O portão de ferro abriu com um rangido baixo, um som que, de tão suave, parecia ainda mais fora de lugar naquela manhã abafada em Alpaville. Lívia Souza apertou as alças da mochila nas costas, sentindo o suor nas palmas da mão. O segurança fez um gesto para ela entrar, mas antes mesmo de dar o primeiro passo, ela percebeu algo que a fez hesitar.
Lá dentro, atrás daquele muro enorme, não havia som nenhum, nenhuma risada de criança, nenhuma televisão ligada, nenhuma música vinda de uma cozinha, só silêncio. Um silêncio tão pesado que dava a impressão de que até o ar prendia a respiração. Lívia inspirou fundo, tentando ignorar o aperto no peito, e atravessou o jardim impecável que levava à mansão Almeida.
As pedras do caminho brilhavam como se tivessem sido polidas minutos antes. A relva cortada, rente demais, deixava no ar o cheiro fresco de grama molhada. Ao longe, o vidro das janelas refletia o céu cinza, criando a sensação de que aquela casa observava qualquer um que ousasse se aproximar. Ela subiu os três degraus da entrada com passos pequenos, consciente do som dos próprios tênis gastos batendo no mármore.

Era como se caminhar ali fosse uma ousadia, como se ela, com seu coque torto e sua blusinha comprada apressada na semana anterior, estivesse invadindo o território proibido. Antes que pudesse tocar a campainha, a porta se abriu. Você deve ser alívia. A voz não era de boas-vindas. Era de constatação, de avaliação.
Dona Marta surgia no batente como uma sentinela, postura ereta, óculos na ponta do nariz, cabelo preso num coque tão apertado que parecia nunca se desfazer. Ela não sorriu? Sou sim, dona Marta. Muito prazer, respondeu Lívia, tentando segurar o nervosismo na voz.
Aqui não precisa de muito prazer, precisa só de pontualidade, silêncio e profissionalismo. Ela se afastou, permitindo que Lívia entrasse. O cheiro da casa era outro choque. Limpeza extrema, misturada com algo metálico, quase hospitalar. Lívia fez o possível para não franzir o nariz. Antes de conhecer o menino, leia isso. Dona Marta entregou a ela um papel plastificado, rígido, como as próprias palavras da governanta. Lívia passou os olhos pelas regras.
Nada de barulho, nada de brincadeira, nada de conversa desnecessária. Seguir as orientações da médica sem questionar. e sublinhado em vermelho, nunca se envolver emocionalmente. A última linha não era só uma instrução, era uma ameaça. Lívia sentiu a pele arrepiar. Tudo bem? Dona Marta perguntou seca.
Tudo respondeu Lívia, mesmo sabendo que sua expressão a entregava. Ela nunca tinha sabido viver sem se envolver. Quando começaram a subir as escadas, o silêncio ficou ainda mais evidente. Cada passo ecoava, cada respiração parecia alta demais. Lívia olhou para os quadros nas paredes, fotos antigas da família, e percebeu que em todas havia um buraco onde deveria estar alegria.
No segundo andar, dona Marta abriu a porta de madeira escura. Ele está aí. Não demore para entender seu lugar. e saiu sem esperar resposta. Lívia ficou parada por um segundo, deixando o coração desacelerar. Depois empurrou a porta devagar. O quarto parecia um mundo inteiro aprisionado, uma cama hospitalar ao centro, equipamentos discretos, mas presentes, janelas enormes com cortinas fechadas pela metade, filtrando a luz como se o sol fosse algo perigoso.
Brinquedos caros alinhados com perfeição militar, todos novos demais, limpos demais, entocados demais. E ali, no meio daquele universo parado, estava o menino Caio Almeida, 9 anos, pálido, muito quieto, o olhar verde fixo no teto, como se não esperasse nada do mundo. Lívia aproximou-se devagar. O som do monitor cardíaco, um bip quase imperceptível.
Era o único ritmo naquela sala que mais parecia suspensa no tempo. Oi, Caio. Eu sou Alívia. Vou ficar com você a partir de hoje. Ele não virou o rosto, só mexeu os olhos na direção dela. Por alguns dias, murmurou num fio de voz. Todo mundo só fica alguns dias.
A frase foi tão sincera, tão cansada, que pareceu atravessar o ar e atingir o peito de Lívia como um soco suave. “Quantas cuidadoras você já teve?”, ela perguntou, tentando manter a voz leve. “Muitas? Perdi a conta.” “E por que elas foram embora?” Ele piscou devagar, como quem pensa antes de dizer algo que já carrega há muito tempo. Porque eu sou quebrado.
As palavras caíram entre eles com o peso de uma confissão antiga, repetida tantas vezes que havia deixado de doer, ou talvez doía tanto que já anestesiava. Lívia engoliu seco, sentou-se ao lado da cama, mesmo contrariando a regra do não se envolver. Quem te disse isso? todo mundo. Ele moveu os dedos sobre o cobertor, como se desenhasse algo invisível. Eu não ando, não corro, não sou normal.
Um silêncio tenso encheu o quarto. Lá fora, um pássaro cantou e o som pareceu estranho, quase deslocado naquele espaço. Lívia inspirou devagar. Caio, ninguém é normal. Ela falou com cuidado, sabendo que qualquer palavra mal colocada podia se quebrar dentro daquele menino. E ninguém é quebrado só porque algo dói.
Ele virou os olhos para ela pela primeira vez. Era um olhar de criança que queria acreditar, mas não sabia como. Antes que pudesse continuar, passos ecoaram no corredor. Mais firmes, mais pesados. A porta abriu sem aviso. Eduardo Almeida entrou. Lívia o reconheceu de fotos e notícias, alto, terno, escuro, expressão cansada, mas não do tipo que chora, do tipo que endurece.
O cheiro dele era de perfume caro, misturado com cheiro de rua, depressa. Seus olhos passaram por Lívia, como se ela fosse mais um móvel do quarto. “Como ele se comportou?”, perguntou direto à dona Marta, que surgira atrás. Lívia respondeu, tentando manter a voz firme. Ele conversou um pouco. Está mais atento. Eduardo cortou sem olhar para o próprio filho.
A doutora veio? Veio sim, senhor, disse dona Marta. Então está tudo certo. E virou para sair. Foi Caio quem o chamou baixinho. Pai. Eduardo parou, mas não virou o corpo inteiro, só a cabeça, no limite mínimo. Oi, filho. Caio abriu um sorriso tímido, pequeno, mas real. Eduardo não retribuiu, só respondeu: “Continue fazendo os exercícios, é importante”. E saiu. O sorriso do menino murchou antes mesmo da porta fechar.
Lívia sentiu um nó na garganta. Aquele quarto tinha tudo, tudo, menos o que Caio mais precisava, alguém que o visse. Ela respirou fundo, tentando conter o impulso de abraçar o garoto. Não podia. As regras estavam claras. O aviso em vermelho ainda queimava na memória, nunca se envolver emocionalmente.
Mas enquanto ajeitava o lençol perto da mão dele, o olhar de Caio encontrou o dela. Havia ali um pedido mudo, um pedido que ela não sabia se podia atender, mas que também não sabia se conseguia ignorar. Quando saiu do quarto, o corredor parecia ainda mais comprido, o ar ainda mais frio.
Ao fechar a porta atrás de si, ela percebeu uma pequena brecha na cortina, um filete de luz atravessando o chão, iluminando uma faixa estreita do tapete. Era só um detalhe, mas naquele lugar tão silencioso, parecia quase uma rebeldia, uma promessa de que nem toda a luz podia ser proibida.
Na manhã seguinte, quando Lívia passou pela portaria da mansão Almeida, o céu estava limpo e o vento trazia cheiro de pão fresco das casas vizinhas. Era quase irônico. Lá fora, o mundo parecia acordar com alegria e ela ia justamente para o lugar onde a alegria parecia proibida. subiu à escada interna em silêncio, mas o coração vinha ruidoso, uma mistura de ansiedade e promessa.
A mochila estava mais pesada que no primeiro dia. Dentro dela, coisas simples, lápis de cor, massinha, um livrinho de aventura, uma playlist baixada no celular e um avental infantil com estampa de foguete. Nada caro, nada impressionante, mas carregada de intenção. Empurrou a porta do quarto devagar. Caio estava acordado, meio encolhido, mexendo distraído no botão do cobertor.
Ele levantou os olhos quando ouviu o rangido suave. Você voltou. Não era exatamente surpresa, era quase alívio. Claro que voltei. Lívia sorriu. E hoje tenho uma missão para você. Ele arqueou uma sobrancelha. Missão: Ela abriu a mochila e tirou o avental. Preparado para ser comandante Caio? Hoje a gente vai treinar para ir à lua. O menino bufou sem convicção.
Lívia, eu nem saio desse quarto, mas sua cabeça sai. Ela aproximou o avental com um gesto teatral. Sua cabeça vai mais longe do que qualquer foguete desse planeta. Caio tentou esconder o canto do sorriso, perdeu. Tá bom, comandante Caio. Então, Lívia vestiu o avental nele com cuidado, como se vestir esperança fosse um trabalho delicado.
Depois posicionou a cadeira para a série de exercícios do dia, mas agora tudo tinha nome novo. esses alongamentos, aquecimento do foguete, esse movimento de braços, combustível, esse giro de tronco, sistema de navegação. E Caio, aos poucos foi entrando. Primeiro tímido, depois curioso, depois rindo. Sim, rindo mesmo. Quando a contagem regressiva chegou ao 3 2 1 decolar.
O riso dele era pequeno, arranhado, como um motor que não funcionava fazia tempo, mas estava ali vivo. Ela percebeu algo nascer naquele quarto, algo que nem os remédios, nem a fisioterapia mecânica, nem o silêncio da casa tinham conseguido trazer de volta. Ao longo da semana, o quarto de Caio foi mudando de temperatura.
Não a do ar condicionado, essa continuava gelada demais. Mas a outra, a que se mede pela vibração das vozes, pelo brilho dos olhos, pela energia que preenche um espaço. Na terça, Caio virou pirata. Lívia colocou uma faixa improvisada na cabeça dele, feita com lenço antigo da bolsa. Capitão Caio, pronto para encontrar o tesouro escondido? Sim, primeira imediata, Lívia.
Ele respondeu com uma voz que tentava parecer grossa, mas suava mais como uma risadinha disfarçada. Cada movimento da fisioterapia virou gesto de aventura. Levantar o braço era erguer a espada, girar o tronco era procurar inimigos no convés. E quando ele conseguiu alcançar um brinquedo no chão sozinho, usou a frase: “Tesouro avistado.” No dia seguinte, foram exploradores da Amazônia.
Lívia colocou sons de floresta no celular. As janelas, antes sempre fechadas, agora deixavam entrar um pouco da luz. Caio começou a pedir: “Abre mais um pouquinho para ficar igual selva”. e ela a abria. Até dona Marta reparou, olhando de longe do corredor, com expressão desaprovadora, mas claramente impactada pelo som que não ouvia havia meses, risadinhas. Na quinta, algo mudou de vez.
Caio mencionou a mãe pela primeira vez. Não foi planejado, não foi introduzido com cuidado, foi um sopro. Ela fazia bolo de fubá com goiabada. era meu preferido. Lívia, que estava ajeitando os travesseiros, parou. A voz dela saiu mais suave do que pretendia. Aposto que o cheiro tomava a casa inteira. Tomava mesmo.
Caio murmurou, olhando para as próprias mãos, como se visse outra coisa nelas. Era quente. A casa parecia ficar mais viva. A palavra bateu nela como uma verdade dura. Ali dentro, nada parecia vivo. Então, sem pensar muito e talvez justamente por isso, Lívia fez algo ousado.
No caminho para casa, comprou ingredientes simples: fubá, leite, açúcar, goiabada, coisas baratas, quase esquecidas numa prateleira do mercado. Na tarde seguinte, chegou mais cedo, bateu na porta da cozinha e pediu licença. A cozinheira, dona Nair, desconfiou. Você sabe que o patrão não gosta de invenção, é só um bolo. Lívia sorriu com jeitinho. Um bolo de lembrança pro Caio.
A mulher bufou, mas não resistiu. Vai, faz logo antes que alguém desça. Enquanto o bolo asava, Lívia arrumou as tigelas e levou ingredientes para o quarto do menino. Hoje você vai ser o chefe Caio. E ele foi, misturou, provou, escolheu quanto de goiabada colocar. Caiu um pouco de farinha na cama.
Lívia ia limpar, mas Caio rio do próprio gesto e disse: “Faz parte da missão primeira imediata”. Naquele momento, farinha no lençol, mãos sujas, olhos brilhando. Ele parecia exatamente o que era, um menino. Quando o bolo ficou pronto, o corredor se encheu de cheiro quente, doce, nostálgico. Lívia viu Eduardo parar na escada.
Ele fechou os olhos por um segundo, como se aquele cheiro tivesse aberto uma porta que ele tentava manter trancada. Ele entrou no quarto, Caio, animado. Pai, fui eu que fiz, igual o da mamãe. Eduardo pegou o bolo devagar, mordeu, demorou para engolir. Ficou bom, filho. Não era um elogio exagerado, era simples, mas verdadeiro. Caio sorriu largo e naquele sorriso, Lívia viu algo nascer no rosto dele que não via desde que chegou. Orgulho. Mas tudo que nasce encontra resistência.
E a resistência veio na forma de salto alto, jaleco bege e sobrancelhas permanentemente arqueadas. Doutora Regina entrou no quarto como quem invade território hostil. O que está acontecendo aqui? Lívia explicou. explicou devagar, com paciência, tentando mostrar que Caio estava participando mais, se movimentando mais, comendo melhor.
Mas a médica só enxergava o que estava fora do protocolo. “Reabilitação não é recreação”, disse com a voz fria, como o piso de mármore. Imaginação não recupera mobilidade. Ele precisa aceitar a realidade. Caio, que estava sentado com o avental sujo de farinha no colo, baixou os olhos devagar. Lívia sentiu algo doer por dentro. Não era raiva, era pena.
Não dela, da médica, da incapacidade de ver. Na sexta, a governanta entrou na jogada. Dona Marta reclamou do barulho, da música, do cheiro de bolo, das risadas. Isso aqui é casa de gente séria, afirmou. Bagunça não combina com menino doente. Lívia assegurou o impulso de responder de forma atravessada. Respirou fundo. Ele precisa de vida, dona Marta. Vida ele tem. O que não tem é juízo.
A frase caiu seca. Lívia percebeu que estava irritando gente que não estava acostumada a ser contrariada, mas ela não parou. E Caio também não. Naquela noite, depois das brincadeiras, ele dormiu segurando um lápis azul na mão. O desenho na mesinha mostrava um foguete mal traçado e um menininho sorrindo dentro dele.
Lívia apagou a luz principal, deixindo só o abajur aceso, e ao fechar a porta, notou que a janela estava um pouco mais aberta do que quando chegara. A cortina balançava com o vento. Pela primeira vez, parecia que o quarto respirava. Foi numa segunda-feira cinza que Lívia percebeu que o clima da casa tinha mudado antes mesmo de subir à primeira escada.
O segurança da portaria, que sempre fazia uma piada rápida sobre o time de futebol do fim de semana, aquele dia só acenou com a cabeça, sério demais. A cozinheira, que costumava perguntar se ela queria café, virou o rosto, ocupada demais, mexendo uma panela vazia. Até o motorista evitou cruzar o olhar quando passou pelo hall. Era como se alguém tivesse mandado um recado silencioso.
Algo aconteceu e não é bom. Lívia subiu para o quarto de Caio, tentando afastar o aperto no peito. Como quase sempre, a mansão estava quieta demais. O barulho mais alto vinha do próprio coração dela. Quando abriu a porta, encontrou o menino acordado, jogando um carrinho de mão em mão, distraído.
O avental de foguete pendia na cadeira, esquecido. A cortina estava só um pouco aberta, deixando entrar uma faixa tímida de luz. “Bom dia, comandante”, ela tentou brincar. “Hoje eu tô mais para nada, amante”. Ele respondeu sem graça, mas ainda assim levantando o canto da boca. Por alguns minutos, ela conseguiu manter o clima de costume.
Inventou uma mini missão rápida, fez ele rir com uma piada boba, ajeitou o travesseiro, conferiu a temperatura, fingiu não perceber o peso estranho no ar, mas foi no meio da tarde, a caminho da cozinha que ela ouviu aquele tipo de voz que a casa não estava acostumada a receber, alterada. Dona Marta, eu confio na senhora há anos. Era a voz de Dra. Regina, cortante, mais aguda que o normal.
Lívia parou no meio do corredor instintivamente. A porta do escritório estava encostada, não fechada. O som vazava. Esse método dessa cuidadora é perigoso continuou a médica. Fantasia demais, mimo demais, criando expectativas que ele não pode cumprir. Dona Marta respondeu mais baixa. Eu vejo isso todo dia.
Música alta, risada, cheiro de bolo. Essa menina esqueceu que está cuidando de um paciente, não de um convidado. Lívia sentiu o chão tremer sob o pé. Não era terremoto, era medo. Ele precisa de disciplina, não de aventuras, insistiu a médica. Se continuar desse jeito, quando cair na real, vai ser muito pior.
A voz de Eduardo entrou, mais contida, mas tensa. Vocês acham mesmo que está fazendo mal? Eu tenho visto ele mais animado. Doutora Regina não hesitou. Animação não é parâmetro. Estou falando de prognóstico, senor Eduardo, de aceitar a condição. A senhora, ela fez uma pausa curta, está sendo paga justamente para evitar que ele viva de ilusão. Lívia não ouviu o resto.
O sangue começou a zumbir nos ouvidos. voltou devagar pelo corredor, respirando fundo, tentando correr. Por um instante, quis bater na porta e defender Caio, defender o jeito que ele se mexia, que comia, que voltava a rir. Mas uma frase em vermelho piscou na memória.
Não questionar a médica, nunca se envolver emocionalmente. Tarde demais, pensou. Na manhã seguinte, a confirmação veio dura, sem laço, sem papel de presente. “O Dr. Eduardo quer falar com você no escritório.” Dona Marta anunciou, sem olhar nos olhos, como se estivesse chamando para assinar um documento de banco.
Lívia enxugou as mãos no avental, mesmo sem estarem suadas. Bateu na porta, entrou. O escritório cheirava a café frio e papel novo. Eduardo estava atrás da mesa, sem palitó, camisa arregaçada, mas ainda com aquele ar de quem manda em tudo. Ou quase. Senta, Lívia. Ela obedeceu. Não conseguia manter as mãos quietas. O relógio na parede marcou 3 segundos que pareceram 3 minutos.
Primeiro, eu quero agradecer pelo trabalho que você fez aqui. Ele começou com uma formalidade que já vinha com gosto de despedida. Eu sei que o Caio se apegou a você. A palavra apegou, atravessou o ar como acusação. E mas ele ajeitou uma folha qualquer na mesa, só para ter o que fazer com as mãos. Conversando com a Dra. Regina e com a Marta.
Eu percebi que talvez a abordagem lúdica demais não seja o melhor para ele nesse momento. Lívia sentiu a garganta fechar. Senhor Eduardo, eu respeito a doutora, respeito a Marta, mas o Caio está comendo melhor, dormindo melhor, fazendo os exercícios sem reclamar. O olho dele, o olho dele voltou a brilhar. Isso não vale nada.
Ele desviou o olhar e foi a primeira vez que Lívia percebeu que aquele homem que parecia tão firme por dentro estava rachado. “Não é isso”, ele murmurou. “É que eu não posso correr o risco dele se iludir quando ele entender que não vai andar”. Mas ninguém sabe disso, com certeza. A voz dela saiu mais alta do que pretendia.
E mesmo que fosse verdade, ele tem direito de ser feliz agora. de ser menino agora. O silêncio ficou pesado. Eduardo encostou as mãos na mesa num gesto de encerrar assunto. A decisão já foi tomada, Lívia. Nós vamos contratar outra profissional mais técnica. Hoje é seu último dia. Ela levou um segundo para entender. Meu último dia.
As palavras ecoaram por dentro, como as risadas que tinham começado a encher o quarto de Caio. Só que agora o eco era de vazio. “Eu posso pelo menos me despedir dele?”, perguntou com a voz embargada. Eduardo hesitou. E bastou esse meio segundo para Lívia ver a luta interna ali.
Acho melhor não respondeu enfim, voltando a frieza confortável. Vai ser mais difícil para ele. Corte limpo dói menos. Ela quis gritar que corte limpo é coisa de cirurgião, não de pai. Mas não gritou. apenas assentiu, levantou devagar e saiu. Subir aquela escada, sabendo que teria que pegar suas coisas e ir embora sem um tchau, foi mais difícil do que qualquer lance de degrau, gasto de ônibus lotado que ela já tinha enfrentado na vida.
Entrou no quarto em silêncio. Caio dormia virado de lado, o cabelo grudando na testa, a mão pousada perto da fronha. Lívia ficou alguns segundos parada. Só olhando, queria fotografar cada traço. O jeito dele franzir um pouco o nariz, como se estivesse sonhando algo que não aceitava direito, o peito subindo e descendo num ritmo que ela já reconhecia de longe.
abriu a mochila devagar e tirou seu tesouro mais antigo, um pequeno leão de pelúcia, já meio desbotado, costurado duas vezes na orelha, que a mãe tinha lhe dado quando ela era criança. “Quando você tiver medo, abraça ele.” A mãe tinha dito um dia na porta do posto de saúde. Ele não fala nada, mas escuta tudo.
Lívia segurou o leãozinho na palma da mão. Aquilo era uma parte dela. Deixar ali era quase como arrancar um pedaço. Se aproximou da cama, encostou a testa na testa de Caio e sussurrou: “Você é muito mais forte do que pensa, leãozinho.” Com cuidado, levantou o travesseiro e escondeu o brinquedo num cantinho onde sabia que os dedos dele passavam toda a noite procurando conforto. Depois deu dois passos para trás, como quem se despede de um altar.
Na porta ainda virou para olhar mais uma vez. Era a última imagem de Caio que ela levaria, um menino que começava finalmente a parecer vivo, sem saber que o amor que tinha acabado de encontrar estava sendo mandado embora. Os dias que vieram depois, Lívia conheceu de perto um tipo de silêncio que não era o da mansão.
Era o silêncio do ônibus lotado na volta para casa, em que ninguém sabia que ela estava com a cabeça lá naquele quarto. O silêncio do quarto pequeno que dividia com a irmã, onde o único barulho era de ventilador velho rodando e uma rádio distante tocando sertanejo. Ela conseguiu um trabalho rápido num abrigo municipal de crianças com deficiência.
O lugar era simples, piso de cimento, paredes descascadas, mas ali, ao contrário da mansão, havia barulho. Muitos risos, choro, grito, som de cadeira de rodas arranhando o chão, bola batendo na parede, vida. Na primeira tarde, enquanto ensinava um grupo de meninos a jogar basquete usando garrafas pet como cestas, um deles de cabelo castanho, olhos grandes, errou o lançamento e soltou um palavrão baixinho. Lívia riu, correu até ele.
Tá liberado errar, viu? A gente aprende é assim mesmo. E no meio da bagunça boa, uma pontada fina atravessou o peito dela, porque por um segundo ela viu Caio naquele menino e lembrou que no quarto de vidro e mármore alguém devia estar tentando transformá-lo em um paciente obediente de novo.
Ela não estava lá para ver, mas na mansão o tempo começou a andar para trás. A nova cuidadora Sônia tinha currículo impecável. jaleco engomado, uma prancheta sempre na mão, seguia todos os protocolos, cronometrava exercícios, anotava qualquer expressão de dor, só não anotava a saudade.
Caio, no começo até tentou, perguntou pela Lívia. Sônia respondeu sem olhar. Ela não trabalha mais aqui. Foca no exercício. As brincadeiras desapareceram. O avental de foguete ficou pendurado no fundo de um armário. A janela voltou a ser fechada para não pegar corrente de ar. O bolo de fubá virou memória distante.
O corpo de Caio continuava sendo movimentado, puxado, alongado, mas a cabeça voltava a encolher. Ele começou a recusar a comida, a empurrar o prato. Dona Nair reclamava: “Esse menino não quer comer nada, seu Eduardo.” Eduardo subia, olhava o filho deitado de lado, mais branco, mais magro. “Come, filho, você precisa de força. Para quê?” Caio perguntava sem maldade.
Para ficar sentado aqui o resto da vida? Não tinha resposta. À noite, o menino abraçava o travesseiro, sentindo algo duro no canto. Foi assim que encontrou o leãozinho. Pela primeira vez pegou, cheirou, reconheceu um restinho de perfume barato, misturado com amaciante. “É da Lívia”, sussurrou, apertando o brinquedo contra o peito, como se o coração dela coubesse ali dentro.
Nas semanas seguintes, uma febre apareceu sem convite. Subia, descia, não se explicava. Dr. Paulo examinou, pediu exames. Fisicamente está tudo certo, concluiu. Isso é emocional. Criança também adoece de tristeza. Eduardo ouviu a frase, mas ela demorou para fazer sentido inteiro dentro dele. Até o dia em que entrou no quarto e viu o filho de costas abraçado ao leãozinho, os ombros sacudindo baixinho num choro escondido. Caio chamou.
O menino limpou o rosto com o lençol às pressas. Oi, pai. Eduardo se aproximou e, talvez pela primeira vez desde o acidente, sentou na beira da cama. ficou uns segundos em silêncio, procurando uma coragem que não sabia onde tinha guardado. “Posso te perguntar uma coisa?” Caio assentiu ainda sem virar.
“Se Se a Lívia voltasse, você acha que melhorava?” Os olhos do menino encheram de água na mesma hora. Ele girou o corpo devagar, encarando o pai com aquela sinceridade que só criança tem. “Você tá falando sério?” “Tô perguntando, pai. Se a Lívia voltasse, eu eu juro que comia tudo, fazia todos os exercícios, não reclamava de nada, só traz ela de volta, por favor. Eduardo engoliu em seco.
Não tinha discurso pronto, não tinha resposta técnica, não tinha relatório, só tinha aquele pedido. Eu vou pensar, murmurou por falta de palavra melhor. Saiu do quarto carregando um peso que nenhum empresário, nenhum contrato, nenhum engenheiro de obra pesada tinha ensinado a segurar. Naquela noite, enquanto Caio dormia abraçado ao leãozinho e suava numa febre silenciosa, Lívia guardava brinquedos no abrigo do outro lado da cidade.
Parou com um carrinho de plástico na mão, sentindo um aperto inexplicável no peito. Lá fora, um trovão distante riscou o céu. A luz do corredor piscou uma vez. Ela olhou pela janela gradeada e, sem saber porquê, sussurrou bem baixinho. Tá tudo bem aí, leãozinho? Não teve resposta, mas pela primeira vez, desde que saiu da mansão, a saudade que ela sentia de Caio pareceu ser sentida de volta.
Naquela tarde abafada no abrigo municipal, o sol batia torto pelas janelinhas altas e riscava o chão de cimento com faixas de luz amarela. Lívia estava no pátio, rodeada por crianças em cadeiras de rodas, tentando acertar garrafas petilhadas como cestas. Era barulhento, caótico, bonito. “Vai, Miguel”, ela animava. Arremessa com o braço mais forte. Imagina que é para salvar a nave espacial. O menino jogou com força e errou por pouco. Xingou baixinho.
A turma inteira riu. Lívia também. O som de alegria preenchia o ar como cheiro de pipoca de festa junina. Foi nessa bagunça boa que ela viu um carro escuro estacionar na frente do portão do abrigo. Não era carro que combinava com aquele lugar. E a maneira como algumas crianças pararam o jogo para olhar provava isso. A porta abriu devagar.
Eduardo Almeida desceu sem terno, sem gravata, camisa simples, cabelo bagunçado, como se tivesse passado a mão muitas vezes, pensando demais. Quando os olhos dele encontraram os dela, Lívia sentiu o corpo inteiro estremecer, não de medo, mas de pressentimento, como se estivesse prestes a ouvir algo que mudaria tudo de novo. “Tia Lívia, quem é aquele moço?”, Miguel perguntou curioso.
É um pai de um menino que eu conheço ela respondeu sem saber como começar a respirar direito. Eduardo ficou ali um instante observando as crianças jogando. Uma menina errou o arremesso e começou a chorar. Lívia se aproximou, fez graça, ajeitou o braço dela e a menina tentou de novo, acertando dessa vez.
Eduardo fechou os olhos por meio segundo. Não era tristeza, era outra coisa, talvez reconhecimento. Quando ela finalmente se aproximou dele, o vento parecia ter ficado mais quente. Seu Eduardo ela começou com cautela. O que você tá fazendo aqui? Ele engoliu seco antes de responder. A voz saiu mais baixa do que ela imaginava.
Eu preciso falar com você. Os dois se afastaram para a lateral do pátio, perto de uma árvore grande que fazia sombra nos bancos de concreto. Eduardo respirou fundo, esquivando do olhar dela como quem procura coragem no chão. O Caio piorou. Lívia sentiu a pele arrepiar inteira. Quanto piorou. Parou de comer. Come pouquíssimo. A febre não passa. Sônia vive reclamando que ele não coopera.
As mãos dele tremiam ao contar. O Dr. Paulo disse que é emocional. Emocional. Lívia repetiu já sabendo a resposta antes mesmo de perguntar. E ele falou de mim? Eduardo assentiu devagar. Todo dia. Ele dorme agarrado com um. Eduardo olhou para baixo, quase sem conseguir terminar. Um leãozinho de pelúcia.
Ele disse que é seu. Lívia fechou os olhos. Por um instante, o pátio barulhento sumiu. Só ela e a memória daquele dia. O travesseiro levantado, o leãozinho deixado ali como último abraço. Eu cometi um erro, Eduardo disse, interrompendo o silêncio. E demorei demais para perceber.
Eu achei que estava protegendo meu filho, mas eu estava foi machucando ele ainda mais. Lívia não respondeu, não porque não quisesse, mas porque a garganta parecia pequena demais para qualquer palavra passar. Eu procurei seu endereço, seu telefone. Eduardo continuou. Nada funcionava. Então eu contratei um detetive. Ele encontrou você aqui. Lívia olhou para as crianças ao fundo, rindo, correndo com as cadeiras, tentando de novo, errando, acertando.
Ali ela também tinha encontrado algo, um lugar onde fazia sentido. Seu Eduardo, não vai ser fácil voltar. Ela falou devagar. Ele tá frágil. Se eu voltar e acontecer de novo, se eu for embora outra vez, ele não aguenta. Eu também não. Eduardo ergueu o olhar. Era um olhar que Lívia nunca tinha visto naquele homem. Despido, sem armadura, sem ego. Eu juro que não vou deixar isso acontecer.
Se você voltar, eu garanto, ninguém vai tirar você de perto do meu filho. Nem médica, nem governanta, nem eu. Ela soltou um riso curto, sem humor. Palavras bonitas. Eu não sou bom com palavras, ele confessou. Mas eu tô aprendendo com ele e com você. O mundo ficou pequeno por um instante. Só os dois, a árvore, o vento e uma decisão. Eu volto, Lívia disse finalmente, mas com uma condição.
Eduardo endireitou o corpo como se estivesse pronto para assinar o contrato mais importante da vida. Qualquer uma. Eu quero autonomia com o Caio. Quero liberdade para trabalhar do meu jeito. E ela buscou a coragem nos próprios dedos. Quero que você confie no que eu vejo, mesmo quando você não enxergar. Ele sentiu na hora. Fechado.
A mansão parecia diferente quando Lívia passou novamente pelos portões. Não era mais a estranheza da primeira vez. Era uma dor antiga que ela reconhecia no cheiro, algo entre saudade e alerta. Subiu à escada com as mãos suando, sentindo cada passo como se fosse subir num palco.
Na porta do quarto, respirou fundo, empurrou devagar. O quarto estava mais escuro que antes, as janelas fechadas de novo, as luzes baixinhas. Caio estava encolhido, abraçado ao leãozinho. A respiração curta, os olhos meio abertos. “Caio!”, ela sussurrou. “Por um segundo ele não se mexeu. Depois os olhos dele piscaram uma vez. Duas.
Lentamente ele virou o rosto. Quando viu Lívia, o corpo inteiro dele pareceu despertar. Li, Lívia. A voz saiu falhada. Ela avançou até a cama, segurando a emoção pela beirada. Sou eu, leãozinho. Caio tentou se levantar usando as mãos, como sempre fazia, só que dessa vez a emoção tomou conta do corpo antes da razão.
Ele se impulsionou, tentou apoiar os joelhos, tentou erguer o tronco, tentou chegar até ela com a força de quem tira energia de onde não tem. E inesperadamente, impossivelmente conseguiu ficar em pé por 2 segundos. dois segundos o suficiente para mudar tudo.
Ele cambaleou e caiu contra o peito dela, que o segurou com força, lágrimas escorrendo antes mesmo que ela percebesse. Lívia, ele gritava desengonçado, chorando e rindo ao mesmo tempo. Eu fiquei em pé. Eu fiquei em pé. Foi nesse momento que Eduardo entrou no quarto e congelou. O filho dele, o menino que há meses mal levantava o tronco, estava de pé, abraçado a Lívia, com o rosto cheio de vida. Por um instante, nenhum dos três falou nada.
O mundo ficou só naquele ponto do quarto, naquele instante onde tudo se reescrevia. Mais tarde, Dr. Paulo examinou Caio, surpreso. Isso é raro, mas não impossível. A lesão dele nunca foi completa. O trauma, o medo, a tristeza podem bloquear o corpo e uma emoção forte pode destravar.
Eduardo ouviu tudo em silêncio, até que no corredor encontrou Dra. Regina com o rosto indignado. Isso é erro de diagnóstico ela disse. Não tem nada a ver com carinho. Eduardo respirou fundo, depois respondeu: “O único erro aqui foi tratar meu filho como um relatório. A senhora está dispensada.” A médica congelou, mas ele não recuou. No mesmo dia, chamou dona Marta. A senhora cuidou da casa por anos, mas não cuidou dele.
Pode arrumar suas coisas. E a mansão, pela primeira vez em muito tempo, parecia menor, parecia menos dura, parecia menos dela e mais deles. Os dias seguintes foram diferentes. Caio ria de novo, comia melhor, dormia melhor, fazia fisioterapia com vontade e sempre perguntava: “Você vai ficar, né, Lívia, para sempre?” Ela sempre respondia: “Vou ficar enquanto você precisar”.
Até o dia em que Eduardo pediu para conversar no quintal. Era noite. O vento mexia as folhas da árvore. O ar tinha cheiro de chuva distante. Lívia, ele começou. Eu não sei fazer discurso bonito, mas antes de você, essa casa era um hospital. Agora parece lar. Ela esperou. Eu fiquei muito tempo sem sentir nada que não fosse dor.
Você e o Caio me ensinaram a sentir outra coisa, a respirar, a acreditar. Eu me apaixonei por você. Lívia desviou os olhos, surpresa, exposta. Eduardo, eu sei que é cedo, eu sei que é complicado, mas ele engoliu seco. Eu quero você aqui, não só como cuidadora, como parte da gente, como família. Você aceita ser minha mulher? O mundo parou.
Nenhum vento, nenhuma folha, nenhum som. Lívia olhou para a casa, a antiga prisão silenciosa, agora iluminada por dentro, como se guardasse outra história. Depois olhou para Eduardo e pensou em Caio, no sorriso dele, no jeito como dizia para sempre. respirou e respondeu: “Eu aceito.” Eduardo fechou os olhos por um instante, como quem agradece um milagre.
Depois puxou-a para um abraço e ali no quintal, sob a árvore que Caio sempre observava da janela, eles se tornaram algo novo, algo inteiro, algo família. Dentro de casa, a cortina do quarto de Caio balançou com o vento e a luz da lua entrou suave. sem pedir permissão, como se dissesse que finalmente aquela casa voltava a respirar.
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