saída antes mesmo do bebê nascer. Porque eu te prometi liberdade? Rafael explodiu de volta. A voz dele trovejando pelo quarto vazio. No contrato, eu prometi que você teria sua vida de volta. Eu estava Estava apenas cumprindo minha palavra. Cumprindo sua palavra, Eloía riu sem humor, como se isso fosse uma transação comercial.
Ah, espera, é exatamente isso, não é, Eloía? Ela me mostrou seu contrato com ela. As palavras saíram venenosas, vi as cláusulas. Gerar herdeiro masculino, decisões médicas exclusivas. Você a tratou como gado também? Rafael ficou pálido. Isso foi diferente. Eu era diferente. Eu era jovem e idiota. E E o quê? Você mudou.
Eloía riu amargamente porque parece exatamente a mesma coisa para mim. Novo contrato, mesma cláusula de reprodução. Não é a mesma coisa. Então, como é diferente, Rafael? Me explique, me explique como eu não sou apenas sua barriga de aluguel de luxo. O silêncio que seguiu foi ensurdecedor. Rafael abriu a boca, fechou, tentou de novo, mas nenhuma palavra saiu, e aquele silêncio disse tudo.
Eloía sentiu algo se partir irreparavelmente dentro dela. Ela caminhou até a porta, pausou e olhou para trás. Quando Luna nascer, você conseguirá o que quer, seu herdeiro, seu legado. E eu pegarei meu pagamento e sairei da sua vida, exatamente como planejamos. Eloía, espere. Mas ela já havia saído, descendo as escadas, correndo para seu quarto, batendo a porta e trancando-a.
Foi duas horas depois, em plena madrugada, que a dor começou. Eloía estava deitada na cama, ainda acordada, ainda furiosa, ainda destroçada, quando sentiu uma dor aguda, perfurante, rasgando através de seu abdômen. Ela gritou: “A dor era diferente de qualquer coisa que já sentira, como se alguém estivesse arrancando suas entranhas, como se estivesse sendo rasgada de dentro para fora.
Rafael!”, gritou ela, mas sua voz saiu fraca, sufocada por dor. Ela tentou se levantar e então sentiu algo quente e úmido entre suas pernas. Sangue! Não, não, não, não, Rafael!”, ela gritou com toda a força que tinha e então o mundo inclinou e ela estava caindo, caindo, a dor consumindo tudo.
A última coisa que viu antes do mundo escurecer foram as portas do quarto se espatifando abertas. e Rafael, o pânico absoluto devastando seu rosto, gritando seu nome. O mundo retornou em fragmentos, dor, luzes brilhantes, vozes gritando, o cheiro antisséptico de hospital. Eloía forçou seus olhos a abrirem.
Ela estava em movimento, sendo empurrada por um corredor, luzes fluorescentes piscando sobre ela em um ritmo hipnótico e nauseiante. Rafael estava ao seu lado, ainda em roupas de dormir, calça de pijama e camiseta, a mão segurando a dela com força punamente dolorosa, o outro pressionando algo contra seu ventre. Fique comigo, Eloía. Fique comigo. Sua voz era comandante, mas ela podia ouvir o pânico subjacente, um animal selvagem gritando por baixo de décadas de treinamento médico.
Outra contração de dor rasgou através dela. E Eloía gritou: “Descolamento prematuro da placenta.” Rafael estava dizendo a alguém. “Uma enfermeira? Outro médico. 18 semanas. Sangramento grave. Precisamos de uma sala de cirurgia agora. Dr. Monteiro, o senhor não pode. Eu vou operar. O rugido dele ecoou pelos corredores, tão feroz que a enfermeira recuou. Ela é minha esposa.
Pegue o melhor anestesista que temos de plantão. Quero um neonatal de prontidão e alguém ligue para Dr. Santos. Preciso dele aqui em 5 minutos. Eloía foi empurrada através de portas duplas para uma sala gelada e brilhante, luzes cegantes acima, equipamentos bipando, pessoas se movendo em torno dela como sombras urgentes. “Luna”, sussurrou ela, lágrimas escorrendo pelo rosto.
“Salvem, Luna, por favor, Rafael, salvem nossa filha”. Rafael se inclinou sobre ela, o rosto tão próximo que ela podia ver cada linha de terror em suas feições. Seus olhos estavam molhados. Vou salvar vocês duas, eu prometo. As duas. Ele beijou sua testa. Um beijo desesperado. Você não vai me deixar, entendeu? Você não vai. Sua voz se quebrou.
Então, uma máscara de oxigênio cobriu o rosto de Eloía e o mundo começou a embaçar novamente. “Conte para trás de 10.” Uma voz suave instruiu. 109. Rafael 8. Luna 7. E então nada. Perspectiva de Rafael. O mundo havia se reduzido a sangue e terror. Rafael estava na pia, esfregando com violência suas mãos e antebraços, o protocolo de esterilização tão automático que seu corpo o executava enquanto sua mente gritava. Ela está morrendo meu Deus.
Ela está morrendo. 22 anos de prática médica, milhares de cirurgias. Ele havia operado através de casos impossíveis, salvado mães e bebês quando todos já haviam desistido. Mas isso era diferente. Isso era Eloía, isso era Luna. Isso era tudo. Rafael, doutor Marcos Santos surgiu ao seu lado, já escovado e pronto. Ele era um dos melhores cirurgiões obstétricos do sul do país.
Alguém em quem Rafael confiava cegamente. Você não pode fazer isso. Você sabe que não pode. Eu tenho que fazer. Você está emocionalmente comprometido. Vai tremer, vai hesitar e ela vai morrer. Rafael se virou para encará-lo, água escorrendo por seus antebraços. Se eu não operar, ela vai morrer de qualquer jeito, porque ninguém neste hospital vai lutar por ela do jeito que eu vou. Sua voz era baixa, perigosa.
Eu conheço seu corpo melhor que qualquer um. Eu examinei cada centímetro, conheço cada particularidade e eu vou salvá-la. Dr. Santos o estudou por um longo momento, então acenou. Então eu vou assistir e se você hesitar, se você comprometer ela por um segundo, eu assumo. Entendido? Rafael assentiu, gratidão e alívio inundando através dele. Eles entraram na sala cirúrgica.
Eloía já estava entubada, inconsciente na mesa, abdômen exposto e pintado com betadine alaranjado. A equipe estava pronta. Instrumentista, anestesista, enfermeira circulante, todos olhando para Rafael com misto de profissionalismo e preocupação óbvia. “Tatus?”, perguntou Rafael, colocando luvas estéreis. Pressão arterial baixando relatou o anestesista.
80/ 50, frequência cardíaca 130. Ela está em choque hipovolêmico inicial. A sangue, o negativo no caminho. Já temos quatro bolsas preparadas. Rafael ficou de pé ao lado da mesa, bisturi em mão. Olhou para o abdômen de Eloía, onde Luna crescia. 18 semanas. Tão pequena, tão frágil. Deus me ajude. Não me deixe perder elas.
Rafael respirou fundo. Suas mãos, aquelas mãos que haviam realizado milhares de cirurgias com precisão robótica, tremiam visivelmente. Rafael, avisou o Dr. Santos. Eu sei. Ele fechou os olhos por um breve segundo. Então pensou em Eloía, em seu sorriso quando descobriram que Luna era menina, em como ela havia segurado sua mão no primeiro ultrassom, em como ela o havia abraçado quando ele estava despedaçado.
E pensou em Luna, sua pequena Luna, que nem mesmo nascera ainda, mas que já era tudo. Quando abriu os olhos novamente, suas mãos estavam firmes. Começando incisão Fanen Steel, anunciou ele, a voz voltando ao comando profissional. O bisturi desceu e Rafael fez o que fazia melhor. Salvava vidas. A cirurgia foi uma dança no fio da navalha entre a vida e a morte.
O útero de Eloía estava contraído e hemorrágico, a placenta parcialmente descolada, comprometendo o fornecimento de oxigênio para Luna. Rafael trabalhou com uma precisão que beirava o impossível. Cada movimento calculado, cada decisão tomada em milissegundos, pressão caindo para 70 sobre 40, alertou o anestesista.
Mais duas bolsas de sangue”, ordenou Rafael, sem tirar os olhos do campo cirúrgico. “E preparem vaso pressor, se necessário.” Ele localizou a fonte do sangramento, um vaso placentário rompido. Cauterizou-o então, gentilmente, cuidadosamente, reposicionou a placenta, estabilizando-a. “Fluxo sanguíneo restaurado para o bebê”, relatou o Dr. Santos, monitorando o ultrassom obstétrico.
Batimento cardíaco fetal 140. Está voltando ao normal. Rafael fechou os olhos brevemente em gratidão silenciosa. Como está ela?, perguntou, referindo-se à Eloía, estabilizando. Pressão subindo para 90 sobre 60. Ainda crítica, mas melhorando. Rafael começou a suturar o útero, cada ponto colocado com reverência.
Este útero carregava sua filha e pertencia à mulher que ele finalmente admitia para si mesmo. Enquanto suas mãos trabalhavam no tecido sangrento, ele amava. Amava desesperadamente, completamente, sem volta. “Por favor, fique comigo”, sussurrou ele tão baixo que apenas Dr. Santos ouviu. “Eu preciso de você, ambas.
Eu preciso de vocês duas.” Três horas depois, Rafael saiu da sala de cirurgia, exausto, coberto de sangue, mais vitorioso. Dr. Santos colocou a mão em seu ombro. Você fez o impossível, Rafael. Ambas estão vivas por sua causa. Rafael apenas acenou, incapaz de falar. A adrenalina estava se dissipando, deixando-o vazio e trêmulo.
Eloía foi levada para a UTI. Rafael a seguiu como uma sombra, recusando-se a sair de perto dela. Ela estava pálida demais. Tubos e fios conectados a cada parte de seu corpo, máquinas bipando em um couro mecânico de vida sustentada, mas ela estava viva e Luna, milagrosamente ainda estava crescendo segura dentro dela. Rafael puxou uma cadeira para perto da cama e segurou a mão de Eloía. Estava fria.
Ele a aqueceu entre as suas. Eu sinto muito”, sussurrou ele, lágrimas finalmente caindo livres. Sinto muito por tudo, por tratá-la como objeto, por ser tão covarde que não conseguia admitir o que sentia, por deixar Letícia envenenar o que estávamos construindo. Ele beijou seus dedos, cada um deles. Você não é uma incubadora, nunca foi. Você é tudo.
Você é a pessoa que me fez sentir novamente, que me fez querer ser melhor. E eu fui um idiota cego demais pelo medo para ver. Eloía não respondeu, apenas respirava lenta e laboriosamente, mantida viva por tubos e máquinas e amor puro. Rafael encostou a testa na mão dela. Volte para mim, por favor. Eu prometo que vou ser melhor. Prometo que vou deixá-la entrar. Prometo que vou amar você da forma como você merece.
Só volte. E lá na UTI estéril e brilhante, Rafael Monteiro chorou como não chorava desde que tinha 12 anos e sua mãe morreu. Chorou por tudo que havia perdido, por tudo que quase perdeu e por tudo que ainda poderia perder se Eloía não voltasse para ele.
Foram dois dias, dois dias infindáveis onde Rafael não deixou o hospital. Dona Marlene trouxe roupas limpas, comida que ele mal tocou. Tiago veio, o rosto pálido de medo e Rafael o abraçou. Este menino que era irmão da mulher que ele amava e prometeu que Eloía ficaria bem. Foi na terceira manhã que ela acordou.
Rafael estava adormecido na cadeira desconfortável ao lado dela, a mão ainda segurando a dela quando sentiu os dedos se moverem. Seus olhos se abriram instantaneamente. Eloía. Ele se levantou, inclinando-se sobre ela. Amor, você pode me ouvir? Os olhos dela tremularam. Então, lentamente abriram, confusos, desorientados. “Ra fael!” A voz dela era um sussurro rouco pelo tubo de intubação que havia sido removido horas antes.
“Estou aqui”, ele segurou seu rosto com as duas mãos, lágrimas de alívio escorrendo. “Estou bem aqui, Lu na está bem? Luna está bem. Você está bem? Vocês duas sobreviveram. Ele beijou sua testa, depois suas bochechas, depois seus lábios. Gentil, irreverentemente, vocês sobreviveram. Eloía fechou os olhos, lágrimas escapando pelos cantos.
Eu pensei, pensei que tínhamos perdido ela quase, mas você lutou e eu lutei e ela lutou. Rafael sorriu através das lágrimas. Somos todos lutadores teimosos, aparentemente. Eloía riu fracamente, então fez uma careta de dor. Não ria ainda disse ele rapidamente, ajustando-a na cama. Você ainda está se recuperando. Ela o olhou, realmente o olhou e viu o homem que ele se tornara nos últimos dias. Exausto, destruído, mas presente, completamente presente.
“Você me salvou”, sussurrou ela. “Você me salvou primeiro”, respondeu ele suavemente. “Muito antes disso, você só não sabia”. E ali naquele quarto de hospital, com máquinas bipando e enfermeiras verificando vitais, algo mudou irreversivelmente entre eles. As paredes caíram, os contratos se tornaram irrelevantes, o medo foi substituído por algo mais forte: amor puro, simples, devastador amor. A recuperação foi lenta.
Eloía passou uma semana no hospital sob observação rigorosa. Rafael não saiu do lado dela nenhuma vez, dormindo na cadeira desconfortável, tomando banho no vestiário dos médicos, vivendo de café ruim da cafeteria. Dr. Santos teve que praticamente arrastá-lo para fora para que ele tomasse ar fresco. “Você não é bom para ela se colapsar de exaustão”, repreendeu o colega. “Vá para casa, tome um banho decente, durma em uma cama de verdade”.
Mas Rafael não conseguia. A ideia de estar longe de Eloía, mesmo por algumas horas, era insuportável, como se ao sair ela pudesse desaparecer. Foi Eloía quem finalmente o convenceu. Rafael. Ela segurou seu rosto, forçando-o a olhar para ela. Você precisa descansar. Eu não vou desaparecer, prometo. Mas e se não há? E se? Ela sorriu fracamente.
Estou estável. Luna está estável e você está parecendo um zumbi. Por favor, vá para casa, tome banho, coma algo que não seja vending machine. Volte amanhã. Relutantemente, ele obedeceu. Quando chegou à mansão, o lugar pareceu diferente, vazio sem ela, frio, sem sua presença, aquecendo os espaços. Rafael subiu para o quarto de Luna e ficou parado ali por longos minutos.
O berço que haviam montado juntos, as paredes amarelas que haviam pintado, os livros de histórias que Eloía havia começado a colecionar. Este deveria ser um ninho de amor e ele quase o destruíra com sua covardia. Foi então que viu o telefone de Eloía sobre a cômoda. Ela havia deixado aqui antes de antes de tudo. Rafael não deveria.
Sabia que não deveria, mas pegou o telefone e desbloqueou. Ela usava a data de nascimento prevista de Luna como senha. Ele sabia. Havia mensagens, muitas, de um número desconhecido. Letícia. Rafael abriu a conversa e conforme lia sua mandíbula se apertava cada vez mais. Mensagens venenosas, mentiras, manipulações. Ele nunca vai te amar. Você é só um útero para ele.
O apartamento já está pronto. Sua jaula dourada de consolação. Assim que o bebê nascer, você vai ser descartada como eu fui. Raiva, fúria pura e incandescente, inundou Rafael. Letícia havia feito isso. Havia envenenado Eloía, estressado-a a ponto de quase matar ela e Luna.
Por quê? Vingança mesquinha por ter sido rejeitada há 15 anos. Rafael pegou seu próprio telefone e fez uma ligação. Marcelo, Rafael Monteiro, preciso de você no meu escritório amanhã às 9. Sim, é urgente. Traga todos os documentos de propriedade que tenho em nome de Letícia Tavares. Quero tudo revertido imediatamente. Marcelo, seu advogado, protestou algo sobre processos e tempo. Eu não me importo com processos! Cortou Rafael friamente.
Encontre uma forma. Ela quase matou minha esposa e minha filha com suas mentiras. Quero ela fora da minha vida permanentemente. E se ela se aproximar de nós novamente, vou processá-la por assédio e ameaça. Entendeu? Sim, Dr. Monteiro. Entendi perfeitamente. Rafael desligou, respirando pesadamente.
Então fez outra ligação para Letícia. Ela atendeu no terceiro toque. Voz melosa. Rafael, querido, ouvi sobre o acidente. Como está sua esposinha? Escute bem, Letícia. Sua voz era gelo absoluto. Eu sei que você foi até minha casa. Sei que você envenenou Eloía com mentiras e quase causou a morte dela e da minha filha. Silêncio do outro lado.
Eu não sei do que você está. Não minta para mim. O rugido dele ecoou pela casa vazia. Eu li as mensagens. Eu sei tudo. E agora você vai me escutar. Se você se aproximar da minha família novamente, se você sequer pensar em Eloía ou Luna, eu vou destruir você.
Vou usar cada grama de poder, cada conexão, cada recurso que tenho para garantir que você se arrependa de ter nascido. Entendeu? Outro silêncio. Então, finalmente, você sempre foi tão dramático, Rafael. Isso não é drama, é uma promessa. Agora saia da minha vida e nunca mais volte. Ele desligou e bloqueou o número. Depois foi ao banheiro e vomitou.
Anos de raiva represada, medo, frustração, tudo saindo em ondas violentas. Quando finalmente conseguiu se levantar, olhou para si mesmo no espelho. Havia um homem diferente olhando de volta, mais velho, cansado, mas também mais forte, mais inteiro. Ele havia lutado pela vida de Eloía e Luna na mesa cirúrgica. Agora ia lutar pelo direito de amá-las. para sempre. Eloía teve alta uma semana depois.
Rafael a trouxe para casa em uma cadeira de rodas. Ela protestou que podia caminhar, mas ele insistiu: “Super protetor ao extremo.” Quando cruzaram a porta da mansão, Eloía parou. Havia flores em todos os lugares. Rosas, lírios, tulipas, hortênsias. O lugar todo parecia um jardim explodindo de cores e fragrâncias. “Rafael, o que é tudo isso?” Ele empurrou a cadeira para dentro. fechando a porta atrás deles.
Um começo, ele se ajoelhou diante dela, tomando suas mãos. Eloía, eu preciso te dizer algumas coisas e você precisa me ouvir até o final. Pode fazer isso? Ela acenou, o coração acelerando. Primeiro, eu amo você. As palavras saíram firmes, sem hesitação. Eu te amo desesperadamente, completamente, de uma forma que me assusta, porque eu achei que nunca seria capaz de amar de novo.
Você me salvou da minha própria prisão, me fez sentir, me fez viver e eu fui um covarde por não admitir antes. Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Eloía. Segundo, eu confrontei Letícia, cortei todos os laços com ela. Ela nunca mais vai nos incomodar, eu prometo. Rafael, deixe-me terminar, por favor.
Ele respirou fundo. Terceiro, o apartamento. Sim, eu comprei, mas não como uma forma de te descartar. Eu eu comprei porque pensei que era isso que você queria, liberdade, uma vida longe de mim. E eu achei que se te amava deveria te dar isso, mesmo que me matasse por dentro. “Você é um idiota”, sussurrou Eloía, chorando e rindo ao mesmo tempo.
“Eu sei”, ele sorriu através das próprias lágrimas, “mas sou um idiota apaixonado. E se você me der uma chance, uma chance real, eu vou passar o resto da minha vida provando que você não é uma obrigação, não é um contrato. Você é minha parceira, meu amor, minha família.” Eloía puxou para cima, para mais perto, até que seus rostos estivessem a centímetros de distância.
“Eu também te amo, seu tolo impossível.” Ela tocou seu rosto, traçando as linhas de preocupação, as olheiras da exaustão. Eu me apaixonei por você em algum lugar entre os exames médicos frios e as noites montando berço, entre sua eficiência infuriante e seus momentos raros de vulnerabilidade. Eu me apaixonei pelo homem sob a armadura.
Rafael a beijou, não com a paixão desesperada daquela noite meses atrás, mas com algo mais profundo. Promessa, devoção, amor que superava contratos e medos e passados dolorosos. Quando se separaram, ele descansou a testa contra a dela. Então, o que fazemos agora? Agora? Eloía sorriu. Agora você me leva para cima porque minhas pernas estão doendo e então nos preparamos para sermos pais.
Juntos de verdade juntos? Repetiu ele gostando da palavra. Eu posso fazer isso? E pela primeira vez em 15 anos, Rafael Monteiro acreditou que realmente podia. Os meses seguintes foram uma transformação. A mansão de vidro e mármore, antes fria como um mausoléu, encheu-se de vida. Risadas ecoavam pelos corredores, música tocava na biblioteca.
Dona Marlene cantarolava na cozinha, preparando refeições cada vez mais elaboradas para Eloía e Luna. Rafael tornou-se obsessivamente atencioso. Toda manhã, antes de ir ao hospital, ele realizava um ultrassom rápido, só para verificar, dizia ele. Mas Eloía sabia que era mais do que isso.
Era sua forma de se conectar, de ver Luna crescendo, de ter certeza de que aquilo tudo era real. 28 semanas”, anunciou ele numa manhã, medindo o comprimento femoral de Luna na tela. “Ela perfeita, crescendo exatamente como deveria. Ela é teimosa como o pai”, brincou Eloía, acariciando o ventre agora pro eminente. Luna tinha começado a chutar vigorosamente, especialmente quando ouvia a voz de Rafael, esperta como a mãe rebateu ele, beijando seu ventre. “Oi, Luna.
Papai está aqui. Um chute forte respondeu bem onde seus lábios tocavam. Eloía e Rafael riram juntos e o som era pura felicidade. Mas havia algo que Rafael ainda precisava fazer, uma última peça que precisava ser colocada no lugar. Foi numa tarde de sábado com Eloía descansando no sofá da biblioteca, lendo mais um livro sobre maternidade, que Rafael apareceu o vestindo terno.
“Você está muito formal”, comentou ela, levantando uma sobrancelha. “Tem cirurgia?” “Não, mas preciso te levar a algum lugar. É importante, Rafael. Eu estou do tamanho de uma casa. Não estou no clima para sair. Por favor”, ele estendeu a mão. “Confia em mim.” Ela suspirou, mas aceitou sua mão. Dona Marlene apareceu magicamente com um vestido leve em azul marinho que Eloía nem sabia que possuía e a ajudou a se arrumar. 30 minutos depois, estavam dirigindo pela cidade.
Eloía reconheceu o caminho. Estavam indo em direção à beira mar norte. Rafael, na por estamos indo para o apartamento? Ele não respondeu, apenas dirigiu com determinação. Pararam em frente a um edifício luxuoso com vista para o mar. Rafael a ajudou a sair do carro e juntos subiram para a cobertura. Quando ele abriu a porta, Eloía teve que conter um suspiro.
O apartamento era deslumbrante, três quartos, sala enorme com parede de vidro, oferecendo vista panorâmica para o oceano, decoração moderna, mas aconchegante e completamente mobiliado. “É lindo!”, sussurrou ela. Rafael a guiou até o sofá, ajudando-a a sentar. Então pegou uma pasta de couro que estava sobre a mesinha de centro.
Este apartamento! Começou ele abrindo a pasta está em seu nome, completamente sem restrições. Rafael, nós já conversamos sobre isso. Deixe-me terminar. Ele tirou documentos. Muitos documentos. Este é o contrato prénupsial original. O que você assinou? Eloía sentiu seu estômago se apertar. E estes, ele colocou outros documentos ao lado. São papéis de anulação assinados por mim, notarizados.
O contrato não existe mais, Eloía. Você não me deve nada. Não deve Luna nada. Você é livre. Lágrimas começaram a queimar os olhos dela. E este, ele colocou outro documento. É a escritura deste apartamento. Valor de mercado, R$ 45 milhões deais, pago integralmente. Seu Rafael, eu não entendo. E esta? Sua voz tremeu ligeiramente.
É uma conta bancária em seu nome, R$ 8 milhões de reais. Sua segurança, sua independência, sua liberdade. Eloía olhou para os documentos como se fossem cobras venenosas. “Por que você está fazendo isso?”, sussurrou ela. “Nós estávamos bem. Eu pensei que estávamos construindo algo real.
” Rafael colocou os documentos de lado e, para completo choque dela, se ajoelhou. Ali no meio da sala luxuosa, aquele homem poderoso e orgulhoso se ajoelhou diante dela. Estamos construindo algo real, mas não pode ser real. Ele segurou suas mãos e havia lágrimas escorrendo por seu rosto. Quando nos casamos, você não teve escolha. Estava salvando sua família. Era obrigação, dever, sacrifício.
E eu te tratei terrivelmente por causa disso, Rafael. Não deixe-me dizer. Ele respirou trêmulo. Eu te dei tudo isso. Ele gesticulou para os documentos. Porque quero que você seja livre, completamente livre, sem obrigações, sem contratos, sem dívidas. Para que se você escolher ficar, seja porque quer, porque me ama, não porque precisa. Eloía estava chorando abertamente agora.
E se eu escolher ir?, perguntou ela, voz quebrada. E se eu pegar tudo isso e for embora? A dor que atravessou o rosto dele foi de partir o coração. Então eu vou te deixar ir porque te amo o suficiente para querer sua felicidade acima da minha. Ele beijou suas mãos. Mas antes de você decidir, preciso te perguntar algo. Ele meteu a mão no bolso e tirou uma pequena caixa de veludo.
O coração de Eloía parou. Rafael abriu a caixa revelando um anel não ostentoso ou exagerado, mas perfeito. Uma esmeralda cercada de pequenos diamantes, a pedra do tom exato dos olhos de Eloía. Eloía Maria Santos Monteiro ele disse, voz estrangulada de emoção. Você quer se casar comigo de novo, mas de verdade desta vez.
Não por dívida ou contrato, não para salvar ninguém ou gerar herdeiros, mas porque nos amamos, porque queremos construir uma vida juntos, porque você é minha melhor amiga, minha parceira, minha alma gêmea que eu nunca soube que estava procurando. Ele respirou trêmulo. Eu sei que não mereço você. Sei que fui frio e cruel e idiota.
Mas se você me der uma chance, uma chance real, eu prometo passar cada dia do resto da minha vida te fazendo feliz, te fazendo sentir amada, te mostrando que você é a melhor coisa que já aconteceu comigo. Você é impossível, soluçou Eloía, rindo e chorando ao mesmo tempo, completamente terrivelmente impossível.
“É sim ou não, amor?”, perguntou ele, sorrindo através das lágrimas. “Está me matando aqui?” “Sim.” Ela puxou-o para cima, para seus braços. Sim, sim, mil vezes, sim, seu tolo lindo e impossível. Rafael deslizou o anel em seu dedo e se encaixou perfeitamente. Claro que sim.
Ele havia medido secretamente enquanto ela dormia semanas atrás. Eles se beijaram longamente e profundamente, despejando meses de dor e medo e amor não dito naquele único beijo. Quando se separaram, Rafael colocou as mãos no ventre de Eloía, sentindo Luna chutar vigorosamente. “O que você acha, pequena?”, murmurou ele. “Seus pais vão se casar de verdade. Você aprova?” Um chute forte, respondeu. Eloía riu através das lágrimas.
Acho que ela aprova. Rafael olhou para a mulher que amava, para o ventre que carregava sua filha, e, pela primeira vez em sua vida adulta, sentiu-se completo, inteiro, real. Quando? Perguntou Eloía, “Quando nos casamos? Quando você quiser. Podemos fazer algo pequeno, só nós e algumas pessoas próximas, ou grande, se preferir, ou podemos ir ao cartório amanhã.
Não me importo, contanto que seja real.” Eloía pensou por um momento. Depois que Luna nascer, quero que ela esteja lá. Nossa pequena testemunha. Perfeito. Ele beijou sua testa. Absolutamente perfeito. E enquanto o sol se punha sobre o oceano, pintando o céu de laranjas e rosas, Rafael e Eloía ficaram no apartamento que era dela, realmente legalmente dela, planejando um futuro que não era ditado por contratos ou obrigações, um futuro construído apenas em amor.
Luna Maria Monteiro nasceu numa manhã de abril, quando a primavera explodia em flores por toda a Florianópolis. O trabalho de parto começou às 3 da manhã. Eloía acordou com contrações regulares, apertando o braço de Rafael. É hora sussurrou ela, excitamento e medo misturados em sua voz. Rafael, que havia ensaiado mentalmente aquele momento mil vezes, entrou em pânico completo.
Agora, agora, agora? Você tem certeza? Pode ser Brexton Hicks, vamos cronometrar. Você precisa, Rafael. Eloía gritou enquanto outra contração a atingia. Chega de Dr. Monteiro. Preciso do Rafael, meu marido, meu parceiro, e preciso que você me leve ao hospital. Agora isso o despertou.
Ele a ajudou a se vestir, pegou a bolsa de maternidade que havia sido preparada há semanas e a conduziu cuidadosamente para o carro. Durante a corrida até o hospital moinhos de vento, ele segurou sua mão, murmurando encorajamentos enquanto ela respirava através das contrações. Você consegue. Você é a mulher mais forte que conheço e eu estarei com você a cada segundo, prometo.
8 horas depois, depois de trabalho de parto, que foi simultaneamente a experiência mais linda e mais aterrorizante da vida de Rafael, Luna chegou pequena, vermelha, gritando com força impressionante para alguém pesando apenas 3,2 g. “Ela está perfeita”, disse a parteira, limpando a bebê e colocando-a sobre o peito de Eloía. Mas Rafael e Eloía já sabiam.
Ela era perfeita, absolutamente completamente perfeita. Luna tinha cabelos escuros iguais aos de Rafael, mas olhos que pareciam ser verdes como os de Eloía. Ela tinha o nariz delicado de sua mãe e a mandíbula forte de seu pai. “Oi, Luna”, sussurrou Eloía, lágrimas escorrendo por seu rosto enquanto acariciava a cabecinha de sua filha.
Finalmente conhecemos você, meu amor. Rafael estava ao lado delas, uma mão no ombro de Eloía, a outra tocando suavemente a bochecha de Luna. Ele estava chorando sem vergonha. Ela é, ela é tudo, murmurou ele. Vocês são tudo. Luna abriu os olhos, ainda azuis acinzentados como todos os bebês, e pareceu olhar diretamente para ele.
Rafael sentiu algo se romper definitivamente dentro dele. As últimas paredes, os últimos medos, as últimas proteções. Ele era pai, marido, parceiro, família e era exatamente quem sempre quis ser. Os dias que seguiram foram uma confusão bonita e exaustiva de fraldas, mamadas noturnas, privação de sono e amor tão intenso que doia.
Rafael, que havia passado anos ajudando outras mulheres através da maternidade inicial, descobriu que fazer aquilo com sua própria filha era completamente diferente. Ele trocava fraldas com a eficiência de um cirurgião, dava banhos com uma delicadeza que contrastava comicamente com seu tamanho. E de madrugada, quando Luna chorava, ele a pegava no colo e caminhava pelo quarto, cantando canções de ninar francesas que sua mãe havia cantado para ele décadas atrás.
Eloía observava do berço, o coração transbordando, vendo este homem que um dia a havia tratado como um contrato agora derreter completamente diante de uma criança de 3 kg. Você é um pai incrível”, disse ela numa dessas noites, Luna, finalmente adormecida contra o peito de Rafael. “Estou apavorado”, admitiu ele suavemente, aterrorizado de fazer algo errado, de estragar ela, de não ser suficientemente bom. “Você é mais que suficiente.” Eloía tocou seu rosto.
“Você é perfeito para ela, para nós.” Rafael colocou Luna cuidadosamente de volta no berço e voltou para a cama, puxando Eloía para seus braços. Eu te amo”, sussurrou ele. “ma do que pensei ser possível amar qualquer um. Eu também te amo.” Ela beijou seu peito. “Agora durma. Ela vai acordar de novo em duas horas.” Eles riram juntos, exaustos, mas perfeitamente, completamente felizes.
Dois meses depois de Luna nascer, Rafael e Eloía se casaram de novo. Não foi uma cerimônia grande, apenas eles, Luna, Thago, dona Marlene, Dr. Santos e alguns poucos amigos próximos, no Jardim da Mansão, com vista para a Lagoa da Conceição, num final de tarde dourado de outono.
Eloía usava um vestido simples de linho branco, Rafael calças claras e camisa branca sem gravata, mais relaxado do que qualquer um jamais o vira. E Luna, em um carrinho decorado com flores, observava com olhos grandes e curiosos, enquanto seus pais trocavam votos que realmente significavam algo desta vez. “Eu, Rafael Monteiro”, disse ele, voz firme, mas cheia de emoção, segurando as mãos de Eloísa.
Prometo amar você não como obrigação, mas como escolha. Todos os dias escolho você. Escolho nós. Escolho esta família que construímos das ruínas do medo e da solidão. Prometo ser seu parceiro, seu amor, seu melhor amigo nos dias bons e ruins, na saúde e na doença, por todas as nossas vidas.
Eloía estava chorando abertamente, mas eram lágrimas de alegria pura. “Eu, Eloía Santos”, disse ela, apertando suas mãos. Prometo amar você não porque preciso, mas porque quero, porque você é o homem mais impossível, teimoso, maravilhoso que já conheci. Prometo ser sua parceira em tudo, construir este sonho conosco, criar Luna com você e escolher você sempre em cada vida que pudermos ter juntos. Para pelos poderes que me são conferidos, disse o juiz de pai, sorrindo. Eu os declaro marido e mulher.
Rafael, pode beijar sua noiva. E ele a beijou com Luna assistindo, com seus amados observando, com o sol pondo gloriosamente ao fundo. Um beijo que selava não um contrato, mas um compromisso. Não uma transação, mas uma transformação. Três anos depois, o jardim da mansão na Lagoa da Conceição havia mudado drasticamente.
onde antes havia apenas hortênsias perfeitamente aparadas, agora tinha um balanço rosa que Rafael havia instalado, uma casinha de brincar que ele e Thago construíram juntos e canteiros de flores que Eloía e Luna plantavam toda a primavera. Luna, agora com 3 anos e meio, corria pelo jardim com a energia infinita das crianças pequenas, seu vestido amarelo esvoaçando, rindo enquanto perseguia borboletas.
Papai, mamãe, olha!”, gritava ela, apontando para uma borboleta particularmente bonita. Rafael estava recostado numa manta no gramado, a cabeça no colo de Eloía. Ela estava grávida novamente, sete meses, com um menino desta vez. Pedro haviam decidido. “Vemos, Luna”, respondeu ele, sorrindo. “É linda, amor.
” Thago estava ali também com sua noiva Ana, os dois rindo enquanto Luna tentava capturar a borboleta sem sucesso, “Graças a Deus. “Ela tem sua teimosia”, comentou Eloía, passando os dedos pelos cabelos de Rafael. “E sua gentileza”, rebateu ele, olhando para cima para ela. “Obrigado. Por quê? Por tudo, por não desistir de mim, por ver o homem que eu poderia ser quando eu só via o monstro que era, por me dar esta vida, ele colocou a mão sobre seu ventre, sentindo Pedro chutar. Esta família impossível e perfeita.
Eloía se inclinou e o beijou suavemente. Você se salvou, Rafael. Eu só te mostrei que você merecia ser salvo. Luna correu até eles, jogando-se sobre Rafael com a força de um pequeno míssil humano. Papai, vamos balançar. Vamos, princesa. Ele se levantou, pegando-a nos braços. Ela riu, enrolando os braços ao redor de seu pescoço.
Eloía observou enquanto Rafael empurrava Luna no balanço, a menina gritando de alegria. Viu como ele olhava para ela com amor tão puro que era quase cegante. Viu a família que haviam construído, não de obrigação ao contrato, mas de escolha e amor e segundas chances. Tiago se sentou ao lado dela. “Você está feliz, irmã?”, perguntou ele suavemente.
Eloía olhou ao redor para Luna rindo, para Rafael sorrindo, para o bebê crescendo dentro dela, para o irmão que amava, para a dona Marlene saindo de casa com uma bandeja de limonada fresca, para esta vida que quase não tiveram, esta família que quase não existiu. Estou mais que feliz, respondeu ela, lágrimas de gratidão nos olhos. Estou completa.
E enquanto o sol se punha sobre a Lagoa da Conceição, pintando o céu de laranjas e rosas impossíveis, a família que nasceu de um contrato frio celebrava algo que nenhum contrato poderia capturar. Amor verdadeiro. Não o tipo de contos de fadas onde tudo é fácil, mas o tipo real. O tipo que luta através de dor e medo e orgulho.
O tipo que escolhe ficar quando seria mais fácil partir. O tipo que transforma estranhos em família. O tipo que salva. Rafael olhou para Eloía por sobre a cabeça de Luna e ela sorriu de volta, sem palavras necessárias. Eles haviam encontrado um ao outro no lugar mais improvável e haviam construído um para sempre, que valia cada lágrima, cada luta, cada momento de quase perder tudo.
Porque as melhores histórias descobriram, não são sobre finais perfeitos, são sobre começos imperfeitos que se transformam em amor inquebrantável. M.
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