Ei, me conta aqui nos comentários de onde você está assistindo esse vídeo. Quero saber de qual cidade você é. Se inscreve no canal e deixa aquele like para eu saber que você quer mais histórias assim, combinado? Então, vamos lá.

A chuva batia com fúria nas janelas do escritório modesto, como se o próprio céu compartilhasse do desespero que sufocava a Helena Cavalcante naquele momento. Ela segurava um envelope branco com as mãos trêmulas, os olhos cor de mel fixos nas palavras que dançavam desfocadas à sua frente. Não podia ser verdade. Simplesmente não podia.

Papai, o que é isso? Sua voz saiu num fio rouco quebrando no final da frase. Edmundo Cavalcante estava sentado atrás da velha mesa de Mogno com a cabeça entre as mãos. Aos 62 anos, ele parecia ter envelhecido uma década em poucas semanas. Os cabelos grisalhos estavam despenteados, os olhos vermelhos e fundos. A barba, por fazer, denunciava noite sem dormir. Helena, minha filha.

Ele levantou o rosto e ela viu lágrimas escorrendo pelas bochechas enrugadas do pai. Eu fui um tolo. Um velho tolo que acreditou em promessas bonitas e investimentos miraculosos. O coração de Helena afundou. Ela puxou a cadeira e sentou-se pesadamente, ainda segurando o envelope.

Dentro dele, o resumo da falência iminente da empresa familiar, dívidas astronômicas, processos judiciais, a possibilidade real de perderem tudo, a casa onde ela cresceu, as memórias de 30 anos, a dignidade que sustentava o nome cavalcante à gerações. “Como, como isso aconteceu?” Edmundo engoliu seco, limpando o rosto com as costas da mão num gesto quase infantil.

Aquele consultor financeiro, o Mendes, ele me convenceu a investir todo o nosso capital de giro numa operação que prometia triplicar o valor em se meses. “Imóveis em Dubai”, ele disse, “ma oportunidade única.” A voz dele quebrou. Era tudo fraude, Helena. Ele desapareceu com o dinheiro de dezenas de empresários. Estamos arruinados.

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor, preenchido apenas pelo tamborilar implacável da chuva. Helena sentia o peito apertado, como se uma mão invisível esmagasse seus pulmões. Sua mãe estava em tratamento para diabetes. Seu irmão mais novo cursava medicina.

A falência não destruiria apenas o negócio, destruiria toda a estrutura que mantinha a família de pé. Existe alguma saída? Algum empréstimo? Alguma Existe uma. Edmundo interrompeu, mas o tom de voz fez o estômago de Helena revirar. Havia algo errado ali, algo que seu pai temia dizer. Que saída, papai. O homem se levantou lentamente e caminhou até a janela, ficando de costas para a filha.

Seus ombros estavam curvados, derrotados. Ricardo Valente. Helena, conhecia o nome, todo mundo no Rio de Janeiro conhecia. Ricardo Valente, o magnata do mercado imobiliário, 32 anos. bilionário, dono da Valente Incorporações, uma das maiores empresas de construção civil do país. Seu rosto estampava capas de revistas de negócios com regularidade, olhos verdes penetrantes, expressão séria, quase intimidadora, conhecido por ser implacável nas negociações e por nunca jamais perder. O que ele tem a ver com

isso? Ele, Edmundo, virou-se e o que Helena viu no rosto do pai a aterrorizou. culpa, vergonha profunda. Ele ofereceu comprar todas as nossas dívidas, quitá-las integralmente, salvar a empresa. Por um segundo, o coração de Helena saltou de esperança, mas a esperança morreu tão rápido quanto nasceu quando ela viu a expressão paterna. Em troca de quê? De você. O mundo parou.

Helena piscou várias vezes, certa de que havia ouvido errado. Como assim, de mim? Ele quer se casar com você. As palavras saíram num jato apressado, como se Edmundo precisasse cuspi-las antes que se engasgasse nelas. Um casamento arranjado, contratual, por dois anos. Helena sentiu o sangue drenar do rosto. Levantou-se tão bruscamente que a cadeira tombou para trás com um estrondo.

Você está Você está brincando? Isso é loucura. Helena, por favor, me escuta? Não. A palavra saiu num grito que ecoou pelas paredes. Você quer me vender como se eu fosse mercadoria. Não é assim. Edmundo caminhou em direção à filha, mas ela recuou, abraçando o próprio corpo. Ele precisa de uma esposa para fechar um negócio importante.

Investidores internacionais, conservadores que valorizam estabilidade familiar. Solteiro, aos 32 anos, ele está sendo pressionado. É só aparências. Aparências. Helena riu. Um som sem humor, quase histérico. Você quer que eu case com um estranho que eu sacrifique minha vida por aparências? Pela família. A voz de Edmundo falhou. Sua mãe precisa dos remédios, das consultas.

Seu irmão está há um ano de se formar. Se perdermos tudo agora, Helena, eu não aguento ver vocês sofrendo por causa dos meus erros. As lágrimas finalmente escorreram pelo rosto de Helena, silenciosas e quentes. Ela olhou para o pai, aquele homem que sempre fora seu herói, que a ensinara a andar de bicicleta, que aplaudira em sua formatura, que prometera que ela sempre poderia escolher seu próprio destino.

“Como você pode fazer isso? Porque estou desesperado.” Edmundo afundou de joelhos no chão, soluçando, porque não vejo outra saída. Mas se você disser: “Não, filha, eu entendo. Eu não tenho direito de pedir isso”. Helena fechou os olhos tentando organizar os pensamentos que giravam caoticamente em sua mente. 24 anos.

Formada em administração havia 2 anos, trabalhando em uma pequena empresa de consultoria, sonhando em fazer carreira, talvez viajar pelo mundo. Sua vida estava apenas começando e agora lhe oferecia um cálice envenenado. Sacrificar sua liberdade ou ver sua família desmoronar? Eu preciso pensar. Sua voz saiu plana. Sem emoção. Helena, eu disse que preciso pensar. Ela saiu do escritório cambaleando as pernas fracas.

Do lado de fora, a chuva havia diminuído para uma garoa fina. Helena sentou-se no banco de praça em frente ao prédio, deixando a água molhar seus cabelos castanhos, indiferente ao frio que penetrava seu casaco. Um casamento por contrato.

A ideia era absurda, medieval, mas quando ela fechava os olhos, via o rosto da mãe, frágil e pálido na última consulta médica. Via o irmão Bruno, tão empolgado falando sobre estágios hospitalares. Via o pai, que sempre fora forte, agora quebrado pela própria estupidez. Três dias depois, Helena estava sentada num escritório que parecia saído de uma revista de arquitetura.

Piso de mármore italiano, janelas do chão ao teto com vista para o Cristo Redentor. Móveis de design que provavelmente custavam mais que um carro popular. Tudo ali gritava poder, sucesso, frieza. E então ele entrou. Ricardo Valente era ainda mais imponente pessoalmente. 1,85 m de altura, ombros largos sob um terno cinza perfeitamente talhado, cabelos pretos penteados para trás, mandíbula marcada, olhos verdes que pareciam atravessar Helena como raios X.

Ele caminhava com a confiança de quem sabia que o mundo se movia ao seu comando. Senrita Cavalcante, ele não ofereceu a mão, apenas acenou para a cadeira de couro em frente à mesa. Sente-se, não era um convite, era uma ordem. Helena obedeceu, sentindo-se subitamente pequena naquele ambiente opressor. Ricardo sentou-se atrás da mesa e abriu uma pasta, os olhos percorrendo documentos que ela não conseguia ver. Imagino que seu pai tenha explicado a proposta. explicou.

A voz de Helena saiu mais firme do que ela esperava. Mas eu gostaria de ouvir de você. Por que diabos um homem como você precisa comprar uma esposa? Os olhos verdes se ergueram e algo parecido com surpresa piscou neles por uma fração de segundo. Aparentemente ele não esperava confronto direto. Direta. Gosto disso.

Ricardo recostou-se na cadeira, entrelaçando os dedos. Vou ser igualmente direto. Estou fechando o maior negócio da minha carreira. um consórcio de investimento com um grupo do Oriente Médio. Eles são extremamente conservadores. Para eles, um homem solteiro aos 32 anos é instável, não confiável. Querem ver que tenho raízes, compromisso, família.

E você não pode simplesmente namorar alguém? Namoro é incerto, pode terminar. Eles querem casamento”, ele falou como se discutisse uma transação comercial qualquer. Eu poderia procurar alguém disposta a fazer isso por interesse próprio, mas essas pessoas tendem a ser complicadas. Querem mais do que o combinado. Seu pai me ofereceu uma solução limpa. Você precisa de dinheiro. Eu preciso de uma esposa.

Temporariamente. Helena sentiu a Billy subir na garganta. E você acha que eu vou concordar com isso? Que vou vender minha vida por dois anos. Ricardo interrompeu, empurrando um documento grosso pela mesa. Um contrato de dois anos. Você mora comigo, aparece em eventos sociais ao meu lado, mantém as aparências.

Em troca, quito todas as dívidas do seu pai, garanto um salário mensal para você e ao final do contrato ainda pago uma quantia considerável pela inconveniência. Helena pegou o contrato com mãos trêmulas. As páginas estavam repletas de cláusulas jurídicas em letra miúda. Ela reconheceu termos como aparições públicas obrigatórias, manutenção de imagem, confidencialidade estrita, quartos separados.

Ricardo continuou como se lesse uma lista de supermercado. Nenhuma expectativa de intimidade física, a menos que ambas as partes concordem. Você é livre para trabalhar, estudar, ter sua vida durante o dia. Apenas precisa estar disponível quando eu precisar de você para eventos. Simples assim. Simples. Helena riu sem humor.

Você está pedindo que eu fja ser sua esposa por dois anos e chama isso de simples? Estou oferecendo uma solução para seu problema. Os olhos dele se estreitaram e, sendo honesto sobre o que isso é, um acordo de negócios, nada mais, nada menos. Helena foliou o contrato sentindo o peso das palavras. Ali estava sua liberdade, impressa em papel timbrado e validada por advogados caros. Ali estava o preço da sua família.

E se eu disser não? Ricardo deu de ombros indiferente. Você diz não. Seu pai vai à falência e eu encontro outra pessoa disposta a aceitar a oferta. Existem muitas mulheres que matariam por essa oportunidade. A arrogância casual na voz dele fez algo dentro de Helena se inflamar. Ela bateu a mão na mesa com força suficiente para fazer Ricardo piscar de surpresa. Não confunda desespero com fraqueza, Senr. Valente.

Se eu aceitar isso, não é porque eu quero sua vida luxuosa ou seu dinheiro. É porque minha família precisa. E eu vou deixar muito claro desde já. Você pode ter comprado meu tempo, mas não comprou quem eu sou, entendeu? Por um longo momento, Ricardo apenas a encarou.

Então, incrivelmente, um sorriso mínimo curvou o canto da boca dele. Não era caloroso, mas carregava algo que poderia ser respeito. Entendido. Ele empurrou uma caneta na direção dela. Então, temos um acordo. Helena olhou para a caneta como se fosse uma serpente venenosa. Cada fibra do seu ser gritava para ela se levantar e sair dali correndo. Mas então ela pensou na mãe tomando insulina com as mãos trêmulas.

No pai, derrotado e envelhecido da noite para o dia, no irmão, que não fazia ideia de quão perto estava de ter que abandonar a faculdade. Com um nó na garganta que ameaçava sufocá-la, Helena pegou a caneta. Isso é puramente business. Ricardo disse, observando-a assinar cada página com movimentos rígidos. Você é um investimento necessário, nada mais. As palavras perfuraram Helena como adagas geladas. Investimento.

Era assim que ele havia. Não como pessoa, não como mulher, como uma peça num tabuleiro de xadrez empresarial. Quando ela assinou a última página, Ricardo estendeu a mão finalmente. Bem-vinda à família Valente, Helena. O aperto de mão dele era firme, profissional, frio. Helena o encarou diretamente nos olhos verdes, recusando-se a demonstrar fraqueza.

“Não confunda isso com felicidade, Ricardo”, ela sussurrou. Você pode ter minha assinatura num papel, mas meu coração, esse nunca será seu. Ela não viu a forma como a mandíbula dele se contraiu levemente, como os dedos se fecharam com mais força por uma fração de segundo antes de soltá-la.

Helena saiu daquele escritório com uma certeza gelada, se instalando em seu peito. Ela havia acabado de vender sua alma e, por mais que tentasse se convencer de que era temporário, controlado, uma parte dela sussurrava que algumas portas, uma vez abertas, nunca mais se fecham da mesma forma. Do lado de fora, o sol do rio brilhava indiferente sobre a cidade, alheio ao fato de que Helena Cavalcante havia deixado de ser livre.

O que nenhum dos dois percebia naquele momento era que contratos podem ser quebrados, mas corações, uma vez envolvidos, raramente saem ilesos. E o destino tinha planos muito diferentes dos que estavam escritos naquelas páginas. Uma semana depois, Helena estava diante do prédio mais luxuoso que já vira na vida. Leblon, zona nobre do rio, o edifício residencial, erguia-se com seus 20 andares de vidro espelhado, refletindo o azul do oceano há poucos quarteirões dali.

O porteiro a cumprimentou com reverência exagerada ao ver seu nome na lista de moradores. Bem-vinda, senhora Valente. O senhor está aguardando, senhora Valente. As palavras soaram estranhas aos seus ouvidos. Três dias atrás haviam se casado num cartório em cerimônia relâmpago apenas com as testemunhas legais, sem festa, sem família, sem ilusões.

Ricardo assinara os papéis com a mesma expressão de quem assina um contrato de fornecimento. Helena havia usado um vestido branco simples que já tinha no armário, recusando-se a gastar com algo que simbolizava uma mentira. O elevador privativo a levou direto ao 20º andar. As portas se abriram não para um corredor, mas diretamente para dentro do apartamento.

Helena deu um passo para a frente e teve que conter uma exclamação. A cobertura do Plex era algo saído de uma revista de arquitetura de luxo. O piso de mármore branco brilhava impecável sob as luzes embutidas. As paredes eram predominantemente brancas, decoradas com algumas obras de arte abstratas que provavelmente custavam mais que um carro.

À esquerda, uma sala de estar enorme, com sofás de couro cinza, uma TV de tela gigante e estantes repletas de livros organizados por tamanho e cor, mais decoração que biblioteca real. À direita, uma sala de jantar com mesa de vidro para 12 pessoas. E logo à frente, janelas imensas do chão ao teto ofereciam uma vista panorâmica de tirar o fôlego, o mar de Leblon brilhando ao sol da tarde, o morro dois irmãos ao fundo, a cidade se estendendo em tons de verde e concreto. Era lindo e absolutamente sem vida.

Não havia fotografias, nenhum objeto pessoal à vista, nenhuma bagunça, nenhuma marca de que alguém realmente vivia ali. Era como um showroom, perfeito e intocável. Seu quarto é no segundo andar. A voz de Ricardo veio de algum lugar à esquerda. Helena virou-se e o viu saindo do que parecia ser um escritório, laptop na mão, já vestido casualmente, com uma camisa social azul marinho com as mangas dobradas e calça social preta.

Mesmo em casa, ele mantinha aquele ar de executivo. Primeira porta à direita. Suas coisas já foram levadas para lá. Helena piscou, processando. Como assim minhas coisas? Mandei uma equipe buscar no seu apartamento. Roupas, objetos pessoais, livros. Tudo está no seu closet agora. Ele falou como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Se falta algo, me avise que providencio. Uma onda de invasão invadiu Helena. Ela nem havia se despedido adequadamente do seu pequeno apartamento de um quarto em Botafogo, aquele espaço apertado, mas aconchegante, onde vivera sozinha nos últimos dois anos, decorado com suas próprias escolhas, cheio de suas memórias.

Você não tinha o direito de fazer isso sem me consultar. Ricardo a olhou como se ela tivesse dito algo incompreensível. Por que perder tempo? Você ia se mudar de qualquer forma. Otimizei o processo. Otimizou. Helena repetiu, sentindo a raiva borbulhar. Isso não é uma fusão empresarial, Ricardo. São minhas coisas, minha vida. Ele suspirou, passando a mão pelos cabelos negros num gesto que ela logo aprenderia a ser de impaciência.

Helena, vamos estabelecer algo desde já. Eu fiz isso para facilitar sua transição. Se prefere interpretar como invasão de privacidade, problema seu. Mas eu tenho uma empresa para tocar e não tempo para microgerenciar sua mudança. Antes que Helena pudesse responder, ele continuou caminhando pela sala enquanto apontava diferentes direções.

Cozinha ali, mas temos uma cozinheira que vem três vezes por semana preparar refeições, lavanderia no fim do corredor, mas a governanta cuida disso. Você tem acesso a todos os cômodos, exceto o meu escritório e meu quarto. Wi-Fi é automático, sem a impressa naquele cartão sobre o balcão. Ele gesticulou vagamente. Alguma dúvida? Muitas. Helena cruzou os braços.

Mas a principal é quando você vai parar de falar comigo como se eu fosse uma nova funcionária? Ricardo parou, virando-se para encará-la. Aqueles olhos verdes a estudaram com uma intensidade desconfortável. Você não é funcionária, é minha esposa no papel. Exatamente, no papel. Então não precisa fingir que isso é algo além do que é, mas também não precisa me tratar como mobília.

Por um momento, algo indefinível passou pelo rosto de Ricardo, quase como desconforto, mas foi tão rápido que Helena achou que imaginou. Entendido. Ele olhou para o relógio caro no pulso. Tenho uma videoconferência em 10 minutos. Explore à vontade. Seu cartão de crédito está no envelope sobre a bancada da cozinha sem limite. Use para o que precisar.

E assim, sem mais palavras, ele voltou para o escritório e fechou a porta. Helena ficou parada no meio daquela imensidão branca e gelada, sentindo-se menor do que nunca. Ela subiu à escada flutuante de mármore até o segundo andar, encontrando um corredor com quatro portas. A primeira à direita estava entreaberta. Seu quarto, ou melhor, sua suíte, era enorme.

Uma cama king size com lençóis brancos pristinos ocupava o centro, ladeada por criados mudos de madeira escura. Um sofá cinza ficava próximo à janela, que também oferecia vista para o mar. À esquerda, uma porta levava a um banheiro maior que toda a sala do seu antigo apartamento. Banheira de hidromassagem, box de vidro, duas pias, tudo em mármore e metais dourados. À direita, o closet. Helena entrou e teve que admitir.

Eles haviam organizado tudo perfeitamente. Suas roupas estavam penduradas por categoria e cor, seus sapatos alinhados em prateleiras iluminadas. Seus livros, ela se surpreendeu com isso, organizados numa estante especial no canto. Era tudo perfeito, luxuoso, impessoal. Helena sentou-se na cama, passando as mãos pelo tecido macio do edredon. De repente, tudo aquilo pareceu real demais.

Ela estava morando com um estranho, casada com um homem que mal olhava para ela como ser humano, presa numa gaiola dourada, onde cada respiro custava um pedaço da sua alma. As lágrimas vieram antes que ela pudesse contê-las, silenciosas, deslizando pelas bochechas enquanto ela abraçava um dos travesseiros, abafando os soluços.

Duas semanas se passaram numa rotina estranha e mecânica. Ricardo saía cedo para a empresa antes de Helena acordar. Voltava tarde, geralmente carregando o laptop e se trancava no escritório. Eles mal trocavam palavras além de bom dia e boa noite vagos. A cozinheira, dona Márcia, uma senhora gordinha e simpática, era praticamente a única interação humana calorosa de Helena.

Ela preparava refeições deliciosas que Helena comia sozinha na mesa enorme, enquanto Ricardo se alimentava no escritório entre reuniões. “Esse menino trabalha demais”, dona Márcia comentou certa tarde enquanto preparava um ensopado. Sempre foi assim. Desde que começou a morar aqui, 5 anos atrás, nunca vi ele parar. Helena, que estava sentada no balcão da cozinha observando, perguntou: “Ele não tem amigos?” Família? Família? Não muito.

Os pais se divorciaram quando ele era criança. A mãe mora na Europa com o terceiro marido. O pai faleceu faz uns 8 anos. Era só os dois, mas eram distantes. Dona Márcia abaixou a voz conspirando. Acho que por isso ele é tão fechado, sabe? Nunca aprendeu a ser próximo de ninguém. Helena absorveu a informação, sentindo uma pontada involuntária de algo parecido com empatia.

Ela não queria sentir pena de Ricardo. Ele havia transformado a vida dela numa transação comercial. Mas era impossível não imaginar um menino crescendo sozinho naquele mundo frio de negócios. A primeira obrigação contratual aconteceu numa sexta-feira. Ricardo a informou por mensagem de texto, porque conversar pessoalmente era aparentemente complicado demais, que eles tinham um jantar de gala beneficente naquela noite. Vista algo elegante. Busco você às 19.

R Helena riu da falta de cerimônia. Nenhum, por favor. Mas ela cumprira sua parte do acordo. Foi até o shopping, usando o cartão de crédito sem limite, com uma satisfação petulante, e comprou um vestido de gala azul marinho, que realçava sua pele morena e descia até o chão em camadas de seda. Fez maquiagem, prendeu os cabelos castanhos num coque elegante, colocou os brincos de pérola que haviam sido da avó.

Quando desceu às 19 horas pontualmente, Ricardo já estava esperando. Ele usava um smoking preto impecável, o cabelo perfeitamente penteado, os olhos verdes parados nela. Helena parou no meio da escada ao notar o jeito que ele a olhava. Não era o olhar indiferente de sempre. Havia algo diferente ali.

Surpresa, admiração, mas foi tão breve que ela achou que imaginou, porque um segundo depois Ricardo verificava o relógio com impaciência. pontual. Bom, vamos no carro. Um Mercedes preto dirigido por um motorista silencioso. Ricardo finalmente falou: “Alguns empresários importantes estarão lá. Mantenha conversas leves. Sorria para fotografias. Segure meu braço quando pedido.

” Ele falava como se instruísse uma atriz para uma cena. Se perguntarem como nos conhecemos, diga que foi através de amigos em comum. Nada de detalhes. Eu sei mentir. Obrigada. Helena retrucou, olhando pela janela. Isso não é mentira, é gestão de imagem. Se isso te ajuda a dormir à noite.

Ela sentiu mais do que viu o olhar cortante que ele lhe lançou, mas nenhum dos dois disse mais nada até chegarem ao hotel Cinco Estrelas em Copacabana. O salão de festas era opulento, lustres de cristal, mesas decoradas com arranjos de rosas brancas, garçons circulando com bandejas de champanhe, mulheres em vestidos de grife, homens em smokings caros, todos rindo e conversando numa sinfonia de afetação.

Ricardo colocou a mão na base das costas de Helena, o primeiro toque dele desde o aperto de mão no dia da assinatura do contrato, e a guiou para dentro. O toque era impessoal, mas a mão era grande e quente contra o tecido fino do vestido, fazendo Helena se arrepiar involuntariamente. Valente, um homem corpulento de uns 50 anos acenou, aproximando-se com uma mulher loira no braço. Que bom te ver, rapaz.

Moreira, prazer. Ricardo apertou a mão do homem, depois se virou ligeiramente. Esta é minha esposa, Helena. Esposa? A palavra suou tão estranha. Que surpresa encantadora. A mulher loira sorriu, mas os olhos dela analisavam Helena de cima a baixo, claramente calculando quanto custava cada peça da sua roupa. Não sabíamos que você havia se casado, Ricardo. Foi tudo tão repentino.

Quando você encontra a pessoa certa? Para que esperar? Ricardo respondeu e o braço dele se fechou um pouco mais em torno da cintura de Helena, puxando-a para mais perto. Ela sentiu o corpo dele contra o seu lado, sólido e desconcertantemente presente. Eles conversaram amenidades por alguns minutos.

Helena sorriu nos momentos certos, fez observações educadas, representou o papel de esposa orgulhosa perfeitamente, mas por dentro ela se sentia sufocada. Cada risada falsa, cada toque encenado era uma traição a si mesma. A noite se arrastou numa sucessão de apresentações, fotos e conversas vazias.

Ricardo a mantinha sempre por perto, tocando seu cotovelo, sua mão, suas costas, toques breves e calculados, nunca íntimos, apenas o suficiente para manter a ilusão. Helena percebeu os olhares curiosos, os sussurros mal disfarçados. Ouvi dizer que o pai dela está em dificuldades financeiras. Uma voz feminina coxixou atrás delas enquanto esperavam na fila do buffet. Coincidência interessante, né? Casamento relâmpago logo depois.

Outra voz respondeu mordaz. Helena sentiu o sangue ferver. Ricardo aparentemente também ouviu, porque seus dedos se apertaram levemente em torno do braço dela. “Ignore!”, ele murmurou perto do ouvido dela, tão baixo que só ela ouviu. “Gente fútil sempre encontra o que falar. Fácil para você dizer.

” Helena sussurrou de volta, mantendo o sorriso no rosto. “Você não é o objeto de fofoca, acredite. Sou sempre fui. Você aprende a não ligar.” Havia algo no tom dele, cansaço talvez, que fez Helena olhá-lo de relance, mas o rosto de Ricardo era a máscara de sempre, impassível, controlado, impenetrável. Finalmente, após o que pareceram horas intermináveis, eles estavam de volta ao carro.

Helena tirou os sapatos de salto alto com um suspiro de alívio, massageando os pés doloridos. Você se saiu bem?” Ricardo comentou, olhando pelo celular convencente. “Que bom que passei no teste. Helena não se preocupou em esconder o sarcasmo.

Ele ergueu os olhos do aparelho, aquela linha que se formava entre as sobrancelhas, indicando irritação. Por que toda essa hostilidade? Nós dois concordamos com isso. Ninguém colocou uma arma na sua cabeça. Não. Helena virou-se para encará-lo. Toda a frustração das últimas semanas finalmente transbordando. Só colocaram minha família inteira como refém. Pequeno detalhe. Eu ofereci uma solução.

Não criei o problema do seu pai que está muito confortável com isso, não está? Comprando pessoas. Ela viu a mandíbula dele contrair. Deve ser ótimo ser tão rico que pode simplesmente adquirir o que quiser, inclusive uma esposa sob medida. Ricardo se virou completamente para ela. E havia algo diferente naqueles olhos verdes agora. Raiva, mágoa, era difícil dizer na penumbra do carro.

Você não sabe nada sobre mim, Helena. não sabe nada sobre o que eu quero ou deixo de querer. A voz dele saiu baixa, controlada, mas vibrando com emoção contida. Mas já que quer me julgar, vai em frente. Isso muda alguma coisa? Não. Então, sugiro que você economize sua energia para o que realmente importa.

Cumprir o contrato que você assinou voluntariamente. O silêncio que se seguiu foi glacial. Helena virou-se para a janela, abraçando a si mesma, sentindo lágrimas ardendo nos olhos, mas recusando-se terminantemente a deixá-las cair na frente dele. Quando chegaram à cobertura, Ricardo foi direto para o escritório sem dizer boa noite.

Helena subiu para seu quarto, fechou a porta e, finalmente, permitiu-se chorar. Ela olhou pela janela para as luzes da cidade, piscando indiferentes lá embaixo. E pela primeira vez desde que assinara aquele contrato, Helena se perguntou se não havia cometido o maior erro da sua vida. 2 anos. Faltavam 1 ano, 11 meses e duas semanas.

Como ela sobreviveria? E enquanto Helena chorava em seu quarto de prisão dourada do outro lado do corredor, Ricardo estava sentado no escuro do escritório com a cabeça nas mãos. perguntando-se por as palavras dela haviam doído tanto, porque ele se importava com o que aquela mulher pensava dele e porque pela primeira vez em anos ele se sentia completamente sozinho.

Três semanas de viver naquela rotina sufocante foram suficientes para Helena perceber que enlouqueceria se não mudasse algo. As manhãs se arrastavam em silêncio opressor. Ela acordava, tomava café sozinha na cozinha enorme. Depois nada. lia livros, assistia séries, vagava pelos cômodos como um fantasma elegante.

Ricardo continuava sua existência paralela, saindo cedo, voltando tarde, comunicando-se apenas através de mensagens curtas quando havia algum evento social. Eles haviam comparecido a mais dois jantares empresariais, cada um uma repetição dolorosa do primeiro. Sorrisos falsos, toques ensaiados, mentiras empacotadas em conversas educadas. Mas o pior era o vazio, o sentimento corrosivo de que sua vida havia pausado enquanto o mundo continuava girando lá fora. Numa quarta-feira pela manhã, Helena tomou uma decisão.

Vestiu uma calça social preta, uma blusa branca comportada, prendeu os cabelos num rabo de cavalo e pegou sua pasta com currículos atualizados. Ela estava saindo pela porta quando ouviu a voz de Ricardo vindo do escritório. Aonde você vai? Helena virou-se. Ele estava na soleira da porta, de braços cruzados, aquele olhar inquisidor fixo nela.

Estava usando óculos de grau. Ela não sabia que ele usava óculos, o que lhe dava uma aparência levemente diferente, quase acessível. Procurar emprego. As sobrancelhas escuras se ergueram. Por quê? Por quê? Helena riu sem humor. Porque não aguento mais ficar aqui apodrecendo, Ricardo? Porque eu tenho 24 anos e uma vida inteira pela frente.

Porque eu não nasci para ser um enfeite na sua prateleira. Ricardo tirou os óculos, passando a mão pelo rosto, num gesto que ela já reconhecia como sinal de irritação. Você não precisa trabalhar, tem tudo o que precisa aqui. Uma mesada generosa, tempo livre. Tempo livre para quê? Para ficar sentada esperando você me chamar quando precisa de uma acompanhante.

Helena deu um passo em sua direção, sentindo a frustração acumulada de semanas finalmente transbordando. “Eu sou uma pessoa, Ricardo. Eu tenho ambições, sonhos, objetivos que não envolvem ser sua esposa de mentira. Você assinou um contrato que não me proíbe de trabalhar.” Ela o interrompeu. “Verifique se quiser.” Eu li cada palavra daquele maldito documento.

Em nenhum lugar diz que eu tenho que ficar trancada aqui como uma boneca de porcelana. Eles se encararam. Ricardo tinha alguns centímetros a mais de altura, mas Helena se recusava a se intimidar. Ela viu a mandíbula dele contrair, os dedos se fecharem e abrirem numa espécie de agitação contida. “Faça o que quiser”, ele disse finalmente, a voz saindo fria como gelo, desde que não atrapalhe nossas obrigações contratuais.

Mas não venha reclamar quando perceber que trabalhar e manter as aparências é mais cansativo do que imagina. Ele voltou para o escritório e fechou a porta com um pouco mais de força do que o necessário. Helena saiu do apartamento com o coração martelando. Parte raiva, parte triunfo. Ela ia fazer aquilo funcionar e provar que era mais do que um acessório. Nas duas semanas seguintes, Helena enviou currículos, participou de entrevistas e enfrentou algumas rejeições desanimadoras.

Alguns empregadores ficavam visivelmente desconfortáveis quando ela mencionava casualmente que havia se casado recentemente. Ela usava seu nome de solteira nos currículos, mas a verificação de referências invariavelmente revelava seu novo estado civil. Senora Cavalcante, o gerente de RH de uma agência de publicidade havia dito desconfortável: “Com todo respeito, seu marido é o Ricardo Valente.

Por que você precisa deste emprego? A pergunta implícita era clara. Por que uma mulher casada com um bilionário quereria trabalhar num cargo júnior? Mas Helena não desistiu e finalmente, numa manhã chuvosa de quinta-feira, recebeu a ligação que mudaria tudo. “Senhorita Cavalcante?” Uma voz masculina, gentil e levemente aveludada. “Aqui é Dante Moret, da Moret em Associados.

Recebemos seu currículo e ficamos muito impressionados. teria disponibilidade para uma entrevista hoje à tarde. O coração de Helena acelerou. Sassim, claro. Que horas? Que tal às 3? Nosso escritório fica em Botafogo, rua Voluntários da Pátria. Helena anotou todos os detalhes, as mãos tremendo de ansiedade e expectativa.

Moret em Associados era uma empresa de consultoria e marketing empresarial respeitada, conhecida por trabalhar com grandes clientes. Não era gigante como as corporações, mas tinha reputação sólida. Ela se arrumou cuidadosamente, terno cinza, maquiagem discreta, cabelos soltos, mas bem penteados. pegou um Uber até Botafogo, sentindo borboletas no estômago. O escritório ocupava o démo andar de um prédio comercial. A recepção era moderna, mas acolhedora.

Plantas naturais, sofás confortáveis, luz natural entrando pelas janelas, muito diferente do ambiente gélido da Valente Incorporações. Helena Cavalcante, uma recepcionista sorriu. O Senr. Morete já está esperando por aqui. Ela foi conduzida por um corredor até uma sala de reuniões envidraçada e então ela o viu.

Tante Moret era impressionante, não da forma imponente e intimidadora de Ricardo, mas de uma maneira diferente, mais suave. Ele tinha uns 38 anos, cabelos castanho escuros, com fios prateados nas têmporas que lhe davam ar distinto. Olhos azuis inteligentes, porte elegante, mas descontraído.

Usava uma camisa social azul clara, com as mangas dobradas, sem gravata, e sorriu ao vê-la entrar. Um sorriso genuíno que alcançava os olhos. Helena, ele se levantou, estendendo a mão. O aperto era firme, mas caloroso. Prazer em conhecê-la pessoalmente. Por favor, sente-se. Quer café, água? Água estaria ótimo. Obrigada. Dante serviu dois copos de água de uma jarra com rodelas de limão na mesa e sentou-se numa cadeira ao lado dela, não cabeceira autoritária.

Era um gesto sutil, mas que estabelecia um tom de igualdade. Então, Helena, ele abriu uma pasta com seu currículo, formada em administração, experiência em consultoria júnior, excelentes referências. Mas o que realmente me chamou a atenção foi sua carta de apresentação. Você escreveu sobre querer ajudar empresas a construir conexões humanas reais, não apenas transações.

Isso ressoa muito com nossa filosofia aqui. Helena sentiu o rosto esquentar, surpresa de que ele realmente tivesse lido sua carta. Eu acredito que no fim negócios são feitos por pessoas e pessoas respondem à autenticidade, não a scripts corporativos. Exatamente. Dante bateu na mesa animado.

Você não imagina quantos consultores eu entrevisto que só sabem falar em Kis e métricas, mas esquecem que do outro lado, há seres humanos tomando decisões baseadas emoções, valores, conexões. Eles conversaram por quase uma hora. Dante fez perguntas inteligentes, ouviu atentamente suas respostas, compartilhou histórias sobre a empresa e sua visão. Era tão diferente de qualquer entrevista que Helena já fizera.

que ela quase esqueceu que estava sendo avaliada. “Uma última coisa,” Dante disse. E Helena percebeu um leve desconforto na expressão dele. “Vi nas verificações que você se casou recentemente com Ricardo Valente. O estômago de Helena afundou. Laia tudo por água abaixo. Isso vai ser um problema?” “Não.” Dante balançou a cabeça.

“Mas eu seria desonesto se não mencionasse que nossos círculos empresariais às vezes se sobrepõem. A Morete em associados ocasionalmente compete com a Valente incorporações por clientes. Você estaria confortável com isso? Helena respirou fundo. Senr. Morete, vou ser franca. Meu casamento é complicado, mas uma coisa que posso garantir é minha profissionalidade.

Se você me der essa oportunidade, eu nunca traria conflitos pessoais para o trabalho e jamais comprometeria informações confidenciais de nenhum dos lados. Dante a estudou por um longo momento, aqueles olhos azuis parecendo ler além das palavras. Então ele sorriu. Sabe de uma coisa? Eu acredito em você. Ele estendeu a mão novamente. Bem-vinda à equipe, Helena, você começa segunda-feira? Helena apertou a mão dele, sentindo lágrimas de alívio e alegria picar em seus olhos. Segunda-feira é perfeito. Obrigada, senor Moret.

Você não vai se arrepender, Dante. Me chame de Dante. Aqui somos uma equipe, não uma hierarquia rígida. Quando Helena saiu do prédio, ela tinha que se controlar para não pular na rua. pela primeira vez em semanas, não meses, ela se sentia como ela mesma, Helena Cavalcante. Não a esposa de contrato do Ricardo, não a filha desesperada, apenas ela voltou para a cobertura praticamente flutuando.

Ricardo estava na sala surpreendentemente, bebendo um whisky e assistindo a algo no notebook. Consegui. Helena anunciou incapaz de conter o sorriso. Ele ergueu os olhos confuso. O quê? Um emprego. Na morete em associados. Começo segunda. Por uma fração de segundo, algo passou pelo rosto de Ricardo. Surpresa, mas foi substituído rapidamente pela expressão neutra habitual. Morete em associados.

Ele repetiu. E Helena não gostou do tom. Consultoria empresarial? Sim, é uma empresa ótima. O dono Dante Moret parece ser uma pessoa incrível. E Dante Moret. Ricardo interrompeu, colocando o laptop de lado e se levantando. Você sabe quem é ele, meu futuro chefe? Helena cruzou os braços defensiva, um concorrente direto em vários mercados, especialmente no setor imobiliário comercial. E Helena deu de ombros.

Eu não vou trabalhar com informações confidenciais suas, nem as dele. Eu tenho ética profissional. Ricardo deu dois passos em direção a ela e havia algo diferente na postura dele. Tenção, não é sobre ética, é sobre Ele parou passando a mão pelos cabelos. Você não acha conveniente demais ele te contratar sabendo que é casada comigo? Oh, pelo amor de Deus. Helena explodiu. Nem tudo gira em torno de você, Ricardo.

Talvez, apenas, talvez, ele tenha me contratado porque sou boa no que faço. Não foi isso que eu quis dizer. Foi exatamente isso. Helena sentiu todas as frustrações acumuladas voltando à tona. Você não consegue imaginar que alguém me veja como algo além de esposa do Ricardo Valente.

Consegue? Para você, eu sou só uma peça no seu jogo de xadrez empresarial, mas eu sou mais que isso. E Dante, ela parou ao ver a expressão de Ricardo se fechar completamente. Dante, ele repetiu friamente. Primeira base com o chefe já. A bofetada que Helena lhe deu ressoou no silêncio do apartamento como um tiro.

A cabeça de Ricardo virou para o lado com o impacto, uma marca vermelha se formando em sua bochecha. Ele a encarou, os olhos verdes brilhando com algo que ela não conseguia identificar. Raiva, mágoa, choque. Não ouse insinuar isso nunca mais. A voz de Helena tremeu. Você pode ter comprado meu tempo, mas não tem nenhum direito sobre mim. E com certeza não tenho o direito de me desrespeitar dessa forma.

Ela subiu correndo para o quarto, batendo a porta, encostou-se nela, o coração martelando, as mãos ainda tremendo da adrenalina. Lá embaixo, Ricardo permaneceu parado no mesmo lugar por longos minutos, a mão tocando levemente a bochecha, onde a marca dos dedos dela ainda queimava.

Mas não era a dor física que o incomodava, era o vazio crescente no peito e a certeza perturbadora de que estava perdendo controle sobre algo que deveria ser simples e calculável. Helena havia encontrado sua saída, mas nenhum dos dois percebia que aquela decisão, aquele emprego, aquele homem chamado Dante, ia detonar uma cadeia de eventos que testaria não apenas o contrato entre eles, mas algo muito mais perigoso, seus próprios corações.

A segunda-feira amanheceu luminosa, como se o próprio universo estivesse celebrando o novo começo de Helena. Ela acordou cedo, tomou um café reforçado e vestiu um blazer azul marinho sobre uma blusa branca, sentindo-se mais ela mesma do que em meses. Ricardo já havia saído, ou talvez nem tivesse ido dormir. Ela não tinha certeza. Eles não haviam trocado uma palavra desde o incidente da bofetada, quatro dias atrás.

O escritório da Moret em Associados estava movimentado quando ela chegou às 8:30. Dante a recebeu pessoalmente na recepção, sorrindo daquela forma calorosa que já estava se tornando familiar. Helena, bem-vinda ele gesticulou para que ela o seguisse. Vou te apresentar a equipe e mostrar seu espaço. O escritório era openpace, com mesas separadas por divisórias baixas que permitiam interação, mas mantinham alguma privacidade.

Havia cerca de 15 funcionários, a maioria jovens, todos parecendo genuinamente interessados quando Dante a apresentou. Pessoal, esta é Helena Cavalcante, nossa nova analista de marketing. Helena, esta é a melhor equipe que alguém poderia pedir. As apresentações foram calorosas. Marina, uma designer gráfica de cabelos cor- deosa, ofereceu-se imediatamente para almoçarem juntas.

Rodrigo, analista snior, brincou sobre finalmente ter reforços. Até Beatriz, a cisuda gerente financeira, esboçou um sorriso. Seu espaço de trabalho ficava próximo a uma janela. com vista para as copas das árvores da rua. Simples, mas acolhedor. Dante havia deixado uma caneca personalizada com seu nome e uma pequena planta suculenta sobre a mesa.

Para você se sentir em casa? Ele explicou quando ela comentou surpresa. Acredito que ambiente de trabalho importa. As pessoas produzem melhor quando se sentem valorizadas. Era tão diferente de tudo que Helena conhecia sobre o mundo corporativo, especialmente o mundo de Ricardo, onde funcionários eram números em planilhas de produtividade.

Os primeiros dias foram intensos, mas estimulantes. Dante a envolveu num projeto de rebranding para um restaurante que estava expandindo para franquias. Ele não apenas delegou tarefas, ele explicou o contexto, perguntou sua opinião, ouviu suas ideias. O que você acha dessa abordagem? Ele perguntava constantemente: “Como você se sente sobre essa direção?” Helena florescia sob aquela atenção respeitosa.

Suas ideias eram consideradas e implementadas quando boas, gentilmente desafiadas quando precisavam melhorar. Não havia ego, apenas colaboração genuína. Numa quinta-feira, duas semanas após começar, Helena apresentou sua primeira campanha solo. As mãos suavam enquanto ela abria o PowerPoint na sala de reuniões com Dante e mais três membros da equipe observando. Então ela respirou fundo. Minha proposta é humanizar a marca.

Em vez de focar apenas em comida de qualidade, vamos contar a história das pessoas por trás. O chefe que aprendeu as receitas com a avó italiana, a garçonete que trabalha lá há 15 anos e conhece cada cliente pelo nome, transformar o restaurante numa comunidade, não apenas num lugar para comer. Ela mostrou mockups de posts em redes sociais, propostas de vídeos curtos, até uma ideia de evento de cliente especial do mês.

Quando terminou, o silêncio na sala a fez temer o pior. Então, Dante começou a aplaudir. Os outros se juntaram. Helena, ele se levantou, os olhos azuis brilhando de orgulho genuíno. Isso é brilhante. Você capturou exatamente o que estávamos buscando, mas não conseguíamos verbalizar. Você tem um talento natural para entender as pessoas. O rosto de Helena esquentou com o elogio.

Não era bajulação vazia, era reconhecimento verdadeiro. Ela sentiu o peito inflar de orgulho e satisfação. Obrigada. Eu eu realmente me dediquei e nota-se Dante sorriu. Vamos implementar isso com seu nome nos créditos da campanha. Claro. Nos dias seguintes, Helena mergulhou no projeto com entusiasmo renovado.

Dante frequentemente se sentava ao lado dela, revisando materiais, oferecendo insites, mas nunca impondo suas ideias. O que você está pensando aqui? Ele apontava para uma peça gráfica. Eu sinto que está quase perfeito, mas falta algo pequeno. E então eles passavam minutos discutindo cores, fontes, mensagens.

Era estimulante, era divertido. As conversas logo se estenderam além do trabalho. Durante os almoços no Café da Esquina, Dante compartilhava histórias sobre como fundara a empresa 10 anos atrás, sobre seus erros e acertos, sobre a importância de equilibrar ambição com humanidade.

“Muita gente nesse mercado esquece que estamos lidando com vidas”, ele disse uma tarde mexendo o café enquanto observava o movimento da rua. Cada empresa que a gente consulta emprega pessoas, impacta famílias. Não é só sobre lucro, é sobre fazer diferença real. Helena ouvia, absorvendo não apenas as palavras, mas a paixão genuína por trás delas.

Era tão diferente da filosofia fria e calculista de Ricardo, onde negócios eram guerra e resultados justificavam qualquer método. “Você é casado, Dante?”, Helena perguntou certo dia, surpresa com a própria curiosidade. Ele sorriu, mas havia melancolia no gesto. Fui. Terminamos faz três anos. Ela queria filhos, estabilidade, um marido que chegasse em casa às 6.

Eu estava construindo a empresa, trabalhando até tarde, viajando. No fim, nenhum de nós estava errado. Só queríamos coisas diferentes. Você se arrepende da separação? Não. Ela é feliz agora. Casou de novo, tem dois filhos lindos. Ele olhou para Helena e havia sinceridade profunda naqueles olhos. Mas me arrependo de não ter percebido antes que estava colocando o trabalho na frente das pessoas que amava.

É um erro que me recuso a repetir. Helena engoliu seco pensando em Ricardo, em como o trabalho era literalmente tudo para ele, em como ele a tratava como mais um item na sua agenda lotada. Seu marido deve ser um homem de sorte”, Dante comentou casualmente, tomando um gole do café. Ter uma mulher tão dedicada e talentosa.

Helena desviou o olhar desconfortável. Ela não falava sobre o casamento no trabalho. Usava aliança, mas evitava o assunto. “É complicado”, ela murmurou. Dante não pressionou, apenas a sentiu compreensivo. “Os melhores relacionamentos geralmente são, mas o importante é ter alguém que te valorize pelo que você é. Não pelo que pode oferecer.

As palavras ficaram com Helena durante todo o caminho de volta para casa naquela noite. Ricardo nunca, nunca dissera algo remotamente parecido com isso. Para ele, ela era útil, necessária, um investimento com retorno calculado. Quando chegou a cobertura, ele estava na sala surpreendentemente. Usava roupas casuais, uma camiseta cinza e calça de moletom, o que era tão raro que Helena piscou duas vezes.

Oi, ela disse, “a primeira palavra que trocavam em semanas, além de cumprimentos monossilábicos”. “Oi, Ricardo”, respondeu sem tirar os olhos do tablet. “Tem um jantar empresarial amanhã à noite. Vão nos buscar às 7, de volta às obrigações contratuais.” Helena suspirou. “Tudo bem.” Ela foi subindo as escadas quando ouviu a voz dele.

“Como está o trabalho?” Helena parou, virando-se lentamente. Ricardo ainda olhava para o tablet, mas havia algo tenso na postura dele. Bem, muito bem, na verdade. Que bom. O silêncio que se seguiu era carregado de coisas não ditas. Helena queria dizer tanto que estava feliz, realizada, que Dante a tratava com o respeito que Ricardo nunca demonstrara, mas as palavras ficaram presas na garganta. Boa noite, Ricardo.

Boa noite. Ela subiu, mas não antes de ver a forma como os dedos dele se apertavam em torno do tablet, os nós dos dedos ficando brancos. Mas não podia ser ciúme. Podia. Ciúme implicaria em sentimentos. E Ricardo Valente era claro sobre não ter sentimentos por ela, ou era, enquanto Helena se preparava para dormir, pensando em Dante e na vida que estava construindo fora daquele casamento de fachada, Ricardo permanecia sentado na escuridão da sala, o tablet a muito esquecido ao lado. Sua mente estava cheia de imagens que ele não convidara. Helena rindo com outro homem,

Helena sendo valorizada por outra pessoa, Helena esquecendo que ele existia. E pela primeira vez em sua vida adulta, Ricardo Valente sentia algo que não conseguia nomear, algo que queimava no peito e torcia suas entranhas, algo perigosamente parecido com perda. O jantar empresarial era num restaurante Cinco estrelas em Ipanema, com vista privilegiada para a praia.

Helena usava um vestido vermelho de seda que abraçava suas curvas de forma elegante, os cabelos soltos caindo em ondas sobre os ombros. Ela havia aprendido a se vestir para essas ocasiões. Sofisticada, mas não chamativa, presente, mas não memorável. Ricardo, no entanto, pareceu notar.

Quando ela desceu as escadas, ele estava ajeitando os punhos da camisa social preta sob o terno, mas parou no meio do movimento. Seus olhos percorreram Helena de cima a baixo, demorando-se uma fração de segundo a mais que o necessário, na cintura definida pelo cinto de couro. Está bom? Helena, perguntou, fazendo uma pequena pirueta sarcástica. Está adequado? Ele respondeu, voltando ao tom neutro. Mas Helena não deixou de notar a forma como a linha da mandíbula dele contraiu.

No carro, o silêncio era quase tangível. Ricardo digitava algo no celular, o rosto iluminado pela tela, aquela ruga pequena entre as sobrancelhas que indicava concentração ou irritação. Helena olhava pela janela, observando a orla passar, as pessoas caminhando na calçada, livres e sem obrigações contratuais.

“Como foi sua semana?”, a pergunta de Ricardo a pegou desprevenida. Ela virou-se surpresa. Minha semana. Você trabalhou bastante, imagino. Ele não tirou os olhos do celular. Vi que voltou tarde alguns dias. Estava vigiando seus horários. Helena não sabia se ficava irritada ou intrigada. Foi ótima, na verdade. Ela decidiu ser honesta.

Terminei minha primeira campanha solo. Foi apresentada ao cliente ontem e eles adoraram. Dante disse que foi uma das melhores apresentações que ele já viu de um funcionário novo. Finalmente, Ricardo ergueu os olhos. E havia algo diferente ali, algo escuro, instável. Dante disse. Ele repetiu e o nome soou como algo amargo em sua língua. Vocês parecem estar próximos. Ele é meu chefe.

Helena franziu a testa. É normal ter uma relação profissional próxima. Profissional? Claro. O que isso significa? Ricardo guardou o celular bruscamente, virando-se completamente para ela. Na penumbra do carro, seus olhos verdes pareciam quase fosforescentes.

Significa que Dante Moret não tem reputação de ser apenas profissional com suas funcionárias atraentes. Helena sentiu o sangue ferver. Você está insinuando que? Não estou insinuando nada. Estou afirmando um fato. Ricardo cruzou os braços. Ele é conhecido nos círculos empresariais por ser charmoso, atencioso e por transformar relações profissionais em pessoais com facilidade.

E você é conhecido por ser um workaholic sem vida pessoal que transforma pessoas em ativos empresariais. Helena retrucou. Não vejo você se importando com isso. Isso é diferente. Por quê? Porque envolve sua propriedade. Ela fez aspas sarcásticas no ar. Desculpa, esqueci que no papel eu sou sua esposa.

Tem que manter as aparências, né? O maxilar de Ricardo contraiu tão forte que Helena viu um músculo pulsar. Você sabe que não é isso? Não, Ricardo, eu não sei porque você nunca me diz o que isso é. O motorista torci desconfortável na frente, lembrando-os de que não estavam sozinhos. Helena e Ricardo se afastaram para lados opostos do banco traseiro, o silêncio voltando, mas agora era elétrico, carregado de tensão.

Quando chegaram ao restaurante, Ricardo saiu e ofereceu a mão para ajudá-la. Era um gesto mecânico, parte da performance, mas quando os dedos dele tocaram os dela, Helena sentiu uma corrente elétrica subir pelo braço, pela expressão no rosto de Ricardo, um leve estreitamento dos olhos, uma pausa quase imperceptível, ele também sentiu, mas ele soltou sua mão assim que ela ficou de pé, colocando a palma nas costas dela num toque impessoal enquanto a guiava para dentro.

O jantar reunia cerca de 20 empresários e suas esposas. Helena reconheceu alguns rostos de eventos anteriores. A mulher que sempre usava pérolas demais, o homem de riso alto que bebia whisky como água, todos sorriram e acenaram. aquele tipo de cordialidade superficial que Helena aprendera a reconhecer e retribuir. Eles foram direcionados para uma mesa redonda.

Ricardo puxou a cadeira para Helena, outro gesto automático, e sentou-se ao seu lado. Sua coxa roçou a dela por um segundo antes dele se ajustar, criando um espaço milimétrico entre eles. Mas Helena sentiu o calor daquele toque fantasma durante todo o primeiro prato. Então, Helena, uma senhora elegante de uns 60 anos sentada à frente se inclinou com interesse.

Ouvi dizer que você está trabalhando. Que moderno! O tom era entre aprovador e condescendente, como se Helena fosse uma criança brincando de adulta. Sim, sou analista de marketing na Morete em associados. Helena sorriu educadamente. Acabei de concluir minha primeira campanha solo. Que interessante. O marido da senhora comentou. Dante Moret é o dono, não é? Homem competente e solteiro, ouvi dizer.

Helena sentiu Ricardo ficar tenso ao seu lado, embora ele não tivesse se movido visivelmente. Ele é um ótimo chefe. Helena respondeu cuidadosamente. Muito atencioso e profissional. Atencioso, Ricardo murmurou baixinho só para ela ouvir. Que palavra interessante. Helena o chutou de leve debaixo da mesa.

Ele torciu disfarçando. A noite prosseguiu naquele ritmo constrangido. Ricardo estava mais tenso que o usual, respondendo perguntas sobre negócios com respostas curtas, bebendo vinho mais rápido que o normal. Cada vez que alguém mencionava o trabalho de Helena, e várias pessoas o fizeram, aparentemente fascinadas pela ideia de uma senhora valente trabalhando, ela sentia o corpo dele ficar mais rígido.

Na sobremesa, Helena estava contando animadamente sobre um projeto futuro quando mencionou. E Dante teve essa ideia genial de fazer uma parceria com influenciadores locais. Ele é realmente visionário em marketing de guerrilha. Nós almoçamos ontem discutindo. Vocês almoçam juntos? A interrupção de Ricardo foi brusca, cortando Helena no meio da frase. Todos na mesa olharam para ele surpresos com o tom.

Helena corou, sentindo os olhares curiosos de todos. “Sim”, ela disse lentamente. “Às vezes a equipe inteira almoça junta para discutir projetos. É uma prática comum em ambientes colaborativos.” Ricardo tomou um gole grande de vinho, não respondendo, mas a tensão era tão óbvia que a senhora de pérolas mudou rapidamente de assunto, perguntando sobre um projeto imobiliário qualquer.

No caminho de volta para casa, Helena explodiu assim que as portas do carro se fecharam. O que foi aquilo? O quê? Não se faça de desentendido. Helena se virou para encará-lo. Você me constrangeu na frente de todas aquelas pessoas. Eu apenas fiz uma pergunta. Ricardo mantinha o tom controlado, mas Helena via a tempestade nos olhos dele.

Você me interrompeu com ciúme. Ciúme? Ele riu um som sem humor. Não seja ridícula. Então o que foi? Helena insistiu inclinando-se para mais perto, porque parecia muito com um marido ciumento tentando controlar sua esposa. Talvez. Ricardo virou-se abruptamente para ela e, de repente, estavam muito próximos, separados apenas por centímetros.

Talvez seja porque eu não gosto de ouvir minha esposa falando de outro homem com estrelas nos olhos. Estrelas nos Helena estava sem palavras. Eu estava falando sobre trabalho. Você estava falando sobre ele. Ricardo elevou a voz perdendo o controle que sempre mantinha. Dante disse isso. Dante fez aquilo. Dante é tão visionário. Você acha que eu sou idiota, Helena, que não vejo o jeito que você sorri quando fala dele.

E daí? Helena gritou de volta. Daí que alguém me trata como um ser humano em vez de uma boneca decorativa. Daí que alguém valoriza minhas opiniões, minhas ideias? Daí que, pela primeira vez em meses, eu me sinto vista? Eu te vejo. Ricardo socou o banco do carro, fazendo Helena pular.

O motorista continuava dirigindo, olhos fixos na estrada, fingindo não existir. “Você me vê?” Helena sentiu lágrimas picar em seus olhos, mas se recusou a deixá-las cair. Quando, Ricardo, quando você me vê, quando precisa de uma acompanhante para eventos, quando precisa manter a imagem de marido casado, você não me conhece, não sabe qual é a minha cor favorita. Que comida eu odeio? Que filme me faz chorar? Azul.

Ricardo disse de repente a voz rouca. Azul turquesa, como o mar de Fernando de Noronha. Você comentou uma vez na segunda semana aqui: “Você odeia azeitona, mas come porque são saudáveis. E o filme que te faz chorar é divertidamente, porque te lembra da sua relação com suas emoções.” Helena ficou paralisada, a boca entreaberta.

Ela havia mencionado essas coisas, ela não se lembrava. E Ricardo estava prestando atenção. O carro parou na garagem do prédio. O silêncio era ensurdecedor. Como você? Porque eu presto atenção em você, Helena. Ricardo disse baixinho, sem olhar para ela. Eu sempre prestei, mesmo quando deveria ignorar, mesmo quando seria mais fácil te ver apenas como parte do acordo.

Ele saiu do carro antes que ela pudesse responder, caminhando rapidamente para o elevador. Helena ficou sentada por mais alguns segundos, o coração martelando, a mente girando. Ricardo estava com ciúme. Ciúme de verdade? O que significava que ele sentia o quê exatamente? Quando ela finalmente subiu para o apartamento, ele já havia se trancado no escritório.

Helena ficou parada diante da porta fechada, a mão erguida para bater, mas algo a impediu. Ao invés disso, ela foi para seu quarto e sentou-se na cama, abraçando um travesseiro. Por meses, ela acreditara que era invisível para ele, apenas um contrato com pernas. Mas se ele sabia sua cor favorita, seus gostos, suas lágrimas, ele estava vendo, talvez até mais do que ela mesma percebia.

E essa revelação era aterrorizante, porque significava que o muro entre eles, aquele muro seguro, confortável, de indiferença mútua, estava começando a rachar. E Helena não tinha certeza se queria que ele ruísse completamente ou se estava morrendo de medo do que aconteceria quando isso acontecesse.

Do outro lado da parede, trancado no escritório escuro, Ricardo estava sentado com a cabeça nas mãos, tentando entender quando aquela mulher, aquela obstinada, frustrante, brilhante mulher, havia se infiltrado sob sua pele, quando ver ela sorrir para outro homem, começara a doer fisicamente, quando a ideia de perdê-la, mesmo sendo apenas uma ilusão contratual, tornara-se insuportável.

Ele havia construído sua vida inteira em controle. lógica, distanciamento emocional. E Helena Cavalcante estava despedaçando cada parede que ele erguera, uma brecha de cada vez, e o mais assustador, parte dele, queria deixar. Os dias seguintes foram marcados por uma tensão palpável. Ricardo e Helena circulavam um ao redor do outro como planetas em órbitas cuidadosamente calculadas, próximos o suficiente para manter as aparências, distantes o suficiente para evitar colisões. Mas algo havia mudado.

Helena percebia os olhares. Quando ela descia para o café da manhã, encontrava Ricardo já na cozinha. algo que nunca acontecera antes. Ele fingia ler e-mails no tablet, mas ela sentia o peso dos olhos verdes sobre ela. Quando ela mencionava casualmente que teria reunião até tarde, via a mandíbula dele contrair.

Quando seu celular tocava durante o jantar silencioso, Ricardo olhava para o aparelho como se pudesse identificar o contato só pela força de vontade. era desconcertante e Helena tinha que admitir para si mesma um pouco intrigante. No trabalho, as coisas continuavam excelentes. A campanha do restaurante havia sido um sucesso estrondoso, aumento de 40% no movimento nas primeiras duas semanas.

Dante a elogiara publicamente numa reunião de equipe dizendo que ela era a contratação do ano. Helena flutuava de orgulho. Você tem almoço marcado? Tante apareceu na mesa dela numa terça-feira. sorrindo aquele sorriso caloroso que sempre a fazia sentir bem-vinda. Não, por quê? Preciso discutir um projeto novo com você. Que tal aquele bistrô francês na Dias Ferreira? Meu convite. Helena hesitou por uma fração de segundo, lembrando-se da reação de Ricardo, mas então se repreendeu mentalmente.

Ela não ia deixar o ciúme irracional dele ditar suas ações profissionais. Perfeito. Que horas? O que Helena não viu foi Ricardo do outro lado da rua, dentro de seu Mercedes com vidros fumet, observando Dante e ela saírem juntos do prédio.

O modo como ele colocava a mão levemente nas costas dela ao atravessar a rua, como ela ria de algo que ele dissera, como pareciam confortáveis. Ricardo pegou o celular e fez uma ligação. Maurício, preciso de um serviço discreto. Maurício Costa era investigador particular, o melhor do Rio, discreto, eficiente e com uma lista de clientes que incluía metade dos empresários ricos da cidade.

Ele apareceu no escritório de Ricardo na manhã seguinte, uma pasta preta debaixo do braço. Senhor Valente. Eles apertaram as mãos. O que posso fazer por você? Ricardo hesitou. parte dele, a parte racional que sempre o guiara, sabia que aquilo era loucura, mas a outra parte, aquela que estava mantendo-o acordado nas noites recentes, não conseguia parar.

“Minha esposa”, ele disse finalmente, “quero que a siga discretamente relatórios diários sobre onde vai e com quem se encontra. Especialmente”, ele engoliu seco. “Especialmente suas interações com o chefe Dante Moret. Maurício não piscou. Profissionais como ele haviam visto de tudo. Suspeita de infidelidade. Não. Ricardo se apressou em dizer, depois corrigiu. Não sei.

Só preciso saber que ela está segura, que ele não tem segundas intenções. Entendido. Começo hoje. Nos dias seguintes, Ricardo recebia relatórios diários por e-mail criptografado. Lia cada um compulsivamente, às vezes no meio de reuniões importantes. 0900 Sujeita chegou ao trabalho. 12:30 Almoço com Dante Moret no bistrô Le Marsei.

Conversação animada, várias risadas, contato físico mínimo. Ele tocou o braço dela duas vezes durante piadas. 14 Z. Retorno ao escritório juntos. 18:30. Sujeita saiu do trabalho. Moret a acompanhou até o Uber, segurou a porta para ela entrar. Cada linha era uma punhalada. Ricardo se dizia que estava apenas protegendo seus interesses.

Afinal, se Dante estava usando Helena para ter acesso a informações privilegiadas da Valente Incorporações, ele precisava saber. Era só precaução empresarial, mas então vinha à próxima linha. 1915. Sujeita, chegou em casa. Moret enviou mensagem de texto. Não foi possível capturar conteúdo. Sujeita riu ao ler e Ricardo sentia algo se contorcer no peito.

Uma noite, duas semanas depois de contratar Maurício, Ricardo estava no escritório quando ouviu a porta da frente se abrir. Helena chegara de mais um dia de trabalho. Ele abriu a porta do escritório apenas uma fresta observando. Ela estava radiante, os cabelos presos num rabo de cavalo alto, uma blusa amarela que a fazia parecer sol personificado, segurando sacolas de compras. Ela estava cantarolando.

Quando foi a última vez que ele a vira tão feliz? Ah, sim. Nunca. Não, desde que se casaram. O celular dela tocou. Helena a atendeu ainda sorrindo. Oi, Dante. Sim, cheguei agora. Pausa risada. Claro que funcionou. Você é um gênio. Amanhã. Perfeito. Mando os dados pela manhã. Também adorei hoje. Até amanhã.

Ela desligou e praticamente dançou até a cozinha. Ricardo fechou a porta do escritório e se apoiou nela, respirando fundo. Ele estava sendo ridículo. Absolutamente ridículo. Helena tinha todo o direito de ser feliz no trabalho, de ter uma relação amigável com o chefe. Mas então, por que doía tanto? Seu celular vibrou. Outro relatório de Maurício. Análise dos últimos 15 dias.

Sujeita e Morete almoçam juntos três, quatro vezes por semana. Trocam mensagens diárias, geralmente relacionadas a trabalho, mas com tons amigáveis. Moret a elogia frequentemente. Não foi observada intimidade física, além de toques casuais em braços, ombros. Conclusão preliminar: relação parece ser amizade próxima e mentoria profissional.

Ricardo deveria sentir alívio, mas só sentia vazio. Ele estava perdendo Helena, não para outro homem necessariamente, mas para outra vida. Uma vida onde ela era valorizada, feliz, realizada. Uma vida que não incluía ele além de obrigações contratuais. E pela primeira vez, Ricardo se permitiu admitir uma verdade aterrorizante. Ele não queria ser apenas uma obrigação contratual para ela, queria ser mais.

A questão era já era tarde demais. Na sexta-feira daquela semana, Ricardo teve que comparecer a um evento empresarial, um coquetel de lançamento de um empreendimento imobiliário de luxo. Helena o acompanhava usando um vestido preto elegante, o cabelo solto em ondas. Eles estavam próximos ao bar quando Ricardo ouviu uma voz familiar.

Valente, que surpresa! Ele se virou e sentiu o estômago afundar. Tante Moret caminhava em direção a eles, sorridente, usando um terno cinza perfeitamente cortado. Claro que ele estaria ali. Eventos empresariais atraíam todo tipo de networkers. Morete. Ricardo forçou educação, estendendo a mão. O aperto foi firme, quase desafiador de ambos os lados.

E Helena, Dante se virou para ela com aquele sorriso caloroso. Não sabia que você estaria aqui. Oi, Dante. Helena sorriu de volta, genuinamente feliz de vê-lo. Eu não sabia que você conhecia o Ricardo. Nossos círculos se cruzam ocasionalmente, Dante disse, os olhos azuis estudando Ricardo com interesse. Embora eu não soubesse que a Helena brilhante da minha equipe era casada com o lendário Ricardo Valente.

Que coincidência interessante. Havia algo no tom, não exatamente acusatório, mas definitivamente curioso. Ricardo sentiu o sangue ferver. “O mundo empresarial do rio é pequeno”, ele disse friamente, colocando a mão possessivamente na cintura de Helena. Ela olhou para ele surpresa, mas ele não soltou.

De fato, Dante observou o gesto, uma sobrancelha se erguendo levemente. Helena, por acaso você tem aqueles dados do projeto Santorini que discutimos hoje? Esqueci de pegar antes de sair. Tenho no e-mail. Posso reencaminhar agora? Se não. Ricardo interrompeu, a voz saindo mais agressiva do que pretendia. Ela não está trabalhando agora. É fim de semana.

Dante piscou surpreso. Depois, lentamente, um sorriso divertido curvou seus lábios. Claro. Desculpe a intromissão. Ele olhou para Helena. Aproveitem a noite até segunda, Helena. Quando ele se afastou, Helena se virou para Ricardo, os olhos cor de mel fais faiscando. O que foi aquilo? O quê? Você foi rude com ele? Eu apenas disse que você não está trabalhando.

Ricardo pegou uma taça de champanhe de uma bandeja que passava, mais para ter algo para segurar do que por vontade de beber. Você foi territorial e possessivo e seu marido? Ricardo se virou para ela e havia fogo nos olhos verdes. Porque eu sou Helena, no papel ou não, eu sou seu marido. E ver aquele homem olhando para você como se como se Como se o quê, Ricardo? Como se ele tivesse algum direito sobre você. Helena deu um passo para trás, atordoada.

Eles estavam chamando atenção, pessoas olhando discretamente na direção deles. Ela abaixou a voz. Vamos para casa agora. O caminho de volta foi feito em silêncio glacial. Mas quando chegaram ao apartamento, Helena explodiu. Você está me seguindo? Ela jogou a bolsa no sofá. Ricardo congelou. O quê? Não, não minta para mim.

Helena avançou nele, o dedo apontado. Como você sabe sobre meus almoços com Dante? Sobre nossas conversas? Você contratou alguém para me vigiar, não foi? Pego. Ricardo passou a mão pelos cabelos, a culpa evidente no rosto. Eu eu precisava ter certeza. Certeza de quê? Que eu não estava te traindo? Helena riu sem humor. Ricardo, nosso casamento é uma farsa.

Você mesmo deixou isso claro desde o início. Por que diabos você se importa se eu tenho amigos? Se meu chefe é legal comigo, porque eu não aguento? Ricardo rugiu, perdendo completamente a compostura que sempre mantinha. Eu não aguento ver você sorrindo para ele do jeito que nunca sorriu para mim.

Eu não aguento imaginar você contando seus dias para ele, dividindo suas conquistas, rindo das piadas dele. Eu não aguento saber que ele te vê, te valoriza, te faz feliz de uma forma que eu nunca, que eu nunca consegui. O silêncio que se seguiu era ensurdecedor. Helena o encarava. Boca entreaberta, olhos arregalados. “Você está com ciúme?”, ela sussurrou.

Claro que estou com ciúme. Ricardo deu dois passos, fechando a distância entre eles. Eles estavam tão próximos agora que Helena podia ver as manchinhas douradas nos olhos verdes dele, sentir o calor emanando do corpo dele. Estou consumido por isso.

Cada mensagem que você troca com ele, cada almoço, cada risada, é como o vidro sendo enfiado no meu peito. Mas por que? Helena balançou a cabeça confusa. Você não você não sente nada por mim. Eu sou só um contrato, lembra? Você acha mesmo que eu ainda vejo você assim? A voz de Ricardo saiu rouca, vulnerável de um jeito que ela nunca ouvira. Helena, eu tentei.

Deus sabe que tentei manter isso profissional, distante, mas você entrou na minha vida como um furacão, desafiando-me, questionando-me, recusando-se a ser o que eu esperava. E em algum momento, sem que eu percebesse, você deixou de ser um acordo empresarial e se tornou tudo. As lágrimas que Helena vinha segurando finalmente escorreram.

Ela balançou a cabeça, abraçando a si mesma. Você não pode fazer isso. Não pode ficar meses me tratando como mobília e de repente decidir que tem sentimentos. Eu sei. Ricardo levantou a mão como se fosse tocar o rosto dela, mas parou no meio do caminho. Eu sei que fui um idiota, que tratei você terrivelmente, que não mereço uma segunda chance. Mas Helena, a voz dele falhou. Eu não consigo te ver com ele.

Não consigo fingir que não me importo, porque eu me importo mais do que achei que fosse possível. Helena olhou para ele, para aquele homem que fora um estranho frio, que comprara seu tempo como se comprasse ações, que mantivera paredes impenetráveis entre eles, e agora estava ali despedaçado, vulnerável, admitindo coisas que claramente o aterrorizavam. “Eu não estou tendo um caso com Dante”, ela disse baixinho.

“Ele é meu chefe, meu mentor, um amigo, nada mais”. Eu sei. Ricardo passou a mão pelo rosto. O investigador, os relatórios mostraram isso, mas não importa, porque mesmo sendo só amizade, ele tem algo que eu nunca tive. Ele tem você sorrindo, você feliz, você sendo você. E você quer isso? Helena perguntou a voz tremendo.

Você quer me conhecer de verdade? Não a Helena do contrato, mas a Helena real, com defeitos e inseguranças e opiniões fortes. Eu quero tudo. Ricardo respondeu sem hesitar. Cada parte sua, até as que vão me deixar louco. Helena fechou os olhos tentando organizar os pensamentos que giravam caoticamente. Parte dela queria ceder, jogar-se nos braços dele, aceitar aquela declaração improvável.

Mas a outra parte, a parte que fora ferida pela frieza dele, que passara meses se sentindo invisível, tinha medo. “Eu preciso pensar”, ela sussurrou. “Claro.” Ricardo recuou, dando-lhe espaço. “Eu entendo.” Helena subiu para seu quarto, sem olhar para trás. Quando fechou a porta, deslizou por ela até sentar no chão, abraçando os joelhos.

Ricardo Valente estava apaixonado por ela. A ideia era simultaneamente emocionante e aterrorizante, porque significava que aquele casamento de mentira estava virando algo real e coisas reais podiam machucar de verdade. E enquanto Helena processava aquela revelação bombástica em seu quarto, Ricardo permanecia parado na sala, olhando para a escada vazia.

Ele acabara de expor seu coração pela primeira vez na vida, admitir a fraqueza, vulnerabilidade, necessidade, tudo que jurara nunca fazer. E agora tudo o que podia fazer era esperar, esperar e torcer, para que não fosse tarde demais para consertar o estrago que fizera, para transformar um contrato em algo que pudesse talvez se tornar real. Os dias seguintes foram os mais estranhos desde que Helena se mudara para a cobertura.

Ricardo estava diferente. Ele não pressionou por uma resposta. Não trouxe o assunto à tona, mas sua presença era impossível de ignorar. De manhã, Helena encontrava café fresco preparado com a caneca que ela mais gostava já separada. Bilhetes curtos apareciam na geladeira. Boa reunião hoje, Fier. ou pensei em você quando vi essa reportagem sobre marketing, link nos e-mails.

Eram gestos pequenos, mas vinham de um homem que antes mal reconhecia sua existência. Helena não sabia como reagir. Ela mantinha certa distância, educada, mas cautelosa, e Ricardo surpreendentemente respeitava. Não invadia seu espaço, apenas estava ali presente de uma forma que nunca estivera antes. No trabalho, as coisas continuavam bem.

Dante acabara de fechar um grande contrato com uma rede de hotéis e convidar Helena para liderar a equipe criativa da campanha. Era uma oportunidade enorme. Seu primeiro projeto realmente grande. Você merece isso, Dante dissera sorrindo. Tem visão, talento e comprometimento. Confio em você completamente. Helena flutuava de satisfação profissional, mas também notara algo nas últimas semanas. A empresa perdera três clientes importantes.

Todos haviam cancelado contratos de forma repentina, alguns até pagando multas recisórias. É estranho, Marina comentara na Copa. Esse é o terceiro cliente grande que desiste esse mês. Sem explicação clara. Helena não pensou muito nisso até a tarde em que Dante a chamou para uma reunião particular em sua sala. Ele parecia cansado, a testa franzida enquanto revisava documentos.

Helena, preciso te perguntar algo e preciso de honestidade completa. Ele se recostou na cadeira, os olhos azuis sérios. Você conversou com seu marido sobre nossos clientes, sobre nossas estratégias? O estômago de Helena afundou. Não, nunca. Por quê? Porque três dos nossos maiores clientes cancelaram contratos nas últimas semanas e todos têm algo em comum.

fizeram negócios recentes com a valente incorporações. Dante esfregou o rosto. Pode ser coincidência, mas no nosso mundo coincidências raramente são acidentais. Helena sentiu o sangue gelar. Você acha que Ricardo que ele está sabotando a empresa? Não tenho provas”, Dante admitiu, “mas timing é suspeito. E ele deixou bem claro naquele evento que não está feliz com você trabalhando aqui.

Ele não faria isso, Helena disse. Mas sua voz não soava convencida nem para ela mesma, ou faria. Naquela noite, Helena voltou para casa com uma missão. Encontrou Ricardo no escritório, como sempre, digitando algo no laptop. Precisamos conversar. Ele ergueu os olhos, desligando a tela imediatamente. Claro, entre.

Helena fechou a porta atrás de si e cruzou os braços. A Morete em associados perdeu três grandes clientes nas últimas semanas. Todos agora trabalham com você. Algo piscou no rosto de Ricardo. Culpa, mas foi rápido demais para ter certeza. Empresas mudam de fornecedores. Acontece três em três semanas, todos depois de você deixar claro que tem problemas com meu emprego lá, Helena deu um passo à frente. Ricardo, me diga a verdade.

Você está interferindo nos negócios da empresa por causa de mim? O silêncio que se seguiu foi resposta suficiente. Helena, ó, meu Deus. Ela levou as mãos à cabeça. Incrédula, você fez isso. Você realmente fez isso? Deixa eu explicar. Explicar o quê? Helena sentiu lágrimas de raiva ardendo.

Que você é tão imaturo e controlador que está disposto a destruir uma empresa inteira porque está com ciúmes do meu chefe? Ricardo se levantou caminhando ao redor da mesa. Não é sobre ciúmes, é sobre proteção. Tante Moret não é quem você pensa. Ele é um homem bom, um profissional íntegro que me deu uma chance quando eu mais precisava. Helena gritou.

E você está destruindo o trabalho dele, colocando em risco o emprego de 15 pessoas. Só porque o qu, Ricardo? Porque não aguenta que eu seja feliz longe de você? Porque eu quero que você seja feliz comigo. Ricardo rugiu de volta. Eu sei que é irracional. Eu sei que é errado, mas eu não consigo parar. Helena, desde que você entrou na minha vida, eu não reconheço mais quem sou. Faço coisas que nunca faria.

Sinto coisas que jurei nunca sentir. E sim, eu usei meus contatos para afastar aqueles clientes porque porque no fundo eu esperava que se a empresa passasse por dificuldades, você viria trabalhar comigo, ficaria perto de mim, me daria uma chance de provar que posso ser melhor. Helena balançou a cabeça horrorizada.

Você está ouvindo a si mesmo? Isso não é amor, Ricardo, é obsessão. É controle. Eu sei. Ele pressionou as palmas contra os olhos. Eu sei que estou me tornando meu pior pesadelo, o tipo de homem que sempre desprezei. Mas eu não sei como parar, como voltar a ser quem eu era antes de você. Você desfaz isso. Helena disse a voz tremendo. Agora você liga para esses clientes e desfaz o que fez.

Devolve os contratos para a Moret. Ricardo a olhou e havia desespero naqueles olhos verdes. E se eu fizer isso, você fica me dá uma chance? Não funciona assim. Helena balançou a cabeça. Você não negocia sentimentos, Ricardo. Esse é o seu problema. Você trata tudo como transação. Então me ensina.

Ele deu um passo à frente, as mãos se estendendo como se quisesse tocá-la, mas sem coragem de fazê-lo. Me ensina como fazer isso direito, como amar sem sufocar. Como cuidar sem controlar? Porque eu não sei, Helena, ninguém nunca me ensinou. E ali naquele escritório gelado, com lágrimas escorrendo pelo rosto de ambos, Helena viu algo que nunca esperara ver. Ricardo Valente, completamente quebrado.

Não o executivo poderoso, não o bilionário implacável, apenas um homem assustado, perdido, desesperado por conexão, mas sem saber como alcançá-la. Você desfaz isso primeiro. Ela repetiu, mais gentil dessa vez. Prova que consegue colocar o que é certo acima do que quer. E então, então a gente conversa.

Vou fazer isso amanhã mesmo, Ricardo prometeu. Qualquer coisa, só não desista de mim ainda. Helena não respondeu, apenas saiu do escritório, fechando a porta suavemente atrás de si. Na manhã seguinte, Dante a chamou em sua sala, o rosto radiante. Não sei o que aconteceu, mas nossos três clientes ligaram.

Todos querem reativar os contratos. Ele balançou a cabeça incrédulo. É quase como se como se algo tivesse mudado da noite para o dia. Helena apenas sorriu levemente. Às vezes as pessoas fazem a coisa certa, mas Dante era perspicaz demais. Ele se inclinou na mesa, os olhos estudando-a. Foi seu marido, não foi? Ele estava por trás dos cancelamentos. Helena não conseguiu mentir, apenas assentiu.

E você o fez desfazer? Eu pedi que ele fizesse a coisa certa. Dante suspirou, passando a mão pelos cabelos prateados. Helena, eu gosto de você. Você é talentosa, dedicada, uma adição incrível à equipe, mas eu preciso ser honesto. Não posso ter esse tipo de conflito de interesses.

Não posso me preocupar se cada cliente que eu perder ou ganhar está relacionado à sua situação pessoal. O coração de Helena afundou. Você está me demitindo? Não, Deus não. Dante se apressou em dizer, mas preciso que você pense seriamente sobre sua situação, sobre o que você quer, porque esse casamento ele está afetando mais do que apenas você e ele.

E no fim você precisa decidir, isso vale a pena? Ele vale a pena? Eram as mesmas perguntas que Helena fazia a si mesma todas as noites e ela ainda não tinha respostas. Enquanto isso, do outro lado da cidade, Ricardo estava sentado em seu escritório, olhando para o contrato original de casamento. Do anos. Faltava pouco mais de um ano, 12 meses até Helena ser livre, até ele perdê-la definitivamente. Ele pegou o documento e, numa decisão que o surpreendeu, rasgou ao meio.

Depois em quartos, depois em pedaços tão pequenos que se tornaram confete. Se Helena ficasse agora, seria por escolha, não por obrigação. E ele ia fazer todo o possível para merecer essa escolha, mesmo que significasse enfrentar os demônios que o assombravam desde a infância.

mesmo que significasse se tornar um homem completamente diferente do que sempre fora. Uma semana depois do incidente com os clientes, a tensão na cobertura era quase tangível. Ricardo andava em ovos ao redor de Helena, claramente tentando demonstrar mudança, mas sem saber exatamente como. Ele perguntava sobre seu dia desajeitadamente.

Oferecia ajuda com coisas que ela não precisava. tentava iniciar conversas que morriam em silêncios constrangedores. Era adorável e frustrante ao mesmo tempo. Helena estava confusa. Parte dela queria correr, pegar suas coisas e nunca olhar para trás. Outra parte, via o esforço genuíno dele, via rachaduras na armadura de frieza que sempre usara e se perguntava se havia algo real por baixo.

A decisão acabou sendo tomada por ela numa quinta-feira à noite. Helena chegara tarde do trabalho, cansada de uma apresentação difícil. Subiu direto para o quarto, pretendendo tomar um banho longo e dormir cedo. Foi quando viu a mala aberta sobre a cama. Não, sua mala. A mala dela já estava ali. Alguém havia arrumado suas coisas. Helena desceu as escadas correndo, o coração martelando. Ricardo Ele saiu do escritório, assustado com o grito.

O que? Você está me expulsando? Helena apontou para cima, as mãos tremendo. Arrumou minhas coisas? Decidiu que o contrato terminou antes da hora. O quê? Não. Ricardo subiu às escadas dois degraus de cada vez. Helena o seguindo. Quando chegaram ao quarto, ele olhou para a mala com confusão genuína.

Eu não fiz isso. Então, quem eu fiz? A voz veio da porta. Eles se viraram. Dona Márcia estava ali com expressão determinada. Desculpe me intrometer, mas eu não aguento mais ver vocês dois assim. Dona Márcia. Ricardo começou. Não, deixa eu falar. A senhora entrou no quarto, as mãos nos quadris largos. Eu trabalho nesta casa há cinco anos, menino.

Vi você se fechar cada vez mais, se transformar num workaholic sem vida. E então ela chegou. Dona Márcia apontou para Helena. E pela primeira vez eu vi você sorrir de verdade. Até quando brigavam havia vida. Eu não entendo. Helena balançou a cabeça. Por que arrumou minhas coisas? Porque vocês precisam decidir agora. Dona Márcia olhou para ambos.

Ou vocês param com esse teatrinho de casamento de mentira e assumem o que sentem, ou acabam logo com isso. Mas não podem continuar assim, dançando um ao redor do outro, morrendo de medo de serem honestos. Dona Márcia, com todo respeito. Ricardo tentou usar seu tom autoritário. Não me venha com todo respeito, Ricardo Valente. Ela o cortou. Você está apaixonado por ela.

Qualquer pessoa com olhos vê isso. E ela virou-se para Helena. Você também sente algo por ele, mesmo que não queira admitir. Eu não. Helena começou, mas as palavras morreram porque era verdade. Ela olhou para Ricardo, realmente olhou para os olhos que a seguiam por todos os cômodos, para as mãos que tremiam levemente sempre que estavam próximos, para o rosto que nas últimas semanas começara a mostrar emoções que ele sempre escondera.

Eu vou dar um passeio, dona Márcia anunciou, um passeio bem longo. E quando eu voltar, espero que vocês tenham decidido. Ou ficam juntos de verdade ou se separam de vez, mas acabem com essa agonia. Ela saiu, fechando a porta do quarto atrás de si. O silêncio que ficou era sufocante. Helena, Ricardo, começou. Não, deixa eu falar primeiro.

Helena se sentou na cama ao lado da mala. Ricardo ficou de pé, mantendo distância respeitosa. Quando eu assinei aquele contrato, eu estava desesperada, vendendo minha liberdade para salvar minha família. E eu te odiei por isso. Odiei você por transformar minha vida numa transação comercial. Ricardo encolheu como se tivesse levado um soco, mas não interrompeu.

Mas então, então você começou a aparecer em pequenas formas. Um bilhete, um café preparado. O jeito que você sabia coisas sobre mim que eu nem lembrava de ter mencionado. Helena limpou uma lágrima que escorria. E eu percebi que você estava me vendo de verdade, não como obrigação, mas como pessoa. Você é tudo para mim. Ricardo sussurrou a voz embargada.

Eu sei que foi de tudo no começo, que tratei você terrivelmente, mas Helena, você se infiltrou em cada canto da minha vida. Quando acordo, penso em você. Quando fecho um negócio, quero contar para você. Quando algo engraçado acontece, quero ver você rir. Você se tornou o centro do meu mundo inteiro e eu nem percebi quando aconteceu, mas você tentou me controlar. Helena apontou.

Você me seguiu, sabotou o meu trabalho e eu me odeio por isso. Ricardo deu um passo à frente e depois parou. Minha mãe me deixou quando eu tinha 7 anos. Ela se casou com meu pai por dinheiro, não por amor. E quando um homem mais rico apareceu, ela foi embora. Sem olhar para trás. Sua voz tremeu. Meu pai me ensinou que amor era fraqueza, que pessoas eram peças num jogo, que confiar era estupidez.

Helena sentiu o peito apertar. E então você apareceu. Ricardo continuou e destruiu cada lição que eu aprendi. Porque eu confio em você. Porque eu preciso de você de uma forma que me aterroriza. E quando vi você sendo feliz longe de mim, eu entrei em pânico. Agi como o homem que jurei nunca ser. Ricardo. Eu rasguei o contrato.

Ele disse de repente na semana passada. Destruí completamente. Você é livre, Helena. Livre para ir embora. Livre para viver sua vida. Não deve nada a mim. Helena piscou, processando. Você o quê? Você não é mais minha esposa contratual. Se ficar, será porque quer, porque escolhe, não por dever.

Ricardo finalmente se ajoelhou na frente dela, os olhos verdes brilhando com lágrimas não derramadas. E eu vou passar o resto da minha vida provando que mereço essa escolha. Vou fazer terapia, vou trabalhar em mim. Vou aprender a amar do jeito certo. E se eu for embora? Helena sussurrou. Se eu decidir que não consigo confiar em você, a dor que atravessou o rosto dele foi visal, então eu vou respeitar e vou carregar o arrependimento pelo resto da vida, mas vou saber que você está livre, feliz, e isso vai ter que ser suficiente. Helena olhou para ele, para aquele homem de joelhos à sua frente,

despedaçado e vulnerável, oferecendo seu coração partido numa bandeja, tão diferente do executivo frio que conhecera há meses atrás. E então ela percebeu, ela não queria ir embora. Contra toda a lógica, contra todo bom senso. Ela queria ficar. “Levanta”, ela disse suavemente.

Ricardo obedeceu, mas manteve os olhos baixos, como se com medo do veredicto. Helena se levantou também, fechando a distância entre eles. Ela colocou a mão no rosto dele, forçando-o a olhá-la. Eu não vou embora ainda, ela disse, mas tem condições. Terapia de casal, honestidade completa, sem jogos, sem manipulação.

E se você voltar a tentar me controlar, nem que seja uma vez, eu saio e nunca olho para trás. Entendeu? Entendi. Ricardo cobriu a mão dela com a sua, como se temesse que ela se movesse. Qualquer coisa, eu prometo. E mais uma coisa. Helena respirou fundo. Eu preciso de tempo para confiar em você, para entender o que sinto. Não me pressione, ok? Todo o tempo do mundo. Ele virou o rosto, beijando a palma da mão dela num gesto tão delicado que o coração de Helena saltou.

Obrigado por me dar uma chance que eu não mereço. Helena não respondeu, apenas ficou ali com a mão no rosto dele, sentindo o calor da pele, o pulsar do coração, a respiração acelerada e permitiu-se, pela primeira vez imaginar: “E se e se aquele casamento de mentira pudesse se tornar algo real? E se aquele homem quebrado pudesse se recompor? E se ela pudesse se permitir amar?” A mala permaneceu sobre a cama, arrumada, mas não levada embora.

Um símbolo silencioso de que Helena ficara, mas também um lembrete de que a qualquer momento, se as coisas desandassem, ela tinha a opção de partir. E para Ricardo, olhando aquela mala enquanto Helena tomava banho, era um aviso claro. Ele tinha uma chance, uma única e frágil chance. E ele faria qualquer coisa, enfrentaria qualquer demônio, quebraria qualquer padrão, aprenderia qualquer lição para transformar aquela chance em algo permanente, algo real, algo chamado amor.

A primeira sessão de terapia de casal aconteceu numa terça-feira chuvosa. A Dra. Isabela Fonseca tinha consultório em Copacabana, num prédio antigo, mas charmoso, com vista para o mar. Sua sala era aconchegante, sofás confortáveis, iluminação suave, plantas verdes nos cantos. Nada da frieza clínica que Helena esperava.

A terapeuta era uma mulher de uns 50 anos, cabelos grisalhos presos num coque frouxo, olhos castanhos perspicazes por trás de óculos de armação vermelha. Ela os recebeu com um sorriso caloroso. Helena, Ricardo, sejam bem-vindos, por favor. Sentem-se onde se sentirem confortáveis. Helena escolheu uma ponta do sofá. Ricardo hesitou, depois sentou-se na outra ponta, deixando um espaço respeitoso entre eles. Então, doutora.

Isabela se acomodou na poltrona à frente deles, caderno no colo. Quem gostaria de começar me contando por estão aqui? Silêncio. Helena olhou para Ricardo. Ele olhou de volta. Finalmente ela suspirou. Nosso casamento começou como um contrato, um acordo de negócios, mas as coisas se complicaram. Complicaram como sentimentos. Ricardo disse a voz tensa. Sentimentos que não estavam no script.

Nas sessões seguintes, eles destrincharam a complexidade da situação. Do titrã. Isabela não julgava, apenas ouvia. Fazia perguntas, os guiava para entenderem a si mesmos e um ao outro. Ricardo, me fale sobre sua infância. Ela pediu na terceira sessão. Ricardo ficou tenso, as mãos entrelaçadas com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.

Helena viu a luta interna refletida em seu rosto. Minha mãe, ela se casou com meu pai por dinheiro. As palavras saíram devagar, cada uma parecendo custar algo. Ela era pobre, bonita, viu uma oportunidade. Meu pai era rico, solitário, se apaixonou. Eu nasci um ano depois do casamento. Continue, Dra.

A Isabela encorajou gentilmente. Ela ficou 6 anos, se anos fingindo, representando o papel de esposa amorosa. Mas quando apareceu um empresário europeu, mais rico, mais jovem, Ricardo engoliu seco. Ela foi embora, fez as malas numa terça-feira, esperou meu pai sair para trabalhar, me beijou na testa e disse: “Seja forte.

Eu tinha 7 anos”. Helena sentiu lágrimas picar em seus olhos. Involuntariamente, sua mão se moveu pelo sofá, encontrando-a de Ricardo. Ele apertou como se ela fosse uma âncora. “Como seu pai reagiu?”, dout. Isabela perguntou. Ele se fechou completamente. Ricardo olhou para o teto, piscando rapidamente. Mergulhou no trabalho.

Me ensinou que emoções eram fraquezas, que pessoas mentem, que amor é uma ilusão que mulheres usam para conseguir o que querem. Ele me transformou numa cópia dele. Frio, calculista, incapaz de confiar. E quando Helena apareceu, a terapeuta se virou para ele. Quando essa mulher entrou na sua vida através de um contrato, algo que deveria ser seguro, controlado, Ricardo finalmente olhou para Helena e havia tanta emoção crua naqueles olhos verdes que ela quase parou de respirar.

Ela destruiu cada parede, cada defesa, cada lição que aprendi. Sua voz saiu rouca e isso me aterrorizou, porque se eu me permitisse amar, se eu me permitisse precisar dela e então ela fosse embora como minha mãe foi, eu não sobreviveria. Então tentei controlar, manter distância, transformá-la em objeto, não em pessoa, mas não funcionou, porque Helena se recusa a ser qualquer coisa além de completamente, frustrantemente, lindamente humana.

Helena estava chorando abertamente agora. Ela se virou completamente para ele. Ricardo, eu não sou sua mãe. Eu não te deixei por dinheiro. Fui forçada pela situação. Eu sei. Ele limpou uma lágrima do rosto dela com o polegar, um gesto tão suave que o coração dela derreteu. Racionalmente, eu sempre soube, mas o menino de 7 anos dentro de mim, ele tem medo o tempo todo.

Então nós ensinamos esse menino. Helena disse, cobrindo a mão dele com a sua, que nem todo mundo vai embora, que amor não é sempre traição. Tora Isabela sorriu fazendo anotações. Esse é um começo excelente. As semanas seguintes foram de desconstrução e reconstrução. Ricardo começou terapia individual também, trabalhando traumas mais profundos.

Helena aprendeu sobre seus próprios padrões, sua tendência a buscar validação externa, seu medo de não ser suficiente, sua dificuldade em pedir o que precisava e lentamente, laboriosamente eles começaram a construir algo novo. Ricardo começou pequeno. Jantares juntos viraram regra, não exceção. Ele chegava em casa às 7, algo revolucionário para um workaholic que antes trabalhava até meia-noite.

perguntava sobre o dia dela e realmente ouvia as respostas. Compartilhava histórias sobre seus negócios, suas frustrações, seus pequenos triunfos. Uma noite ele chegou em casa com sacolas de supermercado. “O que é isso?”, Helena perguntou curiosa. “Você disse uma vez meses atrás que adorava cozinhar, que era terapêutico. Ricardo parecia quase tímido.

Pensei que poderíamos tentar juntos.” Helena sorriu tocada pela lembrança. Você sabe cozinhar? Absolutamente não. Ele riu. Um som genuíno que ela raramente ouvia. Mas tem uma receita de risoto e YouTube. Quanto de desastre pode ser a resposta? Bastante desastre. Ricardo queimou o alho. Helena colocou sal demais. O risoto ficou empapado.

A cozinha virou um campo de batalha de panelas sujas e respingos de molho. Mas eles riram. Deus, como riram. Isso está horrível”, Helena disse, provando uma colherada do resultado final. “Pior risoto da história da Itália.” Ricardo concordou fazendo careta. Devíamos pedir comida definitivamente.

Eles pediram pizza e comeram sentados no chão da sala, encostados no sofá, conversando sobre tudo e nada. Ricardo contou sobre seu primeiro negócio, uma cafeteria que faliu espetacularmente quando tinha 22 anos. Helena compartilhou sobre seu sonho de infância de ser bailarina, abandonado quando percebeu que era péssima em dança. “Sério?” Ricardo virou-se para ela, sorrindo.

“Você péssima em algo?” “Ei, eu também tenho defeitos.” Helena o empurrou de brincadeira e então, sem planejar, sem pensar, Ricardo pegou o celular e colocou uma música suave. Dance comigo, Ricardo. Eu acabei de dizer que sou péssima em dança e eu acabei de provar que sou péssimo em cozinhar. Estamos empatados. Ele estendeu a mão. Helena a aceitou, deixando-se ser puxada para cima.

Eles dançaram desajeitadamente na sala, pisando nos pés um do outro, rindo dos próprios erros. E quando a música desacelerou, Ricardo a puxou mais para perto, sua testa encostando na dela. “Obrigado”, ele sussurrou. “Por quê? Por me dar uma chance, por me ensinar que o mundo não é só frio e calculista, por ser você?” Helena fechou os olhos sentindo o calor dele, o cheiro da colônia misturado com molho de tomate queimado, o ritmo constante do coração batendo contra o dela.

Obrigada você por tentar, por se abrir, por ser corajoso o suficiente para mudar. Eles ficaram assim, balançando suavemente até a música terminar. E quando se separaram, havia algo diferente no ar, uma ternura, uma promessa silenciosa. Talvez, apenas, talvez, aquilo pudesse realmente funcionar.

Naquela noite, pela primeira vez desde que se mudara, Helena dormiu sem preocupações, corroendo seu estômago, e Ricardo, deitado em seu próprio quarto, mas mais perto, em espírito do que nunca, sentiu algo que não experimentava desde criança. Esperança. Esperança de que amor não era sempre perda, de que confiar não era sempre traição, de que final feliz não era apenas conto de fadas. E tudo por causa de uma mulher teimosa que se recusara a ser apenas um contrato.

Dante percebeu a mudança em Helena imediatamente. Ela chegava ao trabalho com um brilho diferente nos olhos. Sorria mais. Parecia mais leve, como se um peso tivesse sido tirado dos ombros. E ele sabia porquê. Eles estavam almoçando no bistrô de sempre, discutindo uma campanha para um cliente novo quando Dante decidiu abordar o assunto. “Você parece feliz”, ele comentou.

Tomando um gole do vinho tinto. Diferente das últimas semanas. Helena corou levemente mexendo na salada. Eu estou. As coisas em casa melhoraram muito. Ricardo Dante perguntou, embora soubesse a resposta. Sim. O sorriso que curvou os lábios dela era genuíno, radiante. Nós começamos terapia de casal.

Ele está se esforçando, Dante, de verdade, conversando, se abrindo, tentando ser melhor. Dante observou a falar a forma como seus olhos brilhavam ao mencionar o marido, como gesticulava animadamente, descrevendo pequenos momentos que compartilhavam, e sentiu algo apertar em seu peito. Ele gostava de Helena mais do que deveria ter permitido. das últimas semanas, trabalhando lado a lado, compartilhando almoços e conversas, ele começara a imaginar possibilidades.

Ela era inteligente, apaixonada, talentosa e claramente infeliz no casamento, ou pelo menos tinha sido. “Eu fico feliz por você”. Dante disse. E era verdade. Doía, mas era verdade. Você merece ser feliz, Helena. Obrigada. Ela tocou a mão dele brevemente através da mesa.

E obrigada por tudo que fez por mim, me dar essa oportunidade, me ensinar tanto, me apoiar quando eu mais precisava. Sempre. Dante cobriu a mão dela com a sua. Mas Helena, preciso ser honesto com você sobre algo. Ela inclinou a cabeça, curiosa. Claro. Eu desenvolvi sentimentos por você. As palavras saíram mais difíceis do que Dante imaginara. Nada que eu tenha agido.

Nunca ultrapassei limites profissionais, mas preciso que você saiba. Eu te vejo, admiro você. E se as circunstâncias fossem diferentes, Dante? Helena retirou a mão delicadamente, os olhos arregalados. Deixa eu terminar. Ele sorriu, mas havia melancolia no gesto. Se as circunstâncias fossem diferentes, eu lutaria por você, mas elas não são. Você está casada.

E mais importante, você está apaixonada pelo seu marido. Eu não sei se eu diria apaixonada. Helena começou, mas parou ao ver a expressão de Dante. Helena, seu rosto se ilumina quando fala dele. Você está sempre verificando o celular para ver se ele mandou mensagem. Você sorri daquele jeito que só pessoas apaixonadas sorriem, como se tivesse um segredo maravilhoso.

Dante tomou outro gole de vinho e eu não vou ficar no caminho disso. Você não está no caminho de nada. Helena disse suavemente. Você é meu chefe, meu mentor, meu amigo e eu valorizo isso imensamente. Eu também, por isso vou me afastar um pouco. Dante se recostou na cadeira. Não do trabalho. Você é boa demais para perder, mas dos almoços frequentes, das conversas pessoais, preciso de distância para processar. Helena assentiu entendendo.

Eu sinto muito se fiz algo que Você não fez nada. Dante a interrompeu gentilmente. Você foi você mesma, autêntica, brilhante, real, e eu me apaixonei por isso. Mas não é culpa sua que seu coração pertença a outro. Eles terminaram o almoço em conversa mais leve. ambos evitando o peso emocional do que fora dito.

Quando voltaram ao escritório, Dante parou Helena antes de entrarem. “Uma última coisa”, ele disse, “se se ele voltar a te machucar, se ele te tratar como algo menos que extraordinária, você me liga, ok? Nem que seja só para conversar, ok?” Helena abraçou-o impulsivamente. “Obrigada por ser tão compreensivo.” Dante retribuiu o abraço, permitindo-se esse último momento antes de soltar.

Vai e seja feliz, Helena, cavalcante valente. É tudo que você merece. Naquela noite, quando Helena chegou em casa, encontrou Ricardo na cozinha tentando preparar o jantar novamente. Dessa vez espaguete. Ainda estava desajeitado, mas se esforçava. Oi. Ela sorriu largando a bolsa. Oi, como foi o dia? Foi interessante. Helena se aproximou, observando o mexer o molho. Dante me disse algo hoje.

Ricardo ficou tenso, a mão parando no meio do movimento. O quê? Que ele tem sentimentos por mim ou tinha? Helena se apoiou no balcão, observando a reação dele. Mas que vai se afastar porque percebeu que eu que nós que você o quê? Ricardo se virou completamente para ela, os olhos verdes intensos. Helena respirou fundo.

Era hora de ser corajosa, de admitir verdades que vinha evitando. “Que eu estou me apaixonando por você”, ela disse suavemente. “Pelo homem que você está se tornando. Pelo homem que sempre esteve ali embaixo, só precisava de alguém para mostrar que era seguro aparecer. O rosto de Ricardo se transformou. surpresa, alegria, vulnerabilidade, tudo junto.

Ele desligou o fogo do fogão e caminhou até ela, as mãos tremendo levemente quando seguraram o rosto dela. Você tem certeza? Porque, Helena, eu preciso que você tenha certeza, porque se eu me permitir acreditar nisso, se eu me entregar completamente e você mudar de ideia? Sua voz falhou. Eu tenho medo também. Helena admitiu, cobrindo as mãos dele com as suas. Medo de me machucar.

Medo de que isso seja bom demais para ser verdade. Mas eu também tenho certeza de uma coisa. Eu quero tentar de verdade, não como contrato, como como casal. Eu te amo, Ricardo disse, as palavras saindo num sussurro urgente, como se tivesse segurado por tempo demais. Eu te amo tanto que dói. Desde que você entrou na minha vida. Você é tudo que eu vejo, tudo que eu quero.

E eu vou passar cada dia provando que sou digno desse amor. Você já está provando. Helena sorriu através das lágrimas. Todo dia eles se beijaram. Então, suave, terno, carregado de promessas e possibilidades. Não era o primeiro beijo deles. Haviam se beijado superficialmente em público durante eventos.

Mas era o primeiro beijo real, o primeiro beijo escolhido, não obrigado, o primeiro beijo de amor. E quando se separaram, Ricardo pressionou a testa contra a dela, os olhos fechados, um sorriso pequeno nos lábios. O espaguete vai queimar. Que queime! Helena riu, puxando-o de volta para outro beijo. E naquele momento, com o alarme de fumaça começando a apitar ao fundo e risadas ecoando pela cozinha enquanto tentavam salvar o jantar, Helena soube.

Ela estava em casa, não apartamento luxuoso, mas nos braços daquele homem complicado, quebrado, maravilhoso. Enquanto isso, do outro lado da cidade, Dante estava sentado em seu próprio apartamento, olhando pela janela. Ele fizera a coisa certa. Permitira que Helena voasse em direção à felicidade dela, mesmo que significasse sua própria solidão.

E no fundo, embora doesse, ele sabia. Amor verdadeiro às vezes significa deixar ir. Ele desejou a ela toda a felicidade do mundo. E então, silenciosamente começou o processo de curar seu próprio coração, porque algum dia alguém o amaria do jeito que Helena amava Ricardo. E quando esse dia chegasse, ele estaria pronto.

Seis meses. Seis meses desde aquele beijo na cozinha enfumaçada. Seis meses de reconstrução, redescobrimento, aprendizado mútuo. Helena e Ricardo não acordaram um dia magicamente curados e perfeitamente sincronizados. Houve tropeços, discussões quando Ricardo voltava a padrões controladores, momentos em que Helena se fechava com medo de ser vulnerável demais.

Mas a diferença era que agora eles conversavam, não dormiam brigados, voltavam sempre para tentar de novo. A terapia continuou, ajudando-os a navegar os desafios. Ricardo aprendeu a expressar inseguranças sem tentar controlar. Helena aprendeu a pedir o que precisava, sem medo de ser rejeitada. E em algum lugar pelo caminho, o casamento de contrato se transformou em algo profundamente real.

Foi Ricardo quem sugeriu numa noite enquanto assistia um filme entrelaçados no sofá casar de novo? Helena ergueu a cabeça do peito dele confusa. Já somos casados no papel forçadamente. Ricardo pegou a mão dela brincando com a aliança que ela ainda usava. Mas eu quero fazer de novo por escolha, porque te amo e quero passar minha vida contigo.

Não por dois anos, para sempre. Os olhos de Helena se encheram de lágrimas. Você está me pedindo em casamento de novo? Estou. Ricardo se levantou do sofá e, para a surpresa dela, se ajoelhou. Não havia anel, isso era espontâneo, não planejado, mas havia amor. Tanto amor que Helena mal conseguia respirar. Helena Cavalcante, você aceita continuar casada comigo? Aceita renovar nossos votos, mas dessa vez porque escolheu, não porque teve que escolher? Sim.

Helena estava chorando e rindo ao mesmo tempo. Mil vezes sim. Eles marcaram a cerimônia para dois meses depois na praia de Grumari, numa tarde de sábado. Seria pequena, íntima, apenas família próxima e amigos queridos. Helena convidou seus pais, seu irmão Bruno, algumas amigas da faculdade. Ricardo convidou dona Márcia, que chorou copiosamente ao receber o convite.

Alguns colegas próximos do trabalho e para surpresa de Helena, Dante, você tem certeza? Helena perguntou quando viu o nome na lista. Tenho. Ricardo assentiu. Ele foi importante na sua vida e eu eu devo a ele por te valorizar quando eu não sabia como, por te fazer sorrir quando eu só conseguia te fazer chorar. Quero fazer as pazes.

Helena o beijou, orgulhosa do homem que ele se tornara. Dante aceitou o convite graciosamente e quando encontrou Ricardo alguns dias antes da cerimônia para tomar um café, encontro iniciado pelo próprio Ricardo, os dois homens finalmente conversaram de verdade. “Obrigado”, Ricardo disse sem rodeios por cuidar dela quando eu era idiota demais para perceber o que tinha. Dante sorriu tomando um gole de café.

Ela sempre soube cuidar de si mesma. Eu só estava lá. Você era mais que isso, e eu sei disso. Ricardo se inclinou para a frente. Eu sei que você sentiu algo por ela e sou grato porque mesmo assim você a encorajou a me dar uma chance. Ela te ama. Dante disse simplesmente: “E quem sou eu para ficar no caminho do amor verdadeiro?” Ele estendeu a mão. Então, trégua, paz entre nós.

Ricardo apertou a mão oferecida firmemente. Mais que trégua, respeito. E se um dia você encontrar alguém especial, espero que me permita celebrar com você. Combinado. O dia do casamento amanheceu ensolarado, como se o universo estivesse comemorando. A praia estava linda, cadeiras brancas dispostas em semicírculo, arco de flores tropicais, o mar azul turquesa brilhando ao fundo.

Helena usava um vestido de noiva simples, mas deslumbrante. Seda branca que dançava com a brisa, cabelos soltos em ondas naturais, uma coroa delicada de flores. Não tinha pai para entregá-la. Edmundo estava na primeira fileira chorando de orgulho.

Então ela caminhou sozinha pela areia porque aquela escolha era dela, só dela. Ricardo a esperava sob o arco e quando a viu, as lágrimas escorreram sem vergonha. Ele usava terno branco sem gravata, os pés descalços na areia. Parecia mais relaxado e feliz do que Helena jamais o vira. A cerimônia foi conduzida por um celebrante amigo da família, mas o momento mais importante foi quando eles trocaram votos.

Votos que haviam escrito juntos. Helena, Ricardo segurou as mãos dela, a voz embargada, mas firme. Quando nos casamos da primeira vez, eu te prometi um contrato. Hoje prometo meu coração, meu respeito e passar cada dia provando que você não é um negócio. Você é a minha vida inteira. Prometo te ouvir quando você falar, te apoiar quando você sonhar, te segurar quando você cair e te amar com cada respiração que eu tomar todos os dias que me restarem.

Helena limpou as lágrimas, respirando fundo antes de falar. Ricardo, sua voz tremeu, mas não quebrou. Você me ensinou que amor não é sempre bonito no começo. Às vezes precisa ser construído, tijolo por tijolo, escolha por escolha. Prometo ser paciente nos dias difíceis, ser grata nos dias fáceis, desafiar você a ser melhor e te amar exatamente como você é, falhas e tudo, porque suas imperfeições te tornam humano, e esse humano é quem eu escolho hoje e sempre.

Não havia olhos secos na plateia quando trocaram alianças, as mesmas de antes, mas agora carregavam significado completamente diferente. Eu os declaro marido e mulher. O celebrante sorriu novamente e dessa vez, por amor, o beijo foi aplaudido por todos, longo, profundo, cheio de promessas e novos começos. A festa foi descontraída.

Churrasco na praia, música ao vivo, dança na areia. Edmundo abraçou Ricardo longamente, sussurrando: “Obrigado por amar minha filha”. A mãe de Helena, Lúcia, chorou nos braços do genro, feliz por ver a filha radiante. Bruno, agora no último ano de medicina, brindou aos noivos, a minha irmã teimosa e ao cunhado que foi esperto o suficiente para perceber que tinha ouro nas mãos.

Dante se aproximou do casal no final da noite, abraçando Helena primeiro. “Seja feliz, é uma ordem”, ele sussurrou. Obrigada por tudo. Depois ele apertou a mão de Ricardo. Cuida dela com minha vida, Ricardo prometeu. Quando o sol começou a se pôr, pintando o céu de laranja e rosa, Ricardo e Helena se afastaram da festa, caminhando pela orla.

As ondas lambiam seus pés, a brisa bagunçava os cabelos dela e tudo era perfeito. Pronta para a lua de mel, Ricardo perguntou, puxando-a para mais perto. Fernando de Noronha, né? Helena sorriu. Como você lembrou que eu mencionei sobre o mar azul turquesa? Eu lembro de tudo sobre você. Ele beijou o topo da cabeça dela. Cada palavra, cada sorriso, cada sonho. Te amo.

Helena disse: “Tão natural quanto respirar. Te amo mais”. Ricardo respondeu: “E vou passar o resto da vida provando. Naquela noite, pela primeira vez, eles compartilharam o mesmo quarto, não por obrigação contratual, não por performance, mas porque escolheram, porque se amavam, porque eram finalmente, verdadeiramente um casal”.

E quando Ricardo segurou Helena nos braços, pele contra pele, coração contra coração, ele sussurrou: “Obrigado por não desistir de mim. Obrigado por valer a pena não desistir”, ela respondeu. E sob as estrelas do rio, em algum lugar entre mar e montanha, dois corações que começaram como estranhos, encontraram seu ritmo sincronizado, batendo juntos para sempre. A lua de mel em Fernando de Noronha foi tudo que Helena sonhara.

Dias mergulhando em águas cristalinas, noites sob estrelas impossíveis, momentos de intimidade que os conectaram de formas que nenhum contrato jamais poderia prever. Ricardo era atencioso, apaixonado, presente de uma forma que a surpreendia constantemente. E Helena se permitiu confiar completamente, deixar as paredes caírem, amar sem reservas, porque às vezes os melhores amores nascem dos lugares mais improváveis, e os finais felizes mais verdadeiros, são aqueles que precisaram ser conquistados.

Casamentos de conto de fadas existem em livros. Na vida real, mesmo o amor mais verdadeiro enfrenta tempestades. Helena e Ricardo descobriram isso nos meses seguintes à lua de mel. O primeiro grande desafio veio três meses após renovarem os votos. Ricardo havia fechado o maior negócio da carreira, um projeto de construção de um resorte sustentável na Bahia, parcerias internacionais, visibilidade nacional.

O projeto exigia sua presença constante, reuniões até tarde, viagens semanais. “Eu preciso ir para Salvador de novo”, ele anunciou numa quinta-feira arrumando papéis na pasta. Três dias dessa vez. Helena sentiu o estômago revirar. Era a quarta viagem em duas semanas. “Ricardo, você está perdendo jantares, conversas? Nossa terapia de ontem é temporário.” Ele a beijou rapidamente na testa.

Assim que o projeto estiver estabelecido, volta ao normal. Prometo. Mas não voltou. Semanas se transformaram em meses. Ricardo estava sempre distraído, sempre cansado, sempre só mais essa reunião. Helena tentou ser compreensiva. Ela sabia quão importante era o trabalho dele, mas começou a sentir aquela sensação familiar de ser deixada para trás.

Estamos virando meus pais”, ela disse numa noite quando ele cancelou outro jantar planejado. “Você trabalha demais, eu fico sozinha. Exatamente o padrão que juramos quebrar.” Ricardo parou no meio de ajustar a gravata, o rosto se fechando. Isso não é justo. “Eu estou construindo um futuro para nós. Eu não preciso de futuro se não tenho você no presente.

” Helena sentiu a frustração transbordar. Quando foi a última vez que conversamos de verdade, que jantamos juntos? que você me perguntou sobre meu dia. Você está sendo dramática e você está voltando a ser o Ricardo de antes, frio, distante, casado com o trabalho. A discussão escalou, coisas foram ditas, palavras afiadas, nascidas de frustração e medo.

Pela primeira vez desde que renovaram os votos, eles dormiram brigados, cada um em seu próprio quarto. De manhã, Ricardo entrou no quarto dela, os olhos vermelhos indicando que também não dormira. Você tem razão. Ele sentou na beira da cama. Eu estou me perdendo no trabalho de novo, usando como desculpa para não enfrentar. Medos? Que medos? Medo de que isso seja bom demais, que vou acordar e você terá percebido que pode ter alguém melhor. Ele olhou para as mãos.

Quando trabalho obsessivamente, eu controlo algo, mas com você, com nós, eu não controlo nada e isso me apavora. Helena pegou o rosto dele, forçando-o a olhá-la. Nós marcamos sessão extra de terapia hoje e você cancela o que tiver marcado. Mas hoje, Ricardo, nosso casamento ou seu trabalho. Escolhe.

Ele escolheu o casamento, cancelou reuniões, remarcou viagens e passaram três horas na sala da Dra. Isabela, destrinchando medos e padrões. Foi doloroso. Foi necessário. E quando saíram exaustos emocionalmente, Ricardo prometeu: “Equilíbrio. Vou contratar um sócio para dividir a carga. trabalho é importante, mas você é essencial”, e cumpriu. Nas semanas seguintes, ele efetivamente redistribuiu responsabilidades, estabeleceu limites mais claros, voltou a priorizar jantares e conversas, mas os desafios continuaram vindo.

A família de Helena, agora financeiramente estável, graças à ajuda de Ricardo, começou a pedir mais. Um primo precisava de empréstimo. Uma tia queria investimento numa ideia de negócio duvidosa. E Helena, com seu coração generoso, tinha dificuldade em dizer não. Helena, você não pode salvar todo mundo. Ricardo disse gentilmente quando ela mencionou o quinto pedido no mês.

Já ajudamos sua família, mas precisa haver limites. São meus parentes. Eles precisam de ajuda e alguns deles estão se aproveitando. Ele segurou as mãos dela. Amor, não estou dizendo para ignorá-los, mas você precisa aprender que não é sua responsabilidade resolver problemas de todo mundo. Foi uma lição difícil.

Helena teve conversas desconfortáveis, estabeleceu limites que alguns parentes não receberam bem, mas com Ricardo ao lado, apoiando-a, ela aprendeu que dizer não a tornava má pessoa. Depois veio o desafio de integrar suas vidas completamente. Helena ainda trabalhava na Morete em associados e amava, mas começou a sentir culpa.

Será que deveria largar e trabalhar com Ricardo? Vários conhecidos ensinuavam que era estranho não trabalhar na empresa do marido. “Você ama seu trabalho?”, Ricardo perguntou quando ela levantou o assunto. “Sim, você é incrível no que faz?” “Eu acho que sim. Então fica.” Ele beijou a testa dela. Eu me orgulho de ter uma esposa independente, talentosa, que constrói sua própria carreira.

Dane-se o que os outros acham, mas nem sempre era fácil. Houve noites em que Helena chegava exausta de um projeto difícil e Ricardo estava cansado de outro. Em vez de se apoiarem, esbarravam um no outro. Pequenas irritações viravam discussões. Pratos esquecidos na pia, modos diferentes de arrumar as coisas. Ele que deixava toalhas molhadas no chão. Ela que adiava decisões importantes.

Casamento é trabalho. Dra. Isabela disse numa sessão: “Amor é a base, mas o dia a dia exige esforço constante, comunicação, compromisso, escolher um ao outro de novo e de novo, mesmo nos dias chatos.” E eles escolheram toda vez, mesmo quando era difícil, mesmo quando era mais fácil fugir para o trabalho ou para as próprias frustrações.

Eles voltavam, conversavam, consertavam. Ricardo aprendeu a dividir tarefas domésticas sem ser pedido. Helena aprendeu a não guardar ressentimentos pequenos até explodirem. Ambos aprenderam que pedir ajuda não era fraqueza.

Um ano após renovarem os votos, eles fizeram um piquenique no Jardim Botânico, sem celulares, sem distrações. Apenas eles. Comida e conversa. “Ainda vale a pena?”, Helena perguntou, deitada com a cabeça no colo dele. Com todas as brigas e dificuldades, Ricardo acariciou os cabelos dela pensativo. Cada segundo ele sorriu. Porque as brigas significam que nos importamos o suficiente para consertar. As dificuldades provam que é real.

E você, você vale cada desafio, cada esforço, cada momento difícil. Por que os momentos bons, esses fazem tudo valer a pena. Helena se sentou, beijando-o suavemente. Eu te amo. Versão perfeita e imperfeita. Eu te amo mesmo quando deixo toalhas no chão. Especialmente quando deixa toalhas no chão. Ela riu. Porque é humano, é real, é nosso.

Enquanto o sol se punha através das árvores centenárias, pintando tudo de dourado, eles se abraçaram, dois seres imperfeitos, construindo um amor imperfeito, mas honesto, verdadeiro e absolutamente deles. As famílias cavalcante e valente lentamente se tornaram uma só. Edmundo e Ricardo desenvolveram amizade genuína, jogando xadrez aos domingos.

Lúcia ensinava receitas que Ricardo tentava reproduzir com sucesso variável. Bruno via em Ricardo uma figura de mentor, discutindo carreira médica e empreendedorismo. E todos, vendo o amor óbvio entre Helena e Ricardo, entenderam. Aquele casamento que começara como negócio tornara-se a história de amor mais improvável e mais linda que qualquer um deles poderia imaginar.

do anos, exatamente dois anos desde o casamento original no cartório. O contrato, aquele que Ricardo havia rasgado, tecnicamente terminaria hoje, mas eles não mencionaram porque não havia mais término, apenas continuação. Helena acordou naquela manhã de terça-feira, sentindo-se estranha, enjoo sutil, cansaço incomum. Achou que era excesso de trabalho.

A última campanha havia sido puxada, mas quando Enjoo persistiu pela terceira manhã consecutiva, ela decidiu comprar um teste. Não podia ser. Eles tomavam cuidado, mas também não tomavam tanto cuidado ultimamente. E seu ciclo estava atrasado. Dois semanas. As mãos tremiam quando ela fez o teste no banheiro às 7 da manhã com Ricardo ainda dormindo. 3 minutos.

Três minutos que pareceram eternos, duas linhas rosa, grávida. Helena sentou na borda da banheira, o teste na mão, o coração disparado, grávida, um bebê. Eles nunca haviam conversado especificamente sobre isso. Assumiam que aconteceria eventualmente, mas nunca planejaram quando ou como. E agora? Agora era real. Amor, você está bem? A voz de Ricardo veio do quarto. Ouvi você se mexendo.

Helena abriu a porta do banheiro. Ele estava sentado na cama, os cabelos despenteados, os olhos ainda sonolentos, lindo, e prestes a receber notícias que mudariam tudo. Eu estendeu o teste sem palavras. Ricardo olhou para o objeto branco com as duas linhas rosa. Levou alguns segundos para processar. Então seus olhos se arregalaram. Isso é, você está grávida.

Helena confirmou a voz tremendo. Nós vamos ter um bebê. Por um longo momento, Ricardo apenas olhou para o teste, depois para Helena, depois para o teste novamente. E então, para total surpresa dela, ele ficou pálido e saiu correndo para o banheiro, fechando a porta. Helena ouviu sons de água correndo. Depois nada. Ela bateu suavemente.

Ricardo, silêncio. Ricardo, por favor, fala comigo. A porta se abriu lentamente. Ricardo estava sentado no chão do banheiro, as costas apoiadas na banheira, a cabeça entre as mãos. “Eu não posso fazer isso”, ele sussurrou. O coração de Helena gelou. O quê? Ter um filho? Ser pai? Eu Ele Ele levantou o rosto e havia pânico puro naqueles olhos verdes. Helena, meu pai foi terrível.

frio, ausente, me transformou numa versão miniatura dele. E se eu fizer o mesmo? E se eu estragar nosso filho do jeito que fui estragado? Helena sentou no chão ao lado dele, pegando suas mãos. Você não é seu pai, como você sabe? Ricardo estava claramente à beira de um ataque de pânico. Padrões se repetem.

O que se eu não conseguir amar esse bebê direito? O que se eu for frio, distante e o machucar? Ricardo, olha para mim. Helena virou o rosto dele para o dela. Você acha que seu pai teria essa preocupação? Que ele ficaria apavorado com a possibilidade de ser um pai ruim? Não, exatamente.

O fato de você estar preocupado já prova que é diferente. Ela acariciou o rosto dele. Você escolhe quem ser todo dia. E eu vi você escolher ser melhor, ser mais gentil, ser mais presente. Você vai escolher ser um pai incrível também. E se eu não souber como, então aprendemos juntos. Helena sorriu através das lágrimas.

Eu também estou apavorada, sabia? Não faço ideia de como ser mãe. Mas vamos descobrir. Eu, você e esse pequeno humano que está crescendo aqui. Ela colocou a mão dele sobre sua barriga ainda lisa. Ricardo ficou com a mão ali processando. Um bebê. seu bebê deles. Lentamente, o pânico nos olhos dele foi substituído por algo diferente. Espanto, maravilhamento, amor.

“Nós vamos ter um bebê”, ele repetiu, mas dessa vez soando diferente. “Não apavorado, maravilhado. “Vamos”. Helena, confirmou. Ricardo a puxou para um abraço desesperado, enterrando o rosto no pescoço dela. “Eu estou com tanto medo. Eu também, mas estamos juntos, lembra? Sempre juntos. Os meses seguintes foram um turbilhão. Eles contaram as famílias que explodiram de alegria. Lúcia chorou.

Edmundo já planejava o quarto do neto. Bruno brincou que ia ser o tio médico favorito. Dona Márcia fez questão de preparar todas as comidas que grávidas supostamente precisam. Ricardo mergulhou em livros sobre paternidade com a mesma intensidade que dedicava aos negócios. Fez listas, planejou. Até montou o quarto do bebê pessoalmente, pintando paredes, montando berço, organizando cada detalhe.

Helena ria vendo- oo tão dedicado. “Você está bem?”, ela perguntou uma noite, observando ler o quinto livro de paternidade do mês. “Estou me preparando”, ele disse seriamente. “Quero fazer tudo certo. Amor, não existe manual perfeito para ser pai. Você vai errar às vezes. Eu também. E está tudo bem.” Mas Ricardo era obstinado.

Ele ia a todas consultas de pré-natal, fazia perguntas detalhadas aos médicos, anotava tudo. Quando Helena teve enjoos, ele segurava seu cabelo. Quando suas costas doíam, massage horas. Quando ela chorava sem motivo aparente, hormônios, ele apenas segurava sua mão. “Você vai ser um pai incrível”, Helena disse uma noite, observando-o conversar com sua barriga de sete meses.

Sabe como eu sei? Como? Porque você ama esse bebê antes mesmo dele nascer? Porque você está disposto a mudar, crescer, aprender, porque você escolhe aparecer todo dia. No oitavo mês, o ultrassom revelou: eram gêmeos, um menino e uma menina. Ricardo quase desmaiou na sala do médico. Dois? Ele repetiu pálido. São dois bebês? Sim, senhor Valente.

A médica sorriu. Gêmeos saudáveis. Parabéns. No carro. Voltando para casa, Ricardo estava em silêncio absoluto. Helena começou a se preocupar. Você está bem? Dois. Ele disse finalmente, Helena, são dois. Se eu mal conseguia processar ser pai de um, agora são dois pequenos seres humanos que vão depender de mim. De nós, Helena corrigiu.

Vão depender de nós. Juntos. Juntos. Ricardo repetiu como um mantra. Então, lentamente, um sorriso curvou seus lábios. Um menino e uma menina. Nós vamos ter um menino e uma menina. Vamos. Helena sorriu também. Precisamos de dois de tudo. Dois berços, duas cadeirinhas, duas. Ricardo. Helena, riu. Respira. Uma coisa de cada vez.

Mas ele estava empolgado agora, toda a ansiedade se transformando em ação. E Helena, observando-o planejar animadamente, soube. Ele ia ser um pai maravilhoso, não perfeito, mas presente, amável, real. No final do nono mês, numa madrugada chuvosa, as contrações começaram. Ricardo, que dormia com um ouvido sempre alerta, acordou imediatamente. É agora.

Ele pulou da cama já pegando a bolsa de maternidade que preparara semanas antes. Calma. Helena respirou através da contração. Ainda temos tempo. Mas Ricardo já estava no modo pânico controlado. Ligou para o médico, para a família, pegou o carro no hospital, segurou a mão de Helena através de cada contração, sussurrando o encorajamento, limpando o suor da testa dela.

“Você consegue”, ele dizia repetidamente. “Você é a mulher mais forte que conheço. 18 horas de trabalho de parto, 18 horas de dor, medo, esperança. E então é um menino. O médico anunciou. O choro do bebê encheu a sala. Ricardo olhou para aquele pequeno ser enrugado e vermelho e sentiu algo dentro dele se quebrar e se recompor simultaneamente. “Eitor”, ele sussurrou.

O nome que haviam escolhido juntos. 2 minutos depois, outra pequena vida chegou. e uma menina, Alice. Sua pequena Alice. Os dois bebês foram colocados nos braços de Helena, que chorava e ria ao mesmo tempo. Ricardo se ajoelhou ao lado da cama, olhando para sua família, sua esposa exausta, mas radiante, seus dois filhos minúsculos e perfeitos.

Obrigado”, ele sussurrou para Helena, lágrimas escorrendo livremente. “Obrigado por me dar uma família de verdade, por me ensinar a amar, por provar que eu podia ser mais que meu passado.” Helena, com um bebê em cada braço, sorriu. Nós fizemos isso juntos, cada passo e vamos continuar fazendo. Esses dois pequenos humanos perfeitos são prova de que amor pode nascer dos lugares mais improváveis.

Ricardo beijou a testa dela, depois beijou delicadamente cada bebê. “Eu amo vocês”, ele disse para os três. “Mais que tudo, para sempre”. E naquela sala de hospital, com chuva batendo nas janelas e duas pequenas vidas recém-chegadas ao mundo, uma família nascia, não perfeita, mas escolhida, realmente cheia de amor.

Os primeiros meses com gêmeos foram caóticos, noite sem dormir, fraldas infinitas. choros simultâneos que deixavam ambos exaustos. Mas Ricardo estava presente em cada momento, dividindo mamadas noturnas, trocando fraldas sem reclamar, embalando bebês inquietos. E toda vez que segurava Heitor ou Alice, ele fazia uma promessa silenciosa.

Eles nunca se sentiriam não amados, nunca se sentiriam abandonados, nunca duvidariam que eram queridos. Ele quebraria os padrões, criaria novos. E esses dois pequenos humanos cresceriam sabendo que amor é escolha e que seu pai os escolheria todo dia, para sempre. 5 anos depois. A cobertura em Leblon já não era o espaço gélido e impessoal de antes. Fotografias cobriam as paredes.

Helena grávida, os bebês recém-nascidos, primeiros passos aniversários, momentos cotidianos capturados em risos e abraços. Brinquedos coloridos se espalhavam pela sala antes impecável. Desenhos infantis decoravam a geladeira. Havia vida, bagunça linda e maravilhosa. Helena, agora com 29 anos, havia se tornado diretora executiva na Moret em Associados.

Dante, que seguira sua vida e encontrara amor próprio, oferecera a promoção pessoalmente, reconhecendo seu talento innegável. Ela equilibrava carreira e maternidade com a ajuda de Ricardo, que aprendera que parceria significa dividir tudo, glórias e desafios. Ricardo aos 37 expandira a valente incorporações significativamente, mas mudara sua abordagem, contratara sócios, delegara responsabilidades, estabelecera limites claros, porque descobrira que seu maior sucesso não estava em prédios construídos, mas em estar presente nas vidas das pessoas que amava. Os gêmeos, Eitor e Alice, aos

três anos eram sapecas adoráveis. Eitor tinha os olhos verdes do pai e a curiosidade insaciável da mãe. Alice tinha os olhos cor de mel de Helena e a teimosia determinada de Ricardo. Ambos tinham o pai completamente enrolado nos dedinhos. Era sábado à tarde. Ricardo estava sentado no chão da sala, cercado por peças de Lego, tentando montar um castelo com ajuda útil dos filhos.

Papai, esse aqui. Alice apontava para uma peça azul, embora Ricardo precisasse de uma vermelha. Tá certo, princesa. Ele colocou a peça azul porque discutir com uma criança de três anos não valia a pena. Eu quero fazer a torre. Heitor tentava pegar as peças, derrubando metade do que estava montado. Eitor, devagar, tarde demais.

O castelo meio construído desmoronou. Em vez de frustração, Ricardo apenas riu e começou de novo. Helena observava da porta, o coração apertado de tanto amor. Aquele homem, que um dia fora gélido e controlador, estava sentado no chão brincando com os filhos, totalmente presente, totalmente feliz. “Amor, vem ajudar.” Ricardo chamou vendo-a. A gente precisa de reforços arquitetônicos aqui.

Helena se juntou a eles no chão e por 20 minutos a família Valente construiu e reconstruiu várias vezes um castelo de Lego. Até que Heitor decidiu que era mais divertido derrubar e ali se concordou. E o castelo virou destroços sobalhadas infantis. todo o nosso trabalho. Ricardo fez expressão exagerada de choque, fazendo as crianças rirem mais ainda.

Mais tarde, com os gêmeos cochilando, Helena e Ricardo se sentaram na varanda, observando o pôr do sol sobre o mar de Leblon. Ela estava encostada nele, a cabeça em seu ombro, os dedos entrelaçados. “Você se lembra?”, Helena disse suavemente. “Do dia que nos casamos pela primeira vez. Como esquecer?” Ricardo beijou o topo da cabeça dela. Você estava furiosa.

Eu estava sendo um idiota. Você lembra o que disse? Isso é puramente business. Você é um investimento necessário, nada mais. Ela citou, mas sem dor. Era memória distante agora. Eu era um imbecil. Ricardo admitiu aterrorizado de sentir qualquer coisa. Mas você você me salvou de mim mesmo.

Nós salvamos um ao outro. Helena corrigiu. Você me ensinou que vulnerabilidade não é fraqueza. Eu te ensinei que amor não é perda. Eles ficaram em silêncio confortável, observando o céu pintar-se de cores impossíveis. Valeu a pena? Ricardo perguntou. Cada momento difícil, cada briga, cada desafio, cada segundo. Helena se virou para olhá-lo.

Porque me trouxe até você? Não o Ricardo do contrato, o Ricardo real. O homem que lê histórias infantis com vozes engraçadas, que monta castelos de Lego no chão, que chora em filmes da Pixar mesmo fingindo que não chora. Eu não choro em filmes da Pixar. Ricardo protestou. Você soluçou em viva. A vida é uma festa. Eu vi. Aquele filme é emocionalmente manipulador. Ele resmungou, mas sorriu. Helena riu, beijando-o suavemente.

Eu te amo. Todas as suas versões. A que era fria, porque te trouxe até a que sabe amar. A que é vulnerável porque é corajoso. A que é pai porque é o melhor que eu poderia ter escolhido para nossos filhos. Eu te amo mais. Ricardo puxou-a para mais perto. Obrigado por não desistir quando seria mais fácil, por me dar chances que eu não merecia.

por construir essa vida linda comigo. Naquela noite, houve um evento empresarial, uma gala beneficente que ambos tinham que comparecer. Era o tipo de evento que Helena aprendera a navegar, mas que ambos preferiam evitar. No salão luxuoso, cercados por empresários e esposas, eles circulavam juntos. Mas agora era diferente.

Ricardo mantinha a mão sempre na dela, não por obrigação, mas por escolha. apresentava com orgulho genuíno minha esposa, Helena, diretora executiva na Morete em Associados. Durante o jantar, um jovem casal se aproximou deles. A mulher, visivelmente desconfortável sussurrou para o marido.

Ele finalmente se virou para Ricardo e Helena. Desculpem interromper, mas vocês são Helena e Ricardo Valente, certo? Sim. Ricardo confirmou intrigado. Nós, o jovem olhou para a esposa. Estamos considerando um casamento de conveniência por razões empresariais e conhecemos sua história, ou pelo menos versão dela, que vocês se casaram assim também.

Helena e Ricardo trocaram olhares cúmplices, anos de comunicação silenciosa fluindo entre eles. “Vocês recomendam?”, A mulher perguntou esperançosa. Ricardo suspirou, depois sorriu. “Não recomendo”, ele disse honestamente. “A menos que estejam preparados para ter suas vidas completamente transformadas, para enfrentar partes de vocês mesmos que tentaram esconder.” Helena acrescentou.

“Para se machucarem antes de se curarem”. Ricardo continuou para descobrirem que amor pode nascer dos lugares mais improváveis. Helena terminou sorrindo. Mas se sobreviverem a tudo isso, Ricardo olhou para Helena, aqueles olhos verdes cheios de amor, admiração, gratidão. Se conseguirem atravessar o fogo e saírem do outro lado juntos, vale cada segundo difícil.

Então vocês recomendam? O jovem perguntou confuso. Não. Helena e Ricardo disseram em uníssono, depois riram. O que recomendamos? Helena explicou. é honestidade, comunicação. E se vocês decidirem fazer isso, lembrem-se, contratos podem ser rasgados, mas escolhas diárias, essas constróem algo real. O casal agradeceu e se afastou, claramente com muito o que pensar.

Mais tarde, dançando na pista sob lustres de cristal, Ricardo puxou Helena mais para perto. “Você acha que eles vão fazer?”, ele perguntou. Não sei. Helena apoiou a cabeça no peito dele, ouvindo o coração bater. Mas espero que, se fizerem, tenham tanta sorte quanto nós. Encontrar amor onde não deveria existir. Não foi sorte. Ricardo corrigiu. Foi escolha. Sua escolha de ficar quando poderia ter ido. Minha escolha de mudar quando era mais fácil permanecer o mesmo.

Nossas escolhas diárias de continuar tentando. A música mudou para algo mais lento. Ao redor deles, outros casais dançavam. Mas naquele momento, Helena e Ricardo só viam um ao outro. Para onde vamos agora? Helena perguntou. Nós já temos a carreira, o casamento, os filhos. Qual é o próximo capítulo? Todos. Ricardo sorriu.

Todos os capítulos que nos restam, as aventuras, os desafios, os momentos tranquilos de sábado de manhã, os aniversários das crianças, o primeiro dia de aula, adolescência, Deus nos ajude, netos, talvez. Envelhecer juntos. Envelhecer juntos. Helena repetiu, gostando de como soava. Você eu, cabelos grisalhos, sentados na varanda reclamando das costas. Exatamente.

Ele a girou. suavemente. E em cada momento, em cada dia, escolhendo um ao outro, de novo e de novo, eles saíram da gala cedo, ansiosos para voltar para casa, para seus filhos dormindo com dona Márcia, vigiando, para seu espaço cheio de amor e bagunça, para a vida que construíram, tijolo por tijolo, escolha por escolha.

No carro, Helena olhou para Ricardo, dirigindo, e sentiu uma onda de gratidão tão forte que quase doeu. “Ei, ela chamou. Hum, obrigada. Por quê? Ele olhou para ela rapidamente antes de voltar os olhos para a estrada, por ser meu erro mais lindo, minha melhor decisão disfarçada de desespero, meu casamento de mentira que virou realidade, meu amor improvável.

Ela pegou a mão livre dele, entrelaçando os dedos. Obrigada por cada momento, bom e ruim, porque todos me trouxeram até aqui, até nós. Ricardo apertou a mão dela, a garganta apertada de emoção. O prazer foi todo meu, senhora Valente. Todo meu. Quando chegaram em casa, verificaram os gêmeos dormindo profundamente.

Agradeceram dona Márcia e finalmente se acomodaram na cama juntos, como sempre. Ricardo Helena, sussurrou no escuro. Sim, eu faria tudo de novo. Cada decisão, cada lágrima, cada sorriso, tudo que nos trouxe até aqui. Eu também. Ele a puxou para seus braços, beijando a testa dela. Eu também, amor. Eu também. E enquanto o rio dormia lá fora, indiferente e eterno, dentro daquela cobertura que já não era gaiola, mas lar, duas almas que começaram como estranhos, descansavam juntas, conectadas, completas, escolhidas.

Porque às vezes os melhores amores não são aqueles que chegam fácil, são aqueles que precisam ser conquistados, construídos, escolhidos, dia após dia após dia, para sempre. que assim, o que começou como um contrato frio numa tarde chuvosa, transformou-se na história de amor mais improvável e mais verdadeira que Helena e Ricardo poderiam imaginar.

Eles provaram que amor não conhece regras, que casamentos podem começar como negócios, mas terminar como poesia, que pessoas podem mudar quando encontram motivo suficiente e que final feliz não significa perfeição, significa escolher lutar pelo que importa. Hoje, amanhã e todos os dias depois, porque amor verdadeiro, esse não tem data de validade