Se me derem comida, eu posso ajudar”, suplica um menino faminto ao entrar em uma oficina. A resposta dos mecânicos é cruel: gargalhadas e humilhações contra o pequeno mendigo. Mas em segundos ele revela um talento impossível ao fazer um motor ganhar vida. O que parecia uma piada se transforma em uma verdade capaz de chocar e inspirar toda a cidade.
Só escaldante de São Paulo castigava o asfalto da Avenida Ricardo Jafé, onde a oficina Motores Ancia funcionava a todo vapor naquela quarta-feira. O cheiro de óleo e gracha impregnava o ar, misturando-se ao aroma do café forte que dona Zuleide, a secretária de 60 anos, preparava religiosamente às 3 da tarde.
Os mecânicos trabalhavam em ritmo acelerado, pois o fim do mês se aproximava e as contas não esperavam. Mauro Ribeiro, o proprietário do estabelecimento, um homem robusto de 50 anos, com cabelos grisalhos e mãos calejadas por décadas de trabalho, observava com frustração o camaro amarelo estacionado na vaga principal.
Há três dias, ele e sua equipe quebravam a cabeça, tentando identificar um ruído estranho no motor que nenhum diagnóstico computadorizado conseguia detectar. Esse carro tá me tirando o sono, Zoleide”, reclamou passando a mão pela testa suada. “O dono tá me ligando de hora em hora. Se não resolvermos isso até amanhã, vamos perder um cliente importante.
Severino Dantas, o mecânico mais antigo da oficina, um nordestino de Recife, com quase 30 anos de experiência e conhecido por seu temperamento áspero, limpava as ferramentas com irritação. Já desmontei esse motor duas vezes, Mauro. Não tem nada de errado com ele. O problema deve ser imaginação do Playboy dono do carro.

Nesse momento, Juliana Mendes, a única mecânica mulher da equipe, uma jovem de 27 anos que havia estudado engenharia mecânica e lutava diariamente para aprovar seu valor num ambiente predominantemente masculino, aproximou-se com uma prancheta. Fiz outra verificação completa. Mauro, os sensores estão todos funcionando. O sistema de injeção está perfeito. A compressão dos cilindros está normal.
É realmente estranho. O burburinho da oficina foi interrompido quando uma figura pequena e franzina surgiu na entrada. Era um menino que não aparentava mais de 10 anos, com cabelos negros desgrenhados, pele morena queimada de sol e roupas surradas. Seus pés descalços deixavam marcas no chão limpo da recepção.
Dona Zuleide levantou-se imediatamente, ajeitando os óculos de aros coloridos. Ei, menino, não pode entrar assim. Aqui é uma oficina, lugar perigoso para criança. O garoto não recuou. Seus olhos escuros e vivos percorreram o ambiente com uma curiosidade que parecia ir além da simples observação infantil. Quando falou, sua voz era clara e decidida.
Apesar de seu corpo magro denunciar que não se alimentava adequadamente a dias. Se me derem comida, eu posso ajudar. Um silêncio momentâneo foi quebrado pela risada estrondosa de Severino, seguida por outros mecânicos que largaram suas ferramentas para observar a cena inusitada. Olha só o que temos aqui. Um moleque de rua querendo dar uma de mecânico. Severino aproximou-se colocando as mãos na cintura.
Volta para pedir esmola no farol, garoto. Aqui a gente trabalha de verdade. O menino permaneceu impassível. Seus olhos agora fixos no Camaro amarelo. Juliana percebeu a intensidade do olhar do garoto e sentiu um aperto no peito ao notar as marcas de sujeira em seu rosto e os ossos salientes sob a camiseta desbotada do Corinthians.
“Qual é seu nome?”, perguntou ela, ignorando os olhares reprovadores dos colegas. “Tigo”, respondeu ele, sem desviar os olhos do carro. Thago Soares. Mauro se aproximou com uma expressão entre a compaixão e a firmeza. Olha, Thago, isto aqui não é lugar para crianças.
Por não está na escola a esta hora? O menino finalmente desviou o olhar do carro e encarou o dono da oficina. Não tenho escola, não tenho casa, mas sei consertar carros. As risadas aumentaram, eando pelo galpão. Severino pegou uma chave de fenda grande e a colocou na mão do menino. Tá bom, então, Pelé da Mecânica, mostra pra gente como se usa isso aqui. A ferramenta pesada quase caiu das mãos pequenas do garoto, provocando mais risos.
Thago devolveu a chave sem se abalar, apontou para o camaro e falou com surpreendente segurança. Aquele carro tem um problema na válvula termostática. Está presa entre aberta e fechada, por isso faz barulho quando esquenta, mas os sensores não mostram erro. O silêncio que se seguiu foi absoluto. Mauro olhou para o menino com espanto, enquanto Severino franzia o senho em desconfiança. “Como você sabe disso?”, questionou Mauro.
“Pelo som”, respondeu Thiago com simplicidade. “Posso mostrar se deixarem”. Juliana adiantou-se antes que Severino pudesse protestar. Deixa ele tentar, Mauro. Já tentamos de tudo mesmo. Relutante, mas curioso, Mauro fez um gesto afirmativo. O menino se aproximou do carro com uma desenvoltura surpreendente.
Pediu que ligassem o motor e ficou escutando atentamente por alguns segundos com os olhos fechados, como se pudesse visualizar o funcionamento interno apenas pelo som. “Está ouvindo?”, perguntou ele a Mauro. “Este está lido seguido de um açubio leve? É a válvula. Sem esperar permissão, dirigiu-se à caixa de ferramentas, selecionou com precisão as que precisava e deslizou para baixo do capô aberto.
Seus movimentos eram ágeis e precisos, como se tivesse feito aquilo centenas de vezes. Em menos de 10 minutos, emergiu com uma pequena peça na mão. Olha aqui, está com uma rachadura mínima. O líquido de arrefecimento está vazando em quantidade tão pequena que evapora antes de deixar marcas, mas é o suficiente para causar o problema.
Mauro pegou a peça e examinou-a cuidadosamente. A rachadura era quase imperceptível, mas estava lá. Tem uma nova dessas no estoque, Zuleade? Perguntou ainda atônito. Acho que sim, na prateleira B3, respondeu a secretária tão surpresa quanto todos. Thago recebeu a peça nova e a instalou com a mesma eficiência. Quando terminou, pediu que ligassem o motor novamente.
O ruído havia desaparecido completamente. Os mecânicos se entreolharam atônitos. Severino cruzou os braços, visivelmente contrariado. Mauro coçava a cabeça, sem saber como reagir àquela situação extraordinária. Foi Juliana quem quebrou o silêncio constrangedor. Acho que alguém aqui merece um prato de comida, não é mesmo? Sem esperar resposta, dirigiu-se à pequena copa nos fundos da oficina.
Enquanto os outros ainda processavam o que tinham acabado de presenciar, ela retornou com um prato cheio de arroz, feijão e um pedaço generoso de frango assado, o resto do almoço que haviam pedido de um restaurante próximo. Thago olhou para o prato como se fosse um tesouro inestimável. Suas mãos tremeram levemente ao aceitar a comida. Devagar, garoto.
Vai com calma”, advertiu Juliana, notando a avidez com que ele começava a comer. “De onde você aprendeu mecânica?” Thago engoliu um bocado antes de responder, seus olhos evitando contato direto. “Meu pai me ensinou.” “E onde está seu pai agora?”, perguntou Mauro, aproximando-se com curiosidade genuína. O menino parou de comer por um instante, uma sombra passando por seu rosto. Ele se foi há dois anos.
Juliana lançou um olhar de advertência para os outros, sinalizando para não pressionarem o assunto. E sua mãe? Nunca conheci, respondeu Thago, voltando a comer com menos entusiasmo. Severino, ainda desconfiado, aproximou-se. Aposto que foi só sorte de principiante. Ou então alguém te mandou aqui para pregar uma peça na gente? Thago não respondeu.
Concentrado em seu prato de comida, Juliana colocou-se protetoramente ao lado dele. Dá um tempo, Severino. O garoto acabou de resolver um problema que estava te deixando maluco há três dias. Mauro observava tudo com atenção calculista. Sua oficina estava com falta de pessoal.
E mesmo que o menino fosse apenas um ajudante para tarefas simples, poderia ser útil. Além disso, havia algo no olhar daquele garoto que lhe lembrava alguém, embora não conseguisse precisar quem. Tiago chamou ele, fazendo o menino erguer os olhos do prato quase vazio. Você gostaria de voltar amanhã? Posso te dar o café da manhã e o almoço em troca de algumas horas de ajuda na oficina.
Os olhos do garoto se iluminaram momentaneamente, mas logo voltaram à expressão cautelosa que parecia ser sua marca registrada. Posso dormir aqui? A pergunta pegou todos de surpresa. Mauro hesitou. Não é um lugar adequado para uma criança dormir, Thaago. Não tem ninguém que cuide de você, Manil? O menino sacudiu a cabeça negativamente. Estou sozinho. Durmo onde dá.
Juliana trocou olhares com Mauro, uma comunicação silenciosa que expressava preocupação. Ele pode ficar no quartinho dos fundos, Mauro. Só por hoje. Amanhã pensamos em algo melhor. Severino bufou. Isso é loucura. Vamos acabar nos metendo em problemas. E o que você sugere? Retrucou Juliana. Jogar ele de volta na rua. E se fosse seu filho? O comentário atingiu Severino como um soco.
Todos sabiam que ele tinha dois filhos que mal via desde o divórcio conturbado. “Faz o que quiser”, resmungou, afastando-se para o outro lado da oficina. No final do expediente, enquanto os funcionários se preparavam para ir embora, Juliana arrumou um colchonete no pequeno depósito nos fundos da oficina.
Trouxe um travesseiro e cobertores de sua própria casa, que ficava apenas dois quarteirões dali. Não é o Copacabana Palace, mas é seguro e seco”, disse ela, tentando arrancar um sorriso do menino. “Conseguiu apenas um breve erguer de lábios. Amanhã eu trago roupas limpas para você.
Meu sobrinho deve ter algumas que servem.” Quando todos já haviam saído, Mauro fez uma última verificação no quartinho. Thago estava sentado no colchonete, observando atentamente um manual de mecânica que encontrara numa prateleira. Você sabe ler?”, perguntou Mauro, surpreso. “Sei”, respondeu o menino sem erguer os olhos. “Meu pai me ensinou. Estudei até o terceiro ano antes.
Ele não completou a frase e Mauro não insistiu. Em vez disso, apontou para uma pequena lanterna ao lado do colchonete. “Se precisar de alguma coisa durante a noite, tem um banheiro ali”, mostrou uma porta. “Vou trancar a oficina, mas você pode sair por essa porta dos fundos se precisar. Só não mexa em nada, entendeu? Tiago assentiu, finalmente olhando nos olhos de Mauro. Obrigado, senhor.
Algo naquele olhar, uma mistura de gratidão, orgulho ferido e uma sabedoria além da idade, fez Mauro sentir um nó na garganta. Boa noite, Thago. Amanhã conversamos melhor. Quando Mauro saiu trancando a porta principal da oficina, não pôde deixar de pensar no quanto aquele dia havia sido extraordinário.
Encontrar um menino de rua com habilidades mecânicas excepcionais não era algo que acontecia todos os dias. Havia algo familiar nele, embora não conseguisse identificar o quê. Enquanto dirigia para casa, onde morava sozinho desde que sua esposa o deixara 5 anos atrás, Mauro se perguntava se estava fazendo a coisa certa ao abrigar o garoto, mesmo que temporariamente. As implicações legais o preocupavam, mas a alternativa de deixá-lo na rua parecia ainda pior.
Naquela noite, tanto Mauro quanto Thago tiveram dificuldade para dormir, embora por razões diferentes. Mauro, por preocupação com as consequências de sua decisão, Thaago, porque pela primeira vez em muito tempo dormia em um lugar seguro, com o estômago cheio, e a promessa de que, pelo menos por um dia, não precisaria se preocupar com sua próxima refeição.
Os primeiros raios de sol mal haviam surgido quando Thago já estava de pé, com os olhos atentos explorando cada canto da oficina. O cheiro de óleo e metal trazia uma estranha sensação de conforto, como se finalmente estivesse em um lugar familiar depois de tanto tempo vagando.
Suas mãos pequenas tocavam as ferramentas com reverência, reconhecendo cada uma delas como velhas amigas. Quando Mauro chegou, uma hora antes do horário de abertura, surpreendeu-se ao encontrar o garoto organizando metodicamente uma caixa de ferramentas que estava em completa desordem no dia anterior. “Bom dia”, disse Mauro, observando com espanto a transformação. “Vejo que acordou cedo.” Tiago apenas assentiu, continuando seu trabalho meticuloso.
Havia algo hipnótico na maneira como suas mãos se moviam, com a precisão de um cirurgião e a familiaridade de um veterano. “Você comeu alguma coisa?”, perguntou Mauro, colocando sua mochila sobre o balcão da recepção. “Não, senhor”, respondeu o menino, finalmente interrompendo sua tarefa.
Mauro retirou da mochila um pacote de pão, queijo e uma garrafa de suco de laranja. “Não é muito, mas deve dar para o café da manhã. Mais tarde pedimos algo mais substancial para o almoço. Os olhos de Thiago brilharam momentaneamente diante da comida, mas ele manteve a compostura, aceitando com um agradecimento quase inaudível. Comeu devagar, como se quisesse fazer cada mordida durar o máximo possível.
Juliana foi a próxima a chegar, trazendo uma sacola com roupas usadas, mas em bom estado. Bom dia, pessoal. Olha-te o que eu trouxe, Thago. Meu sobrinho não usa mais essas. Acho que vão servir em você. O menino aceitou as roupas com um misto de vergonha e gratidão.
Juliana mostrou-lhe onde poderia tomar um banho, no pequeno vestiário dos funcionários. Quando Thago retornou, transformado com uma camiseta azul limpa, bermuda jeans e um par de tênis surrados mais decentes, os outros funcionários já começavam a chegar. Severino, ao ver o garoto, franziu o senho em desaprovação. “Então o moleque ainda está aqui”, comentou com Mauro sem se preocupar em baixar a voz.
“Já ligou para o Conselho Tutelar?” Mauro balançou a cabeça. Vou resolver isso hoje. Mas enquanto isso, ele vai ficar por aqui. Amanhã transcorreu com Thago, observando atentamente o trabalho dos mecânicos, mantendo-se discreto em um canto, sem atrapalhar. Ocasionalmente, Juliana o chamava para pequenas tarefas, como buscar ferramentas ou segurar uma lanterna.
O garoto executava cada pedido com uma eficiência impressionante. Por volta das 10 horas, um Volkswagen Gol 2015 entrou na oficina. O proprietário, um senhor de meia idade chamado Nelson, estava visivelmente irritado. Mauro, esse carro está me dando dor de cabeça. Já levei em duas oficinas e ninguém resolve.
O carro falha quando pego estrada, mas aqui na cidade funciona perfeitamente. Já trocaram vela, cabo, bobina, filtros? Nada adianta. Enquanto Mauro conversava com o cliente, Thago se aproximou silenciosamente do veículo. Com uma concentração intensa, começou a examinar visualmente o motor sem tocar em nada. Seus olhos percorriam cada componente, como se estivesse lendo um livro.
Severino, responsável pela inspeção inicial, ligou o motor para ouvir seu funcionamento. O carro parecia normal, ronronando suavemente. “Não estou sentindo nada de anormal”, disse ele, desligando o motor. “Vamos ter que fazer um diagnóstico completo.” Foi então que Thago falou tão baixo que quase não foi ouvido. “É o sensor de oxigênio.” Severino virou-se irritado.
“O quê? Falou alguma coisa, moleque?” Thago respirou fundo, reunindo coragem. O sensor de oxigênio está com defeito, por isso o carro funciona bem na cidade, onde a velocidade é menor. Na estrada, com o motor em alta rotação por mais tempo, o sensor não consegue regular corretamente a mistura ar combustível. Um silêncio pesado caiu sobre a oficina.
Nelson, o cliente, olhava confuso de Thago para Mauro. Quem é esse garoto? Antes que Mauro pudesse responder, Severino interveio com Desden. Ninguém importante, só um moleque que acha que sabe de carros. Mas Nelson estava intrigado. Como você sabe que é o sensor de oxigênio, garoto? Thago apontou para manchas sutis no escapamento.
Essas marcas indicam que a combustão está irregular e tem um cheiro característico também meio adocicado. É típico de sensor de oxigênio com defeito. O cliente olhou para Mauro impressionado. Bem, não custa verificar, não é? As outras oficinas trocaram tanta coisa que já gastei uma fortuna. Relutante, Severino começou a trabalhar no sensor indicado por Thiago para sua surpresa e irritação crescente, ao remover o componente, encontrou-o visivelmente deteriorado.
“Parece que o garoto acertou”, admitiu a contragosto, mostrando a peça danificada para Mauro e o cliente. Nelson estava maravilhado, incrível. Três oficinas não conseguiram identificar o problema e esse menino faz isso em menos de um minuto. A notícia do menino prodígio se espalhou rapidamente pela oficina.
Durante o resto da manhã, outros mecânicos começaram a observar Thago com um misto de curiosidade e incredulidade. Alguns testavam suas habilidades, pedindo opiniões sobre carros problemáticos. Outros mantinham distância, como Severino, que encarava o garoto com desconfiança crescente. Na hora do almoço, Mauro pediu comida para todos, incluindo um prato generoso para Thaago.
Enquanto comiam na pequena copa, o dono da oficina aproveitou para conversar mais com o menino. Thago, precisamos regularizar sua situação. Você não pode simplesmente viver na oficina. Tem algum parente que possamos contatar? O garoto parou de comer, seu rosto assumindo uma expressão fechada. Não tenho ninguém.
Onde você morava antes de antes de ficar sozinho? Insistiu Mauro, escolhendo as palavras com cuidado. Thago hesitou, mexendo na comida com o garfo. Morávamos em Interlagos, perto do autódromo. Depois que meu pai, Depois que ele se foi, fiquei com alguns vizinhos por um tempo, mas não deu certo. Então fui para as ruas. Você não foi para um abrigo? Assistência social. O menino sacudiu a cabeça veemente. Não quero ir para abrigo.
Já estive em um. É horrível. Juliana, que ouvia a conversa, interveio. Mauro, talvez possamos encontrar uma solução temporária enquanto resolvemos isso legalmente. Tenho um quarto vago em casa desde que minha irmã se mudou. Mauro coçou o queixo pensativo. Não sei, Ju. Tem as implicações legais. Não podemos simplesmente adotar uma criança assim.
Não estou falando em adoção, esclareceu ela. Só um lugar para ele ficar enquanto procuramos a família ou conversamos com o Conselho Tutelar. É melhor do que ele dormir na rua ou no depósito da oficina. Tiago observava a conversa com apreensão, sua expressão alternando entre esperança e medo.
Finalmente interrompeu. Eu posso trabalhar. Saí consertar carros. Posso ser útil? Algo na determinação daquela criança comoveu Mauro. Lembrou-se de si mesmo décadas atrás, quando aos 12 anos começou a trabalhar na oficina de seu tio para ajudar a sustentar a família após o falecimento de seu pai. Tudo bem, decidiu ele. Vamos fazer assim.
Tiago fica com você por enquanto, Juliana. Amanhã vou ao Conselho Tutelar para explicar a situação e ver quais são nossas opções. O alívio no rosto do menino era visível. embora ele tentasse disfarçar. Obrigado. À tarde transcorreu com Thiago ajudando em pequenos reparos, sempre sob a supervisão de Juliana ou Mauro.
Sua capacidade de diagnosticar problemas mecânicos era realmente extraordinária e até mesmo os mecânicos mais céticos começavam a reconhecer seu talento, exceto Severino. O veterano observava o menino com crescente hostilidade, especialmente quando outros funcionários elogiavam suas habilidades. Durante uma pausa, aproximou-se de Mauro. Você está sendo ingênuo, Mauro.
Esse moleque pode ser um vigarista. Já pensou que ele pode estar roubando ferramentas ou peças quando ninguém está olhando? Mauro suspirou cansado da implicância do funcionário. Dá um tempo, Severino. O garoto consertou o Camaro que você não conseguiu em três dias. Admita que ele tem talento. Talento? Zombou Severino. Ou informação privilegiada.
Já pensou que ele pode estar trabalhando para alguém que quer nos fazer de bobos? A conversa foi interrompida pela chegada de um cliente importante, Eduardo Mendonça, empresário e dono de uma coleção de carros de luxo. Seu Porsche 911 havia sido deixado na oficina no dia anterior para um serviço de rotina. Boa tarde, Mauro”, cumprimentou ele, exibindo um relógio caríssimo e terno impecável. “Vim buscar meu carro.
” “Claro, Eduardo, está pronto? Fizemos a revisão completa e Mauro parou ao notar que o empresário observava Thago que limpava ferramentas em um canto.” “Quem é o garoto?”, perguntou Eduardo com uma curiosidade que parecia mais do que casual. Um ajudante temporário”, respondeu Mauro hesitante. Eduardo aproximou-se de Thiago analisando-o com intensidade.
“Qual é seu nome, garoto?” “Tiago Soares”, respondeu o menino, encarando o homem com uma mistura de respeito e desconfiança. Algo no nome pareceu despertar interesse em Eduardo. “Suares, você não seria parente de”. Antes que pudesse completar a pergunta, Severino apareceu com os documentos do Porsche. Seu carro está pronto, senr Mendonça. Tudo em perfeito estado.
Eduardo assentiu distraídamente, ainda observando Thaago. Havia uma expressão estranha em seu rosto, como se estivesse tentando resolver um enigma. Quando o empresário finalmente saiu, Mauro notou que Thago parecia perturbado. Tudo bem, garoto? Zim”, respondeu ele, embora sua expressão dissesse o contrário. “Só estou cansado”.
No final do expediente, Juliana levou Thago para sua casa, um apartamento simples, mas aconchegante, a poucos quarteirões da oficina. Mostrou-lhe o quarto de hóspedes, pequeno, mas limpo, com uma cama confortável e um armário vazio. “Pode guardar suas coisas aqui”, disse ela. Então, percebeu que o menino não tinha pertences além das roupas que usava.
Amanhã vamos comprar algumas coisas básicas para você. Tiago assentiu visualmente emocionado com o gesto, embora tentasse esconder. “Por que você está me ajudando?”, perguntou subitamente. Nem me conhece. Juliana sorriu com um toque de tristeza. Digamos que já estive em situações difíceis e sei como é importante ter alguém que acredite em você.
Durante o jantar, uma refeição simples de arroz, feijão e bife, Juliana tentou conhecer mais sobre o passado do garoto. Com paciência e tato, conseguiu que ele se abrisse um pouco. “Meu pai era mecânico”, revelou Thiago entre garfadas. “O melhor que já existiu. Ele me ensinou tudo sobre carros desde que eu era pequeno.
” “E o que aconteceu com ele?”, perguntou Juliana suavemente. Thago abaixou os olhos mexendo na comida. “Um acidente, faz dois anos. Sinto muito”, disse ela, respeitando o silêncio que se seguiu. Mais tarde, enquanto Juliana lavava a louça, ouviu um barulho vindo do quarto. Ao se aproximar silenciosamente, viu Tiago sentado na cama, olhando para um pequeno objeto em sua mão, uma chave de fenda miniatura, usada como um pingente pendurado em um cordão gasto.
“Foi presente do meu pai”, explicou ele, percebendo a presença dela. Ele dizia que era para eu nunca esquecer. que as ferramentas certas podem consertar qualquer problema. Naquela noite, depois que Thago adormeceu, Juliana ligou para Mauro. Ele está bem instalado, já tomou banho e comeu. Mas Mauro tem algo nesse menino? Não sei explicar.
É como se ele carregasse o peso do mundo nos ombros. Você notou como Eduardo Mendonça reagiu ao nome dele? perguntou Mauro. Parecia que ia dizer alguma coisa importante. Você acha que ele pode conhecer a família do Thago? Não sei, mas vou tentar falar com ele amanhã. Eduardo é um entusiasta de automobilismo. Talvez conheça o pai do garoto. Na manhã seguinte, Thago acordou cedo novamente.
Juliana o encontrou na cozinha preparando um café simples. “Bom dia”, disse ele timidamente. “Espero que não se importe.” Quis retribuir de alguma forma. Juliana sorriu tocada pelo gesto. Não precisava, mas obrigada.
Enquanto tomava um café, ela notou que o menino parecia menos tenso, como se tivesse baixado um pouco a guarda após uma noite de sono adequado. Tiago começou ela com cuidado. Mauro vai hoje ao Conselho Tutelar falar sobre você. Precisamos regularizar sua situação. Você entende isso, não é? A tensão retornou imediatamente ao rosto do garoto. Vocês vão me mandar embora, não é isso? Assegurou ela rapidamente.
Queremos ajudar, mas precisamos fazer isso dentro da lei. Você é menor de idade, não pode simplesmente viver por conta própria. Thago ficou em silêncio por um momento, então perguntou: “E se tiver alguém da minha família, alguém que possa ficar comigo?” A pergunta pegou Juliana de surpresa. Você disse que não tinha ninguém. Eu Ele hesitou como se estivesse decidindo quanto poderia revelar. Talvez tenha alguém. Não sei.
Meu pai falava de um tio irmão dele, mas nunca o conheci. Esta nova informação poderia mudar tudo. Você sabe o nome dele? Onde mora? Thago sacudiu a cabeça. Só sei que eles brigaram antes de eu nascer. Meu pai nunca quis falar sobre isso. A caminho da oficina, Juliana pensava nas implicações dessa revelação.
Se Thago realmente tivesse um familiar, isso simplificaria muito as coisas, mas localizar alguém com tão poucas informações seria um desafio. Ao chegarem à oficina, perceberam imediatamente que algo estava diferente. Havia mais carros do que o normal estacionados do lado de fora e um pequeno grupo de pessoas conversava animadamente na recepção. Mauro veio ao encontro deles com uma expressão entre preocupada e excitada.
Vocês não vão acreditar no que aconteceu. Alguém postou um vídeo do Thago consertando o carro ontem. Está viralizando nas redes sociais. Já recebemos ligações de 10 clientes novos esta manhã. Juliana olhou para Thago, que parecia confuso e assustado com a súbita atenção.
Quem gravou o vídeo parece que foi o filho do Sr. Nelson, que estava esperando no carro. Ele filmou quando Thiago diagnosticou o problema do sensor de oxigênio e postou no TikTok com a legenda Menino Prodígio da Mecânica. As implicações daquela exposição repentina eram preocupantes. Se o vídeo realmente viralizasse, quanto tempo levaria até que autoridades ou pessoas do passado de Thiago o localizassem? Fesso complica as coisas, murmurou Juliana.
Mauro a sentiu lançando um olhar significativo para ela, indicando que precisavam conversar em particular. Quando conseguiram um momento a sóz, ele sussurrou: “Recebi uma ligação estranha há pouco. Eduardo Mendonça quer conversar sobre Thiago. Disse que tem informações importantes sobre o garoto e a família dele. Juliana sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
O que ele sabe? Não quis dizer por telefone. Marcou de vir aqui no final do dia. Mauro hesitou, então acrescentou: “Juliana, acho que estamos prestes a descobrir quem realmente é esse menino. O burburinho na oficina crescia a cada hora. Clientes chegavam não apenas para consertar seus carros, mas também para ver com os próprios olhos o menino prodígio que viralizava nas redes sociais.
Alguns traziam problemas complicados propositalmente, como que para testar as habilidades de Thago. Outros simplesmente queriam tirar fotos e fazer vídeos. Mauro tentava proteger o garoto da exposição excessiva, mantendo-o nos fundos da oficina, longe dos olhares curiosos. Mas a notoriedade repentina estava se tornando difícil de controlar. Isso está fugindo do nosso controle”, comentou com Juliana enquanto observavam mais um grupo de curiosos entrando na recepção.
O vídeo já tem quase meio milhão de visualizações. Já recebi três ligações de jornalistas querendo entrevistar o menino mecânico. Juliana mordia o lábio preocupada. E como está Thago lidando com isso? Ele parece assustado, não gosta da atenção. Quando alguém tenta filmá-lo, ele se esconde.
De fato, Thago estava naquele momento encolhido em um canto da oficina, ajudando o mais discretamente possível em um for fi Fiesta com problemas no sistema de freios. Apesar da situação estressante, suas mãos trabalhavam com a mesma precisão meticulosa de sempre. Severino, por outro lado, parecia cada vez mais irritado com a crescente fama do menino.
Durante a manhã, aproximou-se sorrateiramente de Thago quando este terminava de ajustar uma peça. “Aproveite seus 15 minutos de fama, moleque”, disse em voz baixa, certificando-se de que ninguém mais ouvia. Logo todos vão perceber que você é só um truque de marketing barato. Thago não respondeu, mantendo os olhos fixos no trabalho, mas suas mãos tremeram levemente.
“Estou de olho em você”, continuou Severino. “Sei que está escondendo alguma coisa e vou descobrir o que é”. Nesse momento, Juliana apareceu percebendo a tensão. Tudo bem por aqui? Severino afastou-se com um sorriso falso. Claro, só dando algumas dicas profissionais para nosso pequeno gênio. Assim que ele saiu, Juliana ajoelhou-se ao lado de Thago.
Ele disse algo para te incomodar? O menino sacudiu a cabeça, evitando olhar diretamente para ela. Estou bem, Thaago. Você pode confiar em mim. Se alguém estiver tratando mal, preciso saber. Após um momento de hesitação, ele finalmente respondeu: “Ele acha que sou uma fraude”. Juliana suspirou. Severino é um homem amargo. Não leve para o coração o que ele diz. Ele trata todos assim.
Mas e se ele descobrir? Tiago parou abruptamente, como se tivesse falado demais. Descobrir o quê? O garoto desviou o olhar. Nada. Só estou cansado de tanta gente me olhando. Antes que Juliana pudesse insistir, Mauro chamou-a para atender um telefonema importante. Relutante, ela deixou Thago, prometendo voltar em seguida.
O telefonema era do Conselho Tutelar. Mauro havia explicado a situação mais cedo e agora uma conselheira informava que precisavam levar Thago para uma entrevista formal no dia seguinte. Eles querem conhecê-lo e avaliar a situação”, explicou Mauro depois de desligar.
“Se tudo correr bem, podemos conseguir uma guarda provisória enquanto buscamos algum familiar.” “Acha que ele vai colaborar?”, perguntou Juliana preocupada. “Ele parece ter muito medo de instituições. Não temos escolha. Se não fizermos isso do jeito certo, podemos ser acusados de sequestro ou algo pior.” A conversa foi interrompida por um alvoroço na entrada da oficina.
Uma van de uma emissora de TV local havia estacionado e uma repórter jovem e entusiasmada desembarcava com um cinegrafista. “Senor Mauro Ribeiro”, chamou ela, aproximando-se com o microfone em punho. “Sou Renata Campos do Bom Dia São Paulo. Viemos fazer uma matéria sobre o menino mecânico que está fazendo sucesso na internet.” Mauro trocou olhares apreensivos com Juliana.
“Sinto muito, mas não estamos dando entrevistas. O garoto é menor de idade e sua situação está sendo regularizada junto ao Conselho Tutelar. A repórter não se deixou de suadir facilmente. Entendemos completamente, mas esta é uma história incrível que precisa ser contada. Um menino de rua com habilidades extraordinárias. É inspirador.
Prometemos respeitar a privacidade dele. A resposta continua sendo não. Insistiu Mauro mais firmemente. Enquanto a discussão continuava na recepção, Thago aproveitou a distração para escorregar até o vestiário dos fundos. Precisava de um momento de paz. Longe dos olhares e das câmeras.
sentia-se sufocado, como se estivesse novamente preso naquele carro em chamas, ouvindo os gritos. Sacudiu a cabeça violentamente para afastar a memória. Não podia se permitir pensar nisso agora. Tirou do pescoço o cordão com a pequena chave de fenda e segurou-o com força como um talismã. “Você prometeu que ia ficar tudo bem”, sussurrou para o objeto, como se falasse com seu pai.
“Você prometeu? A porta do vestiário se abriu suavemente e Thago rapidamente escondeu o cordão. Era Pedro, um dos mecânicos mais jovens da oficina, que havia tratado o garoto com gentileza desde o início. “Ei, campeão, todo mundo está te procurando.” Thago encolheu os ombros. Não quero aparecer na TV. Pedro sentou-se no banco ao lado dele. Entendo.
Muita pressão, né? Olha, Mauro está mandando a equipe de TV embora. Você não precisa se preocupar. O menino assentiu grato pela informação. Porque as pessoas estão tão interessadas em mim? Porque você é especial, Thago. Não é todo dia que vemos alguém da sua idade com tanto talento. É como se você fosse um pequeno Mozart, só que da mecânica. Não quero ser especial, murmurou Thiago.
Só quero consertar carros. Pedro sorriu com simpatia. Bem, por enquanto você vai ter que lidar com um pouco de fama, mas vai passar, você vai ver. Quando retornaram à oficina, a equipe de TV já havia partido, embora não sem antes filmar a fachada do estabelecimento e fazer algumas perguntas aos clientes que esperavam do lado de fora.
O resto da manhã transcorreu com relativa normalidade, exceto pelo fluxo constante de curiosos que entravam com desculpas para ver o garoto. Thiago, agora mais consciente de sua súbita notoriedade, mantinha-se o mais discreto possível. trabalhando em silêncio e evitando contato visual com estranhos.
Durante o almoço, enquanto comiam na pequena Copa, Mauro explicou sobre a visita ao Conselho Tutelar programada para o dia seguinte. É apenas uma formalidade, Thago. Eles precisam conhecer você e entender sua situação. Juliana e eu estaremos lá o tempo todo. O garoto brincava com a comida, claramente ansioso. E se eles quiserem me mandar para um abrigo, não vamos deixar isso acontecer, assegurou Juliana. Estamos do seu lado.
Além disso, acrescentou Mauro, Eduardo Mendonça vem aqui hoje à tarde. Ele diz que tem informações sobre sua família. Os olhos de Thiago se arregalaram. Sobre meu pai, não sabemos ainda. Ele não quis dar detalhes por telefone, mas pareceu reconhecer seu sobrenome ontem.
A possibilidade de descobrir mais sobre seu passado deixou Thago em um estado de nervosismo palpável pelo resto do dia. Sua concentração usual deu lugar a distrações e pequenos erros, algo inédito até então. Por volta das 4 da tarde, um poste preto estacionou em frente à oficina. Eduardo Mendonça, impecavelmente vestido como sempre, entrou com a postura confiante de quem está acostumado a comandar ambientes.
Mauro o recebeu pessoalmente, conduzindo-o até uma pequena sala nos fundos que servia como escritório. Juliana foi buscar Thaago, que estava ajudando em um serviço de alinhamento. Ele chegou, disse ela suavemente. Está pronto? Tiago limpou as mãos sujas de gracha em um pano, respirou fundo e assentiu.
Seu coração batia tão forte que parecia que iria saltar de seu peito. Quando entraram na sala, Eduardo Mendonça estudava alguns troféus de competições automobilísticas que Mauro mantinha em uma prateleira. Ao ver Thago, seus olhos se estreitaram em reconhecimento. “Obrigado por virem”, disse Mauro indicando cadeiras para todos se sentarem.
Eduardo, você mencionou que tem informações sobre Thiago. O empresário assentiu ainda observando o menino intensamente. Antes de mais nada, preciso confirmar algo. Seu nome completo é Thiago Soares, correto? Sim, senhor. Thiago Soares, repetiu Eduardo como se saboreasse o nome. Filho de Rodrigo Soares. O menino congelou seus olhos se arregalando em choque.
O senhor conheceu meu pai? Um sorriso enigmático surgiu nos lábios de Eduardo. Conheci? Meu jovem, todo o mundo do automobilismo conhecia Rodrigo Soares, três vezes campeão nacional de stock car, um dos maiores pilotos que este país já produziu. Mauro e Juliana trocaram olhares surpresos.
Esta revelação mudava completamente o contexto da história de Thago. Seu pai não era apenas um mecânico comum”, continuou Eduardo. “Era um gênio da mecânica, sim, mas também um piloto extraordinário. Sua capacidade de entender as máquinas era quase sobrenatural, algo que, pelo visto, você herdou”. Thago baixou os olhos, processando a confirmação do que já sabia, mas também a reação dos outros.
nunca havia mencionado explicitamente a carreira de piloto de seu pai, preferindo referir-se a ele apenas como mecânico. “O que aconteceu com ele?”, perguntou Mauro gentilmente. Thiago nos disse que houve um acidente. Eduardo suspirou profundamente. Sim. Há dois anos, durante uma corrida em Interlagos, o carro de Rodrigo perdeu o controle na curva do S do Sena e colidiu com o muro.
O impacto foi devastador. Um silêncio pesado caiu sobre a sala. Thiago permanecia imóvel. Seu rosto uma máscara impenetrável, embora seus olhos revelassem a tempestade emocional que se desenrolava dentro dele. “Você estava lá?”, disse Eduardo subitamente, olhando para o menino.
“Não estava? Lembro de ter visto um garoto nos boxes sempre ao lado de Rodrigo antes das corridas.” Tiago assentiu lentamente. Eu sempre ia com ele. Papai dizia que eu era seu amuleto da sorte. “E depois do acidente? O que aconteceu com você?” O menino hesitou claramente relutante em reviver aquelas memórias. Fiquei com a família Martins por um tempo. Eles eram vizinhos, amigos do meu pai. Mas depois, depois o Senr.
Martins ficou doente e eles não podiam mais me manter. Então fui para um abrigo. Por quanto tempo ficou lá? Perguntou Juliana, sua voz suave. Seis meses. Até fugir. Thago levantou os olhos desafiador. Não vou voltar para lá. Era como uma prisão. Mauro pigarreou, tentando direcionar a conversa para questões práticas.
Eduardo, você mencionou ter informações sobre a família de Thiago? Ele nos disse que talvez tenha um tio. Sim”, confirmou Eduardo recostando-se na cadeira. Carlos Soares, irmão mais velho de Rodrigo. Eles tiveram um desentendimento sério há muitos anos, algo relacionado à herança da família, acredito. Carlos abandonou o mundo do automobilismo e se mudou para o interior de Minas Gerais. Pelo que sei, eles nunca se reconciliaram.
“Você sabe como encontrá-lo?”, perguntou Juliana esperançosa. Não tenho um contato direto, mas posso fazer algumas ligações. Carlos era um nome respeitado nos círculos empresariais antes de se afastar de tudo. Thiago, que até então ouvia em silêncio, finalmente falou: “Meu pai nunca falou bem dele. Dizia que ele era ganancioso, que só se importava com dinheiro.” Eduardo deu de ombros.
Brigas de família são complicadas, Thago. As pessoas mudam, especialmente depois de perdas. Talvez seu tio seja diferente agora. Mauro trocou um olhar significativo com Juliana. A existência de um parente direto poderia simplificar enormemente a situação legal de Thiago, mas também levantava novas questões.
Seria este tio uma pessoa adequada para cuidar do garoto? E mais importante, Thago estaria disposto a viver com alguém que seu pai desprezava? Tem mais uma coisa que vocês deveriam saber”, acrescentou Eduardo, sua expressão tornando-se mais séria. A razão pela qual reconheci Thago imediatamente. Ele é praticamente idêntico ao pai na mesma idade.
Rodrigo começou como ajudante nas oficinas de Interlagos aos 9 anos, exatamente como Thago está fazendo agora. Era quase uma lenda entre os mecânicos, o menino que podia diagnosticar problemas de motor apenas ouvindo-os funcionar. Juliana sorriu gentilmente para Thaago como pai, como filho, mas Eduardo não havia terminado.
O que vocês precisam entender é que Rodrigo Soares não era apenas um piloto talentoso, ele era uma marca, um nome valioso. Havia contratos de patrocínio, direitos de imagem, propriedades, uma fortuna considerável. Esta revelação causou impacto imediato. Mauro endireitou-se na cadeira. Está dizendo que Thago é herdeiro dessa fortuna? Teoricamente sim, mas há complicações.
Depois do acidente, houve rumores de que Carlos Soares estava tentando reivindicar tudo, alegando que Rodrigo não deixou o testamento. Como Thago estava sob os cuidados de conhecidos e não de parentes oficiais, a situação legal ficou nebulosa. Thago parecia atordoado com estas informações. Dinheiro? Meu pai tinha dinheiro.
Mas então por que acabamos morando naquele apartamento pequeno em Interlagos? Depois que mamãe se foi, Eduardo inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos nos joelhos. Seu pai mudou depois da perda de sua mãe, Thago. Afastou-se do luxo, das festas, de tudo que o lembrava de sua vida anterior. Vivia de maneira simples, investindo todo o seu dinheiro em fundos e propriedades para o seu futuro. Ele queria garantir que você nunca precisasse se preocupar com nada.
Lágrimas começaram a se formar nos olhos do menino, mas ele as conteve com esforço visível. Então, por que acabei nas ruas? Porque ninguém me ajudou? A pergunta pairou no ar, pesada e acusadora. Eduardo parecia genuinamente consternado. Isso é algo que também me pergunto, Thaago. Muitas pessoas desapareceram depois que seu pai partiu.
Pessoas que deveriam ter cuidado de você, que deveriam ter garantido seus direitos. Ele fez uma pausa significativa, pessoas que talvez tivessem interesse em que você permanecesse desaparecido. Mauro franziu o senho, alarmado com a insinuação. Está sugerindo que alguém deliberadamente abandonou o Thago para tomar posse de sua herança? Eduardo levantou as mãos em um gesto defensivo. Não estou acusando ninguém especificamente.
Só estou dizendo que a situação é estranha. Um menino que deveria herdar milhões acaba pedindo comida nas ruas. Isso levanta questões. O clima na sala havia mudado. O que começara como uma busca por informações sobre a família de Thiago agora tinha tons de conspiração e traição.
Juliana, percebendo o impacto que a conversa estava tendo sobre o garoto, decidiu intervir. Acho que isso é o suficiente por hoje. Thago precisa processar tudo isso e amanhã temos a reunião no Conselho Tutelar. Eduardo concordou, levantando-se. Claro. Peço desculpas se fui muito direto. É só que ver o filho de Rodrigo Soares nessas condições é chocante para quem conheceu o pai no auge. Ele estendeu um cartão para Mauro. Meus contatos estão aí.
Vou iniciar algumas buscas para localizar Carlos Soares. E se precisarem de qualquer ajuda, inclusive legal é só ligar. Quando o empresário saiu, deixou para trás um clima de perplexidade. Tiago parecia emocionalmente esgotado, alternando entre momentos de choque e raiva contida. “Por que ele nunca me contou sobre o dinheiro?”, perguntou finalmente sua voz trêmula.
“Por que me deixou pensar que éramos pobres?” Juliana colocou um braço ao redor dos ombros do menino. “Às vezes os pais escondem coisas dos filhos para protegê-los, Thago.” “Talvez ele quisesse que você crescesse valorando outras coisas. além do dinheiro. Mas agora estou nas ruas.
Que proteção é essa? A frustração em sua voz era palpável e ninguém tinha uma resposta adequada. Mauro consultou o relógio, percebendo que já passava do horário de fechamento da oficina. “Vamos para casa refletir sobre tudo isso com calma”, sugeriu. “Amanhã, depois da reunião no Conselho Tutelar, podemos decidir os próximos passos.
” Enquanto se preparavam para sair, nenhum deles notou Severino parado no corredor, junto à porta entreaberta. Ele havia escutado quase toda a conversa e um sorriso calculista se formava em seus lábios enquanto observava Thago saindo da sala. Então o moleque de rua é, na verdade, um herdeiro milionário, murmurou para si mesmo. Isso muda tudo. A noite foi longa para Thago.
Deitado na cama do quarto de hóspedes de Juliana, ele revirava as revelações daquele dia em sua cabeça, como peças de um quebra-cabeça incompleto. Seu pai não era apenas um mecânico talentoso, mas um campeão de automobilismo. Havia uma fortuna, um tio desconhecido, possíveis conspirações. Era demais para um menino de 10 anos processar.
Sonhou com motores rugindo, multidões aplaudindo e seu pai sorrindo para ele da janela de um carro de corrida. Depois o sonho transformou-se em pesadelo, chamas, critos, o cheiro de combustível queimado e ele sendo arrastado para longe do acidente. Seus pés se debatendo no ar enquanto gritava pelo pai.
Acordou coberto de suor, as primeiras luzes da manhã filtrando-se pelas cortinas. por um momento desorientador, não reconheceu onde estava. Depois, os eventos dos últimos dias voltaram à sua memória, a oficina Mauro Juliana e agora as revelações sobre seu passado. Levantou-se silenciosamente e foi até a janela. O céu de São Paulo estava surpreendentemente claro, com poucos vestígios da habitual poluição.
De alguma forma, isso o fez sentir-se ainda mais exposto, como se não houvesse nada entre ele e o mundo, que agora o observava com crescente interesse. Juliana encontrou-o assim, olhando pela janela com uma expressão pensativa que parecia deslocada em um rosto tão jovem. “Bom dia”, disse ela suavemente para não assustá-lo.
“Dormiu bem? Thago virou-se tentando esconder os vestígios de sua noite agitada, mais ou menos pesadelos. Ele assentiu relutantemente. Juliana aproximou-se, mas manteve uma distância respeitosa, entendendo que o garoto precisava de seu espaço. É normal depois de tudo que você passou ontem, muita informação de uma vez só. Sonhei com o acidente, confessou Thiago.
Sua voz quase um sussurro. Faz tempo que não sonhava com isso. Juliana sentiu seu coração apertar. Queria abraçá-lo, dizer que tudo ficaria bem, mas sabia que promessas vazias não ajudariam. Em vez disso, optou pela honestidade. Thago, não posso imaginar como deve ser difícil para você, mas quero que saiba que não está sozinho nessa. Mauro e eu vamos ajudar no que pudermos.
O menino olhou para ela com olhos que alternavam entre esperança e desconfiança, como se estivesse avaliando a sinceridade de suas palavras. Por quê? Perguntou simplesmente, por que vocês se importam? A pergunta pegou Juliana de surpresa. Ela refletiu por um momento antes de responder.
Porque às vezes as pessoas simplesmente se importam, Thaago. Não precisa haver um motivo. Fez uma pausa. E porque você me lembra alguém? Quem? Um sorriso triste passou pelos lábios de Juliana, meu irmão mais novo. Ele também tinha um talento natural para mecânica. Podia desmontar e montar qualquer coisa desde criança.
Mas ele seguiu um caminho difícil na vida. Escolhas erradas, mais companhias. Faz 5 anos que não o vejo. Esta revelação pessoal pareceu atingir Thago pela primeira vez. Ele viu Juliana não apenas como alguém que o ajudava, mas como uma pessoa com sua própria história de perdas e arrependimentos. “Sinto muito”, disse ele, com uma maturidade além de sua idade.
“Está tudo bem, a vida segue.” Ela sorriu mudando o tom. “Agora, que tal um café da manhã reforçado antes da nossa reunião no Conselho Tutelar? Vou fazer panquecas”. A menção ao Conselho Tutelar trouxe de volta a ansiedade de Thago, mas a perspectiva de panquecas, um luxo que não experimentava há muito tempo, conseguiu distraí-lo momentaneamente.
Enquanto comiam, Juliana explicou o que esperar da reunião. Vão fazer muitas perguntas sobre sua situação, Thago, sobre como você vivia antes, como acabou nas ruas e coisas assim. É importante que você seja sincero. Eles estão lá para ajudar, não para punir. E se quiserem me mandar para um abrigo.
Mauro já conversou com ele sobre a possibilidade de ficarmos com sua guarda provisória até localizarmos seu tio. Com o apoio de Eduardo Mendonça, que é uma pessoa influente, nossas chances são boas. Thago a sentiu, ainda não totalmente convencido, mas disposto a confiar no plano.
Após o café, trocou as roupas emprestadas por outras mais apresentáveis que Juliana havia comprado no dia anterior. Uma camisa Polo Azul, calças jeans novas e tênis limpos. Mauro já os esperava em frente ao edifício do Conselho Tutelar quando chegaram. Estava visivelmente nervoso, ajeitando constantemente a gravata que raramente usava. Lembrem-se”, disse ele enquanto caminhavam para a entrada.
“Sejam honestos, mas sem entrar em detalhes sobre a herança ou as suspeitas de Eduardo. Primeiro precisamos garantir a guarda de Thago. Depois podemos investigar o resto.” A conselheira que os recebeu, Dra. Márcia Oliveira, era uma mulher de meia idade, com expressão severa, mas olhos gentis. Conduziu-os a uma sala simples, com paredes decoradas com desenhos infantis coloridos. Claramente um esforço para tornar o ambiente menos intimidador.
“Então, este é Thago”, disse ela, avaliando o menino com olhar profissional. Muito prazer em conhecê-lo. O prazer é meu, senhora! Respondeu ele educadamente, exibindo os bons modos que seu pai havia incutido nele. A reunião começou com perguntas básicas sobre a identidade de Thago, sua idade, seu histórico escolar interrompido após a tragédia e gradualmente avançou para questões mais delicadas sobre como ele havia sobrevivido nas ruas.
Dormia onde conseguia”, explicou ele, evitando olhar diretamente para a conselheira. Às vezes em abrigos temporários, outras vezes em estacionamentos, entradas de prédios. Conseguia comida, fazendo pequenos serviços ou pedindo em restaurantes no final do dia. E como chegou à oficina do Sr. Ribeiro, vi os carros e pensei que talvez pudesse ajudar em troca de comida. Já tinha feito isso em outros lugares, mas nunca por muito tempo.
As pessoas geralmente me mandavam embora depois de um dia ou dois. Dout. Márcia fez anotações detalhadas, ocasionalmente olhando para Mauro e Juliana, que permaneciam em silêncio respeitoso. E seus pais? Pode me falar sobre eles? Tiago hesitou, então decidiu pela verdade parcial. Minha mãe faleceu quando eu era muito pequeno. Não tenho lembranças dela.
Meu pai, ele era mecânico e piloto de corridas, sofreu um acidente em Interlagos há do anos. Rodrigo Soares complementou Mauro, vendo que a conselheira parecia não reconhecer o nome. Era um piloto famoso de stock car. Uma expressão de reconhecimento surgiu no rosto da Dra. Márcia. Ah, sim. Lembro-me do caso. Foi amplamente noticiado na época.
Ela fez mais algumas perguntas sobre o período após o acidente, a estadia com os vizinhos, o tempo no abrigo, a fuga, antes de pedir para falar a sós com Mauro e Juliana, Thago foi conduzido a uma sala adjacente, onde uma assistente social o entreteve com lanches e livros. “A situação é complexa”, disse Dra. Márcia quando ficaram a sós.
Normalmente uma criança em situação de abandono seria encaminhada para um abrigo enquanto buscamos parentes ou o processo de adoção. Mas entendo que vocês estão propondo uma solução alternativa. Mauro assentiu. Gostaríamos de solicitar a guarda provisória de Thago enquanto localizamos seu tio Carlos Soares.
Temos informações de que ele vive em Minas Gerais e vocês estariam dispostos a assumir essa responsabilidade? É um compromisso sério. Estamos, afirmou Juliana sem hesitação. Thiago já demonstrou uma conexão com a oficina e conosco. Arrancá-lo desse ambiente agora só causaria mais trauma. A conselheira estudou-os por um momento. Vocês são casados? Vivem juntos? Não respondeu Mauro, parecendo levemente desconfortável. Somos apenas colegas de trabalho.
Juliana ofereceu sua casa para Thago ficar. Entendo. Dout. Márcia digitou algumas notas em seu computador. E quanto à escola, ele precisa retomar os estudos o mais rápido possível. Já verificamos escolas próximas à oficina, explicou Juliana. Há uma municipal a três quarteirões que poderia aceitá-lo no meio do semestre.
Considerando as circunstâncias especiais, a reunião continuou por mais uma hora. com a conselheira explorando detalhes práticos e legais. Finalmente ela pareceu satisfeita. Vou recomendar a guarda provisória compartilhada entre vocês dois pelo período inicial de três meses enquanto buscamos localizar o Senr. Carlos Soares.
Nesse meio tempo, Thiago deve ser matriculado na escola e comparecer as sessões quinzenais com nossa psicóloga. O alívio foi visível nos rostos de Mauro e Juliana. A batalha não estava completamente vencida, mas era um começo promissor. Quando saíram do prédio, Thago parecia mais leve, como se um peso tivesse sido temporariamente removido de seus ombros.
“Então, posso ficar com vocês?”, perguntou uma rara esperança, colorindo sua voz. “Por enquanto?” Sim”, confirmou Mauro enquanto procuramos seu tio. O menino assentiu, seu semblante se fechando levemente, a menção do parente desconhecido. “E se eu não quiser ir com ele quando o encontrarem?” Que era uma pergunta complicada. E nem Mauro nem Juliana tinham uma resposta satisfatória. Em vez disso, Mauro optou por uma distração.
Que tal celebrarmos essa primeira vitória? Podemos almoçar naquela churrascaria perto da oficina? O que acham? A estratégia funcionou. Os olhos de Thago se iluminaram com a perspectiva de uma refeição especial e o assunto do tio foi temporariamente esquecido. O restaurante estava moderadamente cheio para uma sexta-feira, com executivos aproveitando longos almoços de negócios e famílias comemorando ocasiões especiais.
encontraram uma mesa no fundo relativamente isolada e se instalaram confortavelmente. “Peça o que quiser”, disse Mauro, entregando o cardápio a Thago. “Hoje é por minha conta”. O garoto examinou as opções com olhos arregalados, claramente desacostumado a tal variedade. Quando o garçom veio anotar os pedidos, ele escolheu timidamente um filé com fritas, o prato mais simples do menu. “E de sobremesa?”, perguntou o garçom, sorrindo para o menino.
Tiago olhou para Juliana, como que pedindo permissão. Ela a sentiu encorajadoramente. “Pudim de leite, por favor”, decidiu ele, lembrando-se da sobremesa favorita que seu pai costumava preparar em ocasiões especiais. Enquanto esperavam os pratos, Mauro recebeu uma ligação de Eduardo Mendonça. A conversa foi breve, mas seu rosto mostrava crescente interesse à medida que escutava.
Eduardo conseguiu um contato de Carlos Soares, anunciou ao desligar. Ele mora em uma fazenda nos arredores de Poços de Caldas. Aparentemente abandonou os negócios após a briga com seu irmão e se dedica à criação de cavalos. Ele vai entrar em contato com ele? Perguntou Juliana. Já entrou? Carlos ficou chocado ao saber de Thago.
Pensava que o menino estava sendo bem cuidado por amigos da família, como especificado no testamento. Testamento? Thiago interrompeu. Sua atenção totalmente capturada. Meu pai deixou um testamento? Mauro hesitou, percebendo que havia revelado mais do que pretendia. Segundo Eduardo, sim. Seu pai deixou instruções específicas sobre sua guarda e sua herança.
O problema é que esse testamento aparentemente desapareceu após o acidente. Quem ficaria com minha guarda de acordo com o testamento? A voz de Thago tremia levemente. Eduardo não sabe ao certo, apenas que não era Carlos, dado o relacionamento estremecido entre os irmãos. Tiago processou essa informação em silêncio. Se seu pai havia deixado instruções específicas que foram ignoradas, significava que alguém deliberadamente o havia privado de seu direito a uma vida segura e confortável.
A ideia fez seu estômago se contrair dolorosamente. “Carlos quer conhecê-lo”, continuou Mauro, observando cuidadosamente a reação do menino. Ele disse que virá a São Paulo na próxima semana. Juliana cobriu a mão de Thago com a sua. Está tudo bem. Vamos conhecê-lo primeiro, ver que tipo de pessoa ele é. Nada vai acontecer contra sua vontade.
O almoço chegou, momentaneamente dispersando a atenção. Thiago atacou o filé com apetite surpreendente para seu tamanho, fazendo Juliana sorrir. Era bom vê-lo comendo como uma criança normal, sem o receio de que aquela pudesse ser sua última refeição do dia. Estavam terminando a sobremesa quando Mauro recebeu outra ligação, desta vez da oficina. Seu rosto gradualmente se transformou em uma máscara de preocupação.
O quê? Quando isso aconteceu? Fez uma pausa, ouvindo atentamente. Sim, estamos indo para lá agora mesmo. O que foi? Perguntou Juliana assim que ele desligou. Houve um incidente na oficina. Alguém entrou durante o horário de almoço e revirou tudo. Pedro disse que parece que estavam procurando algo específico. O sangue pareceu drenar do rosto de Thiago.
“Meu cordão”, sussurrou. Deixei na gaveta do vestiário. Apressaram-se de volta à oficina, encontrando o local em estado de confusão. Ferramentas espalhadas, gavetas abertas, documentos pelo chão. Pedro, o jovem mecânico, tentava organizar a bagunça junto com outros funcionários. “Quem faria isso?”, perguntou Mauro, avaliando os danos. “Levaram alguma coisa de valor?” “É isso que é estranho”, respondeu Pedro.
“A caixa registradora está intacta, os computadores também. Parece que estavam procurando algo específico. Thago correu para o vestiário, diretamente para o armário, onde havia guardado suas poucas posses. A gaveta estava aberta e vazia. O cordão com a pequena chave de fenda, o único objeto que lhe restara de seu pai, havia desaparecido. Sentou-se no banco, sentindo como se tivesse levado um soco no estômago.
Aquele pequeno objeto era mais que uma lembrança. Era um símbolo de tudo que havia perdido, seu último elo tangível com o pai. Juliana encontrou-o assim, sentado em silêncio, olhando para a gaveta vazia. Tiago, o que está faltando? Meu cordão”, respondeu ele à voz embargada. “A chave de fenda que meu pai me deu.
” Compreendendo a importância emocional do objeto, Juliana sentou-se ao lado dele. “Vamos encontrá-lo, OK? Talvez tenha caído em algum lugar durante a confusão.” Mas ambos sabiam que era uma esperança vã. O cordão não havia simplesmente caído, havia sido roubado. E, considerando as revelações recentes, não parecia uma coincidência. Mauro apareceu à porta acompanhado por dois policiais.
Thago, estes são o sargento Menezes e o Cabo Rodriguez. Eles precisam fazer algumas perguntas sobre o que estava guardado aqui. O menino enxugou discretamente os olhos antes de se levantar para cumprimentar os policiais. Com voz controlada, descreveu o cordão e a pequena chave de fenda.
Parece um objeto de valor sentimental, mas não monetário, observou o sargento Menezes. Estranho que alguém se desse ao trabalho de invadir para levar isso. A menos que o objeto tenha outro valor que desconhecemos, sugeriu Mauro, trocando um olhar significativo com Juliana. Enquanto os policiais continuavam a investigação fotografando o local e coletando impressões digitais, Thago permaneceu sentado no banco do vestiário, perdido em pensamentos.
Porque alguém roubaria seu cordão? Era apenas uma pequena ferramenta transformada em pingente, sem valor real. E então, como um raio, a memória o atingiu. Seu pai na noite antes do acidente fatal, segurando o cordão diante dele. Guarde isso sempre com você, Thaago. Um dia pode ser importante. É a chave para o seu futuro.
Na época, ele havia interpretado as palavras como uma metáfora, a chave de fenda, simbolizando as habilidades mecânicas que seu pai lhe ensinara. Mas e se fosse algo mais literal? E se a pequena ferramenta realmente fosse uma chave para algo tangível? Olhou ao redor, verificando se estava sozinho. Então, retirou do bolso um pequeno pedaço de papel dobrado.
A única outra lembrança que carregava sempre consigo era uma foto desbotada dele com seu pai em frente a um carro de corrida. Virando-a, releu a mensagem escrita à mão no verso para Thago, meu filho e copiloto. Lembre-se, a chave para o tesouro está sempre com você. Com amor, papai. Havia algo ali, uma conexão que não percebera antes.
O cordão não era apenas uma lembrança, era literalmente uma chave. Mas uma chave para quê? E quem mais saberia disso? Sua mente girava com possibilidades e perguntas quando foi interrompido por uma voz familiar à porta. Que pena sobre seu cordão, moleque”, disse Severino com um sorriso que não alcançava seus olhos. “Era importante para você, não era?” Tiago observou o mecânico veterano com crescente suspeita.
Havia algo na postura de Severino, na maneira como seus olhos evitavam contato direto que despertou todos os seus instintos de sobrevivência das ruas. Era apenas uma lembrança, respondeu cautelosamente, guardando a foto de volta no bolso. Nada importante. O sorriso de Severino alargou-se, tornando-se quase predatório. Claro, apenas uma lembrança.
Bem, tenho certeza que a polícia vai encontrar quem fez isso. Fez uma pausa calculada. Ou talvez algumas coisas simplesmente não sejam encontradas, como pessoas desaparecidas ou testamentos perdidos. Com essa insinuação perturbadora, ele se afastou, deixando Thago com a certeza crescente de que o roubo de seu cordão era apenas o começo de algo muito maior e muito mais perigoso do que poderia ter imaginado.
Os dias seguintes transcorreram em um ritmo intenso, com Thago dividindo seu tempo entre a oficina e a adaptação à sua nova rotina com Juliana. A invasão e o roubo do cordão haviam sido reportados à polícia, mas as investigações não avançavam. As câmeras de segurança da oficina haviam sido desativadas durante o incidente, sugerindo que o ladrão conhecia bem o local.
Mauro reforçou a segurança, instalando novas câmeras e trocando todas as fechaduras. Thago, por sua vez, mantinha-se vigilante, observando Severino com crescente desconfiança. O veterano mecânico parecia diferente desde o incidente, mais confiante e quase arrogante, lançando olhares enigmáticos para o menino quando pensava que ninguém estava vendo.
Na manhã de segunda-feira, uma semana após a visita ao Conselho Tutelar, Thago iniciou seu primeiro dia na Escola Municipal Professora Carolina de Jesus. Juliana o acompanhou até a entrada, tentando acalmar seus nervos evidentes. “Vai dar tudo certo”, assegurou ela, ajeitando a gola de sua camisa nova. “Lembre-se que é só por meio período. À tarde você volta para essa oficina.” Thago assentiu, seus olhos percorrendo o pátio cheio de crianças barulhentas.
Fazia tanto tempo que não frequentava uma escola que a experiência parecia completamente alienígena. E se eles perguntarem sobre meus pais, sobre onde eu morava antes, seja honesto, mas não precisa contar tudo. Diga apenas que está morando comigo por enquanto. Juliana sorriu encorajadoramente. E lembre-se, não há vergonha em sua história, Thaago. Você sobreviveu a coisas que quebrariam muitos adultos.
Com essas palavras de encorajamento, ele respirou fundo e atravessou os portões da escola. foi recebido pela diretora Senora Conceição, uma mulher de meia idade com um sorriso gentil que já estava a par de sua situação especial. Bem-vindo, Thago. Vamos colocá-lo na turma do quarto ano com a professora Débora. Ela é excelente e vai ajudá-lo a se atualizar com as matérias.
Amanhã passou em um borrão de rostos novos, perguntas curiosas e tentativas de se readaptar à rotina escolar. Apesar de seu longo período fora da escola, Thago surpreendeu a professora com seu conhecimento em matemática e ciências, disciplinas que seu pai havia enfatizado durante seu tempo juntos.
No intervalo, sentou-se sozinho em um banco no canto do pátio, observando os outros alunos brincarem. Estava acostumado à solidão, mas ainda assim sentia uma pontada de tristeza ao ver a facilidade com que as outras crianças interagiam. Posso sentar aqui?”, a voz tirou Thago de seus pensamentos.
Era uma menina de sua idade, com cabelos cacheados, presos em duas tranças e olhos vivos e inteligentes. “Claro”, respondeu ele, movendo-se ligeiramente para dar espaço. “Sou Gabriela, mas todo mundo me chama de Gabi,” apresentou-se ela, mordendo uma maçã. “Você é o menino novo, né? O que conserta carros?” Thaago a olhou com surpresa.
Como você sabe disso? Gabi deu de ombros. Meu pai mostrou um vídeo seu no celular. Você ficou famoso, sabia? Tem até #mind menino mecânico. A notícia não agradou o Thaago. A última coisa que queria era mais atenção. Não é grande coisa, murmurou. Só entendo de motores. Eu acho incrível, insistiu Gabi. Meu tio tem uma oficina em Guarulhos. Às vezes ele me deixa ajudar, mas nada como você.
Como aprendeu a fazer tudo aquilo? Algo na sinceridade da menina fez Thago baixar um pouco sua guarda. Meu pai me ensinou. Ele era bom com carros. Legal. Meu pai é contador, super chato. Ela fez uma careta cômica arrancando um pequeno sorriso de Thago.
Então quer se juntar ao nosso grupo no projeto de ciências? Estamos construindo um carro movido à energia solar, mas ninguém entende realmente como funciona. O convite surpreendeu Thago. Era a primeira vez em muito tempo que alguém de sua idade o tratava como igual, não como uma curiosidade ou um caso de caridade. Acho que sim, respondeu, tentando soar casual, apesar da onda de gratidão que sentia.
Quando Juliana veio buscá-lo no final da manhã, ficou aliviada ao ver que ele parecia menos tenso. “Como foi?”, perguntou enquanto caminhavam para a oficina. Diferente, respondeu ele com sua habitual economia de palavras, mas então acrescentou, conheci uma menina, Gabi. Ela me convidou para o grupo dela no projeto de ciências. Juliana sorriu genuinamente feliz por este pequeno avanço. Isso é ótimo, Thaago, viu? Já está fazendo amigos.
Na oficina foram recebidos por Mauro, que tinha novidades importantes. Eduardo Mendonça ligou: “Carlos Soares está em São Paulo e quer se encontrar com você hoje à tarde.” A notícia caiu como um balde de água fria sobre o humor melhorado de Thiago. Encontrar seu tio, um homem que seu pai desprezava, era um prospecto intimidante.
“Tenho que ir”, perguntou seu desconforto evidente. Seria bom conhecê-lo, Thago”, respondeu Mauro gentilmente. “Ele é seu único parente vivo, pelo que sabemos. Mas vamos estar com você o tempo todo, eu prometo.” Relutantemente, o menino concordou. Passaram a manhã na oficina com Thago ajudando em pequenos serviços, mas sua mente estava claramente em outro lugar.
A cada ruído, ele olhava para a porta, como se esperasse que seu tio pudesse aparecer a qualquer momento. Por volta das 2as da tarde, um Land Rover preto estacionou em frente à oficina. Um homem alto, de aproximadamente 50 anos de cabelos grisalhos e barba bem aparada, desceu do veículo. Vestia roupas simples, mas elegantes, calça jeans de qualidade, camisa de botão e botas de couro, que sugeriam alguém acostumado à vida no campo, mas com recursos financeiros consideráveis.
Mauro saiu para recebê-lo, estendendo a mão. Senr. Sores, sou Mauro Ribeiro, dono da oficina. Obrigado por vir. Pode me chamar de Carlos”, respondeu o homem com uma voz grave e um aperto de mão firme. Seus olhos, porém, esquadrinhavam o ambiente, claramente procurando por Thiago: “Onde está meu sobrinho?” Antes que Mauro pudesse responder, Thago apareceu na porta da oficina com Juliana protetoramente ao seu lado.
O menino e o homem mais velho se encararam por um longo momento, avaliando-se mutuamente. “Meu Deus”, murmurou Carlos, uma emoção genuína cruzando seu rosto. “É como ver Rodrigo novamente.” Thago permaneceu em silêncio, sua expressão cautelosamente neutra. Carlos se aproximou lentamente, como se temesse assustá-lo. “Olá, Thago.
Faz muito tempo que queria conhecê-lo. Por quê?” A pergunta direta do menino pegou todos de surpresa. Você e meu pai não se falavam. Carlos pareceu momentaneamente desarmado pela franqueza, mas então assentiu, aceitando a acusação. É verdade. Seu pai e eu tivemos nossas diferenças, graves diferenças. Mas isso não significa que eu não quisesse conhecer você.
Vamos conversar lá dentro”, sugeriu Mauro, indicando seu escritório. “Estaremos mais à vontade.” Uma vez acomodados na pequena sala, com o Thiago sentado entre Mauro e Juliana, como uma barreira protetora contra o estranho que era seu tio, Carlos começou a falar: “Antes de mais nada, quero que saiba que estou chocado com sua situação, Thaago. Se soubesse que você estava vivendo nas ruas, teria vindo imediatamente.
Como não sabia? Questionou o menino. Você é meu único parente. Não deveria ter sido informado? É o que eu mesmo me pergunto, respondeu Carlos, seu rosto endurecendo. Após o acidente de seu pai, fui informado por um advogado chamado Víctor Mendes que você estava sendo bem cuidado por amigos próximos da família, conforme especificado no testamento de Rodrigo. Que amigos! insistiu Thaago.
Fiquei com os Martins por um tempo, mas depois fui para um abrigo. Carlos parecia genuinamente perturbado. Nunca me disseram nada sobre um abrigo. Esse advogado Mendes garantiu que você estava bem. Até me enviou relatórios periódicos e fotos, obviamente falsificados. Agora percebo. Mauro interveio.
Esse advogado ainda está por aí? Podemos confrontá-lo? Desapareceu, respondeu Carlos sombriamente. Seu escritório fechou seis meses após o acidente. Ninguém sabe seu paradeiro. E quanto ao testamento? Perguntou Juliana. Eduardo Mendonça mencionou que Rodrigo deixou instruções específicas sobre Thago e a herança. Carlos assentiu. Sim. Rodrigo era meticuloso com esses assuntos, especialmente após a perda da esposa.
Ele definitivamente teria deixado tudo organizado, mas o testamento original nunca apareceu. Mendes apresentou apenas um documento parcial, sem as páginas que especificavam a guarda de Thago, e detalhes sobre o fundo fiduciário. Fundo fiduciário? Os olhos de Thiago se arregalaram. Seu pai acumulou uma fortuna considerável, Thago.
Contratos de patrocínio, investimentos inteligentes, propriedades. Tudo isso deveria ir para um fundo em seu nome, acessível quando atingisse a maioridade, com uma mesada para cobrir suas necessidades até lá. Carlos fez uma pausa significativa. O problema é que, sem o testamento completo, tudo ficou em um limbo legal.
Como parente mais próximo, consegui evitar que os ativos fossem liquidados, mas não tenho acesso a eles. Estão congelados até que a situação seja legalmente resolvida. Ou até que Thago apareça, sugeriu Mauro o seu tom cauteloso. Carlos olhou para ele com uma expressão ilegível. Exatamente. O que torna ainda mais suspeito que Thago tenha sido efetivamente perdido no sistema por tanto tempo.
Um silêncio pesado caiu sobre a sala enquanto todos processavam as implicações. Foi Thago quem finalmente o quebrou. Meu cordão foi roubado disse ele abruptamente. A pequena chave de fenda que meu pai me deu. Carlos se inclinou para a frente, subitamente alerta. Uma miniatura usada como pingente em um cordão de couro. Thago assentiu surpreso com a reação intensa do tio.
“Você conhece?” “Rodrigo? Tinha um igual”, explicou Carlos. Era quase supersticioso em relação a ele. Dizia que era seu amuleto da sorte nas corridas. Hesitou, então perguntou: “Ele disse algo sobre o cordão? Algo especial?” O menino pensou na foto em seu bolso, nas palavras escritas por seu pai. Ele disse que era uma chave para meu futuro.
Pensei que fosse só um modo de falar. Um lampejo de reconhecimento passou pelos olhos de Carlos. Talvez não seja. Conhecendo meu irmão, poderia ser literal. Rodrigo sempre gostou de enigmas e segredos. Você acha que o cordão é uma chave real? Perguntou Juliana intrigada. Para quê? Não sei ao certo, admitiu Carlos.
Mas se alguém se deu ao trabalho de roubá-lo especificamente, deve ter algum valor além do sentimental. Thago estudava seu tio com crescente interesse. Havia uma sinceridade em suas palavras e expressões que não esperava encontrar. Considerando tudo que seu pai havia dito sobre o irmão mais velho. Carlos parecia genuinamente preocupado e determinado a ajudar. “O que acontece agora?”, perguntou o menino. Finalmente.
Carlos respirou fundo antes de responder. Legalmente, como seu parente mais próximo, posso solicitar sua guarda. Mas pausou, observando a expressão apreensiva de Thago. Não vou fazer isso contra a sua vontade. Você já passou por traumas suficientes. A resposta surpreendeu a todos, especialmente Thaago. Era a última coisa que esperava ouvir.
O que sugere então? perguntou Mauro. “Um compromisso,” propôs Carlos. Thago permanece com vocês por enquanto, já que estabeleceram uma conexão e ele parece estar se adaptando bem. Enquanto isso, trabalharemos juntos para resolver os mistérios pendentes, o testamento desaparecido, o advogado fugitivo e o significado do cordão roubado.
Quando tivermos mais respostas, podemos tomar decisões mais definitivas sobre seu futuro. Olhou diretamente para Tho. Isso lhe parece justo, sobrinho. O menino considerou a proposta por um momento, então a sentiu lentamente. Sim, parece justo. Um alívio visível relaxou os ombros de todos na sala. A reunião continuou por mais uma hora com Carlos compartilhando histórias sobre a família Soares, algumas que Thago nunca havia ouvido e mostrando genuíno interesse pela vida e bem-estar do sobrinho.
Quando finalmente se despediram, com a promessa de se encontrarem novamente em breve, Thago estava conflitante. Por um lado, seu tio parecia sinceramente preocupado e disposto a ajudar. Por outro, anos de desconfiança cultivados nas ruas o faziam questionar os motivos de qualquer adulto que demonstrasse interesse nele, especialmente agora que sabia sobre a herança.
“O que achou dele?”, perguntou Juliana enquanto voltavam para a oficina. Thago considerou a pergunta cuidadosamente, diferente do que eu esperava. Meu pai sempre falou dele como alguém frio, ganancioso, mas ele não parece assim. As pessoas mudam”, observou ela. “E às vezes vemos apenas o que queremos ver”. De volta à oficina, Thago tentou se concentrar no trabalho, mas sua mente continuava voltando às revelações do dia.
O cordão como uma possível chave literal, o testamento desaparecido, o advogado fugitivo. Havia muitas peças nesse quebra-cabeça e ele começava a suspeitar que estavam todas conectadas. estava tão absorto em seus pensamentos que quase não notou quando o Severino se aproximou, carregando uma caixa de ferramentas. “E aí, moleque?”, disse o mecânico veterano com um sorriso que não alcançava seus olhos.
“Conheceu seu tio rico hoje, né? Aposto que logo vai nos abandonar para viver na mansão dele.” Thiago manteve-se em silêncio, fingindo estar concentrado na troca de óleo que realizava. Sabe?” Continuou Severino, abaixando a voz para que só Thago pudesse ouvir. Estive pensando no seu cordãozinho. Uma pena que desapareceu. Deve ter sido importante, uma lembrança do papai famoso e tal.
O menino finalmente olhou para ele, seus olhos se estreitando em suspeita. O que você sabe sobre isso? Severino deu de ombros, uma expressão falsamente inocente no rosto. Eu nada. Só achei curioso que algo tão pequeno tenha assumido justo quando seu tio apareceu. Coincidências da vida, não é? Antes que Thago pudesse responder, Pedro apareceu, chamando Severino para ajudar com um cliente. O veterano afastou-se, não sem antes lançar um último olhar enigmático para o garoto.
Aquela noite, na casa de Juliana, Thago não conseguia dormir. As insinuações de Severino ecoavam em sua mente. Junto com as revelações de Carlos sobre o testamento desaparecido e o advogado misterioso, havia alguém manipulando os eventos à sua volta.
E a sensação de ser um peão em um jogo desconhecido o deixava profundamente desconfortável. Levantou-se silenciosamente e foi até a janela. A rua estava deserta à aquela hora, mas por um momento teve a impressão de ver uma sombra se movendo perto de um carro estacionado. Piscou e a sombra desapareceu. Talvez apenas um truque de sua imaginação hiperativa.
Voltando para a cama, retirou a foto desbotada de seu bolso e a estudou à luz fraca que entrava pela janela. Seu pai sorria ao seu lado, radiante com o troféu que acabara de ganhar. No fundo, parcialmente visível, estava o box da equipe Soares Rassing. O box. Algo sobre aquele lugar provocou uma lembrança distante. Seu pai costumava levá-lo lá nos fins de semana, mesmo quando não havia corridas.
É o nosso santuário, dizia. Onde guardamos nossos segredos. Segredos. A palavra reverberou em sua mente. E se o cordão fosse realmente uma chave para algo guardado no box da equipe, algo importante o suficiente para fazer alguém invadir a oficina de Mauro para roubá-lo. Thiago sentiu uma renovada determinação.
Precisava ir a Interlagos, ao antigo box da equipe Soares Rassing. Se havia respostas a serem encontradas, possivelmente estariam lá. Mas como convencer Mauro e Juliana a levá-lo? E mais importante, como chegar ao box, sem alertar quem quer que estivesse observando seus movimentos. Voltou para a cama, a mente fervilhando com planos e possibilidades.
Pela primeira vez em muito tempo, não se sentia mais como uma vítima impotente das circunstâncias. Estava pronto para tomar as rédeas de seu destino e descobrir a verdade. Não importava quão dolorosa ela pudesse ser. Na manhã seguinte, durante o café, Thago estava inusualmente falante. Juliana, começou ele, tentando soar casual.
Você acha que poderíamos visitar Interlagos algum dia? O autódromo, quero dizer. Ela o olhou com surpresa, a xícara de café suspensa no ar. Interlagos. Por quê? É onde meu pai trabalhava, onde tínhamos nosso box. Eu queria ver como está agora. Juliana estudou seu rosto por um momento, percebendo que havia mais naquele pedido do que uma simples nostalgia.
Isso tem algo a ver com o cordão roubado, não tem? Thago hesitou, então decidiu pela honestidade. Acho que o cordão pode ser uma chave para algo guardado no box. Meu pai sempre dizia que era nosso santuário, onde guardávamos nossos segredos. Em vez de descartar a ideia como imaginação infantil, Juliana considerou-a seriamente. Faz sentido.
Se o cordão é realmente uma chave, deve abrir algo em algum lugar significativo para vocês. Então, podemos ir. A esperança era palpável em sua voz. Vou falar com Mauro. Talvez possamos ir no fim de semana. Ela fez uma pausa, então acrescentou: “Mas Thago, temos que considerar que o box pode não estar mais lá ou pode pertencer à outra equipe agora”. O menino assentiu, entendendo os obstáculos. Mas temos que tentar.
Juliana sorriu, admirando sua determinação. Sim, temos que tentar. Na oficina, uma rotina continuou normalmente, com Thago dividindo seu tempo entre ajudar nos serviços e ir à escola. Severino mantinha-se estranhamente distante, embora seus olhares ocasionais para o garoto continuassem carregados de significado não dito.
Na quarta-feira, Thiago estava ajudando Pedro com um Toyota Corolla quando notou um homem parado do outro lado da rua, aparentemente observando a oficina. Era alto, de óculos escuros e postura rígida, vestindo um terno que parecia deslocado naquele bairro de classe média. Quando percebeu que havia sido notado, o homem virou-se abruptamente e caminhou na direção oposta. Pedro, chamou Thiago baixinho.
Você viu aquele homem de terno? O mecânico olhou na direção indicada, mas o estranho já havia desaparecido. Que homem? Nada! Murmurou Thiago, sentindo um arrepio percorrer sua espinha. Acho que me enganei, mas sabia que não estava enganado.
Alguém o observava, alguém interessado o suficiente para montar vigilância na oficina. A questão era quem e o que fariam a seguir. A resposta veio mais cedo do que esperava. Naquela noite, enquanto Juliana preparava o jantar, a campainha tocou. Ela atendeu encontrando um entregador com um pacote pequeno. Entrega para Thago Soares! anunciou o rapaz, estendendo um envelope pardo. Juliana aceitou o pacote com hesitação.
Quem enviou? Não sei, senhora. Só faço as entregas. O rapaz partiu apressadamente, como se ansioso para se afastar dali. Tiago aproximou-se cautelosamente enquanto Juliana examinava o envelope. Não havia remetente, apenas seu nome digitado em uma etiqueta branca.
Não abra”, disse ele subitamente, uma sensação de perigo o dominando. “Pode ser uma armadilha.” Juliana olhou para ele com preocupação. “Acha mesmo?” “Não sei, mas não me sinto bem com isso.” Após um momento de hesitação, ela concordou. “Vou ligar para Mauro. Talvez devêsemos entregar isso à polícia.” Enquanto Juliana telefonava, Thago não conseguia desviar os olhos do misterioso envelope.
Tinha um pressentimento forte de que fosse o que fosse aquele conteúdo, mudaria tudo e não necessariamente para melhor. O envelope misterioso permaneceu fechado sobre a mesa da cozinha, como uma bomba relógio silenciosa, aguardando o momento de detonar. Mauro chegou 30 minutos depois, ofegante e visivelmente preocupado.
Não tocaram nele, certo? perguntou, examinando o pacote com cautela. Não assegurou Juliana. Está exatamente como foi entregue. Mauro deslizou uma faca pela borda do envelope com cuidado, abrindo-o lentamente. Todos prenderam a respiração enquanto ele removia o conteúdo. Uma única folha de papel dobrada e um pequeno objeto envolto em tecido.
Desdobrando o papel primeiro, Mauro leu em voz alta: “Tiago Soares, sei quem você é e o que procura. O item anexo pode ajudar, mas lembre-se, nem tudo é o que parece. Cuidado com quem confia. Alguns amigos são inimigos e alguns inimigos podem ser aliados. A verdade sobre seu pai está em Interlagos, mas você não é o único procurando por ela. Seja rápido.
A mensagem não tinha assinatura, apenas uma pequena marca d’água no canto inferior que parecia um M estilizado. “O que isso significa?”, perguntou Juliana, sua voz traindo apreensão. Mauro cuidadosamente desembrulhou o objeto no tecido. Era uma chave, não o cordão roubado de Thiago, mas uma chave comum prateada com o número 27 gravado na lateral.
27, murmurou Thiago, seus olhos se arregalando em reconhecimento. Era o número do box do meu pai em Interlagos e também seu número nas corridas. Então, esta é uma chave para o box? perguntou Mauro, estudando o objeto. “Deve ser uma cópia”, raciocinou Thaago. “Meu pai tinha a original sempre com ele. Um pensamento sombrio o atingiu.
Estava com ele durante o acidente.” Juliana pegou a mensagem, relendo-a com crescente preocupação. Isso parece um aviso. “Cuidado com quem confia. Quem enviaria algo assim? Alguém que sabe mais do que está contando?”, respondeu Mauro, sua expressão séria. Alguém que está jogando um jogo muito perigoso. Thago pegou a chave, sentindo seu peso na palma da mão.
Precisamos ir a Interlagos agora. Agora. Juliana olhou para o relógio de parede. São quase 8 da noite, Thaago. O autódromo estará fechado amanhã, então insistiu ele. Não podemos esperar. A mensagem diz para sermos rápidos. Mauro e Juliana trocaram olhares preocupados.
A urgência do menino era compreensível, mas a situação tornava-se cada vez mais perigosa. Tudo bem, concordou Mauro finalmente. Amanhã é quinta-feira. Posso deixar Pedro responsável pela oficina durante algumas horas. Iremos após o almoço. Thago a sentiu satisfeito com o compromisso, embora seus olhos revelassem que preferia ir imediatamente.
Guardou a chave no bolso junto com a foto desbotada de seu pai. Seus dois links tangíveis com o passado que tanto lutava para compreender. Aquela noite foi outra de sono inquieto para Thago. Sonhos fragmentados o perseguiam, seu pai chamando por ele através de chamas, o rugido ensurdecedor de motores de corrida, uma sombra sem rosto segurando seu cordão roubado.
Acordou várias vezes suando, a mão instintivamente procurando a chave em seu bolso para garantir que ainda estava lá. De manhã, sua ansiedade era palpável. Na escola, mal conseguiu se concentrar nas aulas, seus pensamentos constantemente vagando para o que poderiam encontrar em Interlagos. Nem mesmo a animada conversa de Gabi sobre o projeto de ciências conseguiu mantê-lo presente.
“Você está bem?”, perguntou ela durante o intervalo, notando sua distração. “Parece que está em outro planeta hoje.” “Desculpe”, murmurou Thiago. “Tenho algo importante para fazer mais tarde.” Gabi inclinou a cabeça curiosa. Tipo, o quê? Outro concerto milagroso? Ele quase sorriu. Não, exatamente, é, pessoal. Ah, respondeu ela, recuando respeitosamente.
Entendi. Mas se precisar de ajuda é só falar, tá? Somos amigos agora. A declaração simples e direta pegou Thago de surpresa. Amigos, a palavra tinha um peso estranho, quase esquecido. Fazia tanto tempo que não confiava em alguém de sua idade. “Obrigado”, disse ele sinceramente. “Talvez um dia eu te conte tudo.
” Quando Juliana o buscou após a aula, Thago já estava esperando ansiosamente no portão. Sem trocar muitas palavras, seguiram diretamente para a oficina, onde Mauro os aguardava com seu Chevrolin Cinza. estacionado e pronto. Precisamos ser discretos, advertiu ele enquanto entravam no veículo. Se alguém realmente está observando seus movimentos, Thago, não queremos alertá-lo sobre aonde estamos indo.
O menino assentiu, compreendendo a gravidade da situação, sentou-se no banco traseiro, mantendo-se abaixado como Mauro havia instruído. Juliana ocupou o banco do passageiro, seus olhos constantemente verificando o retrovisor para garantir que não estavam sendo seguidos. Trajeto até Interlagos levou quase uma hora devido ao trânsito pesado de São Paulo.
Quando finalmente avistaram os portões do lendário autódromo, Thago sentiu seu coração acelerar. Este lugar havia sido praticamente seu segundo lar durante anos. o local onde passara incontáveis horas ao lado do pai, aprendendo sobre carros, velocidade e adrenalina. “Como vamos entrar?”, perguntou Juliana enquanto Mauro estacionava algumas quadras de distância para não chamar atenção. “Deve haver segurança.
” “Meu pai conhecia todos aqui,”, explicou Thago. Inclusive uma entrada secundária que os mecânicos usavam perto do muro dos boxes. Se ainda existir, podemos tentar por lá. caminharam casualmente ao redor do perímetro do autódromo, parecendo simples visitantes admirando a estrutura por fora.
Thiago guiou-os com surpreendente confiança até uma área menos visível, onde a vegetação crescia mais densa junto ao muro externo. “Aqui”, indicou ele, apontando para um portão lateral quase escondido entre arbustos. Os mecânicos usavam quando chegavam muito cedo ou saíam muito tarde. Mauro examinou o portão com ceticismo. Parece trancado e provavelmente tem alarmes hoje em dia.
Thago estudou a fechadura por um momento, então tirou a chave do bolso. Vamos tentar. O que temos a perder? Para a surpresa de todos, a chave encaixou-se perfeitamente na fechadura. Com um clique suave, o portão se abriu, revelando um corredor estreito que levava ao complexo de boxes. “Inacreditável”, murmurou Juliana.
“Quem enviou essa chave sabia exatamente o que estávamos procurando.” Avançaram cautelosamente pelo corredor, Mauro na frente, Thago no meio e Juliana cobrindo a retaguarda. O autódromo estava relativamente vazio naquela tarde de quinta-feira. Aparentemente não havia eventos programados.
Apenas alguns técnicos realizando manutenção na pista principal. Guiando-se pela memória e pelo número gravado na chave, Thago os conduziu até a área dos boxes. A maioria estava vazia ou ocupada por equipamentos cobertos com lonas, aguardando o próximo evento. “Box 27”, murmurou ele, parando em frente a uma porta de metal com o número desbotado na fachada.
Aqui era da Suares Racing. Olhando ao redor para garantir que não estavam sendo observados, Thago inseriu a chave na fechadura. Novamente encaixou-se com precisão. A porta abriu-se com um rangido baixo, revelando um espaço empoeirado e aparentemente abandonado. “Parece que ninguém usa este box há anos”, comentou Mauro, passando o dedo por uma superfície coberta de poeira.
Thago entrou lentamente, uma onda de emoções contraditórias o atingindo. Lembranças surgiram como flashes, seu pai trabalhando em um motor, a equipe celebrando uma vitória. Ele mesmo pequeno, segurando orgulhosamente uma chave inglesa, enquanto todos riam e aplaudiam.
O box estava praticamente vazio, exceto por algumas prateleiras encostadas na parede e uma mesa de trabalho no centro. Não havia carros, ferramentas ou qualquer sinal da vibrante operação que um dia existira ali. O que exatamente estamos procurando? Perguntou Juliana, observando Thago caminhar pelo espaço com olhos atentos.
Não sei ao certo, admitiu ele. Algo que precise de uma chave, um armário, talvez. Meu pai guardava documentos importantes aqui. Começaram a examinar metodicamente o espaço. Mauro verificou as paredes em busca de painéis soltos ou esconderijos. Juliana inspecionou o piso, procurando por tábuas que pudessem ocultar compartimentos secretos.
Tiago concentrou-se na mesa de trabalho, a única peça de mobiliário que restara. Era uma mesa robusta de madeira maciça, com várias gavetas. Todas estavam vazias. exceto a última, que parecia emperrada. Thago puxou com força, mas ela não se moveu. “Acho que está trancada”, disse ele, examinando mais de perto. “Havia uma pequena fechadura quase imperceptível na lateral. Preciso do meu cordão para abri-la.
” “O cordão era a chave para esta gaveta?”, perguntou Mauro, aproximando-se. “Faz sentido”, respondeu Thaago. A miniatura da chave de fenda tinha um formato estranho na ponta. Não era como uma ferramenta normal, um beco sem saída. Sem o cordão roubado, não poderiam acessar o que quer que estivesse guardado na gaveta.
A frustração era evidente no rosto de Thiago. “Talvez possamos forçar”, sugeriu Mauro, examinando a fechadura. “Não, interveio Juliana. Se for algo realmente importante, poderíamos danificá-lo. Precisamos pensar em outra abordagem.” Thago sentou-se no chão empoeirado, tentando organizar os pensamentos.
Seu pai sempre dizia que para todo problema mecânico havia uma solução alternativa se você pensasse como o engenheiro que criou o mecanismo. “Espera”, disse ele subitamente, levantando-se. “Meu pai sempre tinha um plano B. Ele dizia que nem a melhor fechadura do mundo é a prova de falhas. Começou a examinar a mesa novamente, desta vez prestando atenção não à gaveta trancada, mas a estrutura ao redor dela.
Seus dedos percorreram a parte inferior da mesa, sentindo cada imperfeição na madeira. Parou ao detectar uma pequena reentrância quase imperceptível. Achei algo”, anunciou pressionando o ponto. Com um clique suave, um compartimento secreto abriu-se na lateral da mesa, revelando uma pequena caixa metálica.
“Incrível”, murmurou Juliana, genuinamente impressionada. “Como sabia que estaria aí?” Não sabia, admitiu Thago. Mas meu pai adorava esse tipo de truque. Ele construiu um esconderijo similar na nossa oficina em casa. Com mãos levemente trêmulas, Thago pegou a caixa metálica. Não estava trancada.
Aparentemente, encontrar o compartimento secreto era proteção suficiente. Abriu-a cuidadosamente, revelando seu conteúdo. Um pen drive, um envelope lacrado e uma pequena chave que se parecia muito com a miniatura que adornava seu cordão roubado. “Uma chave sobressalente”, observou Mauro. Seu pai realmente pensava em tudo. Tiago pegou a chave reserva e a inseriu na fechadura da gaveta emperrada. encaixou-se perfeitamente.
Com um giro suave, a gaveta desbloqueou-se, deslizando facilmente para fora. Dentro havia uma pasta de documentos e um envelope maior com o nome de Thago escrito à mão na frente, a caligrafia inconfundível de seu pai. Ele deixou algo para você”, disse Juliana suavemente, colocando a mão no ombro do menino. Com um nó na garganta, Thago pegou o envelope.
Estava prestes a abri-lo quando um ruído os alertou, passos aproximando-se do box. “Alguém está vindo”, sussurrou Mauro tenso. Thago rapidamente guardou o envelope, a caixa metálica e a pasta na mochila que trazia. Ma teve tempo de fechar a gaveta antes que a porta do box se abrisse.
Para sua surpresa, quem entrou não era um segurança do autódromo, mas Severino. O mecânico veterano parecia tão surpreso quanto eles por um momento, mas logo sua expressão transformou-se em um sorriso calculista. “Bem, bem, bem”, disse ele, bloqueando a saída. Olha só quem encontrei. A família feliz em uma excursão ao autódromo.
Como nos encontrou? Perguntou Mauro, posicionando-se protetoramente na frente de Thago. Severino deu de ombros. Não foi difícil. O moleque não é tão discreto quanto pensa. Eu sabia que ele viria para cá eventualmente, especialmente depois de receber aquela encomenda misteriosa ontem à noite. O choque percorreu o grupo. Você estava nos espionando? Juliana não conseguiu esconder sua indignação.
“Digamos que tenho mantido um olho interessado nas atividades do nosso pequeno gênio aqui,”, respondeu Severino, seu olhar fixo em Tiago, especialmente desde que descobri quem ele realmente é. “O que você quer?”, perguntou Thiago diretamente, sua voz surpreendentemente firme. “O mesmo que você, garoto, a verdade.” Severino deu um passo à frente.
“E o que quer que tenha acabado de encontrar nessa gaveta? Mauro se moveu, bloqueando ainda mais o acesso a Thago. Acho que é hora de você ir embora, Severino. O que quer que esteja acontecendo aqui não é da sua conta. O mecânico veterano riu. Um som frio e sem humor. Aí é que você se engana, Mauro. É muito da minha conta, mais do que você imagina. Por quê? Desafiou Thaago.
O que meu pai tem a ver com você? Uma expressão estranha cruzou o rosto de Severino. Algo entre raiva e tristeza. Seu pai e eu temos uma longa história, moleque. Uma história que ele provavelmente nunca mencionou. A revelação caiu como uma bomba no pequeno grupo. Thago sentiu como se o chão estivesse desaparecendo sob seus pés.
“Você conhecia meu pai?”, perguntou, sua voz quase um sussurro. Conhecia? Severino deu uma risada amarga. Eu trabalhei para ele por 5 anos aqui mesmo neste box. Era o chefe de mecânicos da Suares Rassin, até que seu pai decidiu que não precisava mais de mim. A informação atingiu Thago como um soco. Seu pai nunca havia mencionado Severino.
Nem uma vez, como se ele nunca tivesse existido. Está mentindo acusou o menino, embora algo em seu interior já começasse a duvidar. Sou eu quem está mentindo? Severino avançou ignorando Mauro. Ou foi seu pai que mentiu para você todos esses anos? Pergunte a si mesmo. Porque ele nunca falou sobre mim? Porque nunca mencionou que foi ele quem destruiu minha carreira. Chega”, interveio Juliana firmemente.
“Não vamos ficar aqui ouvindo você atacar a memória do pai de Thiago”. Severino ignorou-a, seus olhos fixos no menino. “Sabe por reconheci suas habilidades imediatamente, garoto? Porque eu te ensinei. Você era pequeno demais para lembrar, mas fui eu quem mostrou como diagnosticar problemas de motor pelo som.
Muito antes de seu pai começar a te ensinar, Thago sentiu um fragmento de memória surgir. Um homem mais jovem sorrindo, mostrando-lhe o interior de um motor. Mas a lembrança era tão tênue, tão distante, que poderia facilmente ser sua imaginação preenchendo lacunas. Se é verdade, desafiou Mauro. Por que implicou com ele desde o primeiro dia na oficina? Por tentou humilhá-lo? Porque ele é a cara do pai”, respondeu Severino com amargura.
Vê-lo ali com o mesmo talento, o mesmo olhar. Foi como ver Rodrigo novamente, o homem que arruinou minha vida. Um silêncio tenso se estabeleceu. Thago não sabia o que pensar. Parte dele queria rejeitar tudo como mentiras, mas outra parte reconhecia o tom de verdade na voz de Severino. A mágoa era real demais para ser fabricada. O que aconteceu entre você e meu pai? perguntou. Finalmente.
Severino pareceu momentaneamente surpreso com a pergunta direta, como se não esperasse que Thago realmente quisesse ouvir sua versão. Seu pai me acusou de sabotar um de seus carros antes de uma corrida importante, respondeu após um momento. Disse que eu havia adulterado os freios de propósito. Era mentira. Eu jamais faria algo assim, não importa quais fossem nossas diferenças.
E quais eram essas diferenças? pressionou Thago. Um sorriso amargo curvou os lábios de Severino. Eu descobri algo que não deveria ter descoberto sobre negócios que seu pai fazia por fora. Contratos obscuros, dinheiro que não aparecia nos livros oficiais da equipe. Isso é absurdo, protestou Juliana. Você está tentando manchar a reputação de um homem que não pode se defender.
Estou dizendo a verdade, insistiu Severino. E tenho como provar. Por que acha que estou aqui? Estou procurando o mesmo que vocês. Evidências. Que tipo de evidências? Perguntou Mauro, sua voz revelando ceticismo. Documentos, registros, qualquer coisa que Rodrigo possa ter escondido neste box.
Severino olhou diretamente para a mochila de Thiago como que o garoto acabou de encontrar na gaveta secreta. Thago instintivamente segurou a mochila com mais força, como sabe sobre a gaveta? Porque ajudei seu pai a construí-la. respondeu Severino simplesmente, assim como ajudei com muitas outras coisas que ele depois reivindicou como mérito próprio.
A cabeça de Thiago girava com as revelações contraditórias. Seu pai, o herói de sua infância, sendo descrito como um homem desonesto e manipulador. Era difícil conciliar essa imagem com o pai amoroso e dedicado que conhecera. “Se está falando a verdade”, disse ele finalmente, “porque roubou meu cordão?” A acusação direta pareceu pegar Severino de surpresa.
Do que está falando? Não roubei nada seu. Alguém invadiu a oficina e levou apenas o cordão que meu pai me deu”, explicou Thiago. “E você estava agindo estranho desde então.” “Não fui eu”, insistiu Severino, parecendo genuinamente confuso. “Pensei que você o tivesse perdido ou escondido. Um novo silêncio caiu sobre o grupo enquanto todos processavam essa informação.
“Se Severino não havia roubado o cordão, então quem? Estamos perdendo tempo aqui”, disse Mauro finalmente. “Precisamos sair antes que a segurança do autódromo nos encontre.” Severino bloqueou a porta novamente. “Não sem antes vermos o que o garoto encontrou.” “Isso não é negociável”, respondeu Mauro firmemente. “Ou quer que Thago tenha encontrado pertence a ele. São assuntos de família.
Sou parte dessa história tanto quanto vocês”, argumentou Severino. “Tenho direito de saber o que Rodrigo escondeu. A tensão no ar era palpável. Mauro parecia pronto para forçar passagem se necessário. Juliana posicionou-se defensivamente ao lado de Thiago.
O impasse parecia prestes a se transformar em confronto físico quando uma nova voz interrompeu o momento. Todos vocês precisam sair agora. Viraram-se para ver um homem de meia idade parado na entrada secundária do box. Vestia um uniforme da administração do autódromo e seu semblante era grave. Senor Mendes? Severino pareceu reconhecê-lo imediatamente, seu rosto empalidecendo. “Olá, Severino.
Faz tempo?” O homem então olhou diretamente para Thago, seus olhos se estreitando em reconhecimento. “E você deve ser o filho de Rodrigo. Finalmente nos encontramos. Thago sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Havia algo inquietantemente familiar naquele homem. “Quem é você?”, perguntou Mauro, colocando-se protetoramente na frente de Thago.
O homem sorriu, um gesto que não alcançou seus olhos. Victor Mend, advogado da família Soares, fez uma pausa significativa, ou pelo menos era até alguns anos atrás. Juliana Ofegou reconhecendo o nome. Você é o advogado que desapareceu após o acidente. O que deveria ter garantido os direitos de Thiago? As circunstâncias me forçaram a me afastar temporariamente, respondeu Mendes com uma calma perturbadora, mas agora estou de volta e vejo que todos estão procurando a mesma coisa. O testamento concluiu Thago.
As peças do quebra-cabeça começando a se encaixar. Você escondeu o testamento do meu pai. Mendes não confirmou nem negou. Em vez disso, estendeu a mão. O que encontrou na gaveta? Thago preciso disso. Nem pensar. Interveio Mauro. Não sabemos quem você realmente é ou o que quer.
O que eu quero respondeu Mendes, sua voz adquirindo uma dureza repentina. É completar o trabalho que comecei dois anos atrás. E vocês estão no meu caminho. Com um movimento fluido, retirou algo do bolso. O cordão roubado de Thiago com a miniatura da chave de fenda balançando no ar. Reconhece isso, garoto? Tive que tomar emprestado por um tempo.
Precisava da chave original para fazer uma cópia, já que minha versão se quebrou anos atrás. Então foi você? Acusou Thaago. Sua voz tremendo de raiva. Você invadiu a oficina. Digamos que tenho recursos à minha disposição”, respondeu Mendes com um sorriso frio. “Agora, pela última vez, me deu que encontrou na gaveta”. O impasse intensificou-se. De um lado, Mauro, Juliana e Thago, protegendo os documentos recém descobertos.
Do outro, Severino, pego no meio de sua própria busca por vingança. E agora, Víor Mendes, uma figura sombria do passado com motivos ainda obscuros. Foi Tiago quem quebrou o silêncio, sua voz surpreendentemente firme. Não disse simplesmente. Isso pertencia ao meu pai, agora pertence a mim. A expressão de Mendes endureceu.
Você não entende com o que está lidando, garoto. Há mais em jogo aqui do que sua pequena herança. Então nos explique, desafiou Juliana. Sequer nossa cooperação, comece falando a verdade. Mendes parecia prestes a responder quando o som de vozes e passos aproximando-se chamou a atenção de todos.
A segurança do autódromo provavelmente alertada pela presença de intrusos. Isso não acabou, advertiu Mendes, recuando em direção à saída secundária. Só nos encontraremos novamente, muito em breve. Antes que pudessem reagir, ele desapareceu pela porta, levando consigo o cordão de Thago. Severino hesitou por um momento, dividido entre seguir Mendes e continuar confrontando o grupo.
“Isso não termina aqui”, disse finalmente, dirigindo-se a Thago. “Precisamos conversar, garoto. Há coisas sobre seu pai que você precisa saber.” Com isso, também saiu rapidamente, deixando-os sozinhos no box abandonado. “Temos que ir”, urgiu Mauro, ouvindo as vozes, se aproximando pela saída que usamos para entrar. Escaparam por pouco, deslizando pelo corredor lateral e saindo pelo portão discreto, momentos antes que os seguranças chegassem ao box 27.
correram até o carro estacionado e partiram rapidamente, o coração batendo forte com a adrenalina da fuga e o peso das revelações daquele dia. Enquanto Mauro dirigia de volta a São Paulo, um silêncio pesado dominava o veículo. Tiago segurava a mochila com os documentos encontrados como se fosse o bem mais precioso do mundo, o que, de certa forma era: “Ali dentro poderiam estar as respostas para todas as perguntas que o atormentavam há dois anos. Quem você acha que está falando a verdade?”, perguntou finalmente.
Sua voz pequena no silêncio do carro. Severino ou Mendes. Juliana virou-se para olhá-lo do banco da frente. Não acho que nenhum dos dois esteja contando a história completa, Thago. Ambos parecem ter seus próprios interesses. “Concordo”, disse Mauro, os olhos fixos na estrada. Mas uma coisa é certa, o que encontramos hoje é importante.
Importante o suficiente para que pessoas perigosas estejam dispostas a fazer qualquer coisa para obtê-lo. Tiago assentiu, olhando pela janela para o céu que começava a escurecer. Sua jornada para descobrir a verdade sobre seu pai e seu passado havia se tornado muito mais complexa e perigosa do que jamais poderia ter imaginado. “O que fazemos agora?”, perguntou.
“Primeiro, garantimos nossa segurança”, respondeu Mauro com firmeza. Depois examinamos o que encontramos e então decidimos nosso próximo passo. O que nenhum deles disse, mas todos pensavam, era que suas vidas haviam mudado irrevogavelmente naquela tarde. Agora estavam envolvidos em algo maior e mais perigoso do que uma simples busca por respostas familiares, que não havia como voltar atrás.
A noite caiu sobre São Paulo quando finalmente chegaram ao apartamento de Juliana. Por segurança, Mauro decidiu ficar com eles. Ninguém sabia se Mendes ou seus recursos poderiam rastreá-los até ali. Com as cortinas fechadas e as portas trancadas, sentaram-se à mesa da cozinha, encarando a mochila que continha os documentos encontrados no box.
“Estão prontos?”, perguntou Thago, suas mãos pequenas pairando sobre o zíper. Mauro e Juliana a sentiram em silêncio. Com um movimento decidido, o menino abriu a mochila e retirou primeiro o envelope com seu nome escrito na caligrafia de seu pai.
Por um momento, apenas o segurou, como se o peso emocional daquele objeto fosse grande demais para suportar. “Quer que eu abra para você?”, ofereceu Juliana gentilmente. Thago sacudiu a cabeça. Não preciso fazer isso. Com dedos levemente trêmulos, rompeu o selo do envelope e retirou várias folhas de papel dobradas. No topo da primeira página, uma mensagem simples para meu filho Tiago para ser lido quando eu não estiver mais aqui. Com todo o meu amor, papai.
Tiago respirou fundo e começou a ler em voz alta. Meu querido filho, se você está lendo isto, significa que algo aconteceu comigo. Espero que seja porque atingi uma idade avançada e parti naturalmente. Mas nosso mundo é imprevisível, especialmente no automobilismo. Seja qual for o motivo, quero que saiba que você foi a maior alegria da minha vida.
Há coisas sobre mim, sobre nosso passado, que nunca lhe contei, não por falta de confiança, mas para protegê-lo. Agora que não estou mais aí, você merece saber a verdade. Antes de ser piloto, trabalhei para pessoas poderosas, pessoas que operavam nas sombras do automobilismo. Meu trabalho envolvia modificar carros para performances impossíveis, algo que beirava a ilegalidade em muitas corridas. Eu era jovem, ambicioso e não questionava para quem trabalhava, desde que me pagassem bem.
Conheci sua mãe nessa época. Ela era contadora e começou a anotar discrepâncias nos livros da equipe. Dinheiro sendo lavado através de patrocínios fantasmas, apostas manipuladas, resultados predeterminados. Quando decidimos denunciar o esquema, descobrimos que estávamos lidando com algo muito maior do que imaginávamos.
Fomos ameaçados. Sua mãe, mais corajosa que eu, insistiu em levar as provas às autoridades. Uma semana depois, o acidente que tirou sua vida aconteceu. Não foi acidente, Thago. Foi um aviso para mim. Abandonei tudo e reinventei minha carreira como piloto legítimo. Construí a Suares Rassin com dinheiro limpo e muito trabalho, mas nunca esqueci o que aconteceu, nem perdoei os responsáveis.
Passei anos coletando evidências secretamente, preparando-me para o dia em que poderia expor toda a operação. As provas estão no penrive que acompanha esta carta. Há nomes, datas, transações, tudo que você precisa para entender com quem estamos lidando. Entre eles, infelizmente, está seu tio Carlos. Ele não é o homem que aparenta ser.
Foi ele quem me introduziu nesse mundo e quem mais se beneficiou do silêncio que mantive todos esses anos. também encontrará meu testamento verdadeiro. Deixei cópias com três pessoas diferentes, mas aparentemente todas foram comprometidas. Victor Mendes, meu advogado, deveria ter protegido seus interesses, mas temo que ele também tenha sido cooptado. Thago, em quem você pode confiar? Esta é a pergunta mais difícil.
Severino Dantas, meu antigo chefe de mecânicos, conhece parte da história. Ele descobriu o esquema acidentalmente e tentou me alertar anos atrás, mas não acreditei nele. Pensei que estivesse tentando me sabotar por inveja. Só depois percebi que ele estava tentando me ajudar. Quando tentei me reconectar, era tarde demais. Ele já havia sido demitido e desaparecido.
Se estiver lendo isto, busque-o. Apesar de nossos desentendimentos, ele é um homem honesto que pode ajudá-lo a navegar por este labirinto. Deixo para você não apenas meu nome e minha herança material, mas também esta missão. Complete o que comecei. Exponha a verdade, não por vingança, mas por justiça, para sua mãe, para mim e para o esporte que amamos.
Acima de tudo, lembre-se, você tem dentro de si mais força e inteligência do que jamais precisará. Confie em seus instintos. Eles nunca o enganarão. Com amor eterno, seu pai Rodrigo Soares. Quando Thago terminou de ler, lágrimas silenciosas corriam por seu rosto. Um silêncio pesado dominava o ambiente, quebrado apenas pelo som distante do trânsito lá fora. “Seu tio Carlos”, murmurou Juliana finalmente.
“Ele está envolvido nisso tudo e Severino estava dizendo a verdade”, acrescentou Mauro perplexo. Sobre seu pai sobre tudo. Thago enxugou as lágrimas com a manga da camisa, então retirou o pen drive e a pasta de documentos da mochila. Precisamos ver o que tem aqui. Mauro conectou o pen drive ao notebook de Juliana.
Uma pasta se abriu, revelando dezenas de arquivos meticulosamente organizados. Registros financeiros, e-mails, fotografias de reuniões secretas, gravações de áudio. Era um arquivo completo de uma operação criminosa que se estendia por anos no mundo do automobilismo brasileiro. “Meu Deus!”, sussurrou Juliana enquanto examinavam os arquivos.
“Seu pai passou anos coletando essas provas. Em uma das fotos, reconheceram imediatamente Carlos Soares, muito mais jovem, apertando as mãos de figuras notoriamente suspeitas do mundo dos negócios. Sem outra, Victor Mendes aparecia em segundo plano, observando discretamente uma troca de maletas. “Tudo faz sentido agora”, disse Mauro.
“Porque Mendes desapareceu após o acidente? Porque Carlos apareceu repentinamente quando você ressurgiu. Eles estavam monitorando, esperando para ver se você tinha acesso a essas informações. E o cordão acrescentou Thaago, compreendendo finalmente não era apenas uma chave para a gaveta, era um símbolo, um lembrete constante da missão do meu pai.
Continuaram a examinar os documentos por horas. O testamento verdadeiro, exatamente como Rodrigo havia mencionado, estava entre os papéis. Nele, Rodrigo deixava toda a sua fortuna para Thaago, sob a supervisão de uma pessoa surpreendente, Antônio Martins, o vizinho que havia cuidado brevemente de Thago após o acidente.
“Senor Martins”, murmurou Thiago, recordando o homem gentil que o acolher. “Meu pai confiava nele para ser meu guardião legal. Você mencionou que ele ficou doente”, lembrou Juliana. “O que aconteceu exatamente?” Thago franziu o senho, tentando lembrar. foi repentino. Um dia ele estava bem, no outro estava no hospital. Insuficiência renal, disseram. Depois disso, a senora Martins disse que não podiam mais me manter.
Conveniente demais, comentou Mauro sombriamente. Remover seu guardião legal do caminho. Um calafrio percorreu a espinha de Thiago. Até onde iriam essas pessoas para esconder seus segredos? Para manter controle sobre a fortuna de seu pai? O que fazemos agora? perguntou, sentindo o peso da responsabilidade que seu pai havia colocado sobre seus ombros.
Mauro considerou a pergunta cuidadosamente: “Estas evidências precisam chegar às autoridades, mas precisamos ser extremamente cautelosos sobre como proceder. Estas pessoas são poderosas e já provaram que farão qualquer coisa para proteger seus interesses.” “E temos que considerar sua segurança, Thago”, acrescentou Juliana. Você é o alvo principal deles agora.
O menino refletiu por um momento. Então algo em sua expressão mudou. Uma resolução, uma maturidade que ia além de seus 10 anos. “Tenho uma ideia”, disse ele. “mas vamos precisar de ajuda e sei exatamente quem pode nos ajudar.” Na manhã seguinte, após uma noite de planejamento cuidadoso, Mauro fez uma ligação.
Uma hora depois, Severino chegou ao apartamento de Juliana, visivelmente tenso e desconfiado. “Por que me chamaram?”, perguntou ele, olhando ao redor com cautela. Tiago deu um passo à frente, porque meu pai disse que você é um homem honesto e precisamos de sua ajuda. A surpresa no rosto do veterano mecânico era evidente. Seu pai disse isso? Depois de tudo, ele admitiu que estava errado sobre você”, explicou Thiago mostrando a carta. Ele sabia que você estava tentando ajudá-lo.
Enquanto Severino lia a carta, sua expressão dura gradualmente se suavizava. Quando terminou, havia lágrimas em seus olhos. “Esperei anos para ouvir isso”, disse ele, sua voz embargada, “para saber que ele finalmente entendeu. Sabemos a verdade agora, disse Tiago, sobre Carlos, sobre Mendes, sobre tudo. E temos um plano para expô-los, mas precisamos de você.
” Severino estudou o rosto do menino, o mesmo rosto que havia desprezado semanas atrás, vendo apenas a sombra do pai. Agora via Thago por quem realmente era. Um garoto extraordinário enfrentando circunstâncias impossíveis com coragem impressionante. “Estou dentro”, declarou finalmente. “O que precisam que eu faça? O plano era audacioso, mas simples em sua essência.
Em vez de tentar esconder as evidências ou entregá-las secretamente às autoridades, o que poderia ser interceptado, fariam exatamente o oposto, uma exposição pública tão visível que seria impossível abafar. Eduardo Mendonça, após ser informado da situação, ofereceu seu apoio crucial. Como figura respeitada no meio automobilístico e empresarial, organizou um evento no autódromo de Interlagos, supostamente para homenagear Rodrigo Soares, mas na verdade um palco perfeito para a revelação. A notícia do tributo a Rodrigo Soares se espalhou rapidamente.
A imprensa foi convidada. Figuras importantes do automobilismo confirmaram presença e, como esperado, tanto Carlos quanto Mendes não puderam resistir à oportunidade de monitorar a situação de perto. No dia do evento, o autódromo estava repleto. Uma atmosfera de celebração e nostalgia preenchia o ar.
No centro das atenções, coberto por uma lona, estava o último carro de corrida de Rodrigo Soares, recuperado do acidente e restaurado para a ocasião. Carlos Soares, impecavelmente vestido, circulava entre os convidados como o parente enlutado e dedicado. Vctor Mendes mantinha-se discretamente nos bastidores observando.
Nenhum dos dois sabia que cada movimento seu estava sendo cuidadosamente monitorado. O momento crucial chegou quando Eduardo Mendonça subiu ao palco improvisado. Hoje estamos aqui para honrar não apenas a memória de um grande piloto, mas também seu legado vivo”, anunciou ele ao microfone.
É com grande emoção que apresento a vocês Thiago Soares, filho de Rodrigo, que tem uma mensagem especial para compartilhar. Houve um murmúrio de surpresa quando Thiago subiu ao palco vestindo um macacão de corrida com o logo da antiga Suares Racing. Ele parecia incrivelmente pequeno diante da multidão, mas quando começou a falar, sua voz era firme e clara.
Meu pai sempre dizia que um verdadeiro piloto nunca foge de um desafio, mesmo quando a pista parece impossível”, começou ele. “Hoje estou aqui para enfrentar o desafio mais difícil, revelar a verdade que custou a vida de meu pai.” Um silêncio absoluto tomou conta do ambiente. Nos bastidores, Mauro e Juliana observavam atentamente enquanto Severino monitorava as saídas, garantindo que ninguém pudesse interferir.
Há dois anos, meu pai não sofreu apenas um acidente. Ele foi silenciado”, continuou Thiago, sua voz ecuando pelos altofalantes. Silenciado porque descobriu um esquema de corrupção que envolvia manipulação de resultados, lavagem de dinheiro e apostas ilegais no automobilismo brasileiro.
Câmeras disparavam, jornalistas se inclinavam para a frente, subitamente alertas. Na multidão, Carlos Soares empalideceu visivelmente enquanto Mendes começava a recuar discretamente. “Meu pai deixou provas”, declarou Thiago, apontando para uma tela grande que se iluminou atrás dele, exibindo documentos e fotografias incriminadoras, provas que algumas pessoas tentaram desesperadamente esconder a ponto de me deixarem nas ruas, sem lar, sem família, acreditando que eu estava sozinho no mundo.
As imagens na tela mudavam rapidamente, mostrando rostos conhecidos em situações comprometedoras. Entre eles, Carlos Soares e Víctor Mendes, agentes da polícia, discretamente posicionados entre a multidão, conforme combinado previamente, começaram a se mover. Hoje não estou aqui apenas para expor criminosos”, continuou Thaago, sua voz ganhando força.
“Estou aqui para completar o trabalho que meu pai começou, para mostrar que a verdade sempre encontra um caminho, não importa quantos obstáculos sejam colocados.” Nesse momento, o caos rompeu nas bordas do evento. Mendes, percebendo que estava encurralado, tentou fugir apenas para ser interceptado por policiais. Carlos Soares, em um último ato desesperado, avançou em direção ao palco, mas foi rapidamente contido por seguranças. Imperturbável.
Thiago continuou seu discurso enquanto a operação policial se desenrolava ao seu redor como uma coreografia perfeitamente ensaiada. Quando cheguei à oficina de Mauro Ribeiro há algumas semanas, faminto e desesperado, oferecendo ajuda em troca de comida, fui recebido com risos e desprezo. “Você nem alcança a mesa de trabalho, zombaram de mim.
Mas eu sabia que podia provar meu valor. A multidão, agora totalmente cativada, ouvia em silêncio reverente. O que aqueles mecânicos não sabiam, o que ninguém sabia, é que não importa de onde você vem ou o que perdeu, importa o que você decide fazer com o que tem. A voz de Thago se elevou ressoando pelo autódromo.
Eu escolhi não ser definido por minha perda, mas pela minha capacidade de reconstruir, de consertar o que está quebrado, seja um motor, uma injustiça ou uma vida. Enquanto falava, a lona que cobria o carro de seu pai foi removida, revelando o veículo completamente restaurado. Thiago desceu do palco e caminhou até ele sob os flashes incessantes das câmeras. Este carro”, disse ele colocando a mão no capô reluzente, “presenta mais que velocidade ou competição.
Representa resiliência, a capacidade de reconstruir após a destruição total.” Com um gesto calculado, Thago abriu a porta do carro e subiu no banco do piloto. Embora seus pés mal alcançassem os pedais, havia algo profundamente simbólico na imagem. O filho ocupando, mesmo que momentaneamente, o lugar do pai. Hoje não vou dirigir este carro.
Ainda não chegou minha hora, mas um dia, quando for mais velho, honrarei o legado de meu pai da maneira que ele gostaria, com integridade, coragem e determinação. Descendo do veículo sob aplausos estrondosos, Thago concluiu: “O preconceito pode cegar as pessoas para o verdadeiro potencial de alguém. Quando me viram, um menino de rua, sujo, descalço, julgaram-me incapaz, mas meu valor não estava nas minhas circunstâncias, e sim nas minhas capacidades.
Festa é a lição que carrego comigo e que espero inspirar em outros. Nunca deixe que as expectativas alheias definam seus limites. Nos dias que se seguiram, a história de Thiago Soares dominou os noticiários nacionais. O menino mecânico que desmascarou um esquema milionário, tornou-se manchete em todo o país.
Carlos Soares, Víctor Mendes e diversos outros envolvidos foram presos, enfrentando múltiplas acusações. A investigação se expandiu para outras áreas do esporte, revelando uma rede de corrupção muito maior do que qualquer um imaginava. Com o testamento verdadeiro finalmente validado, Thago foi legalmente colocado sob a guarda conjunta de Mauro e Juliana, conforme seu desejo explícito. O Sr.
Martins, recuperando-se lentamente em um hospital, ficou emocionado ao saber que Thago estava seguro e que a verdade havia sido revelada. A fortuna de Rodrigo Soares, finalmente liberada, foi parcialmente usada para criar uma fundação dedicada a oferecer educação técnica e oportunidades para crianças em situação de vulnerabilidade.
A oficina de Mauro se expandiu, tornando-se um centro de treinamento para jovens mecânicos talentosos. Quanto a Severino, ele finalmente encontrou paz após anos de amargura. aceitou o convite para se tornar instrutor-chefe no programa de treinamento, encontrando uma nova vocação em ensinar jovens o ofício que tanto amava.
Em uma tarde ensolarada, meses após os eventos dramáticos em Interlagos, Thago sentava-se na nova oficina ampliada, explicando pacientemente o funcionamento de um motor para um grupo de crianças fascinadas, muitas vindas das mesmas ruas que ele havia habitado. “Lembrem-se”, dizia ele, seus olhos brilhando com uma sabedoria além de sua idade. Não importa o quanto um motor esteja danificado, sempre há uma maneira de fazê-lo funcionar novamente.
É só questão de encontrar a peça certa e ter a coragem de tentar. Juliana observa de longe com um sorriso orgulhoso. O menino assustado e desconfiado que havia encontrado na oficina meses atrás havia se transformado em um jovem confiante e inspirador. Sua história de superação tocava todos que a ouviam, provando que até as circunstâncias mais desesperadoras podem ser transformadas com determinação, talento e pessoas que acreditam em você. Fim da história.
Queridos ouvintes, esperamos que a jornada de Thago tenha tocado seus corações. Para continuar se emocionando com histórias igualmente poderosas, preparamos uma playlist especial que vocês podem encontrar clicando no link à esquerda. Se esta narrativa de superação e coragem ressoou em vocês, não deixem de se inscrever em nosso canal e dar um like neste vídeo.
Diariamente trazemos histórias únicas que exploram as complexidades da vida e o poder da resiliência humana. Compartilhem suas impressões nos comentários abaixo e fiquem ligados para a nossa próxima história inspiradora. Até breve. M.
News
End of content
No more pages to load






