A luz azulada das telas era a única coisa viva naquele escritório. Lá fora, a madrugada engolia a serra e a neblina batia no vidro como um sopro gelado. Eduardo Barreto estava sozinho, os ombros tensos, o café já frio entre os dedos. E então, numa das telas, ele viu algo que não fazia sentido. A caneca escorregou, caiu. O café se espalhou pelo chão, mas ele nem percebeu.
Eduardo simplesmente desabou de joelhos, a mão cobrindo a boca, os olhos grudados na imagem, porque na tela, na imagem granulada da câmera do quarto de terapia, Vitória, a nova empregada estava ajoelhada ao lado de Lucas. Ajoelhada como quem reza, como quem cuida, como quem conhece uma dor que não aparece nos exames.
E por um instante, um instante tão curto que quase não existiu, Eduardo sentiu algo que não sentia há anos, algo que doía, algo que ele imediatamente tentou esmagar. Mas antes que aquela sensação pudesse virar qualquer coisa, a história voltou alguns dias. Naquela manhã, a Serra da Mantiqueira parecia uma pintura silenciosa.
O ar tinha cheiro de folha molhada e madeira fria. O vento passava por entre os pinheiros, como uma respiração pesada demais para ser ignorada. Por fora, a mansão de Eduardo parecia perfeita. Varandas de madeira, vidro refletindo nuvens baixas, muros de pedra, portão eletrônico, vigilância 24 horas. Por dentro, ninguém chamaria aquilo de lar. Eduardo estava na cozinha, parado diante de uma xícara que não tocava há mais de 15 minutos.
O vapor já tinha sumido. A mão dele permanecia firme na alça, como se soltar fosse admitir alguma fraqueza. Do outro lado da porta de vidro, o quintal estava coberto de neblina, mas a mente dele enxergava outra cena, uma que não voltaria mais. Lucas correndo desengonçado, com a chuteira maior que o pé, rindo, caindo, levantando. Olha eu, pai, olha eu.
A lembrança era tão nítida que o ar parecia pesar, mas a realidade era a cadeira de rodas parada no canto do quarto de terapia, realidade que Eduardo evitava olhar de frente. Era mais fácil checar câmeras, travar portas, reforçar regras. Era mais fácil se esconder atrás de controle do que encarar o que doía. Nos corredores, máquinas leves faziam um zumbido constante.
O compressor do respirador de fisioterapia, o bip ocasional do monitor cardíaco portátil, o clique dos sensores nas portas. Eduardo instalara tudo aquilo, não só por segurança, mas para garantir que o caos nunca mais ultrapassaria aquelas paredes. Era o que ele repetia para si. Mas a verdade se impunha, sutil, amarga. O caos já estava lá dentro, estava nele. As traições tinham começado logo depois do acidente.
Uma enfermeira filmou o equipamento de Lucas e vendeu a matéria para um site de fofoca. Um jardineiro roubou um relógio suíço. O último motorista sumiu durante a noite com acesso ao aplicativo bancário. Cada golpe arrancava um pedaço da confiança dele e um pedaço de humanidade também, até sobrar um homem duro, fechado, que só se sentia seguro quando tudo e todos estavam sob vigilância.
Naquele dia a nova contratação chegaria e ele já estava preparado para o pior. O interfone tocou às 9 em ponto. A câmera da portaria mostrou um carro pequeno subindo à ladeira. Da porta traseira desceu uma mulher magra, cabelo preso, casaco marrom simples e uma mala pequena. Caminhava devagar, mas não por medo. Parecia respeitar o silêncio da manhã. Vitória Almeida, a nova funcionária.
Eduardo esperou no hall, terno escuro, camisa sóbria, postura de quem não está ali para simpatias. Quando ela entrou, o cheiro de chuva veio junto. Vitória sorriu rápido, um sorriso curto, quase tímido, e parou diante dele. “Senor Eduardo”, ela disse voz baixa, clara. Ele não respondeu ao sorriso, estendeu uma prancheta.
Regras da casa são para cumprir, não para discutir. Ela pegou o documento sem protestar. A caneta deslizou firme sobre o papel. Eduardo listou num tom seco, como se repetisse pela centésima vez. Nada de fotos, nada de visitantes, celular só no quarto, fora do horário de serviço. E, principalmente, nada de criar vínculo com o meu filho. Ele já tem profissionais suficientes. Vitória só a sentiu. Entendi, senhor.
Era isso que irritava Eduardo. calma dela, a ausência de reação, como se nada daquilo a surpreendesse, como se ela já tivesse visto gente quebrada antes. Ao final do dia, a mansão estava silenciosa. O tipo de silêncio que dá eco, o silêncio em que Eduardo se sentia mais à vontade, porque nele ninguém esperava nada dele.
Ele entrou no escritório, fechou a porta e ligou o painel de monitores. Um mosaico de pequenos retângulos iluminou o rosto cansado dele. Câmera do corredor, câmera da sala, câmera da cozinha, câmera do quarto de terapia. Uma por uma, ele passou cuidadosamente. Vitória organizando almofadas na sala. Vitória dobrando o cobertor de microfibra com uma precisão quase ritual.
Vitória passando a mão sobre a bancada limpa, não para verificar sujeira, mas como quem respeita o espaço onde está pisando. Eduardo avançou o vídeo, retrocedeu, deu um. Não tinha nada de errado e isso deixava ele ainda mais desconfiado. Quando ela chegou diante da porta do quarto de Lucas, Eduardo instintivamente se inclinou paraa frente. Vitória parou, bateu dois toques leves, esperou e só entrou quando o silêncio permitiu.
Ele aumentou o volume, mas só ouviu passos tranquilos, o som leve de um livro sendo movido, o clique de uma janela sendo ajustada. Nenhuma pergunta, nenhuma tentativa de puxar conversa, nenhuma invasão. E aquilo, aquilo incomodou porque parecia verdadeiro demais. Eduardo fechou os olhos um instante, respirando fundo. Procurou algo na imagem que justificasse o medo, qualquer detalhe, um olhar disfarçado, um gesto fora do lugar.
Mas tudo que encontrou foi calma, uma calma que ele já não reconhecia. Lá fora, o vento bateu forte contra a janela do escritório. Uma rajada que fez a porta tremer. Eduardo abriu os olhos desconfortável e enquanto os monitores continuavam iluminando o rosto dele, um quadradinho piscou no canto direito, a luz vermelha indicando gravação contínua.
Ele olhou fixamente para aquele ponto, para aquela pequena luz insistente, e, sem perceber, apertou com força o guardanapo que tinha usado para limpar o café derramado mais cedo. Um guardanapo amarrotado entre os dedos, exatamente como a vida dele, limpo por fora, mas marcado por um tremor que ninguém via.
A fortaleza estava ali perfeita, vigiada, invencível. Mas aquela pequena luz piscando, aquela calma estranha da mulher nova e o silêncio pesado do filho atrás da porta, tudo aquilo anunciava que alguma coisa, muito em breve iria rachá-la por dentro. Nos dias seguintes, a mansão permaneceu silenciosa, tão silenciosa que qualquer passo parecia um pensamento dito alto demais.
Mas Eduardo começou a perceber algo estranho naquele silêncio. Não era mais o vazio duro de antes, era diferente, como se uma respiração nova tivesse entrado sem pedir licença. Ele recusava a admitir isso, mas o incômodo estava ali, discreto, como o frio que entra por frestas que ninguém notou.
Na manhã da quinta-feira, Eduardo passou pelo corredor que dava para o quarto de terapia. A porta estava entreaberta e ele ouviu só o som suave de objetos sendo movidos. O clique de um livro, o leve roçar de tecido, o som do vento batendo na vidraça. Ele não entrou. Não fazia isso. Apenas seguiu até o escritório, trancou a porta e abriu o painel de monitores. No retângulo do quarto de Lucas, Vitória estava de costas.
Organizava os brinquedos numa prateleira alta. carrinhos, bonecos, livros coloridos, quase todos esquecidos desde o acidente. Ela movia cada item com cuidado, como quem devolve vida ao que estava adormecido. “Isso não significa nada”, ele murmurou para si, mas continuou olhando. Lucas estava na cadeira de rodas ao lado da janela, o rosto voltado para a serra, a mão imóvel sobre o braço da cadeira.
Vitória passou devagar atrás dele, não o tocou, não tentou puxar assunto, só ajustou a cortina, deixando a luz entrar sem machucar. Depois ela pegou uma bandeja simples, uma xícara de chá para ela e do lado um copo de água morna com limão para o garoto. Pela câmera, Eduardo quase pôde sentir o vapor subindo do copo. Trouxe isso.
Caso você queira tentar hoje, ela disse sem esperar resposta. Lucas não se moveu. Vitória só fez um aceno leve com a cabeça, como quem entende a linguagem do silêncio, e voltou para a prateleira. Eduardo apertou os lábios. Ainda não era prova de nada. Ainda não, mas algo dentro dele se mexeu. Naquela noite, depois que todos dormiram, Eduardo voltou ao escritório como quem retorna a um vício.
Ligou as telas e buscou a gravação da tarde. Vitória apareceu no canto do vídeo, sentada no chão do quarto de terapia, as pernas cruzadas, o livro infantil aberto no colo. Ela não começou a ler, logo. virava as páginas devagar, como quem conversa com o tempo. Lucas a observava sem chegar a olhar diretamente. “Hoje vou te contar sobre um elefante meio atrapalhado”, ela disse com um sorriso curtinho.
Quando fez a voz do elefante, saiu algo entre um velho resmungão e um assovio mal feito, ridículo. Tão ridículo que até Eduardo soltou um sopro pelo nariz, um quase riso que ele cortou rápido demais. Na tela, Lucas tentou esconder. Tentou mesmo, mas a câmera era cruel.
Capturou o canto da boca dele, tremendo, depois subindo um fio. E, por fim, um som pequenino, quase um soluço alegre. Eduardo pausou o vídeo. O som continuou ecoando dentro dele. Ele colocou a gravação do segundos para trás. De novo e de novo. Cada repetição do riso abafado atingia um ponto que ele achava que já tinha fechado para sempre. “Não se apega a isso”, ele sussurrou, afastando a cadeira, mas seus olhos voltaram sozinhos para a tela.
No dia seguinte, por volta das 4 da tarde, o sol atravessava o vidro da sala de estar, tingindo tudo com um dourado leve. Eduardo passava pelo corredor quando ouviu outro barulho. Blocos de madeira batendo uns nos outros. Ele se aproximou. A porta do quarto de terapia estava aberta. Vitória estava agachada ao lado de Lucas. O menino tentava encaixar um bloco azul no topo de uma torre torta.
A mão dele tremia pouco, mas tremia. Vitória segurava o bloco entre os dedos, oferecendo apenas quando ele pedisse. “Quer tentar esse agora?”, Ela perguntou, mostrando o bloco como quem oferece escolha, não obrigação. Lucas assentiu devagar e ele mesmo estendeu a mão. Eduardo congelou no batente. Aquilo nunca tinha acontecido na frente dele. Vitória virou-se e se assustou por um segundo ao vê-lo ali.
Eu só estava Ela começou. Ele cortou. Você não precisa ficar entretendo ele. Não é sua função fazer graça. O silêncio que veio depois não foi pesado, foi pontudo. Entrou no espaço como uma lâmina. Vitória respirou fundo antes de responder. Não estou entretendo ninguém, Senr. Eduardo. Ela olhou para Lucas e depois para ele. Estou enxergando.
A frase bateu no peito de Eduardo como uma pancada seca, porque ele sabia o que significava viver com alguém sem realmente vê-lo. Lucas recuou um pouco na cadeira. Eduardo percebeu e isso o feriu mais do que admitiria. “Faz seu trabalho”, ele disse, virando as costas. A voz soou dura demais, até pros próprios ouvidos. A noite desceu pesada sobre a mansão.
Eduardo não conseguiu jantar, não conseguiu conversar com ninguém, só entrou no quarto, apagou as luzes e deitou, mas o sono não veio. A frase ficava batendo na cabeça, insistente, como um farol na madrugada. Estou enxergando. Enxergando o quê? O menino que ele próprio mal conseguia encarar.
Um homem que fingia ter controle enquanto desmoronava por dentro. Eduardo virou de um lado pro outro na cama até não aguentar. Levantou, foi até o escritório, ligou os monitores de novo. Na tela, um replay do final da tarde. Vitória entregando o bloco, Lucas aceitando, a mão dele não recuando, a respiração dos dois em sintonia, uma calma que Eduardo não reconhecia mais.
E então, no último frame do vídeo, algo chamou a atenção dele. A câmera capturou um reflexo no vidro da janela, quase imperceptível. O rosto de Lucas, bem rápido, olhando para Vitória com um brilho tímido nos olhos, um brilho que Eduardo não via desde antes do acidente. Ele aproximou o rosto do monitor, como se pudesse entrar naquela imagem.
O brilho desapareceu em um segundo, mas bastou para virar algo dentro dele. Algo que não era esperança, era o medo de sentir esperança. Ele passou a mão no rosto, respirou fundo, encostou a testa no monitor desligado, onde a própria imagem dele se refletia, cansada, quebrada, confusa.
E naquele reflexo escuro, no exato lugar onde antes existia apenas vigilância, tinha agora um detalhe quase invisível. O bloco azul, o mesmo da torre, esquecido num canto do quarto de terapia, inclinado contra a parede, pronto para cair, ou para ser colocado de volta no topo, se alguém tivesse coragem de tentar. Naquela noite, a mansão parecia maior do que realmente era. Maior, mais vazia, mais fria.
O tipo de silêncio que faz a gente ouvir o próprio coração, mesmo quando não quer. Eduardo caminhava pelos corredores como quem não sabe exatamente para onde está indo. Não estava procurando vitória. Pelo menos era isso que tentava convencer a si mesmo. Mas seus pés o levaram até lá, o corredor do andar de hóspedes. A luz estava baixa.
As sombras das molduras dançavam nas paredes a cada sopro do vento lá fora. Quando ele parou diante da porta do quarto dela, o estômago apertou. Parte dele dizia para voltar. Outra parte, a parte mais inquieta, a parte que não dormia há meses, mandava entrar. Girou a maçaneta. A porta se abriu com um rangido curto.
O quarto era pequeno, mas arrumado com um cuidado que não existia no resto da casa. O abajur desligado, a cama perfeitamente esticada, o cobertor dobrado no pé da cama. Havia um cheiro leve de chá de camomila e na pia do banheiro uma xícara com a borda ainda úmida. Sobre o criado mudo, uma Bíblia aberta em Salmos. Eduardo passou o dedo pela página, mas retirou a mão como se tivesse tocado algo quente demais.
Ele não sabia exatamente o que procurava, apenas precisava entender aquela mulher. Precisava encontrar a pegadinha, o motivo oculto, a quebra de confiança que na cabeça dele era sempre inevitável. Abriu a gaveta superior. Dentro havia um pequeno caixote de madeira. bem cuidado, gasto nas quinas, como algo que pertencera a alguém querido.
Por um instante, Eduardo hesitou, mas o impulso venceu. O caixote abriu com um clique suave. Lá dentro repousava um medalhão de prata, antigo, levemente arranhado, como se tivesse sido segurado por muitos anos, por mãos que precisavam de algo para se apegar. Ele apertou o medalhão entre os dedos, abriu e o mundo inteiro pareceu escorregar 1 mm para o lado.
Dois objetos estavam ali dentro, uma foto e um bilhete dobrado. A foto mostrava Vitória, mais jovem, num uniforme simples de técnica de enfermagem. Atrás dela, a placa, Hospital Santa Luzia. O mesmo hospital onde Marina, a esposa de Eduardo, tinha sido levada na noite do acidente, o mesmo hospital onde ele perdera tudo.
Eduardo engoliu seco, o ar ficou pesado, mas o golpe verdadeiro ainda estava por vir. Ele pegou o bilhete. O papel era fino, já começando a amarelar nas bordas. A letra, antes mesmo de abrir, já lhe apertava o peito. Quando desdobrou, reconheceu de imediato. Vitória, obrigada por segurar minha mão na noite mais difícil da minha vida.
Se alguma coisa acontecer comigo, cuida do meu menino do jeito que você souber. Marina. O chão desapareceu dos pés de Eduardo. As paredes do quarto pareceram se aproximar. O ar faltou. Ele teve que se sentar na beira da cama, a cama de vitória, porque as pernas não sustentaram. A voz de Marina, que ele já não ouvia há tanto tempo, ecoou dentro dele, a mão dela segurando-a dele no hospital, o medo, a respiração curta, a dor e de repente flashes caóticos daquela noite voltaram à mente. Sirene chegando.
O piso molhado do pronto socorro, o cheiro de desinfetante, a roupa azul do médico passando rápido, o som da porta batendo enquanto levavam marina para a cirurgia e uma mulher, ele não lembrava o rosto, sentada ao lado dela, segurando sua mão, murmurando algo. Poderia ter sido Vitória. Poderia ter sido ela o tempo todo.
Duardo fechou o bilhete com pressa, como se tentar enfiar tudo de volta no medalhão pudesse voltar no tempo também, mas não podia, nada podia. Na manhã seguinte, Vitória entrou pela porta da frente, equilibrando uma sacola de maçãs. O ar ainda tinha o cheiro fresco de chuva da madrugada.
Ela parou ao ver Eduardo ali parado no meio da sala com o medalhão na mão fechada. Senhor Eduardo”, ela disse com calma, mas algo no rosto dela denunciou que já sabia que aquele momento chegaria. Ele levantou o medalhão. “Onde você conseguiu isso?” Vitória respirou fundo, as maçãs dentro da sacola, rangendo umas contra as outras, quando sua mão apertou mais forte. “Ela me deu, respondeu.
Minha esposa deu isso para você.” A voz dele era baixa, mas afiada. Vitória deu um passo à frente, sem medo, mas com respeito. Na noite do acidente, eu estava trabalhando na sala de pré-operatório. Ela pediu minha mão. Ela estava com muito medo. O maxilar de Eduardo travou. Por que você nunca disse isso? Vitória ergueu o olhar e havia ali uma força que ele nunca tinha reparado.
Porque não vim aqui para você olhar para mim como lembrança do que perdeu. Eu vim porque prometi para ela. O ar ao redor pareceu dobrar. Prometeu o quê? Eduardo perguntou, mesmo sabendo que já sabia a resposta, que se algum dia eu cruzasse com o seu filho, eu ia amar o que tivesse sobrado. O coração dele bateu forte demais.
raiva, dor, medo, tudo misturado. Então você veio com um plano. Ele sussurrou e os olhos escureceram. Você entrou aqui sabendo exatamente quem nós éramos. Vitória piscou lento, como quem tenta manter a serenidade, mesmo quando o chão abre. Eu vim porque senti que era a hora. Não planejei nada. Mentira. Ele cortou.
Você se aproximou do meu filho porque minha esposa pediu. Isso é manipulação. Isso é Ele não achou palavra suficiente para a mistura de traição e descontrole que subia. Vitória deu mais um passo, mas não para se defender, para ficar à altura dele. Lucas precisava de alguém. E o senhor também. Eduardo sentiu aquilo como um tapa. Não fala como se me conhecesse. Ele rosnou.
Você não sabe nada da minha vida. Vitória segurou a respiração, mas não recuou. Eu sei o que vi. Um pai com medo de perder o que restou. E eu eu só quis estar ali. Como estive com ela, o mundo de Eduardo virou de cabeça para baixo. “Sai da minha casa”, ele disse baixinho. Não gritou. Não precisava.
As palavras carregavam peso suficiente para derrubar paredes. Vitória baixou os olhos, não de vergonha, mas de dor. Eu vou, respondeu. Mas antes, ela virou para Lucas, que estava parado na porta do corredor, observando tudo com os olhos arregalados. Você precisa saber. Nada disso é sua culpa, tá bom? O menino mordeu a boca.
A voz saiu rachada. Não vai embora. Por favor. Eduardo fechou os olhos. Aquele pedido perfurou mais fundo que qualquer acusação, mas o orgulho ou o medo venceu. Vitória não discutiu. Não implorou por emprego, pegou a bolsinha dela silenciosa e caminhou pelo corredor como quem carrega um adeus nos passos.
A porta da frente fechou com um clique pequeno demais para o tamanho da perda. Mais tarde, quando a mansão finalmente adormeceu, Eduardo entrou no quarto de terapia. Lucas não estava ali. A enfermeira o levara para dormir. O quarto parecia menor, como se a ausência de vitória tivesse apagado uma luz invisível.
No parapeito da janela, o ursinho que ela tinha limpado descansava torto, caído para o lado, como uma criança exausta. No chão, a torre de blocos continuava inacabada, exatamente no ponto em que ela o deixara. Eduardo se abaixou, pegou o bloco azul, o mesmo que Lucas tentara encaixar.
Quando o virou entre os dedos, viu algo que não tinha visto antes, uma pequena marca de dedo, um borrão quase imperceptível, feito provavelmente pela mão trêmula do filho. Um sinal pequeno, real. E foi ali, naquela marquinha de nada, que a consciência caiu sobre ele como um peso inteiro. Vitória não tinha invadido a vida deles.
Ela tinha segurado o que estava desmoronando e ele tinha mandado isso embora. Os dias depois da partida de Vitória não tinham som. Mesmo com portas batendo, louças sendo guardadas, passos de enfermeiras atravessando o corredor, tudo parecia abafado, como se a mansão inteira tivesse colocado um travesseiro sobre a própria boca.
Eduardo andava pelos cômodos como uma sombra. Não falava muito, não comia muito, não dormia quase nada. Mas o pior não era ele, era Lucas, o menino que tinha dado pequenos sinais de vida, pequenos gestos de retorno. Já não procurava mais nada, nem o livro na prateleira, nem o ursinho, nem a janela. Parecia ter voltado para dentro de si, um lugar onde ninguém conseguia alcançá-lo, nem mesmo o pai.
Na terceira noite, Eduardo entrou no escritório como quem busca punição. Ligou as telas das câmeras, mesmo sem vitória lá dentro, mesmo sem nada para vigiar, e ficou assistindo. Assistiu às gravações antigas, sessões de terapia, a história do elefante atrapalhado, a gargalhadinha curta de Lucas, a mão tremendo antes de pegar o bloco azul. A vez em que ele balbuceou, valeu.
Eduardo apertou as mãos nas têmporas. “O que eu fiz?”, murmurou com a voz quase falhando. Ele sabia exatamente o que tinha feito. Tinha tirado a única pessoa que fez o filho respirar diferente em meses. O silêncio do escritório ficou tão fundo que ele ouviu o próprio coração batendo, pesado, irregular. Foi nesse momento que o celular vibrou. era o investigador.
A voz do homem vinha cansada, quase como se não quisesse entregar o golpe final. Doutor, eu revisei tudo. Histórico escolar, empregos anteriores, plantões. Eduardo fechou os olhos. Fala, ela realmente trabalhou no Santa Luzia naquela noite. O nome dela está no prontuário de entrada da sua esposa. Ela fez parte da equipe que acompanhou antes da cirurgia.
O investigador respirou, depois completou. Compararam o bilhete com os diários da dona Marina. A letra é dela, sem dúvida. A ligação caiu. Ou talvez Eduardo tenha desligado sem perceber. Ele ficou parado, encarando o próprio reflexo no monitor apagado. O rosto dele parecia outro, como se o tempo tivesse passado anos em poucos dias.
Ele abriu o medalhão de novo e de novo, até que as palavras da esposa já gastas pelo tempo, começaram a arder dentro dele. Cuida do meu menino do jeito que você souber. Eduardo sentiu os olhos queimarem, mas não chorou. Não ainda. Ele levantou de súbito, guiado por algo entre desespero e urgência. Foi até o quarto de Lucas.
O menino estava acordado, mas imóvel, olhar perdido em algum ponto do teto. Eduardo se ajoelhou ao lado da cadeira, algo que não fazia desde que Lucas aprendera a andar. Filho, o tom saiu rouco. Me desculpa. Lucas piscou devagar, como se não tivesse certeza se aquela voz era real. Eduardo passou a mão no cabelo do menino com cuidado, medo de quebrar algo.
O cheiro do shampoo infantil, misturado ao de cobertor limpo, apertou mais o peito dele. “Eu achei que te proteger era fechar a porta”, ele disse, engolindo o seco. “Mas eu te deixei sozinho, né?” Lucas não respondeu, apenas apertou o ursinho contra o peito.
Eduardo colocou o bloco azul na mão do filho, o mesmo bloco da tarde em que tudo mudou. Lucas segurou com dedos frágeis e Eduardo sentiu que sua última chance tinha essa mesma fragilidade. Naquela madrugada, ele pegou as chaves do carro, dispensou o motorista e o segurança, que ficaram confusos na garagem.
Hoje eu vou sozinho”, ele disse com a voz firme de um homem que não estava acostumado a admitir que errou. A estrada da serra estava coberta por neblina. Os faróis cortavam o branco denso, revelando trechos da pista só por segundos, exatamente como Eduardo via a própria vida. Em lampejos, nunca inteira. Ele dirigiu devagar, uma curva, depois outra, com as mãos trêmulas no volante e pela primeira vez em muito tempo, rezou baixinho, sem jeito, quase infantil.
Deus, me deixa consertar isso. Só dessa vez. O prédio era simples, tijolinhos antigos, janelas com cortinas baratas. No rall de entrada, um pequeno crucifixo de madeira pendurado na parede. Eduardo parou por um instante. Não era possível evitar a sensação de que aquele crucifixo o encarava.
Não julgando, mas reconhecendo. Subiu às escadas. Quando chegou na porta 203, ele respirou fundo, como quem se prepara para mergulhar em água gelada. Bateu, Vitória abriu. Estava de moletom e jeans, cabelo preso num coque frouxo, sem maquiagem, sem armaduras. Ela não pareceu surpresa, parecia apenas cansada.
Eduardo estendeu o medalhão. “Eu não vim explicar nada”, ele disse. A voz saiu mais baixa do que imaginava. Vim pedir perdão. Vitória piscou devagar, deixando as palavras se assentarem dentro dela. Ele continuou. Eu fiz tudo errado com você, com ele, comigo mesmo.
Achei que controlar tudo ia impedir de doer, mas só machucou mais. Ela abriu um pouco a porta, um gesto pequeno, mas cheio de significado. Entra, Eduardo. O apartamento era simples, acolhedor. Um sofá gasto, uma vela acesa com cheiro de baunilha, uma mantinha dobrada no canto. Tudo tão diferente da frieza da mansão.
Eduardo não sabia onde pôr as mãos, então apenas segurou o medalhão. “Eu não tô pedindo para você voltar agora”, ele disse. Mas o Lucas, falta você para ele. E eu sinto falta de quem eu era quando você estava lá. Vitória respirou fundo. Eu não saí da sua casa para te punir, disse. Saí porque confiança precisa ser dos dois lados.
Eduardo assentiu como quem recebe uma sentença justa. Eu sei. Por isso eu vim fazer a minha parte primeiro. Ele colocou o medalhão sobre a mesa ao lado do sofá. e ficou de pé. Eu vou esperar o tempo que for preciso. Saiu devagar e quando a porta se fechou atrás dele, o peso dentro do peito se moveu. Não desapareceu, mas mudou de lugar.
Três dias depois, o portão da mansão abriu às 9 da manhã. Vitória entrou carregando sua mala pequena. Lucas, na cadeira de rodas perto da sala, arregalou os olhos e um sorriso, tímido, mas vivo, se abriu no rosto dele. “Você voltou?”, ele murmurou. Vitória ajoelhou-se na frente dele, como tinha feito tantas vezes.
“Voltei, sim. E só se você ainda quiser tentar chegar naquela janela lá.” Lucas assentiu e naquele simples gesto, algo se reorganizou por dentro da casa inteira. Eduardo observa do corredor, não pela câmera, não pelo vidro, mas ali presente, de verdade.
Duas horas depois, técnicos retiravam as câmeras dos corredores. Os fios pendiam das paredes, como cicatrizes que finalmente tinham permissão para fechar. Eduardo passou a mão por uma marca de parafuso deixada no canto da sala. Um sinal pequeno, mas definitivo. Uma casa antes vigiada. agora livre para respirar.
E quando ele olhou para a janela, aquela mesma onde Lucas sempre se perdia, viu algo novo refletido no vidro. O menino Vitória e ele juntos, formando uma silhueta que não existia ali desde antes do acidente. Uma família imperfeita, remendada, mas viva. Uma graça que voltou para casa sem fazer barulho e justamente por isso mudou tudo.
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