O som de chuva batendo no vidro parecia um relógio quebrado, repetindo o mesmo tictac de tristeza. Eduardo Ferraz observava a tela do computador imóvel, os olhos fixos na imagem granulada da câmera do jardim. O que você pensa que está fazendo? A voz dele saiu baixa, mas cortante.
Na tela, Lívia estava no gramado molhado, o vestido simples grudando nas pernas, os cabelos desgrenhados pelo vento. Ela cantava, cantava para três meninas sentadas na grama, cada uma abraçada à própria boneca. Eu vi você cantando, ele repetiu agora mais frio. Vi você mexendo nas coisas da minha esposa. Eu não te paguei para isso. Por um segundo, o silêncio pareceu engolir tudo.
Mas dentro dele havia algo diferente. Não era raiva, era medo. Medo de um som voltar. Mas essa história começou muito antes daquele momento. E o que ela vai te mostrar é como até o silêncio pode aprender a cantar. Lívia Duarte, 29 anos, passava pano chão de uma padaria, enquanto o rádio velho tocava uma música que ela conhecia de core, mas não tinha coragem de cantar. As mãos rachadas de produto químico, os joelhos doendo.
Ela olhou o relógio. 18. Faltava pouco para pegar o ônibus e visitar a mãe no hospital. Dona Rita, a mãe, era o motivo de tudo. Câncer em tratamento, SUS, que ajuda até onde pode, remédios caros, exames particulares. Era uma conta que não fechava. Lívia tinha diploma de pedagogia guardado numa pasta azul embaixo da cama.
Às vezes, ela passava o pano em uma sala de brinquedos, via o reflexo do próprio rosto numa janela e pensava: “Estudei 5 anos para isso.” Mas no fundo, o que doía não era o trabalho, era o silêncio que a vida deixou dentro dela. Naquela noite, o celular tocou, número desconhecido. “Boa noite, a senhora tem disponibilidade para um trabalho integral?”, disse uma voz seca de secretária.
Que tipo de trabalho, babá? Salário de R$ 12.000 por mês, moradia inclusa. Lívia quase deixou o celular cair. 12.000. Era quatro vezes o que ganhava limpando casas. Pensou que fosse golpe, mas a mulher continuou. Endereço, rua das Magnólias, Morumbi. Mansão da família Ferraz. Silêncio, Ferraz. O nome ecoou na cabeça dela. Eduardo Ferraz, dono de uma rede de academias viúvo há um ano.
A esposa dele, Helena, tinha morrido depois de uma doença longa. Lívia lembrava da notícia, mas ninguém sabia o que acontecera com as três filhas pequenas. No dia seguinte, ela desceu do ônibus com o coração batendo no pescoço. O portão da casa parecia coisa de filme, alto, automático, pintado de preto brilhante.
Quando se abriu, o ar lá dentro era diferente. Um ar parado, quase pesado. O jardim era perfeito demais. O tipo de beleza que não respira. Um segurança apenas disse: “Entre, a secretária está te esperando.” Lívia entrou. O cheiro de pinho misturado a perfume caro, tapetes limpos demais, silêncio absoluto. Nem o som dos passos dela fazia eco. No alto da escada, um homem apareceu.
Terno cinza, cabelo ligeiramente grisalho, olhos fundos de quem não dormia direito há muito tempo. O senor Ferraz, ela arriscou. Ele apenas assentiu. A senhora vai cuidar das minhas filhas, disse sem rodeios. Ana, Bia e Luía, três anos, trêmeas. Posso conhecê-las? Perguntou Lívia, tentando disfarçar o nervosismo.
Eduardo parou no último degrau e olhou para ela de um jeito que gelou o ar. Pode, mas tem uma coisa que precisa saber. Pausa. Elas não falam. Lívia piscou, achando que não entendeu direito. Como assim não falam? São mudas? Não, elas simplesmente pararam de falar desde o dia que a mãe delas morreu. Nenhuma palavra desde então.
O relógio da sala marcou um segundo mais lento. “O senhor já procurou ajuda?”, ela perguntou, a voz saindo quase num sussurro. “Já! 17 profissionais, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas, todos disseram a mesma coisa: “É trauma”. Eduardo deu um sorriso curto, sem alegria, e todos desistiram. Elas não respondem, só ficam ali olhando como estátuas.
O som distante de uma gota caindo da torneira foi o único ruído entre os dois. Eu não espero que você as cure. Ele continuou. Só quero que mantenha a rotina. Comida, banho, organização. Não tente conversar, não tente forçar nada. Só exista. Lívia segurou o currículo nas mãos, dobrando e desdobrando sem perceber. O coração dizia para sair dali, mas a imagem da mãe dela no hospital apertou o peito. R$ 12.000. Ela respirou fundo. Eu aceito, senr.
Ferraz. No primeiro dia, ela conheceu as meninas. estavam na sala de brinquedos, uma sala enorme, paredes claras, cheia de bonecas alinhadas como soldadinhas. As três sentadas no chão, com os mesmos cabelos lisos e olhos de um castanho quase dourado, pareciam cópias umas das outras. Lívia se ajoelhou.
Oi, princesas. Meu nome é Lívia. Nada. Três pares de olhos observando sem piscar. Ela tentou sorrir. Que bonecas lindas vocês têm. As meninas se entreolharam e, sem dizer nada, se afastaram ao mesmo tempo, como se tivessem combinado. Nenhum choro, nenhum som, só aquele movimento sincronizado, perfeito demais para ser natural. Um arrepio subiu pela espinha de Lívia.
Nos dias seguintes, ela tentou criar uma rotina. levantava cedo, preparava café, arrumava a casa. Eduardo saía antes das 7 e voltava tarde, sempre com o mesmo terno, a mesma expressão distante. A cada noite, o som das portas se trancando ecoava pelos corredores.
No terceiro dia, enquanto limpava o chão da sala, Lívia percebeu uma luzinha vermelha piscando no canto do teto, depois outra no corredor e mais uma no quarto das meninas. Câmeras. De repente, ela entendeu. A casa inteira era vigiada. Ela parou, o pano ainda molhado nas mãos. Uma mistura de desconforto e pena tomou conta dela. Ele perdeu a esposa.
Deve ter medo de perder o resto. Mas mesmo assim, algo naquele silêncio parecia errado. Não era silêncio de luto, era silêncio de prisão. Numa noite, enquanto fechava as cortinas da sala, Lívia ouviu um som leve vindo do corredor. Intar metálico virou-se um sino de vento pendurado na varanda balançava mesmo sem vento. As crianças dormiam, a casa inteira quieta.
Ela ficou ali parada, olhando o sino bater contra o vidro. O som era suave, quase tímido, mas parecia querer dizer algo. Talvez fosse só o ar da madrugada, ou talvez fosse a lembrança de uma música esquecida tentando voltar. E pela primeira vez desde que entrou naquela casa, Lívia sorriu.
Um sorriso pequeno, exitante, como quem sente que o silêncio, enfim, vai começar a se mexer. Os dias começaram a se misturar dentro daquela casa. Manhã, tarde, noite. Tudo parecia ter o mesmo som, o som de nada. Lívia acordava antes do sol, o café subindo com cheiro de torrada e desespero. Passava o pano no chão, penteava o cabelo das meninas, trocava a roupa de cama branca demais, cada movimento medido, cada palavra engolida antes de sair. A casa respirava vigilância.
Ela sentia isso nos olhos invisíveis das câmeras, pequenas luzes vermelhas piscando como corações artificiais. sabia que ele via tudo. Eduardo aparecia às vezes de passagem, terno impecável, expressão de pedra, passava pela sala sem olhar para ninguém, com o celular colado à orelha.
As meninas ficavam paradas, observando o pai sem som, sem gesto. Lívia, que sempre acreditou que criança é barulho, risada, tropeço, não sabia lidar com aquele silêncio. Era como estar dentro de um aquário. Via as coisas se moverem, mas o som nunca chegava. À noite, ela escrevia no caderno escondido dentro da gaveta. Elas não falam, mas escutam tudo e talvez estejam esperando alguém cantar primeiro. Na manhã de uma quarta-feira, a chuva insistia em cair, fina, teimosa.
Eduardo saiu cedo e a casa ficou entregue ao som da água batendo nos vidros. Lívia aproveitou para subir até o sótan. A secretária tinha pedido para separar cobertores velhos. O ar lá em cima era empoeirado, denso. Cada passo fazia o açoalho gemer, como se o próprio chão reclamasse da solidão.
Ela abriu caixas, tirou panos e o cheiro de mofo quase a fez torcir. Até que entre um monte de tralhas, viu uma caixa de sapato amarrada com fita. Tinha um papel amarelado escrito à mão para Eduardo e minhas princesas, Helena. Lívia ficou imóvel por um instante. A caligrafia era delicada, redonda. Dentro havia várias fitas cassete.
Fitas, aquele objeto que o tempo esqueceu, mas que ainda guardava vozes. O coração dela bateu mais forte. Desceu correndo até a garagem, onde lembrava de ter visto um rádio antigo coberto de poeira. Encaixou uma das fitas, apertou o play. O chiado veio primeiro, depois uma voz: “Oi, meu amor! Oi, minhas filhotas! Se vocês estão ouvindo isso, é porque a mamãe já virou saudade.” A voz era doce e cansada, com uma força escondida nas entrelinhas.
Helena falava pausado, como quem quer deixar cada palavra durar mais um segundo de vida. Os médicos me disseram que o risco era grande, mas eu quis tentar. Porque vocês valem qualquer risco? Lívia tapou a boca para não chorar. A mulher continuou. Edu, por favor, coloca essa música para elas todos os dias. Não deixa o silêncio tomar conta.
Ensina com abraço, não com regra. com riso, não com medo. A fita deu um estalo e então veio uma melodia simples inventada ali na hora. Uma cantiga de Ninar. A voz de Helena desafinava de leve, mas era a coisa mais viva que já suou dentro daquela casa. Quando terminou, o silêncio voltou, só que agora era outro tipo de silêncio, um silêncio cheio de eco.
Lívia ficou parada por muito tempo, sentada no chão frio do sótam, abraçada a si mesma. Pensou em dona Rita, na vida interrompida pela dor. Pensou nas meninas, presas num mundo sem som. pensou em Eduardo e pela primeira vez sentiu pena dele. Aquela fita era um pedido que nunca foi ouvido. No dia seguinte, enquanto trocava a roupa de cama das meninas, Lívia tomou coragem.
Abriu as janelas para deixar o vento entrar. O sol atravessou as cortinas e iluminou o chão. As três estavam sentadas no tapete, como sempre, cada uma abraçada a sua boneca. Lívia respirou fundo e começou a cantar baixinho. A mesma melodia da fita. No começo, as meninas não se mexeram, mas aos poucos, a menor delas, Ana, levantou os olhos. Depois, Bia virou a cabeça. Luía soltou a boneca.
O ar mudou, como se a casa pela primeira vez estivesse escutando. Lívia desafinava, tropeçava nas palavras, mas não parava. O som saía trêmulo, cheio de medo, mas também de coragem. Quando a música acabou, o coração dela parecia um tambor. Ela sorriu nervosa. A mamãe de vocês me ensinou essa música. As três meninas continuaram olhando. Nenhuma palavra, mas não se afastaram.
E aquilo naquele mundo de silêncio era um milagre. Nas tardes seguintes, Lívia repetiu o ritual. Ligava o rádio velho, deixava as fitas tocarem enquanto penteava o cabelo das pequenas ou preparava o lanche. Cada nota parecia acordar algo adormecido, um olhar curioso, um sorrisinho rápido, um suspiro.
Até que um dia, enquanto elas estavam no jardim, aconteceu algo que Lívia não percebeu. Eduardo viu do escritório. Ele olhou as câmeras e se deparou com uma imagem impossível. As três meninas correndo na grama, rindo, Lívia atrás delas, cantando, os cabelos soltos ao vento. O homem congelou. O som, que para ele sempre foi ameaça, agora enchia a casa. E ele não sabia lidar com aquilo.
Naquela noite, ela estava recolhendo os brinquedos da sala quando ouviu passos pesados na escada. Eduardo surgiu, o rosto tenso, a voz baixa, mas dura. O que você está fazendo, senor Ferraz? Eu só estava. Eu vi você cantando. Eu vi você no jardim. Eu vi você mexendo nas coisas da minha esposa. Eu não te paguei para isso. Lívia ficou imóvel, segurando uma boneca nas mãos. Eu só queria ajudar.
As meninas estão bem do jeito que estão ele gritou, a voz quebrando no final. Ela respirou fundo, os olhos marejados. Com todo respeito, senor Ferraz, não estão. Elas já estão sofrendo, só que em silêncio. A frase ficou pairando no ar. Eduardo travou.
Por um instante, o olhar dele perdeu a dureza, como se alguém tivesse aberto uma janela dentro dele, mas logo fechou de novo. Virou o rosto, passou a mão no cabelo e disse apenas: “Saia daqui”. Lívia abaixou a cabeça, o coração apertado, e subiu as escadas em silêncio. Lá de cima, ouviu o som do rádio que ainda estava ligado no sótam, o chiado da fita girando sozinha.
Aquele som parecia zombar da casa inteira. Ela fechou a porta do quarto, sentou na cama e chorou baixinho. Tinha certeza de que seria demitida no dia seguinte, mas pela primeira vez desde que chegou não tinha arrependimento, porque agora sabia o que estava faltando naquela casa. Não era obediência, era memória, era música.
Do lado de fora, o céu começou a mudar de cor. Nuvens escuras se juntando, vento batendo nas janelas. Lá no fundo do corredor, o sino de vento voltou a balançar sozinho, o mesmo da primeira noite. Só que agora o som dele não era triste, parecia um aviso. Algo estava prestes a mudar.
A madrugada caiu pesada sobre a mansão ferraz. Lá fora, a chuva fina deixava o jardim prateado, como se o mundo inteiro tivesse sido lavado. Lívia não conseguia dormir. O som das gotas no vidro lembrava a melodia da fita, aquela que agora ela sabia de cor. Virava de um lado pro outro na cama, o coração apertado.
Tinha certeza o patrão ia mandá-la embora, mas no fundo algo dentro dela não se arrependia. Pelo menos uma vez, aquelas meninas sorriram. O silêncio da casa era denso, mas havia algo diferente nele. Não era mais o silêncio de velório, era um silêncio de espera, como se algo estivesse prestes a acontecer.
Foi quando ela ouviu um som abafado, um soluço, baixinho vindo do corredor. Lívia se levantou descalça e abriu a porta devagar. A luz fraca do abajur do corredor tremia e sentado no chão, encostado na parede, estava Eduardo de pijama, desarrumado, os cotovelos apoiados nos joelhos, um rádio velho entre as mãos, a fita girava chiando. A voz de Helena enchia o ar.
Edu, se um dia você ouvir isso, lembra de cantar para elas. Mesmo se a voz falhar, mesmo se doer. Eduardo chorava em silêncio, os ombros tremendo, o rosto escondido nas mãos. Era o choro de um homem que segurou tudo por tempo demais. Lívia ficou ali parada, no escuro, sem saber o que fazer. Não quis interromper, só observou.
A música continuou suave, quase um sussurro, e ela percebeu. Ele não estava chorando pela esposa, estava chorando pelo que virou depois dela. Quando a fita terminou, Eduardo limpou o rosto, respirando fundo. Olhou pro rádio como quem encara um espelho e então notou a presença dela. “Desculpe”, ela disse baixinho. “Eu não queria invadir.
” Ele balançou a cabeça sem força para falar. Você ouviu? Lívia assentiu. Sim. Silêncio. O som da chuva lá fora fazia uma espécie de batida lenta, quase um ritmo. “Eu não sei cantar”, ele murmurou com a voz rouca. Então a gente aprende junto”, respondeu ela com um sorriso pequeno.
Por um instante, os olhos dele suavizaram e pela primeira vez ele pareceu humano. Na manhã seguinte, o sol voltou tímido, filtrando pelas janelas grandes. As folhas do jardim brilhavam molhadas. As meninas ainda dormiam, abraçadas umas às outras. E Lívia aproveitou o momento. Ela e Eduardo estavam na cozinha sem palavras. O cheiro de café fresco preenchia o ar.
Ele mexia a xícara com a colher, o olhar perdido. “Faz tempo que não ouço o som nessa casa”, disse quase para si mesmo. “Às vezes o silêncio adoece mais do que o barulho”, respondeu Lívia, sem levantar os olhos. Eduardo pousou a colher, respirou fundo e apenas assentiu. Não precisavam falar mais nada. Pouco antes do almoço, ele chamou as meninas.
As três apareceram no topo da escada de vestidos claros, olhando pro pai com desconfiança. Lívia estava atrás dele, nervosa, mas firme. “Meninas”, disse ele, a voz trêmula. O papai errou. teve medo de ver vocês tristes e acabou esquecendo que a tristeza também é parte da vida. Ana, a menor, apertou a boneca no peito. Bia deu um passo à frente. Luía apenas olhou.
A mamãe deixou uma música para vocês e eu quero tentar cantar. Ele respirou fundo. Querem vir pro jardim comigo? As meninas se entreolharam. Depois, uma a uma, desceram as escadas. Lívia seguiu atrás, o coração batendo rápido. O jardim estava ainda úmido da chuva. O vento soprava leve, fazendo o sino da varanda tocar baixinho.
Aquele som esperado exatamente por esse momento. Lívia começou a melodia com a voz doce e trêmula: “Dorme, meu amor, que o céu tá te olhando.” Eduardo tentou acompanhar. A voz falhou nas primeiras palavras. Mas ele continuou. E cada estrela é um beijo que a mamãe deixou. As meninas pararam de andar, ficaram olhando. O pai ajoelhou, ficando da altura delas.
Papai vai errar o tom, vai esquecer a letra, mas vai cantar sempre, tá bem? Lívia observava de longe, as mãos apertadas no peito. Eduardo recomeçou e a voz dele tremia, mas era sincera. E naquele instante algo mudou. As meninas se aproximaram. Uma mãozinha pequena tocou o ombro dele. Depois outra.
Até que Milena, a do meio, sempre mais calada, começou a chorar. Mas não era choro de dor, era choro de alívio. Ela correu pro colo do pai, soluçando. As outras duas vieram logo depois e o abraço se formou. Eduardo chorava também, agora sem vergonha. As lágrimas misturavam-se as da filha e a música continuava baixa, entrecortada. Lívia sentiu o nó na garganta se desfazer.
Era como ver o silêncio se romper, não com um grito, mas com um suspiro. Até que no meio daquele choro, uma vozinha saiu. Mamãe, foi quase um sopro. Eduardo congelou, olhou pra filha no colo. O quê, mamãe? repetiu ela mais firme. As outras duas olharam e disseram também: “Mamãe, mamãe! Três vozes pequenas, três vozes que voltavam à vida.
Eduardo abraçou as filhas com força, o rosto afundado nos cabelos delas. O som do choro virou riso. O jardim inteiro parecia respirar de novo. Lívia chorava também, parada a poucos metros, as mãos no rosto. Sabia que estava vendo algo que não se repete, algo que cura. O sol já estava alto quando tudo se acalmou.
Eduardo ficou ali sentado na grama, as filhas adormecidas no colo. Lívia recolheu o rádio que ainda tocava um restinho da fita. A voz de Helena soou pela última vez. Se ela sorrirem, Edu, é porque você aprendeu a cantar. Ele olhou pro rádio, depois para Lívia, e os olhos dele diziam tudo o que as palavras não conseguiam. Ela se aproximou, abaixou-se e sussurrou. A música voltou para casa.
O vento passou entre as árvores e o sino tocou de novo. Agora mais alto, mais livre. As notas dançaram pelo ar, misturadas ao som das risadas das meninas que ecoavam ao longe. E pela primeira vez em dois anos, a casa da família Ferraz tinha som. Um som vivo, humano, não o som de dor, mas o som da cura. Na manhã seguinte ao mamãe, a casa parecia ter crescido uma janela a mais.
A luz entrava de um jeito diferente, pegando na poeira do ar e fazendo cada partícula brilhar como nota musical. Lívia acordou antes do sol, lavou o rosto, amarrou o cabelo e ficou alguns segundos ouvindo: “Não a água no cano, não o carro do vizinho, mas o som das meninas respirando no quarto ao lado. Era um couro manso, vivo.
Eduardo apareceu na cozinha sem terno, sem relógio, só uma camiseta sururrada e um olhar que não cabia no homem de ontem. parou diante dela sem discurso, as mãos vazias, os olhos cheios. “Obrigado”, ele disse e a voz falhou. “Você salvou minhas filhas. Você me salvou também?” Lívia quis responder que não, que só tinha apertado play no que já existia ali, mas ele ajoelhou, simples assim.
Um empresário de milhões no chão da própria cozinha, pedindo desculpas como quem devolve uma chave. Me perdoa por ter transformado essa casa numa jaula. Eu achei que estava protegendo elas. Respirou fundo. E eu estava protegendo a minha covardia. Lívia segurou os ombros dele, pediu que levantasse. Não tinha heroína e vilão ali, só gente.
Naquela tarde, Eduardo saiu e voltou com um envelope grosso, contas pagas, exames, remédios, sessões de fisioterapia. Dona Rita não vai esperar mais nada”, ele disse. Hospital bom, já tá tudo acertado. Lívia levou a mão à boca, surpresa. Chorou com a naturalidade de quem não aguenta guardar alegria. Ligou pra mãe. Do outro lado, a risada rouca de dona Rita atravessou os fios.
“Minha filha, eu vou ficar boa para ver essas meninas cantando no palco.” E ouviu? Vai sim, mãe. Vai sim. As semanas seguintes foram de pequenas revoluções. O rádio ganhou lugar fixo na sala. As câmeras perderam o vermelho piscando. As janelas abriram até bater leve nos batentes e a rotina ganhou barulhos de verdade.
Colher batendo no copo, passos apressados, risos que estouravam no meio do corredor. Ana inventou um tamborzinho com pote de plástico. Bia preferia o chocalho com arroz. Luía gostava de fingir que o sofá era um palco e que as plantas eram plateia. Uma noite, sentados no jardim, Lívia falou do sonho como quem testa um segredo ao ar livre.
Eu sempre quis abrir uma escola, um lugar para criança traumatizada reaprender a sentir. Com música, com desenho, com abraço, nada grande. Só um lugar que não aprece ninguém. Eduardo olhou o escuro entre as árvores, pensou um instante e quando respondeu, foi com a simplicidade de quem já decidiu. Então vamos abrir. Como assim? Vamos. Terreno eu tenho gente para construir também.
Se você tem a alma, eu tenho o tijolo. O coração de Lívia bateu fora de compasso. Tentou dizer: “Não precisa, é demais, não é hora”. Mas a palavra que saiu foi outra, tímida e inteira. Eu topo. O canteiro de obras nasceu onde antes havia só mato bem cortado. O barulho dos marteletes acordou à rua.
Crianças encostavam no portão para espiar. O cheiro de tinta fresca tomou os dias. Lívia andava pelo futuro corredor como quem pisa dentro de um desenho. Sala multiuso, sala pequena de acolhimento, almocharifado de instrumentos simples, um pátio com árvores que faziam sombra do tamanho certo.
Na parede da entrada, o projeto do letreiro, casa das canções. Abaixo, um desenho de fita cassete com notinhas voando, como passarinhos que acabaram de aprender o caminho de volta. Eduardo acompanhava de perto, mas sem invadir. Aprendeu a perguntar: “O que você acha antes de decidir?” Às vezes errava e voltava.
Às vezes acertava e ria feito menino. As meninas, uniformes de obra improvisados, capacete de brinquedo e tudo, corriam entre os sacos de cimento, como quem brinca de esconde esconde com o futuro. No fim de uma tarde, o céu roxo, o cheiro da primeira sala encerada, subiu como lembrança boa. Lívia encostou a testa na parede e fechou os olhos. Ouviu passos atrás.
A gente esqueceu de combinar uma coisa”, disse Eduardo. “O quê? O nome da sala principal.” Lívia não pensou, saiu direto. Sala Helena. Ele assentiu devagar, a garganta apertada. Passou a mão na madeira da porta como quem cumprimenta. O dia da inauguração chegou com solia e vento perfeito para balançar bandeirinha.
Dona Rita veio num vestido azul que fazia os olhos dela brilharem mais. Caminhou devagar, apoiada no braço de uma enfermeira e no entusiasmo de viver. Quando viu a placa Casa das Canções, riu com som de panela boa no fogo. “É”, ela disse, “O silêncio aqui não vai ter sossego.” As famílias começaram a chegar, crianças de mãos dadas, outras no colo, outras medindo o tamanho do pátio com o pé. Um violão afinava sozinho num canto.
As meninas, Ana, Bia e Luía, com vestidos claros e fitas no cabelo, corriam pelo corredor e paravam na porta da sala Helena, como quem cumpre um ritual. Lívia ajeitou o microfone, respirou, o coração pulava, mas em um ritmo que não doía. Bem-vindos. Ela sorriu. Essa casa nasceu de uma falta. E a gente decidiu preencher essa falta com tudo que cabe numa canção.
Tempo, paciência, brincadeira, choro, riso. Aqui ninguém precisa apressar o coração. Olhou pro fundo e encontrou o olhar de Eduardo. Não havia plateia entre eles, só uma linha invisível de respeito. A primeira música. Ela continuou procurando as meninas com os olhos. Vocês cantam comigo? As três vieram de mãos dadas, subiram no palco pequeno.
O microfone era alto demais e o público riu baixinho quando elas se esticaram nas pontas dos pés. Lívia abaixou o pedestal, deixou no tamanho exato. “Prontas?”, perguntou. Os primeiros acordes saíram do violão. Lívia começou baixinho e as meninas entraram desafinadas, comendo sílaba, inventando palavra onde faltava ar. Perfeito, perfeitamente vivo. Na plateia, mães se abraçaram em silêncio. Pais apertaram as mãos uns dos outros.
Dona Rita chorou, mas o rosto inteiro ria. Eduardo ficou de pé, imobilizado por dentro. Em determinado verso, ele fechou os olhos e cantou juntos, sem som, só para si. Quando a canção acabou, não houve gritos, houve suspiro. Um suspiro coletivo desses que fazem o peito abrir espaço.
Aplausos vieram depois, demorados, com gente batendo palmas e secando o rosto ao mesmo tempo. Mais tarde, no pátio, enquanto crianças desenhavam no chão com giz, um menininho de camiseta listrada veio até Lívia com um desenho torto. Professora, aqui é a sua casa. apontou para a casinha com teto azul e um coração no meio. É a nossa.
Ela respondeu guardando o papel na bolsa como quem esconde um diamante. Eduardo se aproximou com duas águas e um riso simples. Tinha poeira de giz na barra da calça, sinal de que em algum momento sentou no chão com as crianças. Ele estendeu uma pequena caixa. Um presente pra diretora. Lívia abriu dentro um chaveiro de metal, uma fita cassete minúscula, com um coração gravado no centro.
O metal guardava o sol do fim de tarde e devolvia uma luz morna no rosto dela. É só para você não esquecer de apertar play quando a vida inventar silêncio”, ele disse. Ela não conseguiu responder, só encostou o chaveiro na palma e deixou a mão esquentar. As meninas puxaram o pai pela barra da camisa. Papai, corre! Ana gritou.
Tem nuvem em forma de nota? Eles olharam pro céu. Era verdade. Um grupo de nuvens alongadas parecia pauta de música e uma mais gordinha lembrava uma colcheia. Eduardo Rio Alto, Lívia também. O sino de vento tocou suave. O mesmo som da varanda antiga, agora pendurado no alpendre da escola. Tocou de novo, mas não anunciando tempestade, anunciando movimento. Na saída já quase noite, a fachada acendeu.
Casa das canções brilhou com uma luz amarela, mansa. Na base do jardim inauguraram uma pequena escultura, a fita cassete de metal maior, com notas que se desprendiam como passarinhos. Uma placa simples escrita à mão dizia: “Aqui o silêncio aprende a cantar”. Lívia ficou alguns segundos sozinha diante da escultura.
O vento passava pelos cabelos, a cidade respirava ao fundo. Ela fechou os olhos e ouviu não uma música inteira, mas o começo de uma, o suficiente. Quando abriu, viu o reflexo pequeno dela e das meninas no metal polido. Quatro silhuetas juntinhas, tremidas pelo ar. pareciam estar dançando. Ela sorriu e como quem conversa com alguém que ainda mora em algum canto do mundo, sussurrou: “Obrigada, Helena.
” A voz chegou e vai ficar. M.
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