Um milionário volta para casa mais cedo, sem avisar ninguém. Depois de anos mergulhado no trabalho para fugir da dor da perda da esposa. Ao entrar na mansão, estranha o silêncio onde antes só havia gritos e caos. Quando abre a porta da sala de jantar, encontra suas quatro filhas orando em paz ao lado de uma nova babá que ele nunca viu antes.

 Diante daquela cena de amor e serenidade, ele deszaba em lágrimas, percebendo que a luz finalmente voltou para o lar que julgava perdido. Ricardo Nogueira contemplava a vista panorâmica da Barra da Tijuca do seu escritório no último andar do imponente edifício empresarial. O mar carioca estendia-se até o horizonte e o sol poente tingia o céu de tons alaranjados.

 Era uma visão que deveria trazer paz, mas seus olhos castanhos, marcados por profundas olheiras, apenas refletiam exaustão e melancolia. O telefone tocou pela quinta vez naquela tarde. Ricardo respirou fundo antes de atender. Senr. Nogueira, é a agência Família Feliz novamente. Ricardo fechou os olhos. sabia exatamente o que viria a seguir. Peço desculpas, mas nossa funcionária não poderá continuar.

 Ela, bem, ela decidiu que o trabalho é incompatível com suas habilidades. Incompatível com suas habilidades, repetiu Ricardo com um sorriso sem humor. Uma maneira educada de dizer que ela fugiu no meio da noite como a anterior. O silêncio do outro lado da linha foi resposta suficiente. Tudo bem. Envio o valor da recão para meu escritório de contabilidade.

Após desligar, Ricardo passou a mão pelos cabelos grisalhos prematuramente. Aos 42 anos, o empresário do ramo da construção civil já havia conquistado mais do que a maioria sonharia em uma vida inteira. Era dono de um império imobiliário que se estendia por três estados.

 Possuía uma mansão deslumbrante à beiraar na Barra da Tijuca, carros de luxo e contas bancárias robustas. No entanto, a única coisa que realmente importava, uma família feliz, parecia escapar por entre seus dedos como areia fina. Ricardo abriu a gaveta da mesa e retirou um porta-retrato prateado. O sorriso radiante de Clarissa, sua esposa, congelado naquela fotografia, parecia pertencer à outra vida.

 Os cabelos loiros ao vento, os olhos azuis brilhantes. Ela havia sido o sol da sua existência. E agora, três anos após sua partida durante o parto complicado das quadrigêmeas, a escuridão parecia permanente. “1 babás em 3 anos”, murmurou para si mesmo, guardando a fotografia com delicadeza. “Como você lidaria com isso, Clara?” Sua secretária, Denise bateu levemente na porta entreaberta.

 “Desculpe interromper, Ricardo. A reunião com os investidores coreanos foi adiantada para amanhã. Precisamos confirmar sua presença em Brasília. Confirme. Saio no primeiro voo. E as meninas? Acabei de receber a ligação da agência informando que eu sei. Mais uma desistiu. Ligue para minha irmã. Veja se ela pode ficar com elas até eu voltar.

 Denise hesitou, mordendo o lábio inferior. Sua irmã está na Argentina esta semana, lembra? Congresso de pediatria. Ricardo esfregou as têmporas, sentindo o início de uma enxaqueca. Então, chame a dona Zulmira. Ela pode pelo menos dar uma olhada nas meninas enquanto encontramos outra pessoa. A governanta já está sobrecarregada com a mansão, Ricardo.

 Talvez seja hora de considerar uma solução mais permanente, um internato, talvez. O olhar que Ricardo lançou à secretária foi gelado o suficiente para encerrar aquela sugestão instantaneamente. Minhas filhas não serão enviadas para lugar algum. Elas já perderam a mãe. Não vou permitir que percam também o pai e o lar. Denise assentiu recuando. Vou ver o que posso fazer.

 Talvez alguma agência ainda não tentada. Após a saída da secretária, Ricardo voltou a contemplar o oceano enquanto a noite caía sobre o Rio de Janeiro. Em algum momento, ele teria que encarar a verdade. Suas filhas precisavam mais do que babás temporárias e um pai ausente. Precisavam de alguém que realmente se importasse.

 Horas mais tarde, a limusine percorria a Avenida Litorânia em direção à exclusiva área residencial. Ricardo mantinha os olhos fixos em documentos sobre um negócio em Brasília, mas sua mente vagava para casa. Imaginou como encontraria as quadrigémeas desta vez. Na última semana haviam pintado o pelo cachorro com tinta guache.

 Na anterior tinham enchido a piscina com espuma de sabão. E o que seria agora? O motorista parou diante do imenso portão eletrônico. A mansão Nogueira, com sua arquitetura contemporânea de linhas retas e grandes janelas de vidro, erguia-se imponente entre palmeiras e bem cuidados jardins tropicais. De fora parecia o sonho de qualquer um.

 Por dentro era um campo de batalha. Vou ficar até tarde revisando alguns documentos. Pode ir, Fernando. Amanhã cedo preciso estar no aeroporto às 6. Ricardo caminhou pelo extenso jardim frontal, ouvindo o familiar barulho de algo quebrando dentro de casa, seguido por gritos infantis.

 Respirou fundo antes de usar sua A digital para destrancar a porta principal. O hall de entrada, decorado com móveis de design assinado e obras de arte brasileiras contemporâneas estava relativamente intacto. Era o único espaço que parecia ter escapado do furacão das quadrigêmeas. Dona Zulmira, a governanta de 65 anos que mais parecia uma fortaleza humana, apareceu na entrada da cozinha com expressão de quem havia acabado de voltar de uma guerra. Senr.

Ricardo, graças a Deus o senhor chegou. As meninas estão impossíveis hoje. Acabaram de derrubar o vaso veneziano do corredor. Onde elas estão agora? no quarto de castigo. Mandei ficarem lá até o Senhor chegar, mas duvido que tenham obedecido.

 Antes que Ricardo pudesse responder, um estrondo vindo do andar superior confirmou as suspeitas da governanta. Vou subir. Pode ir para casa, dona Zulmira. Amanhã cedo viajo para Brasília. Mas seu Ricardo e as meninas, quem vai? Sei que não é sua função, mas pode vir pela manhã só para garantir que tomem café e cheguem à escola.

 A expressão da governanta suavizou, revelando a compaixão que sentia pela situação. Claro que sim. E depois a agência prometeu enviar alguém novo amanhã. Ricardo subiu à ampla escadaria de mármore, sentindo o peso de cada passo. No corredor superior, cacos do que antes era um caro vaso decorativo estavam espalhados pelo chão.

 Suspirou caminhando até a porta decorada com quatro placas coloridas: Beatriz, Bianca, Bruna e Belisa. Ao abrir a porta, a cena o deixou momentaneamente sem palavras. O quarto coletivo, um espaço amplo dividido em quatro áreas distintas, parecia ter sido o palco de um vendaval. Roupas espalhadas, brinquedos quebrados, livros rasgados, paredes rabiscadas com canetinhas coloridas.

 No centro daquele caos, quatro meninas idênticas de cabelos castanhos cacheados e olhos azuis, os olhos de Clarissa, interromperam sua discussão acalorada e olharam para o pai. Papai! Beatriz, a mais falante correu em sua direção. Foi a Belisa que quebrou o vaso. Não, nós. Não fui eu, foi a Bruna que me empurrou. Defendeu Seisa, a menor das quatro. Mentira, eu só estava correndo e esbarrei sem querer, protestou Bruna cruzando os braços.

 Bianca, a mais quieta e observadora, apenas ficou em seu canto, abraçada a um urso de pelúcia desgastado pelo uso. Ricardo ajoelhou-se, ficando na altura das filhas. Mesmo após três anos, ainda se impressionava com a semelhança entre elas. Quatro cópias perfeitas, quatro lembranças vivas de Clarissa. Meninas, não importa quem quebrou o vaso.

 O importante é que vocês estavam correndo no corredor, algo que já conversamos muitas vezes. Mas a gente estava brincando de pega pega, justificou Beatriz. E aquele vaso era feio mesmo. Ricardo conteve um sorriso. Era o tipo de comentário que Clarissa faria. Ela nunca havia gostado daquele vaso presente de sua sogra. Mesmo assim, vocês sabem as regras da casa e olhem para este quarto, o que combinamos sobre manter o espaço organizado? As quatro baixaram os olhos momentaneamente envergonhadas, mas Ricardo sabia que o arrependimento duraria pouco. Em breve estariam

novamente tramando alguma travessura. Amanhã cedo, preciso viajar para Brasília. Ficarei fora até sexta-feira. Quem vai ficar com a gente? perguntou Belisa, a mais apegada ao pai. Dona Zulmira virá pela manhã para levá-las à escola e a agência enviará uma nova babá. Os rostos das meninas se iluminaram com sorrisos travessos e Ricardo sentiu um aperto no peito.

 Sabia exatamente o que significavam aqueles sorrisos. Mais uma vítima no caminho. Quero que vocês se comportem desta vez. Essa brincadeira de espantar as babás não tem graça. Elas vão embora porque querem”, respondeu Bruna com a inocência fingida que Ricardo já conhecia bem. “Nós somos anjinhos.

 Depois de ajudá-las a organizar minimamente o quarto e supervisioná-las durante o banho e o jantar, Ricardo colocou as quatro na cama. Era o único momento do dia em que sentia uma conexão genuína com as filhas. Enquanto lia uma história, observava seus rostinhos sonolentos e pensava em como Clarissa adoraria vê-las assim, pacíficas e vulneráveis. “Papai!”, chamou Bianca com voz sonolenta.

 “A mamãe está nas estrelas nos olhando?”, a pergunta pegou Ricardo desprevenido. Raramente falavam sobre Clarissa. Era como um acordo silencioso que haviam estabelecido, talvez para se protegerem da dor. Sim, princesa. Mamãe está sempre olhando por vocês. Ela ficaria triste com a gente? Perguntou Belisa, por sermos bagunceiras.

 Ricardo sentiu a garganta apertar. Não, ela entenderia. Sua mãe também tinha um espírito livre e adorava aventuras. Conta uma história dela! Pediu Beatriz. aconchegando-se mais no travesseiro. Bem, houve uma vez em que sua mãe decidiu que queria ver o nascer do sol no alto do pão de açúcar. Acordou-me às 4 da manhã, arrastou-me para fora da cama.

 Ricardo continuou a história até perceber que as quatro haviam adormecido. Com cuidado, beijou cada uma na testa e saiu do quarto. No silêncio do seu escritório particular, cercado por prêmios de empreendedorismo e contratos milionários, Ricardo serviu-se de uma dose de whisky. O celular tocou. Era Denise. Conseguimos.

 A agência Anjos do Lar tem uma profissional disponível para começar amanhã mesmo. O nome dela é Luía Santos. Qualificações. Formada em pedagogia, especialização em educação infantil. Experiência com crianças com necessidades especiais. Parece perfeita. Ricardo deu um gole na bebida, cético. Todas pareciam perfeitas no papel. Denise.

 Esta é diferente, segundo a agência. Eles a descreveram como, bem, como uma pessoa com dom especial para crianças difíceis. Dom especial, repetiu Ricardo sarcasticamente. Espero que ela tenha um dom especial para lidar com armadilhas, porque é isso que minhas filhas vão preparar para ela.

 Após desligar, Ricardo aproximou-se da grande janela que dava para o jardim dos fundos. O espaço anteriormente, um dos orgulhos de Clarissa, com seus canteiros meticulosamente planejados, agora estava parcialmente abandonado. Apenas o jardineiro vinha uma vez por semana para manter o mínimo de ordem. Em um canto, quase escondido por arbustos não podados, estava o pequeno banco de madeira, onde ele e Clarissa costumavam sentar nas noites de verão.

 Lá haviam sonhado com o futuro, planejado a família. Nunca imaginaram que ela não estaria presente para ver as filhas crescerem. Ricardo terminou sua bebida, sentindo o peso da solidão que carregava. Amanhã seria apenas mais um dia na rotina caótica que sua vida havia se tornado. Uma nova babá chegaria cheia de esperanças.

 Enfrentaria o esquadrão do caos, como ele secretamente chamava as filhas, e provavelmente não duraria uma semana. Pouco sabia ele que Luía Santos não era como as outras e que sua chegada marcaria o início de uma transformação que nenhum deles poderia prever. No extremo oposto da cidade, em um modesto apartamento na Tijuca, Luía Santos arrumava uma pequena mala, colocava roupas simples, alguns livros infantis desgastados pelo uso e, por último, uma bíblia de capa gasta.

 Seus dedos acariciaram as páginas marcadas e anotadas ao longo dos anos. “Senhor, guia meus passos nesta nova jornada”, sussurrou ela, fechando o livro sagrado com reverência. Ao lado da mala havia uma pasta com informações sobre seu novo emprego. Quatro meninas de 7 anos, sem mãe, um pai ausente, 12 babás que desistiram. Para qualquer outra pessoa seria um trabalho impossível. Para Luía era exatamente onde precisava estar.

 A manhã estava particularmente ensolarada quando Luía Santos chegou a mansão Nogueira. O motorista de aplicativo assobeou baixinho ao parar diante do imponente portão. Tem certeza que é aqui, moça? Luía sorriu, ajeitando a alça da pequena mala surrada. Sim, é aqui mesmo. Ao tocar a campainha do interfone, Luía sentiu uma inexplicável sensação de propósito, como se toda sua vida a tivesse preparado para este momento.

 Residência Nogueira, respondeu uma voz feminina. Bom dia, sou Luía Santos, a nova babá. Houve um breve silêncio seguido por um suspiro audível. Ah, sim. Entre, por favor. O portão deslizou automaticamente, revelando o caminho de pedras que serpenteava pelo jardim frontal. Luía caminhou devagar, observando os detalhes da propriedade, as palmeiras imperiais que ladiavam a entrada, as esculturas modernas estrategicamente posicionadas, a fonte central com águas cristalinas.

 Tudo exalava riqueza e sofisticação, mas também uma estranha frieza, como se o lugar fosse mais uma vitrine do que um lar. Na porta principal, uma senhora de cabelos grisalhos e postura rígida a aguardava. Seu rosto, marcado pelo tempo, tinha uma expressão entre cansada e cética. Sou dona Zulmira, a governanta. Entre, por favor.

 Luía seguiu a senhora pelo interior da mansão, tentando não demonstrar surpresa diante do luxo. O hall de entrada, com seu piso de mármore e escadaria imponente, parecia saído de uma revista de decoração. No entanto, à medida que avançavam para as áreas mais íntimas da casa, Luía notou sinais de desordem, brinquedos espalhados, um quadro ligeiramente torto, manchas suspeitas no carpete. O Sr. Ricardo já viajou para Brasília. Ele retorna na sexta-feira.

 Dona Zulmira falava enquanto caminhavam. As meninas estão tomando café da manhã na cozinha. Devo alertá-la que elas são bem peculiares. Luía sorriu tranquilamente. Todas as crianças são peculiares à sua maneira, dona Zulmira. A governanta parou abruptamente, virando-se para encarar Luía.

 Seus olhos examinaram a jovem de cima a baixo, como se avaliasse suas chances de sobrevivência. Você não é daqui, é? Sou de Minas Gerais. Vim para o Rio há alguns anos. E já trabalhou com crianças difíceis? Trabalhei no projeto Novos Caminhos com crianças em situação de risco e dou aulas na escola dominical da minha igreja.

 Dona Zulmira a sentiu aparentemente satisfeita com a resposta, mas seu olhar ainda carregava dúvidas. Bem, nada do que você viveu antes a preparou para as quadrigémeas Nogueira. Espero sinceramente que você dure mais que a última babá. Ela ficou apenas dois dias. Antes que Luía pudesse responder, chegaram à espaçosa cozinha. Quatro meninas idênticas, com cabelos castanhos cacheados e grandes olhos azuis estavam sentadas ao redor da mesa de café da manhã.

 Ao verem Luía, interromperam instantaneamente a conversa, quatro pares de olhos, estudando-a com uma intensidade desconcertante. Meninas, esta é Luía Santos, a nova babá. Comportem-se, por favor. O tom de dona Zulmira não deixava dúvidas de que ela não esperava que tal pedido fosse atendido. Luía avançou com um sorriso genuíno. Bom dia, meninas.

 É um prazer conhecê-las. Por alguns segundos, nenhuma das quadrigémeas respondeu. Então, a que parecia mais desenvolta, levantou-se e estendeu a mão com uma formalidade quase cômica para uma criança de 7 anos. Sou Beatriz. Você é nossa nova babá número 13. Dizem que 13 é número de azar, acrescentou outra com um sorriso travesso. Essa é Bruna! Apresentou Beatriz.

 Aquela de camisa rosa é Bianca e a de Maria Chiquinha é Belisa. Luía apertou a pequena mão estendida e depois acenou para as outras. Estou muito feliz por conhecê-las e não acredito em sorte ou azar, apenas em propósitos. As meninas trocaram olhares rápidos, como se compartilhassem um segredo.

 Luía percebeu imediatamente a comunicação silenciosa entre elas, algo comum entre múltiplos e soube que já estavam planejando algo. Dona Zulmira já preparou seu quarto, continuou Beatriz subitamente prestativa. Quer que a gente mostre a casa? Dona Zulmira franziu o senho, desconfiada da súbita cordialidade. As meninas precisam ir para a escola em 20 minutos.

 Você pode conhecer a casa depois, Luía, mas podemos pelo menos mostrar o quarto dela”, insistiu Bruna com olhos inocentes. “É educado, não é?” A governanta suspirou, consultando o relógio. Tudo bem, mas sejam rápidas e nada de travessuras, estou avisando. As quadrigmeas saltaram das cadeiras com uma animação suspeita.

 Luía pegou sua mala e seguiu o quarteto pelo corredor. Observava fascinada como se moviam em perfeita sincronia, apesar das personalidades claramente distintas. Beatriz liderava falante e confiante. Bruna a seguia de perto, vibrante e impulsiva. Bianca, mais reservada, caminhava ligeiramente afastada, observando tudo.

 E Belisa, a menor delas, parecia constantemente distraída, olhando para todos os lados. “Você vai ficar no quarto ao lado do nosso”, explicou Beatriz enquanto subiam à escadaria. é o único que tem a porta azul. A babá número sete pediu para mudar de quarto porque disse que ouvia barulhos estranhos a noite”, comentou Bruna com um sorriso malicioso. E a número 10 achou uma tchaanha no travesseiro e nunca mais voltou, acrescentou Belisa, rindo.

 Luía manteve o sorriso tranquilo. Gosto de quartos com personalidade e aranhas são criaturas fascinantes, sabia? Elas tecem teias incríveis, sem ninguém ter ensinado. As meninas pareceram momentaneamente desconcertadas com a reação. Esperavam medo, não curiosidade. Ao chegarem ao quarto de porta azul, Beatriz abriu-a com um floreio exagerado. Voá, seu novo lar.

O quarto era espaçoso e elegantemente decorado, com uma cama queen size, armário amplo, escrivaninha e uma poltrona confortável próxima à janela que oferecia vista para o jardim dos fundos. Era, sem dúvida, mais luxuoso que qualquer lugar onde Luía já havia dormido. É lindo. Muito obrigada por me mostrarem. Você pode deixar suas coisas.

Vamos esperar no corredor para te mostrar onde fica o banheiro”, ofereceu Bruna com uma solicitude exagerada. As quatro saíram rapidamente fechando a porta. Luía ouviu seus sussurros e risadinhas do lado de fora, mas em vez de desconfiar, sorriu consigo mesma. Colocou a mala sobre a cama e a abriu para pegar a bíblia.

 segurava-a contra o peito quando notou algo estranho, um barbante fino e quase invisível esticado entre a porta e o armário, posicionado na altura perfeita para alguém tropeçar. Com calma, Luía se ajoelhou e desarmou a simples armadilha, enrolando o barbante. Em seguida, notou um balde pequeno estrategicamente posicionado no topo da porta entreaberta.

 Alcançou-o cuidadosamente, descobrindo que estava cheio de purpurina azul. Criativo”, murmurou colocando o balde sobre a mesa. “Muito criativo. Depois de verificar se não havia mais surpresas, Luía abriu a porta. As quatro meninas aguardavam no corredor. Expressões ansiosas que rapidamente se transformaram em desapontamento quando a viram sair completamente seca e sem nenhum pingo de purpurina.

 Estou pronta para conhecer o banheiro”, anunciou Luía, como se nada tivesse acontecido. “Como você?” Começou Bruna, mas foi interrompida por uma cutucada de Beatriz. “Por aqui”, disse a líder das quadrigêmeas, mal escondendo a frustração. Após um rápido tour pelas instalações, dona Zulmira apareceu no corredor. “Hora da escola, meninas.

 O motorista já está esperando, mas a gente nem mostrou a casa direito para a Luía, protestou Belisa. Vocês terão tempo depois, agora peguem suas mochilas. Contrariadas, as quadrigêmeas obedeceram. Antes de descer, Beatriz virou-se para Luía com um sorriso enigmático. Até mais tarde, babá número 13. Prepare-se para uma tarde divertida.

 Dona Zumira esperou que as meninas descessem para aproximar-se de Luía. Elas farmaram alguma para você, não foi? Um pequeno truque na porta, nada demais. A governanta balançou a cabeça impressionada. Você descobriu. Isso é incomum. Geralmente a primeira armadilha funciona. Cresci com três irmãos mais novos, dona Zmira. Conheço bem o repertório infantil de travessuras.

 A senhora suspirou e, por um momento, seu rosto severo suavizou-se. Esta casa já foi tão alegre, sabe? Antes de a dona Clarissa, bem, partir. Ela iluminava todos os ambientes. As meninas eram bebês, claro, mas o Senr. Ricardo era diferente. Sorria, brincava, vivia. Agora ele apenas existe. A perda muda as pessoas, respondeu Luía suavemente.

 Mas nada está perdido para sempre. Às vezes, só precisamos de ajuda para encontrar o que acreditamos ter perdido. Dona Zulmira estudou o rosto da jovem com renovado interesse. A agência disse que você tem um dom especial com crianças. Talvez seja disso que esta casa precise, um dom especial.

 Não tenho dons especiais, apenas paciência e a certeza de que cada criança, por trás de comportamentos difíceis, está apenas pedindo ajuda à sua maneira. A governanta assentiu lentamente. Bem, se quiser durar mais que as outras, vai precisar de mais que paciência. Precisará de estratégia. Ela consultou o relógio de pulso. Tenho que ir agora. As meninas voltam às 13. O almoço será servido às 3:30.

 Qualquer problema, meu número está na lista ao lado do telefone da cozinha. Após a partida da governanta e das meninas, Luía encontrou-se sozinha na imensa mansão. Decidiu usar o tempo para se familiarizar com o espaço. Enquanto percorria os cômodos, notava os sinais de uma casa que já fora feliz. Fotografias de momentos alegres em portaretratos caros.

 Brinquedos que demonstravam o amor e o cuidado de um pai que queria o melhor para suas filhas. Espaços que claramente haviam sido planejados para uma família unida. No entanto, também percebia a tristeza impregnada nas paredes. Espaços vazios onde fotos haviam sido retiradas, cômodos que pareciam intocados, como pequenos mausoléus de memórias dolorosas, e, principalmente, a evidente ausência da figura materna, um vazio que nenhum luxo poderia preencher.

 Na sala de estar, Luía parou diante de um grande retrato de família. Um Ricardo mais jovem e sorridente abraçava uma mulher lindíssima de cabelos loiros e olhos azuis intensos, os mesmos olhos que as quadrigêmeas haviam herdado. Clarissa Nogueira parecia irradiar vida mesmo na fotografia estática.

 “Eles precisam tanto de você”, sussurrou Luía para o retrato. “Mas enquanto não conseguem seguir em frente, estarei aqui para ajudar”. Continuando sua exploração, Luía chegou à cozinha, onde a equipe de limpeza trabalhava. A cozinheira, uma senhora simpática chamada Ivone, preparava o almoço enquanto conversava animadamente com suas ajudantes.

 “Ah, você deve ser a nova moça”, disse Ivone ao vê-la. “Seja bem-vinda, querida. Quer um café?” Luía aceitou a oferta, sentando-se à mesa enquanto observava o movimento. “Então, você é a corajosa que aceitou cuidar das pequenas pestinhas?”, comentou Ivone com um sorriso afetuoso. “Não me entenda mal.

 Adoro aquelas meninas, mas elas têm um talento especial para o caos. Elas parecem energéticas”, respondeu Luía diplomaticamente. Ivon riu enquanto servia o café. Energéticas é um eufemismo muito bonito, minha querida. Elas são um furacão categoria cinco, mas no fundo são apenas crianças tristes tentando chamar atenção. Luía assentiu tomando um gole do café forte.

 Perder a mãe tão cedo é uma dor que muitos adultos não conseguiriam processar. Pois é. E o Senr. Ricardo, coitado, tenta compensar com presentes e coisas caras, mas o que elas querem mesmo é a presença dele. Ele se afoga no trabalho para não enfrentar o luto, enquanto as pequenas gritam por atenção do único jeito que sabem. A conversa foi interrompida pelo toque do celular de Luía.

 Era a agência, verificando se estava tudo bem. Após a breve chamada, Luía decidiu preparar-se para a chegada das meninas. Tinha certeza de que a tarde seria, como Beatriz havia prometido, divertida. Às 13 em ponto, o som da van escolar estacionando anunciou o retorno das quadrigêmeas. Luía aguardava na entrada com um sorriso tranquilo.

 As quatro desceram do veículo como uma pequena tropa, carregando mochilas coloridas e conversando animadamente. “Olha, a 13 ainda está aqui”, comentou Bruna, parecendo genuinamente surpresa. “Achei que ela teria ido embora depois de encontrar a aranha de borracha na gaveta”, sussurrou Belisa, não tão discretamente quanto imaginava. Luía ampliou seu sorriso. Boa tarde, meninas.

 Como foi a escola? Normal, respondeu Beatriz claramente a porta-voz do grupo. Você achou nossa surpresa? Se está falando da aranha de borracha, achei. Coloquei-a na estante do meu quarto. Gostei dela. As quatro trocaram olhares desconcertados. Bianca, que raramente falava, finalmente se pronunciou com voz suave.

 Você não teve medo de uma aranha de borracha? Não, aranhas reais também não me assustam. Na fazenda dos meus avós em Minas, aprendi a respeitar todos os bichos. Você morou numa fazenda? Perguntou Belisa, subitamente interessada. Com animais de verdade? Sim, vacas, galinhas, cavalos, cabras e muitos cachorros. Um brilho genuíno de curiosidade apareceu nos olhos das quatro.

 “Podemos falar sobre isso depois do almoço?”, continuou Luía. Agora, que tal trocarem o uniforme? Ivone preparou uma comida deliciosa. Para sua surpresa, as meninas obedeceram sem protestar. Enquanto subiam às escadas, Luía notou os olhares rápidos que trocavam. Um novo plano estava sendo elaborado e ela estava curiosa para descobrir qual seria.

 O almoço transcorreu relativamente tranquilo. As quadrigmeas lançavam olhares conspiratórios umas às outras, mas mantinham uma conversa educada. Luía percebeu que estavam avaliando-a, tentando encontrar fraquezas e isso a divertia internamente. Já havia enfrentado situações muito mais desafiadoras que quatro meninas de 7 anos, por mais espertas que fossem.

 O que faremos depois do almoço? perguntou Beatriz, aparentemente inocente. Pensei em conhecer melhor a rotina de vocês, o que normalmente fazem neste horário. Temos tempo livre até às 4. Depois fazemos lição de casa, informou Bianca, a mais responsável. E que tal se hoje fizéssemos algo diferente? Vocês poderiam me mostrar a casa e o jardim, contar histórias sobre os lugares favoritos? Podemos mostrar o laboratório secreto onde fazemos experiências? exclamou Belisa, entusiasmada.

“Xi” Beatriz lançou um olhar reprovador à irmã. Era para ser surpresa. Luía fingiu não notar o óbvio plano em andamento. “Adoraria ver esse laboratório. Sempre gostei de ciências.” Após o almoço e uma breve pausa para o descanso, as quadrigêmeas praticamente arrastaram Luía para a área de lazer da mansão.

 O chamado laboratório era, na verdade, um espaço na área de serviço, atrás da lavanderia, que elas haviam improvisado com baldes, potes vazios e utensílios emprestados da cozinha. Aqui fazemos nossas misturas”, explicou Bruna orgulhosamente, mostrando potes etiquetados com nomes como Poção do Desastre e Lodo Pegajoso. “Muito impressionante”, comentou Luía sinceramente.

 “A criatividade delas era notável. “Quer ver como funciona?”, perguntou Beatriz com um brilho travesso no olhar. Claro, seria educativo. As meninas rapidamente começaram a reunir ingredientes: farinha, corante alimentício, detergente, bicarbonato de sódio. Luía observava atentamente, percebendo o plano informação. Estavam preparando uma mistura que certamente resultaria em uma grande bagunça pegajosa.

 E agora adicionamos o ingrediente secreto”, anunciou Beatriz dramaticamente, segurando um frasco de vinagre. “Interessante”, comentou Luía calmamente. “Vocês sabem o que acontece quando misturamos vinagre com bicarbonato?” Uma explosão!”, exclamou Belisa, pulando de empolgação. “Na verdade, é uma reação química fascinante.

 O bicarbonato é uma base e o vinagre é um ácido. Quando se encontram, liberam dióxido de carbono, aquelas bolhinhas que parecem uma pequena explosão.” As meninas pareceram momentaneamente surpresas com a explicação científica. “Você sabe sobre ciência?”, perguntou Bianca intrigada. um pouco. Gosto muito de aprender coisas novas.

 Luía sorriu e, para espanto das quadrigémeas, pegou o frasco de vinagre. Vamos ver essa reação juntas, mas antes, que tal colocarmos a mistura em algo que contenha melhor as bolhas? Como esse pote maior? Desconcertadas com a participação entusiasmada da babá em sua armadilha, as meninas concordaram. Em vez do desastre pegajoso que planejavam, acabaram criando um experimento controlado e genuinamente interessante. “Ua! Olha quantas bolhas!”, exclamou Belisa, encantada.

“Podemos colorir a espuma?”, perguntou Bruna, já alcançando o corante vermelho. “Claro. E depois podemos tentar com cores diferentes e ver o que acontece quando misturamos.” Por quase uma hora, Luía e as quadrigêmeas conduziram diversos experimentos, cada um mais colorido que o anterior, o que começara como uma tentativa de sabotagem, transformou-se numa divertida aula de ciências improvisada.

 Quando finalmente terminaram, as mãos das cinco estavam tingidas de várias cores, mas a área estava surpreendentemente limpa. Luía havia sutilmente ensinado as meninas a organizar cada etapa antes de passar a seguinte. “Isso foi divertido”, admitiu Beatriz, parecendo genuinamente surpresa com o fato. “Podemos fazer de novo amanhã?”, perguntou Belisa, esperançosa.

Claro, e podemos tentar outros experimentos também. Conhecem o slime caseiro? Quatro rostos iluminaram-se com a perspectiva. O restante da tarde transcorreu de maneira semelhante. As quadrigémeas tentaram mais duas armadilhas, sal no lugar do açúcar para o lanche e um balde de água sobre a porta do banheiro.

 Em ambas as ocasiões, Luía não apenas evitou as armadilhas, mas transformou-as em momentos de aprendizado e diversão. Quando chegou a hora da lição de casa, as meninas estavam significativamente mais receptivas, embora ainda cautelosas. Luía ajudou-as com os deveres escolares, mostrando paciência infinita com as dificuldades de concentração de Bruna e incentivando discretamente a participação da tímida Bianca.

 À noite, enquanto as preparava para dormir, Luía percebeu uma mudança sutil no comportamento das quadrigmeas. Elas ainda planejavam travessuras, mas havia um novo elemento em suas interações. Curiosidade genuína sobre a nova babá que parecia imune à suas táticas habituais. “Você vai contar para o papai sobre nossas brincadeiras?”, perguntou Beatriz enquanto escovava os dentes.

 “O que você acha? Devo contar?” A menina refletiu por um momento. “Talvez não.” Ele ficaria chateado. Acho que o que importa não são as brincadeiras em si. Mas a intenção por trás delas. Por que vocês fazem isso com as babás? A pergunta pegou Beatriz desprevenida. Ela enxaguou a boca antes de responder.

 Porque elas não gostam realmente de nós, só fingem. Luía assentiu compreensivamente. E como vocês sabem que elas apenas fingem? Dá para ver nos olhos delas. Quando a gente faz bagunça, elas ficam com raiva de verdade. Se gostassem da gente, não ficariam. A sinceridade da resposta tocou Luía profundamente. Por trás das travessuras havia uma estratégia infantil, mas profundamente lógica, testar os limites do amor e da aceitação.

 Sabe, às vezes as pessoas podem ficar frustradas ou até com raiva e ainda assim amar muito. Sentimentos complicados podem existir ao mesmo tempo. Beatriz parecia considerar a ideia enquanto as outras terminavam sua higiene noturna. Quando todas estavam em suas camas, Beliza fez um pedido inesperado. Conta uma história. A babá número oito contava histórias legais. Claro.

 Que tipo de história vocês gostariam de ouvir? Uma de princesa, sugeriu Bianca timidamente. Não, uma de aventura, contestou Bruna. Que tal uma história com princesas aventureiras? propôs Luía. Conhecem a história das quatro princesas guardiãs? Quatro cabeças balançaram negativamente, olhos súbita e genuinamente interessados. Era uma vez quatro princesas e irmãs gêmeas, cada uma com um dom especial.

 Luía iniciou uma história improvisada sobre quatro irmãs mágicas que protegiam seu reino. Nas entrelinhas da narrativa, incluiu sutilmente mensagens sobre cooperação, aceitação da dor e o valor da família. Quando terminou, as meninas já estavam sonolentas, mas visivelmente encantadas. “Amanhã você conta mais”, pediu Beliza bocejando. Prometo.

 Agora, hora de dormir. Uma a uma. Luía cobriu as meninas e desejou-lhes boa noite. Quando estava prestes a sair do quarto, a voz de Bianca, normalmente tão silenciosa, a deteve. Luía? Sim, querida. Você vai embora como as outras? A pergunta tão simples e direta carregava o peso de tantas partidas anteriores, de tantos adultos que não conseguiram lidar com quatro crianças em luto.

 “Não estou planejando ir a lugar algum”, respondeu Luía suavemente. “Estarei aqui quando vocês acordarem amanhã, prometo.” Apagando a luz principal, deixando apenas o abajur aceso, Luía fechou parcialmente a porta. No corredor, permitiu-se um momento de reflexão sobre o dia desafiador. As quadrigêmeas eram exatamente como a agência havia descrito, destrutivas, difíceis, desafiadoras.

Mas ela também via o que outros talvez não tivessem percebido. Eram crianças assustadas, testando os limites não por maldade, mas por medo de mais abandono. Em seu quarto, Luía abriu sua Bíblia gasta, encontrando conforto nas palavras sublinhadas anos atrás. Seu coração dizia que estava exatamente onde deveria estar, e isso lhe dava uma sensação de propósito que nem mesmo a aranha de verdade, não de borracha, que as meninas haviam colocado em seu travesseiro, poderia abalar. Com um sorriso, Luía gentilmente pegou a

aranha e a levou até a janela, libertando-a no jardim. Boa noite, pequena criatura. E boa noite, meninas que estão espiando pela fresta da porta. Amanhã será um novo dia. Do corredor ouviu-se o som de risadinhas rapidamente silenciadas e passos apressados voltando para o quarto das crianças. Na manhã seguinte, Luía acordou antes do amanhecer, um hábito que mantinha desde a infância na fazenda dos avós.

 O silêncio da mansão era quase palpável, um contraste marcante com o caos do dia anterior. Aproveitou este momento de quietude para sua devocional matinal, lendo algumas passagens de sua Bíblia desgastada e orando em silêncio. Guia meus passos hoje, Senhor. Ajude-me a ser luz para estas crianças.

 Quando terminou, os primeiros raios de sol começavam a iluminar o quarto. Luía decidiu preparar uma surpresa para as meninas. Dirigiu-se à cozinha, onde encontrou Ivone já iniciando seu trabalho. Bom dia, querida. Madrugou hoje, hein? Sempre acordo cedo. Posso usar a cozinha para preparar algo especial para o café da manhã das meninas? Ivone abriu um sorriso caloroso. Claro que pode. O que tem em mente? Panquecas em formato de animais.

Era o que minha mãe fazia quando eu estava triste. A cozinheira assentiu com aprovação. As pequenas vão adorar. Deixa eu te ajudar. Juntas prepararam uma massa leve e separaram corantes naturais para criar panquecas coloridas. Luía revelou um talento surpreendente para moldar a massa na frigideira, criando formas reconhecíveis de bichinhos.

 Quando terminou, havia um zoológico comestível de elefantes, leões, girafas e tartarugas, todos coloridos e decorados com frutas frescas. “Onde aprendeu a fazer isso?”, perguntou Ivone, impressionada. “Minha mãe me ensinou e depois eu fazia para meu irmão caçula, que era muito exigente com comida. Às 7 em ponto, Luía subiu para acordar as quadrigêmeas. Ao abrir a porta do quarto, encontrou uma cena que a fez sorrir.

 As quatro estavam dormindo juntas na mesma cama, a de Bianca, abraçadas como filhotes. Naquele momento de vulnerabilidade, pareciam exatamente o que eram. Crianças pequenas, buscando conforto umas nas outras. Bom dia, princesas, chamou Luía suavemente. Hora de acordar.

 Beatriz foi a primeira a abrir os olhos, piscando confusa por um instante, antes de adotar sua habitual expressão alerta. “Você ainda está aqui?”, constatou, como se estivesse genuinamente surpresa. “Prometi que estaria, não foi?” Uma a uma. As outras meninas despertaram, olhando para Luía, com expressões variadas de desconfiança e curiosidade. Preparei uma surpresa para o café da manhã. Mas primeiro precisamos nos arrumar para a escola.

 Para seu espanto, as quadrigêmeas obedeceram sem resistência, talvez motivadas pela curiosidade sobre a surpresa mencionada. Em tempo recorde, estavam prontas e descendo para a cozinha, onde o festim colorido as aguardava. “Uau!”, exclamou Belisa, os olhos arregalados. “São panquecas de bichos! Nunca vi panquecas assim”, admitiu Bianca. um raro sorriso formando-se em seu rosto.

 “Podem escolher os animais que quiserem”, ofereceu Luía. “Tem mel, calda de chocolate e frutas para acompanhar.” As meninas atacaram o café da manhã com entusiasmo infantil genuíno. Luía observava satisfeita enquanto conversavam animadamente sobre qual animal era o mais bonito e qual comeriam primeiro. “Você fez isso tudo sozinha?”, perguntou Bruna com a boca cheia de panqueca roxa.

Ivone me ajudou e pensei que poderíamos fazer juntas algum dia. É divertido criar os formatos. Podemos fazer dinossauros? Perguntou Beatriz. Claro, dinossauros são ótima ideia. O café da manhã transcorreu em clima leve, quase normal.

 Quando o motorista chegou para levá-las à escola, as meninas se despediram com menos resistência que no dia anterior. “Vamos continuar nossa história de princesas hoje à noite?”, perguntou Belisa na porta. “Com certeza. E elas terão uma nova aventura”. Após a partida das quadrigmeas, Luía dedicou-se a conhecer melhor a casa e sua rotina. Conversou longamente com dona Zulmira sobre os hábitos da família, as necessidades específicas das meninas e a estrutura da propriedade.

 “Elas se comportaram bem no café da manhã”, comentou a governanta surpresa. “Geralmente é uma guerra. Crianças respondem bem à novidade e à atenção genuína”, respondeu Luía. “O desafio é manter essa conexão quando a novidade passar”. Amanhã transcorreu tranquila. Luía organizou o quarto das meninas, observando atentamente os detalhes pessoais que revelavam suas personalidades distintas.

 A Estante de Beatriz cheia de livros de aventura, Os desenhos Meticulosos de Bianca, A coleção de pedras e conchas de Bruna, os bichinhos de pelúcia cuidadosamente alinhados de Beliza. Em uma gaveta encontrou fotografias da mãe delas, algumas escondidas como tesouros preciosos. Em outra, descobriu cartinhas escritas com letra infantil, endereçadas a mamãe no céu.

 O coração de Luía apertou-se, recolocou tudo exatamente como estava, respeitando aquele santuário de memórias. Depois explorou outras áreas da casa, sempre conversando com os funcionários, buscando entender a dinâmica daquele lar fraturado. Todos falavam com carinho das meninas, apesar do comportamento difícil e com respeito por Ricardo, embora notassem seu afastamento emocional desde a perda da esposa.

 No meio da tarde, as quadres gêmeas retornaram da escola com a energia típica de crianças que passaram horas contidas em sala de aula. Para a surpresa de Luía, não havia sinais imediatos de novas armadilhas. Em vez disso, vinham carregadas de ideias para os experimentos prometidos. “Trouxemos materiais da aula de ciências”, anunciou Beatriz, mostrando uma sacola cheia de tubos de ensaio de plástico, luvas descartáveis e óculos de proteção infantis.

 “A professora deixou a gente trazer depois que contamos sobre nosso laboratório”, explicou Bruna. E eu peguei emprestado o livro de experiências da biblioteca”, acrescentou Bianca, mostrando um colorido manual de ciências para crianças. Luía sorriu genuinamente emocionada com o entusiasmo delas. “Isso é maravilhoso, meninas.

 Que tal fazermos a lição de casa primeiro e depois termos uma tarde inteira de experimentos?” Para seu espanto, não houve protestos. As quadrigêmeas rapidamente organizaram-se na mesa da sala de estudos, determinadas a terminar logo os deveres. Luía ajudou-as pacientemente, percebendo que, apesar das dificuldades comportamentais, eram meninas inteligentes e curiosas. A tarde transformou-se em uma sessão divertida de experiências científicas.

Fizeram slime colorido, vulcões de bicarbonato, cristais de sal e até uma pequena horta em potes de vidro. As meninas estavam tão envolvidas que mal notaram as horas passarem. Durante um momento de pausa, enquanto observava as quatro concentradas em decorar seus potes de cristalização, Luía percebeu algo importante.

 Por algumas horas, não estavam tentando testar seus limites ou afugentá-la. Estavam apenas sendo crianças, vivenciando a alegria da descoberta. Ivone, que ocasionalmente espiava a atividade, puxou Luía discretamente para um canto. Em três anos, nunca vi elas assim tão normais. O que você fez? Nada especial. Só dei espaço para elas serem quem são, sem expectativas. A cozinheira balançou a cabeça, impressionada. Bem, seja lá o que esteja fazendo, continue. É um milagre.

 O jantar foi tranquilo, com as quadrigêmeas animadamente relatando cada experimento realizado. Depois, Luía supervisionou o banho, uma operação que, segundo dona Zulmira, geralmente resultava em um banheiro inundado, e conseguiu conduzir o processo com surpreendente eficiência.

 Na hora de dormir, como prometido, continuou a história das princesas guardiãs. Desta vez, porém, notou algo diferente. As meninas começavam a se identificar com as personagens, cada uma escolhendo sua favorita. “Eu sou como a princesa do fogo”, declarou Bruna, corajosa e rápida.

 “E eu sou a princesa da terra”, disse Beatriz, “a líder que cuida de todas.” Eu gosto da princesa da água”, murmurou Bianca. “Ela é quietinha, mas forte. E eu sou a princesa do ar”, completou Belisa, que voa e sonha. Luía sorriu, percebendo como a história estava se tornando uma ferramenta para elas expressarem suas próprias identidades. Quando terminou o capítulo da noite, todas estavam sonolentas, mas satisfeitas.

 “Amanhã tem mais?”, perguntou Belisa, já bocejando. Claro que sim. As princesas ainda têm muitas aventuras pela frente. Depois de apagar as luzes, Luía fez sua ronda noturna pela casa, verificando se tudo estava em ordem. Na sala de estar, parou novamente diante do retrato de Clarissa Nogueira.

 Havia algo no sorriso daquela mulher que transmitia paz e alegria, qualidades que pareciam ter abandonado aquela casa após sua partida. Suas filhas são incríveis”, sussurrou para o retrato. “Fortes como você deve ter sido.” Naquela noite, Luía dormiu tranquilamente. Pela primeira vez desde sua chegada, não houve tentativas de pregar peças durante a madrugada.

 As quadrigêmeas, exaustas das atividades do dia, haviam adormecido rapidamente. No entanto, a paz estava prestes a ser interrompida. Na mesma noite, a quilômetros dali, em um hotel de Du Luxo em Brasília, Ricardo Nogueira observava a cidade iluminada pela janela de sua suí.

 Em suas mãos segurava um copo de whisky e o celular, que acabara de trazer notícias desagradáveis. A negociação pela qual viajara, um contrato milionário para a construção de um complexo comercial, havia desmoronado inesperadamente. “Como assim desistiram?”, perguntou ao telefone a voz tensa. Ontem tudo estava praticamente acertado.

 Receberam uma oferta melhor da construtora Álvares, explicou Denise do outro lado da linha. Aparentemente cortaram 15% do orçamento original. Impossível. Para cortar esse valor, teriam que usar materiais de qualidade inferior ou pagar propina para evitar algumas taxas. Provavelmente ambos, respondeu a secretária com pragmatismo. Quer que eu agende uma nova reunião para tentar reverter? Ricardo bebeu o último gole de whisky, sentindo o líquido queimar sua garganta. Não.

 Se é assim que fazem negócios, não estou interessado. Prepare os documentos para nossa retirada formal da concorrência. Cite explicitamente nossas preocupações com a integridade do processo. Vai causar um rebuliço. Os alvarés têm conexões políticas. Pouco me importa. Não comprometo a qualidade nem meus princípios.

 Após desligar, Ricardo serviu-se de mais uma dose, contemplando as luzes da capital federal. Esta viagem havia sido um desperdício de tempo, tempo que poderia ter passado com suas filhas. A culpa, companheira constante dos últimos três anos, apertou seu peito.

 Elas precisam de você e você está aqui perseguindo contratos”, murmurou para si mesmo. Uma súbita onda de saudade o atingiu. Pegou o telefone e ligou para casa, mas ninguém atendeu. Provavelmente já estavam todas dormindo. Verificou as horas, quase 11 da noite, tomou uma decisão impulsiva. Fernando, aqui é Ricardo. Preciso que prepare o jato. Voltamos para o rio ainda esta noite. Senhor, já é tarde.

 Podemos sair amanhã cedo e não, Fernando. Quero voltar agora. Providencie. Uma hora depois o jato particular da Nogueira Construções decolava do aeroporto de Brasília. Ricardo recostou-se na poltrona de couro, exausto, mas determinado a chegar em casa o quanto antes. Sentia um inexplicável aperto no peito, como se algo o chamasse de volta.

 “Mais alguma instrução, senhor?”, perguntou Fernando, que acumulava as funções de motorista e assistente pessoal. “Não avise ninguém em casa. Quero fazer uma surpresa para as meninas”. Na manhã seguinte, na mansão Nogueira, Luía acordou com o som de risadas vindo do corredor. Consultou o relógio. 615. Ainda era cedo para as quadrigêmeas estarem de pé.

 Intrigada, levantou-se e abriu a porta do quarto. As quatro, ainda de pijamas, estavam ajoelhadas em frente ao quarto, cercadas por materiais de artesanato. Trabalhavam concentradas em algo que parecia uma placa colorida. Bom dia, meninas. acordaram cedo hoje. As quadrigêmeas sobressaltaram-se rapidamente tentando esconder o projeto. “É uma surpresa”, exclamou Beliza.

 “Você não pode ver ainda, Beliza?” Repreendeu Beatriz. “Era para ser segredo.” “Desculpa”, murmurou a menor, encolhendo os ombros. Luía sorriu entrando no jogo. “Tudo bem, não vou olhar. Vou descer e preparar o café enquanto vocês terminam sua coisa secreta. Não, espera. Bruna se levantou. A gente já terminou. Olha com orgulho.

 As quatro ergueram a criação. Uma placa colorida de cartolina decorada com glitter, adesivos e desenhos feitos à mão. Nela estava escrito em letras irregulares. Quarto da tia Luía, nossa família. É para colocar na sua porta, explicou Bianca timidamente, igual a gente tem nas nossas. Para você ficar para sempre. acrescentou Belisa. Luía sentiu os olhos encherem-se de lágrimas.

 Era um gesto simples, infantil até, mas carregado de significado. Aquelas meninas que haviam expulsado 12 babás antes dela, estavam oferecendo um lugar permanente em suas vidas. “É lindo”, disse a voz embargada. “Posso dar um te abraço em vocês?” As quadrigmeas hesitaram por um instante.

 Demonstrações físicas de afeto não pareciam comuns em sua rotina, mas logo se lançaram em seus braços. Por vários segundos, Luía assegurou as quatro meninas em um abraço coletivo, sentindo o calor e a confiança que começavam a depositar nela. “Vamos colocar na porta”, sugeriu Beatriz, sempre prática. Trouxemos fita adesiva. Juntas fixaram a placa colorida na porta azul.

 Depois, por sugestão de Luía, tiraram uma selfie ao lado da criação. A primeira foto das cinco juntas. Agora somos oficialmente uma família, perguntou Belisa, esperançosa. A pergunta pegou Luía de surpresa. Como responder sem criar expectativas irreais? Famílias vêm em muitos formatos, Beliza. O que importa é o amor e o cuidado que temos uns pelos outros.

 E sim, enquanto estiver aqui, somos uma família do nosso jeito especial. As meninas pareceram satisfeitas com a resposta. Animadas com o sucesso de sua surpresa, concordaram rapidamente em se arrumarem para o café da manhã. O clima na casa era de alegria genuína. Algo raro nos últimos anos, como Ivone comentaria mais tarde. Durante a manhã seguiram a rotina estabelecida no dia anterior.

 Café da manhã criativo, desta vez sanduíches em formato de carinhas, preparação para a escola e despedidas significativamente mais afetuosas que nos dias anteriores. “Volta logo, tia Luía!”, gritou Belisa da janela da van escolar, agitando freneticamente a mão. As outras três imitaram o gesto, ainda que Bianca o fizesse com mais reserva.

 “Estarei esperando”, prometeu Luía acenando de volta. Amanhã transcorreu tranquilamente. Luía aproveitou para se aprofundar na organização do quarto das meninas, um projeto que havia iniciado no dia anterior. Não queria alterar demais o espaço delas, apenas trazer alguma ordem funcional. Enquanto trabalhava, encontrou mais evidências do luto silencioso que permeava aquela casa.

 Desenhos da mãe guardados em pastas, cartões de melhoras feitos à mão, listas infantis de coisas para fazer quando mamãe voltar. Ao meio-dia estava terminando de organizar uma estante de livros quando ouviu o som de um carro estacionando na entrada. Olhou pela janela, surpresa ao ver uma limusine preta. Não era hora de as meninas voltarem e não esperava visitas. desceu para verificar, encontrando dona Zulmira no hall de entrada, igualmente confusa. Quem será? O Sr.

 Ricardo só volta sexta-feira. Antes que pudessem especular mais, a porta da frente abriu-se. Ricardo Nogueira entrou, a aparência cansada de quem havia viajado a noite toda. Por um momento, ele parou na entrada, claramente não esperando encontrar uma estranha em sua casa. “Bom dia.

 Quem é você?”, perguntou diretamente, o tom não hostil, mas certamente reservado. Bom dia, senor Nogueira. Sou Luía Santos, a nova babá das meninas. Ah, sim. Ele pareceu lembrar-se. A agência mencionou. Não esperava voltar e encontrá-la ainda aqui. O comentário poderia soar ofensivo, mas seu tom era mais de surpresa genuína do que de crítica.

 Senhor Ricardo, dona Zulmira aproximou-se. Não esperávamos o senhor até sexta. Houve uma mudança de planos. Ele entregou a maleta e o casaco à governanta. A negociação fracassou. Como estão as meninas? Estão bem na escola agora? Respondeu dona Zulmira. Voltam às R$ 13. Ótimo. Vou tomar um banho e descansar um pouco.

 Quero fazer uma surpresa para elas. Ricardo dirigiu um último olhar avaliativo a Luía. antes de subir as escadas. Não era um homem de muitas palavras, especialmente com funcionários novos, que em sua experiência raramente duravam mais que alguns dias. Luía respirou fundo. O breve encontro havia sido tenso, mas compreensível.

 Afinal, ela era apenas mais uma em uma longa lista de babás passageiras do ponto de vista dele. Não leve para o lado pessoal, aconselhou dona Zulmira quando ficaram sozinhas. Ele é assim desde que a dona Clarissa se foi. Antes era o homem mais gentil e sociável do mundo. Entendo perfeitamente. Vou preparar o quarto dele e providenciar um almoço especial.

 Você pode receber as meninas quando voltarem. Acho melhor não mencionar que o pai está em casa. Deixe que seja surpresa. Luía concordou, retornando às suas tarefas enquanto processava o encontro. Ricardo Nogueira não era como havia imaginado. Apesar do cansaço evidente, notou uma dignidade em sua postura, uma profundidade em seu olhar, que falava de alguém que carregava muito mais do que o peso de um império empresarial.

 Por volta das 13 Hares, as quadrigémeas retornaram tão animadas quanto haviam partido. Vinham conversando sobre a peça escolar para a qual haviam sido selecionadas. Todas interpretariam flocos de neve, o que achavam hilárias considerando o calor do Rio de Janeiro. “Tia Luía, adivinha só? A gente vai ser neve”, anunciou Belisa, pulando de empolgação enquanto entrava.

Isso é maravilhoso. Vocês serão os flocos de neve mais lindos do Brasil. Temos que fazer nossas fantasias”, explicou Beatriz. A professora pediu para os pais ajudarem. Uma sombra passou pelo rosto de Luía. Sabia que este país genérico representava um desafio específico para as quadrigêmeas.

 “Tenho certeza que podemos criar fantasias incríveis juntas”, respondeu com entusiasmo. “E talvez possamos pedir ajuda ao seu pai também.” Ele nunca tem tempo”, respondeu Bruna com um dar de ombros resignado. “Mas tudo bem, a gente está acostumada. Falando em pai de vocês”, começou Luía, mas foi interrompida pelo som de passos na escadaria. As quatro meninas viraram-se simultaneamente, os olhos arregalados ao verem Ricardo descendo.

 Por um instante, todos congelaram, o pai, as filhas, Luía. Então, como uma represa rompendo, as quadr gêmeas correram em direção a ele, gritando de alegria: “Papai, você voltou antes!” “Que saudade! Por que não avisou? Trouxe presentes?” Ricardo ajoelhou-se, tentando abraçar as quatro ao mesmo tempo.

 Uma tarefa impossível, mas comovente em sua intenção. Luía observava discretamente, notando a mistura de alegria e desconforto no rosto do homem. Era evidente que amava profundamente suas filhas, mas também que não sabia exatamente como demonstrar isso. “Surpresa!”, disse ele finalmente. “Decidi voltar antes para passar mais tempo com vocês.

” “Verdade?”, perguntou Bianca, a desconfiança natural em sua voz. “Não vai para o escritório hoje?”, a pergunta inocente claramente atingiu Ricardo, revelando um padrão familiar. Até suas surpresas muitas vezes terminavam com ele indo trabalhar. Não, princesa, hoje sou todo de vocês. As meninas trocaram olhares incrédulos antes de explodirem em nova onda de entusiasmo.

 Começaram a falar todas ao mesmo tempo, contando sobre a escola, os experimentos científicos, a peça de teatro e, para a surpresa de Luía, a tia mais legal do mundo. Ela faz panquecas de bicho, papai, e não fica brava quando a gente faz bagunça e sabe contar histórias de princesas guerreiras. E agora ela é da família.

 Olha, Beliza puxou a manga do pai, arrastando-o para ver a placa na porta do quarto de Luía. Ricardo, momentaneamente sobrepujado pelo entusiasmo das filhas, lançou um olhar curioso para Luía, que permanecia discretamente afastada. Havia uma pergunta silenciosa em seus olhos, um espanto genuíno diante da evidente conexão que aquela estranha havia estabelecido com suas filhas em apenas dois dias.

 Por que não vão guardar suas mochilas enquanto converso com a tia Luía?”, sugeriu ele, testando o apelido com evidente estranheza. As meninas obedeceram relutantemente, subindo as escadas enquanto continuavam a tagarelar entre si. Quando ficaram sozinhos no hall, Ricardo virou-se para Luía. Parece que você conquistou minhas filhas em tempo record, senorita Santos.

 Não fiz nada especial, Sr. Nogueira, apenas as tratei como o que são crianças maravilhosas, lidando com sentimentos muito complexos. Ricardo estudou-a com mais atenção. Luía era jovem, não devia ter mais de 28 anos, mas seus olhos castanhos emanavam uma sabedoria tranquila que parecia deslocada para sua idade.

 Não era convencionalmente bonita, mas havia algo em sua presença que transmitia calor e segurança. 12 babás profissionais tentaram e falharam. O que você fez diferente? Luía considerou a pergunta por um momento. Talvez eu não tenha tentado consertá-las. Crianças não precisam ser consertadas, Sr. Nogueira.

 Precisam ser compreendidas. A resposta direta pareceu surpreender Ricardo. Ele abriu a boca para replicar, mas foi interrompido por Belisa, que disparou escada abaixo. Papai, papai, vem ver nosso laboratório de ciências. A gente fez experimentos incríveis com a tia Luía. Ricardo lançou um último olhar intrigado para Luía antes de ser arrastado pela filha.

 A conversa teria que esperar, mas uma coisa estava clara. Esta babá era diferente e talvez pela primeira vez em três anos suas filhas pareciam felizes. À tarde, uma cena incomum se desenrolou na mansão Nogueira. No Jardim dos Fundos, Ricardo sentou-se com as quadrigêmeas, ajudando-as a plantar sementes em pequenos vasos que haviam decorado no dia anterior com Luía.

 Era uma atividade simples, mas significativa. O tipo de momento familiar que havia se tornado raro. Papai, olha como a tia Luía amarra o cabelo quando vai mexer com terra”, comentou Belisa, tentando imitar o rabo de cavalo prático que a babá havia feito. “É para não sujar o cabelo, espertinha”, explicou Bruna.

 Luía observava a cena da varanda, mantendo uma distância respeitosa. Esta era uma oportunidade rara para pai e filhas reconectarem-se e não queria interferir. No entanto, Ricardo frequentemente olhava em sua direção, como se buscasse aprovação ou orientação. Um homem claramente desconfortável em seu papel paterno, apesar do amor evidente pelas filhas. Quando o sol começou a se pôr, Ivone chamou todos para o jantar.

 A refeição foi animada com as quadrigêmeas dominando a conversa, contando ao pai todas as aventuras dos últimos dias. Ricardo ouvia com atenção genuína, fazendo perguntas e rindo das histórias, principalmente aquelas envolvendo as tentativas frustradas de assustar a nova babá.

 “Ela nem ficou brava quando colocamos sal no açucareiro””, contou Bruna entre risadas. Na verdade, interveio Luía com um sorriso. Aproveitei para ensinar sobre reações químicas e porque açúcar e sal parecem iguais, mas tem composições diferentes. Ela transforma tudo em aula, papai, explicou Beatriz, surpreendentemente, sem ressentimento na voz.

 Mas é divertido. Após o jantar, enquanto as meninas tomavam banho, supervisionadas por dona Zulmira, Ricardo convidou Luía para uma conversa em seu escritório. O ambiente, dominado por móveis escuros e estantes de livros refletia a personalidade reservada do empresário. “Aceita um café?”, ofereceu ele, indicando uma poltrona. “Sim, obrigada.

” Enquanto servia duas xícaras, Ricardo organizava visivelmente seus pensamentos. Senhorita Santos, pode me chamar de Luía, por favor? Luía? Ele assentiu. Confesso que estou intrigado. Minhas filhas são crianças desafiadoras, como sabe, são crianças que enfrentaram uma perda profunda em idade muito tenra, Senr.

 Nogueira, seu comportamento é uma resposta natural ao trauma. Ricardo parou com a xícara a meio caminho da boca, claramente surpreso com a franqueza. Você tem formação em psicologia? Pedagogia, com especialização em educação infantil, mas também trabalhei com crianças em situações de luto e abandono. Ele bebeu um gole de café, processando a informação. A agência não mencionou esses detalhes.

 Disse apenas que você tinha um dom especial para crianças difíceis. Luía sorriu suavemente. Não acredito em dons especiais, Sr. Nogueira. Acredito em paciência, compreensão e, acima de tudo, presença autêntica. Suas filhas são extremamente perceptivas. Elas sabem quando alguém está apenas fingindo se importar.

 E você se importa genuinamente? A pergunta veio direta, quase desafiadora. Sim, desde o primeiro momento. Ricardo estudou-a por vários segundos, como se tentasse decifrar um quebra-cabeças particularmente desafiador. Por quê? A simplicidade da pergunta contrastava com sua profundidade. Luía tomou um momento antes de responder: “Porque entendo o que é sentir um vazio que parece impossível de preencher.

 E porque acredito que toda criança merece ser vista, realmente vista, por quem ela é, não pelo comportamento que apresenta quando está sofrendo.” Algo na resposta pareceu atingir Ricardo profundamente. Ele desviou o olhar, fixando-o na fotografia de Clarissa, que mantinha na mesa.

 “Elas sentem falta dela todos os dias”, disse finalmente a voz baixa, “Assim como eu.” “É claro que sentem e sempre sentirão de alguma forma. O amor verdadeiro não desaparece, Senr. Nogueira, ele se transforma.” Ricardo voltou a encará-la. Uma vulnerabilidade incomum em seus olhos. Como você lida tão bem com isso? Com o luto delas? Talvez porque não tento fazê-las superar.

 Apenas ofereço um espaço seguro para que sintam o que precisam sentir quando precisam sentir. A conversa foi interrompida por batidas na porta. Era Belisa, já de pijama, os cabelos ainda úmidos do banho. Papai, tia Luía, a gente pode ouvir a história das princesas agora. Ricardo olhou para Luía interrogativo. É uma história que comecei a contar para elas ontem. explicou ela.

 Sobre quatro princesas e irmãs com poderes mágicos. Podemos, papai, por favor? Você também vai gostar. O pedido ansioso de Belisa era impossível de recusar. Ricardo sorriu, um sorriso genuíno que iluminava seu rosto cansado. Claro, princesa. Vamos ouvir essa história. No quarto das meninas, uma cena inédita se formou.

 as quadrigêmeas acomodadas em suas camas, Ricardo sentado na poltrona ao lado e Luía no centro, narrando a continuação da história das quatro princesas guardiãs. A novidade era a presença do pai, que observava com fascínio não apenas a história criativa, mas principalmente a reação entusiasmada das filhas, algo que não testemunhava há muito tempo.

 Quando Luía encerrou o capítulo da noite, deixando as princesas em uma situação de suspense que seria resolvida no dia seguinte, as meninas já estavam sonolentas. “Você conta histórias tão bonitas”, murmurou Bianca enquanto Luía ajeitava seu cobertor. “Obrigada, querida. Agora descanse. Amanhã temos um dia cheio pela frente.

” Uma a uma, Luía e Ricardo deram beijos de boa noite nas meninas. Quando estavam prestes a sair, Beatriz chamou o pai. “Você vai estar aqui amanhã quando a gente acordar?” A pergunta carregava o peso de tantas manhãs em que ele já havia partido. Ricardo hesitou apenas por um segundo antes de responder: “Estarei aqui, prometo.

” Após apagarem as luzes, deixando apenas o abajur ligado, Ricardo e Luía saíram para o corredor. Por um momento, ficaram em silêncio, processando a intimidade do momento que acabavam de compartilhar. Você criou uma história sobre quatro princesas irmãs”, comentou Ricardo finalmente. “Não é coincidência, imagino. As melhores histórias são aquelas em que podemos nos ver”, respondeu Luía.

 Elas estão começando a se identificar com as personagens, o que lhes permite explorar emoções difíceis de forma segura. Ricardo a sentiu lentamente, impressionado com a abordagem intuitiva. “Você é diferente das outras babás. Espero que isso seja algo positivo. É, ele hesitou como se me disse as próximas palavras.

 Nunca vi minhas filhas assim com ninguém, desde bem, desde a mãe delas. O comentário pairou entre eles, carregado de significado. Luía apenas assentiu, respeitando o peso da comparação. Boa noite, senhor Nogueira. Ricardo corrigiu ele. Por favor, me chame de Ricardo. Boa noite, Ricardo. Enquanto cada um se retirava para seu quarto, Ricardo parou brevemente diante da placa colorida na porta de Luía.

Quarto da tia Luía, nossa família, diziam as letras infantis. Algo naquela simples declaração o atingiu profundamente. Pela primeira vez em três anos, sentia que talvez, apenas talvez, sua casa pudesse voltar a ser um lar. Na manhã seguinte, Ricardo acordou com os primeiros raios de sol, por um momento, permaneceu deitado, ouvindo os sons da mansão, despertando, o murmúrio distante da equipe na cozinha, o cantar de pássaros no jardim e, mais surpreendente, risadas infantis.

 Suas filhas raramente acordavam de bom humor. Levantou-se e dirigiu-se ao banheiro, observando seu reflexo no espelho. Os cabelos grisalhos nas têmporas haviam se multiplicado nos últimos anos e as linhas ao redor dos olhos haviam se aprofundado. Aos 42 anos, parecia ter 10 a mais.

 “O que Clarissa pensaria ao me?”, murmurou para si mesmo? Clarissa, mesmo após três anos, pronunciar seu nome ainda causava um aperto no peito. Era mais fácil mergulhar no trabalho do que enfrentar a dor da perda. Mais fácil evitar a mansão cheia de lembranças. Mais fácil transformar-se em um fantasma na vida das próprias filhas. Mas ontem algo havia mudado.

 A presença de Luía Santos parecia ter despertado algo adormecido na casa. e nele próprio. Após se vestir, desceu para a cozinha, seguindo o som das risadas. A cena que encontrou o deixou momentaneamente sem palavras. As quadrigmeas e Luía, todas de aventais, preparavam juntas o café da manhã. A cozinha estava em um caos organizado, farinha espalhada pelo balcão, cascas de ovos, frutas cortadas em formatos diversos.

 Cuidado, Belisa, não coloca muito corante”, alertava Beatriz, supervisionando a irmã que pingava corante alimentício azul em uma tigela. “E vocês duas, parem de comer a massa crua.” Bruna tentava soar autoritária com Bianca, que discretamente provava a mistura de panqueca. Luía, no centro daquela atividade, orientava com calma cada passo, respondendo perguntas simultâneas e evitando pequenos desastres com a naturalidade de quem nasceu para isso. Foi a primeira a anotar Ricardo.

 Bom dia. Cumprimentou com um sorriso. Espero que não se importe com a bagunça. Estamos preparando um café da manhã especial. As meninas viraram-se todas ao mesmo tempo, expressões surpresas, rapidamente transformando-se em alegria ao verem o pai. “Papai, você tá mesmo aqui?”, exclamou Belisa, correndo para abraçá-lo, as mãos sujas de corante azul, deixando marcas em sua camisa branca.

 Ricardo não se importou com a mancha, abraçou a filha e sorriu para as outras. “Prometi que estaria, não foi? O que estão preparando?” Panquecas coloridas”, explicou Bruna entusiasticamente. A tia Luía nos ensinou a fazer em formato de letra. Cada uma faz a primeira letra do seu nome. Batis, Bianca, Belisa e Bruna. Completou Beatriz orgulhosa.

 Vê agora a gente tá fazendo um R para você. O comentário inocente atingiu Ricardo com uma força inesperada. Quando foi a última vez que suas filhas haviam preparado algo para ele? Quando foi a última vez que havia sequer tomado café da manhã em casa em vez de na correria do escritório ou em reuniões de negócios? Posso ajudar?”, ofereceu, surpreendendo a si mesmo.

 As quadrigémeas trocaram olhares espantados antes de explodirem em exclamações animadas. Ricardo foi rapidamente incorporado ao processo, recebendo instruções detalhadas das filhas sobre como virar a panqueca perfeitamente para não deformar a letra R. Luía observava discretamente seu sorriso gentil, revelando satisfação ao ver a dinâmica familiar florescendo.

 Por um breve momento, seus olhares se cruzaram sobre as cabeças das meninas. O dele transmitindo uma gratidão silenciosa, o dela uma compreensão tranquila. O café da manhã foi servido na varanda ensolarada em vez da formal sala de jantar. As panquecas coloridas em formato de letras foram celebradas como obras de arte, especialmente o R ligeiramente torto que Ricardo havia conseguido preparar para deleite das filhas.

 “Você nunca cozinha, papai”, observou Bianca entre mordidas. É verdade. Acho que a última vez foi quando ele parou abruptamente, a memória surgindo inesperadamente quando sua mãe estava grávida de vocês e tinha desejos de waffles no meio da madrugada, um silêncio momentâneo caiu sobre a mesa.

 Menções a Clarissa eram raras, quase proibidas pelo acordo tácito do luto compartilhado. “Mamãe gostava de waffles?”, perguntou Beliza timidamente, quebrando o tabu. Ricardo engoliu em seco, olhando rapidamente para Luía, que a sentiu discretamente em encorajamento. Adorava, especialmente com morangos e chantilly. Durante a gravidez, acordava às 3 da manhã, querendo waffles com coberturas malucas. Uma vez pediu com pasta de amendoim e geleia de pimenta.

As meninas riram encantadas com esse vislumbre de sua mãe que nunca conheceram realmente. E vocês comeram? Perguntou Bruna, fascinada. Eu não. Rio Ricardo, a tensão inicial dissipando-se, mas sua mãe comeu dois e depois disse que era a melhor coisa do mundo. Ela era engraçada, né? Beatriz sorriu, os olhos brilhando muito.

 Tinha o dom de transformar qualquer situação em algo divertido. Ricardo olhou para o horizonte, perdido momentaneamente nas lembranças. Até mesmo uma ida ao supermercado virava uma aventura com ela. Durante vários minutos, Ricardo compartilhou pequenas histórias sobre Clarissa, coisas simples do cotidiano que nunca havia mencionado antes.

 As quadrigêmeas ouviam fascinadas. Absorvendo cada detalhe sobre a mãe que nunca puderam conhecer verdadeiramente. Luía manteve-se em silêncio respeitoso, percebendo a importância do momento. Esta era a primeira vez que Ricardo falava tão abertamente sobre Clarissa com as filhas, permitindo que a memória dela existisse não como uma sombra dolorosa, mas como uma presença amorosa.

 Após o café, Ricardo anunciou que precisava fazer algumas ligações de trabalho, mas prometeu-se juntar às meninas para o almoço. Quando se retirou para o escritório, Luía ajudou as quadrigmeas a organizar a cozinha, transformando a tarefa em um jogo de cooperação. Tia Luía chamou Bianca enquanto secava um prato. Por que o papai nunca falou da mamãe antes? A pergunta direta pegou Luía de surpresa, mas ela sabia da importância de responder com honestidade.

 Às vezes, quando amamos muito alguém e essa pessoa parte, falar sobre ela dói tanto que achamos mais fácil guardar as lembranças só para nós. Mas isso ajuda! Persistiu Bianca, sempre a mais reflexiva. Não por muito tempo, respondeu Luía suavemente. É como uma ferida que nunca recebe ar para cicatrizar. com o tempo, precisa ser exposta para que possa curar adequadamente.

“A ferida do papai está curando agora?”, perguntou Belisa, juntando-se à conversa. Luía sorriu gentilmente. “Acho que ele está começando a deixar entrar um pouco de ar fresco. E vocês também.” A manhã transcorreu pacificamente. Enquanto Ricardo trabalhava em seu escritório, Luía ajudou as meninas com alguns deveres escolares pendentes.

Trabalhavam na grande mesa da sala de estudos quando o som de vidro quebrando rompeu a tranquilidade. Todas as cabeças se viraram para Belisa, que havia se levantado para pegar um lápis e acidentalmente derrubado, um delicado vaso de cristal que ficava sobre uma mesinha próxima.

 A menina ficou paralisada, olhando em horror para os cacos espalhados pelo chão. Eu não queria, sussurrou, os olhos enchendo-se de lágrimas. Foi sem querer. Luía levantou-se rapidamente, aproximando-se da pequena. Está tudo bem, Belisa? Acidentes acontecem. Não está tudo bem. A voz da menina subiu em pânico. Era o vaso da mamãe. Papai vai ficar furioso.

Luía olhou para os cacos e reconheceu o delicado padrão de vidro soprado. Havia notado aquela peça antes, sempre posicionada com destaque em diversos ambientes da casa, como se periodicamente mudasse de lugar. Era o favorito da mamãe! Explicou Beatriz à voz baixa. Papai o leva para diferentes cômodos toda semana.

 diz que assim parece que ela ainda está se movendo pela casa. O coração de Luía apertou-se com a revelação, compreendeu imediatamente a dimensão do acidente. Não era apenas um vaso quebrado, era um símbolo, uma das poucas conexões tangíveis que Ricardo mantinha com a esposa. Neste momento, como se convocado pelo barulho, Ricardo apareceu na porta.

 Seu olhar fixou-se nos cacos espalhados e uma sombra cruzou seu rosto. O que aconteceu aqui? Belisa começou a chorar silenciosamente, o corpo pequeno tremendo de medo e culpa. Foi um acidente, interveio Luía rapidamente. Beliza tropeçou enquanto pegava um lápis. Ricardo permaneceu em silêncio, o maxilar tenso. Por um instante, todos temeram sua reação.

 Luía viu as outras três meninas se encolherem instintivamente, como se esperassem uma explosão. Em vez disso, Ricardo simplesmente se aproximou, ajoelhando-se para ficar na altura de Belisa. “Você se machucou?”, perguntou a voz controlada. Belisa balançou a cabeça negativamente, ainda chorando. Era o vaso da mamãe, soluçou ela. Eu sei que era especial.

 Ricardo respirou fundo, claramente lutando com suas próprias emoções. Seus olhos encontraram os de Luía, por um breve segundo, buscando algo, força talvez, ou orientação. “Venha comigo”, disse ele finalmente, estendendo a mão para Belisa. “Todas vocês”, com uma troca de olhares perplexos, as quadrigmeas seguiram o pai. Luía ficou para trás, insegura se deveria acompanhá-los naquele momento familiar.

Mas Ricardo virou-se na porta. Você também, Luía, por favor. O grupo subiu as escadas em silêncio, dirigindo-se ao que Luía logo reconheceu ser o quarto principal, o antigo quarto de Ricardo e Clarissa. Era um ambiente que ainda não havia visitado, respeitando os limites não verbalizados da casa.

 O quarto era espaçoso e elegante, decorado em tons de azul e branco, uma grande cama que insise dominava o centro. Mas o que chamou a atenção de todos foi para onde Ricardo se dirigiu, um pequeno baú de madeira entalhada sobre uma cômoda. Ricardo abriu-o com uma chave que carregava no bolso.

 De dentro, retirou cuidadosamente um grande fragmento de cristal, um pedaço de vaso idêntico ao que acabara de ser quebrado. “Este vaso já foi quebrado antes?”, explicou ele, segurando o fragmento. Por mim, na verdade. Cinco pares de olhos o encaravam em completa surpresa. Foi duas semanas antes de sua mãe. Ele hesitou, corrigindo-se.

 Antes dela partir, tivemos uma discussão tola sobre a decoração do quarto de vocês. Eu estava estressado com o trabalho e acabei gesticulando sem perceber que o vaso estava atrás de mim. Ricardo sentou-se na beira da cama, convidando as filhas a se aproximarem. Fiquei devastado. Era o vaso favorito dela, presente de nossa lua de mel em Murano, na Itália.

 Mas sabem o que sua mãe fez? As meninas balançaram a cabeça completamente absortas na história. Ela riu. Pegou este fragmento maior. Ele ergueu o pedaço de cristal, deixou a luz atravessá-lo assim, criando um pequeno arco-íris na parede, e disse algo que nunca esqueci. Ricardo fez uma pausa visivelmente emocionado.

 Luía, que observava da porta, sentiu os próprios olhos umedecerem. Ela disse: “Vê como a luz ainda passa através dele? É assim com as coisas que amamos, Ricardo. Mesmo quando parecem quebradas, a luz encontra um caminho. Belisa olhava fixamente para o fragmento, as lágrimas secando em seu rostinho. “Posso ver?”, pediu timidamente.

 Ricardo entregou o pedaço de cristal à filha. Com cuidado, Belisa o ergueu contra a luz da janela, exatamente como o pai havia demonstrado. Um pequeno espectro colorido dançou na parede oposta. Um arco-íris, sussurrou ela maravilhada. Uma a uma, as irmãs experimentaram o mesmo, observando fascinadas como o cristal quebrado ainda era capaz de criar beleza.

 “Sua mãe guardou este pedaço como um talismã”, continuou Ricardo. Dizia que era mais precioso agora porque nos lembrava que coisas quebradas também têm valor. Ele olhou para Belisa, que ainda segurava o fragmento com reverência. Não fiquei bravo porque você quebrou o vaso, filha. Fiquei triste porque era uma conexão com sua mãe.

 Mas agora percebo que ela teria adorado que fizéssemos o mesmo que fizemos da primeira vez. O que vocês fizeram? perguntou Bruna curiosa. Juntamos os pedaços maiores em uma caixinha especial, não para consertar o vaso, mas para manter sua memória de um jeito diferente. Ricardo olhou para Luía, que permanecia discretamente na entrada do quarto.

 Havia gratidão em seus olhos, não apenas pelo modo como ela havia protegido Belisa, mas por estar testemunhando aquele momento sem julgamento. “Vamos lá embaixo juntar os pedaços”, propôs ele. Podemos criar algo novo com eles?” As meninas concordaram entusiasticamente. Quando passavam por Luía na porta, Ricardo parou brevemente. “Obrigado”, disse baixinho, por não minimizar o significado daquele vaso.

 “Algumas coisas são mais que objetos”, respondeu ela suavemente. “São âncoras de memórias.” Ele a sentiu compreendendo perfeitamente. Na sala de estudos, todos se ajoelharam no chão, recolhendo cuidadosamente os pedaços maiores do vaso quebrado. Ricardo contou mais histórias sobre Clarissa enquanto trabalhavam, como ela insistira em carregar o delicado vaso no colo durante todo o voo de volta da Itália, recusando-se a despachá-lo, como o colocava em diferentes lugares da casa para capturar diferentes qualidades de luz. como costumava arranjar flores silvestres nele em vez das sofisticadas

composições florais que decoravam o resto da mansão. Para as quadrigêmeas, essas histórias eram tesouros inestimáveis, fragmentos da mãe que nunca conheceram adequadamente, reunidos com o mesmo cuidado com que agora recolhiam os pedaços do cristal. Após guardarem os fragmentos em uma pequena caixa de madeira que Ricardo trouxe de seu escritório, ele fez uma proposta surpreendente.

O que acham de hoje vermos os álbuns de fotografias da família? Quatro rostos infantis iluminaram-se com a sugestão. Alguns de família existiam na mansão, mas raramente eram abertos. Outro acordo tácito do luto não verbalizado. “Posso ver fotos do casamento de vocês?”, pediu Beatriz. “E do dia que a gente nasceu”, acrescentou Bruna.

“Podemos ver tudo”, concordou Ricardo, então virando-se para Luía, “Se não se importar em se juntar a nós, sei que não é parte do seu trabalho passar o dia vendo fotografias antigas.” Seria uma honra”, respondeu ela sinceramente. À tarde transformou-se em uma sessão de memórias no grande sofá da sala de estar.

 Álbuns antigos, alguns empoirados pelo desuso, foram abertos e explorados. As quadrigmeas absorviam cada imagem de Clarissa, seu sorriso radiante no casamento, a expressão serena, enquanto acariciava a barriga grávida, o olhar exausto, mas infinitamente amoroso, nas poucas fotos tiradas após o nascimento das meninas, antes que complicações a levassem embora.

 Ricardo narrava cada fotografia, compartilhando histórias que havia guardado para si mesmo por muito tempo. Algumas o faziam rir, outras engasgar com emoção contida. Ocasionalmente olhava para Luía, como se buscasse confirmação de que estava fazendo o certo ao abrir estas comportas emocionais. Luía mantinha-se próxima, oferecendo seu apoio silencioso.

 Compreendia que estava testemunhando algo profundamente significativo, o início do verdadeiro processo de cura daquela família. No final da tarde, após horas mergulhados nas memórias, Belisa fez uma pergunta que capturou a essência do momento. “Papai, a mamãe ficaria triste de saber que a gente quebrou-lhe o vaso dela?” Ricardo refletiu por um instante antes de responder: “Não, querida.

 Sua mãe ficaria feliz em saber que seu vaso nos ajudou a falar sobre ela hoje. Acho que ela preferiria isso a vê-lo intacto em uma prateleira, mas nunca mencionado. As palavras pairaram na sala, carregadas de verdade. Luía percebeu que Ricardo não estava apenas consolando a filha, estava articulando uma compreensão que talvez só agora estivesse alcançando.

 O jantar daquela noite foi mais leve, mais alegre. As quadrigêmeas, energizadas pela nova conexão com a memória da mãe, compartilhavam suas partes favoritas das histórias que haviam ouvido. Ricardo, embora visivelmente esgotado pela carga emocional do dia, parecia também mais leve, como se um peso tivesse começado a se dissolver.

 Após colocarem as meninas na cama com direito a mais um capítulo da história das princesas guardiãs, Ricardo convidou Luía para uma conversa na varanda dos fundos. A noite estava agradável, com uma brisa suave vinda do mar e um céu excepcionalmente estrelado para os padrões do Rio de Janeiro. Foi um dia intenso”, comentou ele, servindo duas taças de vinho. “Muito”, concordou Luía, aceitando a bebida, “mas importante.

” Eles ficaram em silêncio por alguns momentos, observando o jardim parcialmente iluminado pela lua. Ricardo parecia organizar seus pensamentos, sabe? Em três anos. Nunca consegui falar sobre Clarissa com as meninas dessa forma”, confessou finalmente. Sempre achei que as protegeria da dor se evitasse o assunto. “É uma reação natural”, respondeu Luía gentilmente.

“Queremos proteger as crianças do sofrimento.” Mas não funcionou, não é? A dor delas apenas se transformou em comportamento destrutivo. “E a sua dor, Ricardo? Em que se transformou?” A pergunta direta pegou o desprevenido. Ele considerou-a por vários segundos antes de responder: “Em ausência, suponho.

 Mergulhei no trabalho, criei um império maior, mas me tornei um fantasma na vida das minhas filhas.” Não havia acusação na voz de Luía quando ela respondeu: “Todos lidamos com o luto à nossa maneira. Não existe certo ou errado, mas existe melhor e pior para elas”, observou Ricardo, olhando na direção dos quartos onde as filhas dormiam. E eu escolhi o pior sem perceber. Nunca é tarde para mudar de direção.

 Ricardo tomou um gole de vinho contemplativo. “Como você se tornou tão sábia sobre luto e crianças? A agência mencionou apenas sua formação em pedagogia.” Luía hesitou, observando o líquido escuro em sua taça. Esta era uma pergunta que tocava em sua própria história, uma que raramente compartilhava, mas algo naquele momento, talvez a honestidade crua que Ricardo havia demonstrado durante o dia, pedia reciprocidade.

 Tive que aprender na prática, respondeu finalmente. Minha mãe trabalhava em turnos duplos como enfermeira. Meu pai partiu quando éramos pequenos. Acabei criando meu irmão caçula, Gabriel, praticamente sozinha. Ricardo escutava com atenção genuína, sem interromper. Gabriel tinha um espírito livre, como suas filhas, curioso, travesso, cheio de vida. Luía sorriu com a memória.

 Ele era oito anos mais novo que eu. Desde pequena, aprendi a transformar tarefas em brincadeiras, a encontrar maneiras criativas de lidar com birras, a inventar histórias para tornar a rotina mais mágica. Seu sorriso desvaneceu-se levemente. Quando ele tinha oito, ranos, aconteceu um acidente perto da nossa casa.

 Ricardo percebeu a mudança em sua voz. Você não precisa contar isso se for difícil. Está tudo bem, assegurou Luía. Gabriel estava voltando da padaria. Um motorista imprudente perdeu o controle. Ela respirou fundo, o passado ainda doloroso, mas não paralisante. Depois disso, me perdi por um tempo. Questionei tudo em que acreditava.

 Senti como se tivesse falhado na única responsabilidade que realmente importava. Sinto muito”, disse Ricardo, a empatia evidente em sua voz. “É uma dor que conheço bem.” Luía assentiu, reconhecendo a conexão. Com o tempo, percebi que poderia permitir que aquela dor me destruísse ou encontrar propósito nela.

 Decidi que se conseguisse ajudar outras crianças, outras famílias atravessando seu próprio vale de sombras, talvez a partida de Gabriel tivesse algum significado. E foi assim que se tornou educadora? Sim. Especializei-me em crianças que passaram por traumas. Trabalhei em projetos sociais, abrigos, escolas em áreas vulneráveis. Aprendi que cada criança expressa dor de forma diferente, mas todas, no fundo, estão apenas pedindo o mesmo, serem vistas, ouvidas e amadas incondicionalmente.

Ricardo contemplou o jardim, absorvendo as palavras de Luía. Quando a agência mencionou que você tinha chegado dizendo que não estava aqui para consertar nada, apenas para ficar até que a luz voltasse. Achei que era apenas conversa fiada de entrevista. Luía sorriu suavemente. É algo que aprendi com o tempo. Não podemos consertar a dor das pessoas.

Podemos apenas estar presentes enquanto elas encontram seu próprio caminho através dela. E você realmente acredita que a luz volta mesmo depois de perdas tão definitivas? A pergunta era profundamente pessoal, vinda de um homem que havia permanecido na escuridão por três anos. A luz nunca realmente se vai, Ricardo”, respondeu Luía com convicção tranquila.

 “Às vezes só precisamos aprender a enxergá-la de formas diferentes, como o fragmento de cristal hoje, quebrado, mas ainda capaz de criar um arco-íris.” Ricardo olhou para ela com uma nova perspectiva. Esta jovem mulher, com sua simplicidade e sabedoria nascida da própria dor, estava conseguindo o que terapeutas, caros e conselheiros bem intencionados não haviam conseguido.

 Ajudá-lo a encontrar um caminho através do luto, não contornando-o. “Obrigado por compartilhar sua história”, disse ele finalmente. “E por tudo que tem feito por minhas filhas, por esta casa. Não estou fazendo nada extraordinário, apenas oferecendo o que todos merecemos, presença autêntica e espaço para sermos exatamente quem somos, mesmo quando estamos quebrados.

 Eles permaneceram em um silêncio confortável por algum tempo, contemplando o céu estrelado. Ricardo percebia algo sutil mudando dentro de si. Não uma resolução mágica da dor, mas talvez o primeiro vislumbre genuíno de possibilidade. A possibilidade de que, como Luía havia dito, a luz nunca realmente se fora. Aquela noite marcou uma virada na mansão Nogueira.

 Nos dias que se seguiram, Ricardo cancelou várias reuniões para passar tempo com as filhas. As fotografias de Clarissa, antes guardadas em álbuns raramente abertos, começaram a reaparecer nas paredes e mesas. Seu nome voltou a ser mencionado em conversas cotidianas, com saudades, sim, mas também com sorrisos e até risadas ao recordarem suas peculiaridades e momentos felizes.

 As quadrigêmeas, sentindo a mudança na atmosfera, floresciam visivelmente. ainda tinham seus momentos de travessuras, claro, eram crianças de 7 anos afinal, mas a qualidade destrutiva de seu comportamento havia dado lugar a uma energia mais criativa e colaborativa. Luía observava estas transformações com silenciosa satisfação.

Como havia dito a Ricardo, não estava ali para consertar nada. estava apenas criando espaço para que a família Nogueira pudesse reencontrar seu próprio caminho juntos, em uma tarde particularmente ensolarada, cerca de uma semana após o incidente com o vaso, Luía supervisionava as quadrigmeas no jardim enquanto elas trabalhavam em fantasias para a peça escolar.

 Ricardo havia saído para uma reunião importante que não podia adiar, mas prometera voltar a tempo de jantar com elas. estavam todas concentradas em criar flocos de neve com tecido branco e lantejou-las quando Bianca, a mais observadora das irmãs, fez uma pergunta inesperada. Tia Luía, por que você nunca fala sobre o seu irmão? As outras três imediatamente pararam o que estavam fazendo, igualmente curiosas.

 Luía percebeu que Ricardo devia ter compartilhado com elas partes da conversa que tiveram. Bem, às vezes é difícil falar sobre pessoas que amamos muito e não estão mais aqui, respondeu ela honestamente. Como a mamãe para o papai? Perguntou Belisa. Sim, exatamente assim. Mas papai está falando da mamãe agora, observou Beatriz. E isso está ajudando a gente.

 Talvez ajude você também falar do seu irmão. A sabedoria da criança pegou Luía de surpresa. Olhou para os quatro rostos atentos e percebeu que este era um momento importante, uma oportunidade de modelar exatamente o que havia encorajado Ricardo a fazer. “Vocês têm razão”, concordou, colocando de lado o tecido com que trabalhava.

 “Gabriel teria a idade de vocês agora. Ele adorava animais qualquer tipo. Uma vez trouxe para casa um sapo que encontrou na rua e insistiu que ele seria nosso novo animal de estimação. As meninas riram, especialmente Bruna, que tinha uma afinidade similar por criaturas pequenas. Ele era bagunceiro. Que saber beliza. Muito.

 O quarto dele parecia ter sido atingido por um tornado, mas conseguia encontrar qualquer coisa no meio daquela bagunça, o que sempre me espantava. Como a Bruna! Exclamou Beatriz. Ela nunca arruma as gavetas, mas sabe exatamente onde cada coisa está. Luía sorriu assentindo. Gabriel também adorava histórias, especialmente as de superheróis e aventuras.

 Toda noite pedia só mais um capítulo, Lulu, era como ele me chamava. Você contava histórias para ele como conta para a gente?”, perguntou Bianca. “Sim, muitas delas inventadas na hora. Foi com ele que comecei a criar as histórias das princesas guardiãs, sabia? Só que na versão dele eram quatro irmãos guerreiros. As quadrigémeas ficaram genuinamente impressionadas com a revelação de que suas histórias favoritas tinham uma origem tão pessoal.

Durante a próxima hora, enquanto trabalhavam nas fantasias, Luía compartilhou mais memórias de Gabriel, suas travessuras, preferências, sonhos infantis. Quando terminaram, Bianca aproximou-se de Luía e entregou-lhe algo que havia feito secretamente, um pequeno floco de neve extra, delicadamente decorado.

 “É para você dar ao Gabriel”, disse ela com seriedade, “Quando for visitar o lugar onde ele está.” Luía sentiu lágrimas formarem-se em seus olhos. Aceitou o presente com mãos trêmulas. “Obrigada, Bianca. Tenho certeza que ele adoraria”. Naquela noite, quando Ricardo retornou e encontrou a cinco na sala, notou imediatamente que algo significativo havia acontecido.

 Havia uma nova qualidade na conexão entre Luía e suas filhas, algo mais profundo, mais autêntico. Depois que as meninas foram dormir, Luía mostrou-lhe o pequeno floco de neve e contou sobre a conversa. Elas são incríveis”, comentou a voz embargada pela emoção. “Tão intuitivas, tão compassivas sob aquela camada de travessura.

 Como você disse uma vez, são apenas crianças expressando dor do único jeito que sabem.” Ricardo sorriu, admirando o delicado trabalho manual de Bianca. Clarissa ficaria orgulhosa delas e grata a você, a mim, por ajudá-las a se conectar com a memória dela de uma forma saudável, por nos ajudar a todos. Luía devolveu o sorriso, sentindo uma estranha mistura de realização e melancolia.

 Em apenas algumas semanas havia se conectado profundamente com aquela família, mais do que com qualquer outra em seus anos de trabalho. Havia algo especial nos Nogueira, algo que ressoava com sua própria história de perda e cura. “Não fiz mais do que vocês já estavam prontos para fazer”, respondeu ela finalmente. Só precisavam de alguém que acreditasse que era possível.

 Quando Ricardo se retirou para seu quarto, Luía permaneceu na varanda por algum tempo, contemplando as estrelas. segurava o pequeno floco de neve de Bianca, sentindo seu significado para além do simples objeto. “Olha só, Gabriel”, sussurrou para o céu noturno. “Parece que encontramos nosso caminho, você e eu, de maneiras diferentes, mas igualmente importantes.

” O vento suave parecia responder, acariciando seu rosto como um abraço distante. Luía fechou os olhos, permitindo-se sentir apenas por um momento, que talvez de alguma forma seu irmão pudesse ver o bem que ela estava fazendo, e que talvez isto desse algum significado ao que não poderia jamais ser compreendido completamente.

Na manhã seguinte, ao entrar na cozinha para o café, Luía encontrou um pequeno pacote sobre a mesa com seu nome escrito na caligrafia elegante de Ricardo. intrigada, abriu-o cuidadosamente. Dentro havia um delicado pingente de cristal, um fragmento do vaso quebrado de clariça, agora polido e transformado em uma joia simples, pendurado em uma corrente prateada. Junto um cartão com apenas algumas palavras.

Para quem nos ensinou que a luz sempre encontra um caminho através do que está quebrado. Com gratidão, Ricardo e as meninas. Luía assegurou o pingente contra a luz da janela, observando como ele criava pequenos arco-íris na parede da cozinha. Naquele momento, compreendeu que havia se tornado parte desta família de uma forma que nunca poderia ter previsto e que talvez eles também haviam se tornado parte dela.

 Nas semanas seguintes, uma nova rotina estabeleceu-se na mansão Nogueira. Ricardo reorganizou sua agenda de trabalho para estar mais presente, delegando responsabilidades que antes assumia sozinho e reduzindo viagens ao mínimo necessário. As manhãs começavam com cafés da manhã em família, muitas vezes preparados por todos juntos.

 As noites terminavam com a já tradicional história das princesas guardiãs, contada por Luía com Ricardo como audiência igualmente atenta. A mansão, antes silenciosa e tensa, agora ecoava com risos infantis e conversas genuínas. Fotografias de Clarissa voltaram a ocupar lugar de destaque em vários ambientes, e seu nome era mencionado naturalmente como parte integrante da família que continuava a ser.

 Mesmo em sua ausência física, as quadrigémeas floresciam visivelmente sob esta nova dinâmica. Na escola, os professores notaram mudanças significativas. Beatriz tornara-se mais colaborativa, canalizando sua liderança natural para ajudar colegas. Bruna controlava melhor seus impulsos. Bianca participava mais das atividades coletivas e Beliza demonstrava maior confiança em casa, embora ainda mantivessem seu espírito travesso, suas experiências tornaram-se mais construtivas e menos destrutivas.

Naquela manhã particular de quinta-feira, Luía observava as quadrigémeas no jardim dos fundos, onde haviam instalado uma pequena horta. Cada uma cuidava de um canteiro próprio, plantando sementes diferentes e competindo amigavelmente para ver qual cresceria mais rápido. “Tia Luía, olha! Acho que minhas cenouras estão nascendo”, exclamou Bruna, apontando entusiasticamente para minúsculos brotos verdes emergindo da terra. “Deixa eu ver”.

 Belisa correu para o canteiro da irmã, quase derrubando seu regador no caminho. “Cuidado para não pisar nas plantas”, alertou Beatriz, sempre vigilante. Luía aproximou-se, sorrindo ao ver a dedicação com que as meninas cuidavam de suas plantações. O que havia começado como uma simples atividade educativa transformara-se em um projeto apaixonante para elas.

 “Estão lindas, Bruna”, comentou, ajoelhando-se para examinar os pequenos brotos. Todas vocês estão fazendo um trabalho maravilhoso com suas plantas. As minhas alfaces crescem mais devagar, lamentou Bianca, olhando para seu canteiro com uma expressão preocupada. Plantas diferentes têm ritmos diferentes explicou Luía gentilmente, assim como pessoas.

 Algumas florescem rapidamente, outras levam mais tempo, mas todas têm seu momento. Bianca sorriu reconfortada pela analogia. Entre as quatro, ela era a que mais se assemelhava à Luía em temperamento, reflexiva, observadora, processando o mundo em seu próprio ritmo. O som de passos na varanda atraiu a atenção do grupo.

 Ricardo caminhava em sua direção, vestindo o trage formal e carregando uma pasta. “Papai, vem ver nossas plantas”, chamou Belisa, correndo para abraçá-lo, sem se importar em sujar seu terno impecável com as mãos terrosas. Ricardo ergueu a filha nos braços, ignorando completamente as manchas em sua roupa cara, algo que semanas atrás teria sido impensável. Estou vendo, princesa.

 Estão fazendo um trabalho incrível aqui. Ele sorriu para Luía por cima da cabeça de Belisa. Bom dia. Desculpe não ter tomado café com vocês hoje. Tinha uma videoconferência com investidores chineses. Sem problemas, respondeu Luía. As meninas entenderam, não foi? As quadrigêmeas a sentiram, embora Bruna tenha acrescentado. Mas você prometeu ver o filme com a gente hoje à noite, não esqueceu, né? Claro que não esqueci.

 A princesa encantada. Sessão das sete com direito à pipoca e chocolate. Ricardo piscou conspiratoriamente. Mas agora preciso ir até o escritório. Tenho algumas reuniões importantes, mas estarei de volta no horário do filme. Ele colocou Belisa no chão e despediu-se de cada uma das filhas com um beijo. Ao aproximar-se de Luía, baixou a voz. Denise ligou.

 A agência de babás está questionando sobre sua permanência. Aparentemente, o contrato inicial era para apenas três semanas e já estamos na quinta. Luía sentiu um aperto inesperado no peito. Estava tão integrada à rotina dos Nogueira que havia esquecido completamente o caráter temporário de sua posição. Entendo respondeu mantendo a compostura.

 Posso falar com a agência, se preferir, ou já cuidei disso, interrompeu Ricardo rapidamente. Solicitei a extensão do contrato por tempo indeterminado. Espero que esteja de acordo. O alívio que Luía sentiu foi desproporcional para uma simples questão contratual. Sorriu, assentindo. Estou de acordo. Sim, obrigada.

 Por um momento, ficaram se olhando, uma comunicação silenciosa passando entre eles, o reconhecimento mútuo de que sua presença naquela casa havia se tornado algo muito mais significativo do Judil que uma relação profissional. Até mais tarde, então”, despediu-se Ricardo finalmente, parecendo querer dizer mais, mas contendo-se. Enquanto o observava caminhar de volta para a casa, Luía refletia sobre as mudanças sutis em sua interação com Ricardo nas últimas semanas.

 Havia uma proximidade crescente entre eles, nascida de experiências compartilhadas e do entendimento mútuo de suas histórias pessoais. Não era algo que pudesse nomear precisamente, mas sabia que precisava ser cautelosa por si mesma e principalmente pelas meninas que haviam se apegado tanto a ela. “Tia Luía, podemos regar as flores da frente agora?”, perguntou Beatriz, interrompendo seus pensamentos.

“Claro, respondeu, afastando as reflexões pessoais. Peguem os regadores maiores na casa do jardim. Amanhã transcorreu tranquilamente com Luía e as quadrigmeas dedicando-se ao jardim até a hora do almoço. Após a refeição, enquanto as meninas descansavam assistindo a um documentário sobre oceanos na sala de TV, Luía aproveitou para organizar alguns materiais para a aula de ciências que planejava com elas para o dia seguinte.

 Estava na sala de estudos, separando livros e equipamentos, quando dona Zulmira entrou com expressão preocupada. Luía, você viu a previsão do tempo para hoje? Não. Por quê? Estão anunciando uma tempestade forte para a noite. Trovões, raios, o pacote completo. Luía imediatamente compreendeu a preocupação da governanta.

 Tempestades não eram apenas fenômenos meteorológicos naquela casa, eram gatilhos emocionais poderosos. A última grande tempestade foi na noite em que a dona Clarissa, dona Zulmira não completou a frase. Não era necessário. Entendo. As meninas ficam particularmente abaladas. Aterrorizada seria a palavra. No primeiro ano era impossível acalmá-las durante tempestades.

 Gritavam pela mãe, choravam inconsolavelmente. Nos últimos tempos melhorou um pouco, mas ainda é difícil. Luía assentiu processando a informação. E o Ricardo? A governanta suspirou. Também não lida bem. Geralmente se tranca no escritório com uma garrafa de whisky. Tenta manter-se forte na frente das meninas, mas a dor é avaçaladora.

 Completou Luía suavemente. Exatamente. Achei que deveria saber para estar preparada. Obrigada por me avisar, dona Zulmira. Vou pensar em algo para ajudá-los. Quando a governanta saiu, Luía permaneceu pensativa. Compreendeu que, apesar de todo o progresso das últimas semanas, havia camadas mais profundas de dor, ainda não processadas naquela família.

 A tempestade que se aproximava seria não apenas um fenômeno climático, mas um teste para a nova dinâmica que vinham construindo. Decidida a ajudá-los a enfrentar este desafio, Luía começou a planejar, deixou de lado os materiais de ciências e foi até seu quarto, onde abriu sua pequena mala. De um bolso interno, retirou um pacote embrulhado em tecido, um conjunto de velas aromáticas que sempre carregava consigo, presente de sua falecida avó, que acreditava no poder da luz para afastar medos e tristezas. À tarde, quando as quadrigêmeas retornaram à sala de estudos para fazer

a lição de casa, Luía notou que estavam mais agitadas que o normal. Pela janela já era possível ver nuvens escuras formando-se no horizonte. anunciando a tempestade prevista. “Tia Luía, é verdade que vai ter trovoada hoje?”, perguntou Belisa, a mais sensível das quatro, enquanto tentava concentrar-se em seus exercícios de matemática. Luía optou pela honestidade. “Sim, querida.

 A previsão indica uma tempestade para a noite.” As quadrigêmeas trocaram olhares apreensivos, a ansiedade imediatamente visível em seus rostinhos. Bianca começou a roer as unhas, um hábito que surgiu apenas em situações de extremo estresse. “Mas sabem de uma coisa?”, continuou Luía.

 Estava pensando em fazermos algo especial esta noite, uma espécie de acampamento dentro de casa. Acampamento? Repetiu Bruna, momentaneamente distraída de sua apreensão. Sim, com barracas feitas de lençóis na sala de estar, histórias, lanches especiais. Podemos transformar a noite de tempestade em uma aventura. Beatriz, sempre a mais prática, parecia cética, mas e os trovões? E se a luz acabar? Tenho velas aromáticas lindas que podemos acender por toda a casa.

 E quanto aos trovões, Luía sorriu misteriosamente. Já ouviram falar que eles são, na verdade, o som das princesas guardiãs defendendo o reino das nuvens? As meninas arregalaram os olhos, intrigadas com esta nova perspectiva sobre o fenômeno que tanto temiam. “Como assim?”, perguntou Belisa, já meio convencida pela simples menção à suas personagens favoritas.

 “É uma história especial que guardei para uma noite como esta”, explicou Luía. Mas só poderei contá-la se vocês terminarem a lição de casa e me ajudarem a preparar nosso acampamento. O plano funcionou perfeitamente. A perspectiva da aventura especial deu às quadrigémeas um novo foco, afastando temporariamente o medo da tempestade iminente.

 com entusiasmo renovado, dedicaram-se a terminar as tarefas escolares e depois ajudaram Luía a reorganizar a sala de estar, transformando-a em um aconchegante acampamento improvisado. Quando Ricardo chegou em casa, no início da noite, encontrou uma cena surpreendente. A ampla sala havia sido transformada com lençóis suspensos, criando tendas coloridas, almofadas e edredons espalhados pelo chão e pequenas velas LED, uma alternativa segura às velas reais, criando um ambiente acolhedor.

As quadrigêmeas correram para recebê-lo, explicando animadamente os preparativos para o acampamento da tempestade. Tia Luía disse que vamos ter uma aventura em vez de ficar com medo”, explicou Beatriz. “E ela vai contar uma história especial sobre trovões”, acrescentou Belisa, pulando de empolgação.

 Ricardo olhou por cima das cabeças das filhas para Luía, que supervisionava a colocação de mais almofadas. Havia gratidão em seus olhos, mas também uma vulnerabilidade que ela raramente via, a lembrança do que aquela noite significava para ele. “Parece que vocês tiveram uma ideia incrível”, comentou, tentando manter o tom leve para as filhas.

 “Posso me juntar ao acampamento depois do banho?” “Sim”, exclamaram as meninas em uníssono. “Temos um lugar especial para você também”. Enquanto Ricardo subia para trocar-se, Luía finalizava os preparativos na cozinha. Ivone havia ajudado a preparar lanches especiais, pequenos sanduíches, frutas cortadas em formatos divertidos, pipoca caramelizada e chocolate quente.

 Na geladeira, garrafas de água haviam sido transformadas em poções mágicas com corantes naturais e rótulos decorados pelas próprias meninas. O céu já estava completamente escuro quando Ricardo voltou vestindo roupas casuais, algo raro para ele mesmo em casa. As primeiras gotas de chuva começavam a cair, tamborilando no telhado da mansão. Está começando murmurou ele para Luía, enquanto as meninas arrumavam os últimos detalhes de suas barracas.

 Vai ficar tudo bem”, respondeu ela suavemente. “Vamos dar a elas uma nova associação com tempestades, uma positiva.” Ricardo a sentiu, visivelmente tentando controlar suas próprias emoções. “O que posso fazer para ajudar? Apenas esteja presente, verdadeiramente presente. O primeiro trovão ribombou ao longe. As quadrigmeas imediatamente congelaram, olhando umas para as outras com apreensão.

 Belisa correu para Luía, agarrando-se a sua perna. Está começando, tia Lu! Sussurrou o medo evidente em sua voz. Luía ajoelhou-se, ficando na altura dos olhos da menina. Está tudo bem, querida. Estamos todos juntos, seguros. e quentinhos aqui dentro. E sabe de uma coisa? Acho que está na hora da nossa história especial.

 Com gestos tranquilos, Luía acendeu mais algumas velas LED, criando um círculo de luz suave no centro da sala. convidou todos a se sentarem nas almofadas, formando um círculo íntimo. Ivon trouxe os lanches e o chocolate quente e dona Zulmira, que normalmente mantinha uma distância profissional, decidiu juntar-se ao grupo, sentando-se discretamente em um canto.

 Quando todos estavam acomodados, Luía começou sua história, a voz melodiosa e envolvente. Há muito, muito tempo, quando o mundo ainda era novo e os humanos ainda não compreendiam os mistérios do céu, existia um reino nas nuvens governado por quatro princesas poderosas, as mesmas princesas guardiãs de nossas histórias.

 Cada uma controlava um elemento da natureza: terra, água, fogo e ar. As quadrigêmeas, mesmo ansiosas com a tempestade que se intensificava lá fora, foram imediatamente cativadas. Esta era uma extensão de sua história favorita. Afinal, as princesas tinham a importante missão de manter o equilíbrio entre o céu e a terra. E sabem como faziam isso? Através das tempestades.

Um trovão particularmente forte fez Belisa pular. Luía gentilmente segurou sua mão, continuando sem interrupção. O que chamamos de trovão é, na verdade, o som dos tambores mágicos da princesa do ar, convocando suas irmãs para a dança das águas. Os relâmpagos são as espadas de luz da princesa do fogo, cortando as nuvens escuras que tentam engolir o mundo.

 Bruna arregalou os olhos, fascinada pela reinterpretação dos fenômenos que tanto a assustavam. “A chuva”, prosseguiu Luía, “são as lágrimas de alegria da princesa, da água nutrindo a terra seca e trazendo vida nova. E quando tudo termina, a princesa da terra recebe estes presentes, transformando-os em flores, árvores e alimentos para todos os seres vivos. Outro trovão ressoou e Bianca apertou a mão de Beatriz, mas havia menos medo em seus olhos agora, substituído por uma curiosidade crescente.

Por isso, quando ouvimos uma tempestade, não estamos escutando destruição ou perigo. Estamos testemunhando uma dança cósmica, uma celebração do ciclo da vida. As princesas estão trabalhando juntas para renovar o mundo. Ricardo observava maravilhado como a história simples, mas poderosa estava reconfigurando a experiência das filhas.

 A tempestade continuava lá fora, intensa como previsto, mas dentro do círculo de luz criado por Luía, havia uma atmosfera quase mágica de segurança e fascínio. E sabem qual é o segredo mais especial das tempestades? Luía baixou a voz como se compartilhasse um grande mistério. É que as princesas só dançam assim para proteger aqueles que amam.

 Cada trovão é um lembrete de que mesmo nas noites mais escuras, há guardiãs poderosas velando por nós. As meninas assimilavam cada palavra, seus medos gradualmente transformando-se em reverência. Mesmo Belisa, a mais assustada inicialmente, agora ouvia com olhos brilhantes, esquecendo momentaneamente de se encolher a cada trovão.

 Por isso, da próxima vez que ouvirem um trovão, ao invés de temer, podem agradecer as princesas por sua dança. Podem até mesmo dançar juntos se quiserem. Como se planejado, um relâmpago iluminou a sala através das janelas, seguido por um estrondoso trovão. Mas, em vez de pânico, Bruna exclamou: “É a princesa do fogo com sua espada de luz”.

 As outras riram, começando a incorporar a nova narrativa. Mesmo Ricardo parecia tocado, um leve sorriso substituindo a tensão em seu rosto. A noite prosseguiu com mais histórias, jogos improvisados e o lanche especial. Quando a tempestade atingiu seu auge, em vez de se esconderem aterrorizadas, as quadrigêmeas interpretavam os sons, identificando qual princesa estaria fazendo o quê.

ocasionalmente ainda se sobressaltavam com trovões particularmente fortes, mas a atmosfera de pânico havia sido substituída por uma experiência quase lúdica. Por volta das 10 da noite, exaustas pelas emoções e atividades do dia, as meninas começaram a adormecer em suas barracas improvisadas.

 Ricardo e Luía cobriram-nas com cuidado, certificando-se de que estavam confortáveis. Elas ficarão bem aqui”, sussurrou Luía. “Acho que é melhor não movê-las para o quarto. O ambiente familiar pode desencadear a ansiedade novamente.” Ricardo assentiu, olhando com ternura para as filhas adormecidas. “O que você fez esta noite foi extraordinário.

Apenas ofereci uma nova perspectiva.” “Não, foi muito mais que isso.” Ele hesitou, procurando as palavras certas. Você transformou uma das experiências mais traumáticas delas em algo belo, algo que poderá ajudá-las pelo resto da vida. Luía sorriu suavemente.

 É o que tentamos fazer com a dor, não é? Não a negamos ou suprimimos, mas encontramos maneiras de transformá-la em algo que possamos carregar sem ser esmagados por ela. Ricardo estudou-a por um momento, como se visse algo novo em seu rosto. Gostaria de um chá na varanda? A chuva diminuiu um pouco. A oferta surpreendeu Luía, mas ela aceitou.

 Juntos caminharam até a varanda coberta que dava para o jardim dos fundos. A tempestade havia de fato perdido parte de sua intensidade, transformando-se em uma chuva constante, mas menos dramática. O ar estava fresco e carregado, com o cheiro de terra molhada. Ricardo preparou duas xícaras de chá de camomila na pequena mesa da varanda.

 Por alguns minutos ficaram em silêncio, observando a chuva e ouvindo os trovões agora distantes. Foi numa noite como esta disse ele finalmente à voz baixa. Exatamente trs anos atrás. Luía não respondeu, dando-lhe espaço para continuar, se desejasse. Clarissa não estava se sentindo bem naquela tarde. O médico havia recomendado repouso absoluto nas últimas semanas por causa da gestação de risco, mas ela odiava ficar parada. Ele sorriu tristemente com a lembrança.

 Quando a tempestade começou, ela insistiu em ficar na varanda observando. Dizia que amava o cheiro da chuva, a energia no ar. Luía ouvia atentamente, honrada pela confiança que ele demonstrava ao compartilhar algo tão íntimo e doloroso. Foi ali que sua bolsa estourou dois meses antes do previsto. O pânico já corrida para o hospital na chuva torrencial.

 As horas de agonia, sua voz falhou. Os médicos conseguiram salvar as meninas, mas Clarissa teve uma hemorragia maciça. Quando me deixaram vê-la, já era tarde demais. Ela estava consciente, mas muito fraca. Suas últimas palavras foram sobre as meninas.

 Pediu que eu garantisse que elas sempre soubessem o quanto eram amadas, que eram o milagre dela. Uma lágrima solitária escorreu pelo rosto de Ricardo, perdendo-se na barba por fazer. Eu falhei com ela, Luía. Não apenas não consegui manter sua memória viva para nossas filhas, como também não consegui dar a elas o amor e a atenção que mereciam. Mergulhei na minha própria dor e as deixei lidando com a delas. “Você não falhou”, respondeu Luía gentilmente.

Estava fazendo o melhor que podia com as ferramentas emocionais que tinha disponíveis. “O luto não vem com um manual de instruções, Ricardo. Mesmo assim, foram três anos perdidos. Não perdidos, talvez desviados. Mas vocês encontraram o caminho de volta uns aos outros. É isso que importa.” Um trovão distante reverberou.

 como um eco dos eventos daquela noite fatídica três anos atrás. “Sua história sobre as princesas e a tempestade”, comentou Ricardo após um momento. “Foi improvisada ou você já tinha planejado?” “Um pouco dos dois. Minha avó costumava contar histórias similares quando eu era criança. Dizia que o medo vem da incompreensão e que histórias nos ajudam a dar sentido ao que tememos”.

 Sua avó parecia uma mulher sábia. Era me ensinou quase tudo que sei sobre lidar com crianças e com a vida em geral. Ricardo observou-a com renovada curiosidade. Você é uma enigma, Luía Santos. Chega aqui com uma pequena mala e uma bíblia gasta, sem referências impressionantes ou métodos revolucionários.

 E em poucas semanas transforma completamente uma casa que estava a deriva anos. Luía sorriu um pouco envergonhada com a observação. Não fiz nada extraordinário, apenas fiquei quando todos os outros foram embora. É exatamente isso que é extraordinário. Ele hesitou como se medisse suas próximas palavras. As meninas não são as únicas que estão diferentes desde sua chegada. Eu também estou mudado.

 Mudado como? Perguntou ela suavemente. Ricardo contemplou a chuva por alguns segundos. antes de responder. Mais presente, mais conectado, menos perdido. Eu acho. É como se você tivesse aberto janelas em uma casa que esteve fechada por muito tempo. O ar ainda é o mesmo, mas de alguma forma parece mais fácil respirar.

 A honestidade da confissão tocou Luía profundamente. Percebeu que estavam adentrando um território perigosamente pessoal, algo que ultrapassava os limites da relação profissional que deveria manter. Fico feliz em ouvir isso”, respondeu finalmente, optando pela simplicidade. “Você e as meninas merecem essa reconexão.” Um silêncio confortável estabeleceu-se entre eles, preenchido apenas pelo som ritmado da chuva.

 Por alguns minutos permaneceram assim, cada um imerso em seus próprios pensamentos. “Sabe”, disse Ricardo finalmente. Clarissa teria gostado muito de você. A observação pegou Luía desprevenida. “Você acha?” “Tenho certeza.” Ela valorizava a autenticidade acima de tudo. Dizia que podia sentir quando as pessoas eram verdadeiras.

 E você, Luía, é a pessoa mais autêntica que conhecia em muito tempo. O comentário, feito com tanta sinceridade criou uma atmosfera de intimidade que Luía sabia ser melhor não alimentar. Gentilmente direcionou a conversa de volta para terreno mais seguro. As meninas herdaram muito dela, então posso sentir a autenticidade em cada uma delas, mesmo quando estão tentando me pregar peças. Ela sorriu lembrando das travessuras iniciais.

 Ricardo riu suavemente, aceitando a mudança de assunto. É verdade. Especialmente Bianca. Ela tem aquele mesmo olhar penetrante que Clarissa tinha como se pudesse ver através das pessoas. A conversa fluiu para temas mais leves. Histórias sobre as personalidades das quadrigêmeas quando bebês, planos para o final de semana, ideias para o festival escolar que se aproximava.

 A tempestade gradualmente se dissipou, deixando apenas uma chuva fina e constante, quase reconfortante. Quando finalmente se despediram para dormir, já passava da meia-noite. Ricardo parou brevemente na porta da sala, observando as filhas adormecidas em seu acampamento improvisado. “Obrigado por esta noite”, disse baixinho. “Por tudo”. Luía apenas sorriu em resposta.

 Enquanto se dirigia ao seu quarto, refletia sobre o quão complexo estava se tornando seu papel naquela casa. havia cruzado para território emocional perigoso e precisaria ser cuidadosa para não criar expectativas nas meninas ou em si mesma que não pudessem ser sustentadas a longo prazo.

 No entanto, deitada em sua cama, ouvindo os últimos pingos da chuva na janela, Luía não conseguia negar a si mesma verdade incômoda. Também estava mudada por sua experiência com os Nogueira. De alguma forma, aquela família tinha se infiltrado em seu coração de uma maneira que nenhuma outra havia conseguido em seus anos de trabalho com crianças. A manhã seguinte, amanheceu limpa e fresca, o céu de um azul intenso depois da tempestade.

 As quadrigêmeas acordaram animadas em seu acampamento, sem nenhum sinal do terror que geralmente associavam às noites de tempestade. “Tia Luía, a gente dormiu a noite toda na sala”, exclamou Belisa, espantada com a própria façanha. E eu nem tive pesadelos”, acrescentou Bianca timidamente, como se confessasse um segredo.

 “As princesas guardiãs nos protegeram”, afirmou Bruna com convicção. Luía sorriu, satisfeita ao ver como sua estratégia havia funcionado. Elas sempre protegem, mesmo quando não percebemos. Ricardo, que havia descido para se juntar ao café da manhã, observava a cena com evidente emoção. Para ele, aquela transformação era quase milagrosa. Suas filhas, que por três anos haviam sido aterrorizadas por tempestades, agora falavam sobre a experiência com entusiasmo quase místico.

 Durante o café, as quadrigmeas discutiam animadamente sua aventura da noite anterior, fazendo planos para o próximo acampamento indoor e elaborando teorias sobre quais princesas governavam quais aspectos das tempestades. “Podemos fazer desenhos das princesas controlando a tempestade hoje?”, perguntou Beatriz. “Quero fazer a princesa do fogo com sua espada de luz”. Ótima ideia, concordou Luía.

 podem ser ilustrações para nossa história. Enquanto as meninas terminavam de comer, Ricardo aproximou-se discretamente de Luía. Preciso ir ao escritório hoje, mas prometi levá-las ao Jardim Botânico no fim de semana. Você nos acompanharia? Claro, respondeu ela. Elas adorariam. Na verdade, ele hesitou momentaneamente.

Eu também gostaria que você viesse. É um lugar especial para nossa família. Clarissa e eu costumávamos ir lá toda semana antes. Entendo. Será uma honra acompanhá-los. O resto da manhã seguiu a rotina habitual. Organização da casa, lição de casa das meninas, preparativos para a escola na semana seguinte.

 Mas havia algo diferente no ar, uma leveza, uma sensação de que um importante obstáculo havia sido superado. À tarde, enquanto as quadrigêmeas trabalhavam em seus desenhos das princesas guardiãs controlando a tempestade, Luía recebeu uma ligação da agência de babás. Afastou-se para atender em privado. “Senrita Santos”, começou a coordenadora. Estou verificando sua situação na residência Nogueira. O Sr.

Ricardo solicitou extensão indefinida do seu contrato, o que é bastante incomum. Está tudo bem por aí? Sim, tudo ótimo, assegurou Luía. As meninas estão se adaptando bem e acredito que minha presença tem sido benéfica para elas. Sem dúvida. O Sr. Ricardo foi bastante enfático quanto a isso.

 Na verdade, nunca o vi tão insistente sobre manter uma funcionária. Havia uma insinuação na voz da coordenadora que deixou Luía desconfortável. “Estou apenas fazendo meu trabalho”, respondeu com firmeza. As quadrigêmeas são crianças maravilhosas que precisavam de estabilidade e compreensão. Certamente. Bem, o contrato está atualizado, então lembre-se que caso precise de qualquer suporte ou orientação, estamos à disposição.

Após desligar, Luía permaneceu pensativa por alguns momentos. A ligação havia trazido à tona questões que vinha tentando ignorar sobre a natureza de seu relacionamento com a família Nogueira e os limites profissionais que precisava manter. De volta à sala, encontrou as meninas orgulhosamente exibindo seus desenhos.

 Cada uma havia retratado uma princesa guardiã diferente. Beatriz desenhou a princesa do fogo com cabelos flamejantes e uma espada reluzente. Bruna criou a princesa da água. Cercada por gotas coloridas. Bianca representou a princesa da terra com flores brotando ao seu redor e Belissa ilustrou a princesa do ar em meio a nuvens e redemoinhos. São lindos! elogiou Luía sinceramente.

Podemos pendurá-los na parede do quarto de vocês. Assim, na próxima tempestade, terão as princesas por perto. A sugestão foi recebida com entusiasmo. Juntas criaram uma pequena galeria no quarto das quadrijmeas, organizando os desenhos em uma composição harmoniosa.

 Enquanto trabalhavam, Bianca, sempre a mais observadora, notou algo no rosto de Luía. Você está triste, tia Lu? A percepção aguçada da menina surpreendeu Luía. Não triste, querida, apenas pensativa. Sobre o quê? Luía considerou como responder honestamente, sem causar ansiedade, sobre como as coisas mudam, como às vezes coisas que nos assustavam, como tempestades, podem se transformar em algo bonito quando vistas de uma perspectiva diferente.

 Bianca a sentiu seriamente, absorvendo a reflexão com uma maturidade além de seus sete anos. Como o vaso quebrado da mamãe”, disse ela finalmente. “Agora é um colar bonito”. Luía tocou instintivamente o pingente de cristal que Ricardo havia lhe dado, surpresa com a profunda sabedoria contida na observação simples da criança.

 “Exatamente assim, Bianca, exatamente assim!” Naquela noite, quando Ricardo retornou do escritório, trouxe uma surpresa. Um telescópio pequeno, mas potente. Pensei que, já que as princesas moram nas nuvens, talvez vocês quisessem explorar mais o céu explicou as filhas encantadas. O tempo está limpo após a tempestade, perfeito para a observação estelar.

 A ideia gerou excitação imediata. Após o jantar, todos se dirigiram ao jardim dos fundos, onde Ricardo montou o equipamento com a ajuda entusiasmada das quadrigêmeas. “Olha, papai, uma estrela cadente!”, exclamou Belisa, apontando para um rastro luminoso no céu. “Rápido, façam um pedido”, incentivou Luía.

 As meninas fecharam os olhos, concentradas em seus desejos secretos. Quando terminaram, Bruna aproximou-se de Luía. Não vou contar meu pedido, senão não se realiza”, sussurrou conspiratoriamente. “Mas tem a ver com você ficar com a gente para sempre”. O comentário inocente atingiu Luía com força inesperada. Olhou para Ricardo, que ajustava o telescópio, e para as outras meninas, tão visivelmente felizes e seguras.

 Algo dentro dela se contraiu com um misto de alegria e apreensão. “Que tal vermos a lua pelo telescópio agora?”, sugeriu, desviando gentilmente do assunto. A noite prosseguiu com descobertas astronômicas e mais histórias sobre as princesas guardiãs, agora expandidas para incluir aventuras no espaço. Quando as meninas finalmente foram para a cama, exaustas, mas felizes, Luía encontrou-se novamente sozinha com Ricardo na varanda.

 Hoje foi um dia importante”, comentou ele, contemplando o céu estrelado. “Primeira tempestade sem traumas, primeiro passo além do medo que as aprisionava.” “Sim, foi significativo,”, concordou Luía. “Elas são incrivelmente resilientes, graças a você.” “Não, Ricardo, a resiliência sempre esteve nelas. Eu apenas ofereci ferramentas para que pudessem reconhecê-la e utilizá-la.

 Ele sorriu apreciando sua modéstia, mas insistindo. Mesmo assim, o que você fez por esta família em poucas semanas é algo que jamais poderei retribuir adequadamente. Luía percebeu que precisava estabelecer alguma clareza na situação. Não precisa retribuir. É meu trabalho, afinal. Seu trabalho. Ricardo repetiu as palavras lentamente, como se testasse seu significado.

 É assim que você vê isso? Apenas um trabalho? A pergunta pairou entre eles, carregada de implicações. Luía escolheu suas próximas palavras com cuidado. É mais que um trabalho, claro. Desenvolvi um carinho genuíno pelas meninas, por todos vocês, mas precisamos manter alguma perspectiva. Ricardo assentiu lentamente, compreendendo a mensagem subjacente.

 Tem razão, como sempre. Desculpe se soei inapropriado. De modo algum, assegurou ela rapidamente. Apenas acho importante que sejamos claros sobre as expectativas pelo bem das meninas, principalmente. Entendo perfeitamente. Um silêncio desconfortável seguiu-se, o primeiro desde que haviam começado a construir sua amizade.

 Luía sentiu que havia erguido uma barreira necessária, mas também lamentou a perda da facilidade que caracterizava suas interações anteriores. “Acho que vou dormir”, disse finalmente. “Amanhã será um longo dia.” “Claro.” “Boa noite, Luía.” Enquanto caminhava para seu quarto, Luía sentia-se dividida.

 Sabia que havia feito o certo, estabelecendo limites claros antes que a situação se complicasse mais. No entanto, não podia negar o apego que sentia à aquela família, não apenas as quadrigêmeas, mas também a Ricardo, a dona Zulmira, a Ivone, a toda a dinâmica que haviam construído juntos. Em seu quarto, antes de dormir, Luía pegou sua Bíblia gasta e abriu-a em um dos salmos que mais a confortava.

 Enquanto lia, tocava distraídamente o pingente de cristal em seu pescoço, um fragmento de algo quebrado que, como ela mesma havia ensinado às meninas, ainda permitia que a luz passasse através dele, criando beleza de uma forma diferente. O fim de semana chegou com um céu limpo e uma brisa amena, perfeito para o passeio ao jardim botânico que Ricardo havia prometido.

 As quadrigêmeas acordaram excepcionalmente cedo, ansiosas pela aventura. Desde o café da manhã, a empolgação era palpável. Beatriz organizava uma pequena mochila com itens essenciais. Bruna separava uma lupa para observar insetos. Bianca foliava um livro sobre plantas e Belisa simplesmente pulava de um lado para o outro, incapaz de conter a animação. Luía observava o movimento com um sorriso, ajudando nos preparativos enquanto mantinha uma distância calculada de Ricardo.

 A conversa da noite anterior havia criado uma sutil barreira entre eles. Necessária, ela sabia, mas ainda assim desconfortável. “Tia Luía, você já foi no Jardim Botânico?”, perguntou Belisa, interrompendo seus pensamentos. Uma vez quando me mudei para o Rio. É um lugar lindo. A gente ia muito com a mamãe comentou Bianca. Ela adorava as orquídeas e o lago com as vitórias régias, acrescentou Beatriz.

 Dizia que eram como tronos flutuantes para fadas. Ricardo, que entrava na cozinha naquele momento, parou brevemente ao ouvir o comentário. Um sorriso melancólico atravessou seu rosto. É verdade. Sua mãe tinha histórias para cada canto daquele jardim. “Você lembra delas, papai?”, perguntou Bruna, os olhos brilhando com esperança.

 Ricardo pareceu momentaneamente perdido, como se vasculhasse memórias a muito guardadas. Algumas, respondeu finalmente. Talvez consiga me lembrar quando estivermos lá. O trajeto até o Jardim Botânico foi animado com as meninas cantando no banco traseiro da SUV familiar, algo que raramente faziam antes da chegada de Luía.

 Ricardo dirigia ocasionalmente, olhando pelo retrovisor para as filhas com uma expressão de admiração, como se não pudesse acreditar na transformação que haviam experimentado. Luía, sentada no banco do passageiro, mantinha a conversa fluindo, mas notava a tensão residual entre ela e Ricardo. Havia um cuidado excessivo em suas interações, como se ambos estivessem pisando em ovos.

 O Jardim Botânico do Rio de Janeiro recebeu-os com sua imponente alameda de palmeiras imperiais. As quadrigêmeas, que não visitavam o local desde antes da perda da mãe, reagiram com uma mistura de fascínio renovado e nostalgia. Olha, papai, as palmeiras estão ainda mais altas”, exclamou Bruna, o pescoço esticado para tentar ver o topo das árvores. “É porque você continua pequena”, provocou Beatriz com um sorriso travesso. “Não sou pequena.

Cresci 2 cm desde o aniversário.” Luía interveio antes que a discussão esquentasse. “Que tal explorarmos o jardim? Podemos começar pelo orquidário, já que era o lugar favorito da mãe de vocês. A sugestão foi recebida com entusiasmo unânime. Ricardo lançou-lhe um olhar agradecido por mudar o assunto e, mais significativamente, por naturalizar menções à Clarissa sem que isso causasse desconforto.

 O orquidário era um espaço mágico, repleto de espécies raras e coloridas. As quadrigmeas vagavam de um canto a outro, maravilhadas com as formas e cores extraordinárias. Bianca, normalmente a mais reservada, parecia especialmente tocada por aquele ambiente. “Mamãe dizia que as orquídeas eram como pessoas”, comentou ela, observando atentamente uma delicada espécie rosa, cada uma única, com sua própria beleza.

 Ricardo ajoelhou-se ao lado da filha, sua mão tocando suavemente a pequena flor. Ela costumava dizer que você era como uma orquídea bianca, quieta, observadora, florescendo no seu próprio ritmo. A menina virou-se para o pai, surpresa. Ela falava isso sobre mim? Sim, tinha analogias para cada uma de vocês. Beatriz era um girassol forte, voltada sempre para a luz.

 Bruna era uma trepadeira, cheia de energia, sempre buscando novos caminhos. E Belisa era uma margarida, simples na aparência, mas com uma alegria que iluminava tudo ao redor. As quadrigêmeas absorviam as palavras com fascínio, descobrindo uma nova conexão com a mãe que mal conheceram. “E a senhora, dona Clarissa, perguntou Luía suavemente.

 Que flor seria?” Ricardo olhou para ela, momentaneamente surpreso pela pergunta pessoal, mas respondeu com um sorriso genuíno. Uma jaboticabeira. Uma árvore frutal. Luía ergueu as sobrancelhas intrigada. Clarissa odiava ser comparada a flores delicadas. Dizia que queria ser uma árvore que dá frutos, que alimenta, que perdura.

 A jabuticabeira era sua favorita, porque, como ela dizia, dá flores e frutos diretamente no tronco. Não precisa de ramos para se expressar. A descrição fez Luía sorrir, imaginando que tipo de mulher extraordinária havia sido Clarissa Nogueira. Ela parecia incrível. Era, concordou Ricardo, o olhar perdido em memórias por um momento.

 Então, voltando à realidade, perguntou às filhas: “Quem quer ver as vitórias régias agora?” O grupo seguiu pelo jardim, visitando os diferentes setores. O lago das vitórias régias, como previsto, causou espanto nas meninas, as enormes folhas circulares flutuando como plataformas verdes na água escura. “Papai, conta a história das fadas”, pediu Belisa. Ricardo hesitou apenas por um instante antes de começar.

 Bem, sua mãe dizia que durante a noite, quando ninguém está olhando, pequenas fadas saem de seus esconderijos entre as árvores. Elas usam as vitórias régias como salões de baile, dançando sob o luar. Enquanto Ricardo continuava a história, elaborando detalhes que ia recordando, Luía afastou-se discretamente, dando-lhes espaço para este momento familiar. caminhou até um banco próximo de onde podia observá-los sem interferir. A cena era tocante.

Ricardo, ajoelhado entre as quatro filhas, gesticulando animadamente enquanto recriava o mundo mágico que Clarissa havia inventado para elas. As meninas ouviam fascinadas, seus rostos iluminados por uma alegria que vinha não apenas da história em si, mas da conexão redescoberta com ambos os pais. o que estava ali e a que vivia em suas memórias.

 “É uma bela família”, comentou uma voz ao seu lado. Luía virou-se, encontrando uma senhora idosa que havia se sentado no mesmo banco. “Sim, são especiais”, respondeu com um sorriso. “Suas filhas?”, a pergunta pegou Luía de surpresa. “Ó, não, sou apenas a babá.” A senhora estudou-a por um momento, seus olhos sábios parecendo ver além das palavras. Apenas a babá.

 repetiu com um sorriso enigmático. Sabe, quando eu era jovem, também fui apenas a babá para uma família. 47 anos depois, ainda estamos juntos. Alguns laços transcendem as definições simples que tentamos lhes dar. Antes que Luía pudesse responder, a senhora levantou-se com a ajuda de uma bengala.

 Tenha um bom dia, querida, e lembre-se, às vezes o papel que acreditamos estar desempenhando é apenas o início de uma história muito maior. Com essas palavras, afastou-se lentamente, deixando Luía imersa em reflexões. Seu olhar voltou para os Nogueira. Ricardo agora mostrava algo no lago, as meninas aglomeradas ao seu redor, os cinco formando um quadro de harmonia familiar que há poucas semanas seria inimaginável.

 Qual era realmente seu papel ali? Havia entrado naquela casa como uma profissional, com limites claros e objetivos definidos. Mas a cada dia, esses limites pareciam mais difusos, os objetivos mais complexos. Seus pensamentos foram interrompidos por Belisa, que corria em sua direção. Tia Luía, vem ver. Tem um passarinho lindo perto do lago.

 Luía deixou levar pela mão pequena e ansiosa, afastando temporariamente suas inquietações. O resto do passeio transcorreu em clima leve, com piquenique sob árvores centenárias, visitas às estufas e muitas histórias compartilhadas. No caminho de volta para casa, as quadrigémeas adormeceram no banco traseiro, exaustas da aventura.

 Um silêncio confortável estabeleceu-se entre os adultos, até que Ricardo o quebrou suavemente. Obrigado por hoje. Não precisa me agradecer. Foi um dia maravilhoso, não apenas pelo passeio, por criar espaço para que eu pudesse reconectar com as memórias de Clarissa, sem que isso fosse paralisante, por mostrar às meninas que podemos honrar sua mãe sem que isso seja apenas triste.

 Luía olhou para ele, percebendo a sinceridade em suas palavras. É um processo natural de cura. Você apenas precisava de um pequeno empurrão. Ricardo manteve os olhos na estrada, mas sua voz ganhou uma nota mais pessoal. Sobre ontem à noite. Quero me desculpar se ultrapassei algum limite. Não precisa se desculpar.

 Somos adultos navegando uma situação emocionalmente complexa. É compreensível que haja confusão ocasional. Não há confusão da minha parte, respondeu ele com surpreendente clareza. Admiro você profundamente, Luía. O que você fez por minhas filhas, por esta família, vai além do profissional. E sim, isso desperta sentimentos que não experimentava há muito tempo.

 Luía sentiu seu coração acelerar com a franqueza da declaração. Escolheu suas próximas palavras cuidadosamente. Ricardo, também sinto um carinho genuíno por todos vocês, mais do que seria convencional numa relação profissional. Mas precisamos ser cautelosos pelos seus filhos, principalmente. Entendo isso melhor que ninguém, assegurou ele. Não estou pedindo nada, nem esperando nada.

Apenas queria que soubesse que meus sentimentos, sejam quais forem, são sinceros. Não são gratidão confusa ou idealização. O assunto ficou suspenso entre eles, delicado, mas honesto. Pelo resto do trajeto, conversaram sobre temas mais leves, planos para a semana, a peça escolar que se aproximava, a evolução da pequena horta das meninas.

 Ao chegarem em casa, Ricardo carregou Belisa e Bianca para dentro, enquanto Luía ajudava Beatriz e Bruna, ainda sonolentas. Colocaram as meninas para descansar em suas camas, combinando que o jantar seria mais tarde naquele dia. Luía retirou-se para seu quarto, sentindo necessidade de algum tempo sozinha para processar tudo, o dia, a conversa, os sentimentos contraditórios que experimentava.

 sentou-se na poltrona junto à janela, observando o jardim, onde semanas atrás as quadrigêmeas haviam preparado suas primeiras armadilhas para afugentá-la. Parecia uma vida inteira desde aqueles dias iniciais de desconfiança e testagem. Um leve bater na porta interrompeu seus pensamentos. “Entre”, chamou, esperando encontrar uma das meninas.

 Para sua surpresa, foi dona Zulmira quem apareceu carregando uma bandeja com chá e biscoitos. Pensei que gostaria de um lanche depois do dia movimentado explicou a governanta colocando a bandeja sobre a pequena mesa. Muito gentil, obrigada. Em vez de se retirar imediatamente, como era seu costume, dona Zulmira hesitou na porta. Posso lhe dizer algo, Luía? Claro.

 A idosa sentou-se na beira da cama, alisando o avental impecavelmente branco. Trabalho para a família Nogueira há quase 20 anos. Vi o Sr. Ricardo conhecer dona Clarissa, viu o casamento, o nascimento das meninas. Sua voz embargou ligeiramente e também via a destruição que a perda dela causou.

 Luía ouvia atentamente, intrigada com essa abertura em comum da sempre reservada governanta. Nos últimos três anos, esta casa foi um lugar de sombras, mesmo nos dias mais ensolarados até você chegar. Dona Zira, deixe-me terminar, por favor. A senhora levantou uma mão, determinada a dizer o que viera dizer.

 Não sei o que está acontecendo entre você e o senor Ricardo, e não é da minha conta, mas sei o que vejo. Vejo luz voltando para esta casa. Vejo quatro meninas voltando a ser crianças de verdade. Vejo um homem que estava apenas existindo, começando a viver novamente. Luía sentiu um nó na garganta, tocada pelas palavras sinceras. É meu trabalho, dona Zulmira.

 Fiz apenas o que não interrompeu a governanta com firmeza. Não diminua o que fez. 12 babás profissionais vieram antes de você. Algumas com credenciais impressionantes, especializações, métodos inovadores. Nenhuma conseguiu o que você conseguiu em poucas semanas. Ela levantou-se, alisando o avental mais uma vez, um gesto que Luía percebeu ser seu mecanismo para lidar com emoções intensas.

 Só queria que soubesse que seja qual for sua decisão sobre permanecer aqui ou sobre outras questões, você já deixou uma marca que não será esquecida. Antes que Luía pudesse responder, dona Zulmira saiu rapidamente, deixando-a sozinha novamente, mas agora com ainda mais questões circulando em sua mente. O chá esfriava na xícara enquanto Luía tentava organizar seus pensamentos.

 As palavras da governanta, somadas às da misteriosa senhora no jardim, pareciam convergir para uma mensagem que ela não estava certa se estava pronta para ouvir. A verdade que Luía vinha tentando negar para si mesma era que sua conexão com a família Nogueira ia muito além do profissional.

 Havia algo ali na maneira como as quadrigémeas a olhavam, na facilidade com que Ricardo compartilhava seus pensamentos mais íntimos com ela, na forma como todos na casa haviam começado a orbitar ao seu redor como planetas buscando a luz do sol. Mais perturbador ainda era perceber que ela própria havia começado a vê-los não como um compromisso temporário, mas como família.

 Uma família que preenchia o vazio deixado pela perda de seu irmão, que dava propósito ao seu próprio processo de cura. Seus pensamentos foram interrompidos por uma batida animada na porta, o ritmo inconfundível dos nós dos dedos pequenos de Belisa. Tia Luía, você tá dormindo? Não, querida. Pode entrar. A porta abriu-se e não apenas Belisa, mas as quatro entraram, já recuperadas da soneca e cheias de energia renovada.

A gente teve uma ideia super legal, anunciou Beatriz claramente a porta-voz do grupo. É sobre o aniversário do papai, explicou Bruna, que é daqui a duas semanas, acrescentou Bianca. E a gente quer fazer uma festa surpresa”, concluiu Belisa, pulando de empolgação. Luía sorriu momentaneamente distraída de suas reflexões pela animação contagiante.

“Uma festa surpresa? Isso é maravilhoso. Tem algum plano em mente?” As quatro sentaram-se em sua cama, formando um círculo conspiratório. Beatriz, assumindo naturalmente o papel de líder, explicou: “A gente nunca fez festa para ele depois que a mamãe, você sabe, ele sempre diz que não, precisa comemorar que é só mais um dia.

” “Mas não é só mais um dia”, continuou Bruna. “É o dia que ele nasceu e a mamãe sempre fazia festas surpresa para ele”, acrescentou Bianca. Dona Zulmira contou e a gente quer fazer igual, concluiu Belisa. Luía olhou para os quatro rostinhos determinados, sentindo uma onda de ternura. Mesmo depois de tudo o que haviam passado, ainda possuíam essa capacidade extraordinária de amar e querer demonstrar esse amor. Acho uma ideia incrível, aprovou.

 Por onde querem começar? Por quase uma hora planejaram os detalhes da celebração surpresa. As quadrigêmeas tinham ideias ambiciosas, desde contratar uma banda até transformar o jardim inteiro em um parque de diversões que Luía gentilmente ajudou a adaptar para algo mais realizável, mas igualmente especial. decidiram por uma festa íntima no Jardim dos Fundos, com os pratos favoritos de Ricardo, decoração feita pelas próprias meninas e uma apresentação musical em que as quadrigêmeas cantariam uma canção especial. “Temos que ensaiar todos os dias até lá”, determinou Beatriz, já organizando

um cronograma mental. “E fazer desenhos para decorar tudo”, acrescentou Beliza. “E cartas”, sugeriu Bianca. Cada uma escreve uma carta para o papai. E presentes completou Bruna. Podemos fazer presentes com as coisas da nossa horta. Luía sorria encantada com o entusiasmo genuíno.

 A ideia da festa havia surgido delas sem qualquer sugestão externa, um sinal claro de seu processo de cura e crescimento emocional. “Tenho certeza que será o melhor aniversário que seu pai já teve”, comentou. Mas você tem que prometer não contar nada para ele, advertiu Beatriz seriamente. É um segredo super importante. Prometo solenemente, respondeu Luía, fazendo um gesto de fechar a boca com chave, que arrancou risadinhas das meninas.

 Quando as quadrigêmeas finalmente saíram para iniciar os preparativos secretos, Luía permitiu-se um momento para absorver o que acabara de acontecer. Em meio a todas as suas dúvidas e questionamentos sobre seu lugar naquela família, as meninas haviam, sem perceber oferecido uma resposta clara. Confiavam nela para ajudá-las a criar um momento significativo para seu pai.

 Confiavam que ela estaria ali nas próximas duas semanas e, provavelmente, além. Essa confiança carregava uma responsabilidade enorme, não apenas a de manter o segredo da festa, mas a de ser digna da fé que depositavam nela, de não desapontá-las como tantos adultos haviam feito antes. Enquanto se preparava para descer e ajudar com o jantar, Luía sentiu uma clareza que havia estado ausente horas antes.

 Independentemente das complicações emocionais, dos limites profissionais nebulosos, do futuro incerto, havia uma certeza. Seu compromisso com aquelas quatro meninas que haviam encontrado um caminho para seu coração, um compromisso que não poderia, não iria quebrar. Com essa resolução em mente, Luía desceu as escadas, pronta para enfrentar o que quer que viesse a seguir nesta jornada inesperada com os Nogueira.

 Na cozinha, encontrou Ricardo ajudando Ivone a preparar o jantar, outra mudança notável em sua rotina. Ele ergueu o olhar quando ela entrou e trocaram um sorriso simples, mas carregado de um entendimento mútuo. Por hora, isso era suficiente. Os dias seguintes trariam seus próprios desafios e revelações. Mas naquele momento, na cozinha iluminada, cheia do aroma de comida caseira, com o som das risadas das quadrigêmeas vindo da sala, Luía sentiu-se exatamente onde deveria estar.

 e pela primeira vez em muito tempo, não tinha medo do que isso poderia significar. As duas semanas seguintes, foram um turbilhão de atividades secretas na mansão Nogueira. As quadrigêmeas dedicavam cada momento livre aos preparativos para a festa surpresa do pai, sempre sob a supervisão discreta de Luía.

 Criaram decorações coloridas, ensaiaram incansavelmente a canção especial e prepararam presentes feitos com carinho, desde desenhos emoldurados até pequenos vasos com mudas de sua horta. Ricardo, absorvido por um importante projeto no trabalho, não percebeu a conspiração que se desenrolava bem debaixo de seu nariz. Quando questionava os coxichos repentinos que cessavam com sua aproximação, aceitava facilmente as explicações de projetos escolares secretos que as filhas ofereciam.

 Para Luía, esse período trouxe uma clareza renovada. A determinação das meninas em criar um momento especial para o pai, após anos sem celebrações, era um testemunho do quanto haviam crescido emocionalmente. E seu próprio papel nessa transformação, embora não buscasse crédito, era innegável.

 Na véspera do aniversário, após colocar as quadrigmeas na cama, uma tarefa difícil, considerando a excitação pela surpresa do dia seguinte, Luía encontrou Ricardo na varanda dos fundos, seu refúgio habitual nas noites tranquilas. “Boa noite”, cumprimentou ela, mantendo uma distância respeitosa. Nas últimas semanas, haviam estabelecido uma dinâmica confortável, amigável, calorosa, mas cuidadosamente contida.

 Boa noite”, respondeu ele, indicando a cadeira ao lado. “Acabou de colocar as feras para dormir?” “Sim, embora colocar seja um eufemismo, acredito que ainda estejam acordadas, tramando alguma coisa.” Luía sorriu, sentindo-se ligeiramente culpada pela meia verdade. “Elas andam misteriosas ultimamente”, comentou Ricardo.

 “Você sabe o que estão aprontando?” Tenho uma vaga ideia”, respondeu diplomaticamente. “Mas prometi segredo absoluto.” Ricardo riu, balançando a cabeça. “Está bem, respeitarei o pacto feminino de silêncio.” Por alguns minutos, ficaram em silêncio confortável, observando o céu estrelado.

 Era uma noite clara, com uma lua quase cheia, iluminando o jardim meticulosamente cuidado. Outro sinal da renovação que havia ocorrido naquela casa. Recebeu o e-mail da escola sobre a apresentação da próxima semana?”, perguntou Luía, quebrando o silêncio. Sobre os flocos de neve? Sim, as fantasias estão prontas? Quase. Faltam apenas alguns detalhes nos adereços da cabeça. As meninas estão tão empolgadas.

Será a primeira apresentação delas. “E eu estarei lá”, afirmou Ricardo com convicção. “Já reorganizei toda a minha agenda para garantir que estarei na primeira fila”. Luía sorriu, lembrando-se do Ricardo que conhecera há dois meses atrás, um homem que delegava eventos escolares a secretárias e babás, sempre com alguma reunião inadiável como desculpa. Elas ficarão radiantes.

 Tudo graças a você”, disse ele, virando-se para encará-la diretamente. Antes de você chegar, eu mal conseguia gerenciar uma refeição sem desastres, quanto mais criar memórias significativas com minhas filhas. “Não me dê tanto crédito”, protestou Luía suavemente. “Você sempre foi o pai que elas precisavam.

 Apenas precisava encontrar o caminho de volta a esse papel.” Ricardo refletiu sobre as palavras, seus olhos voltando-se para o jardim. Amanhã faço 43 anos comentou aparentemente mudando de assunto. É o primeiro aniversário desde que Clarissa partiu, que não encaro com completa indiferença ou até ressentimento.

 Por quê? Porque finalmente sinto que tenho algo a celebrar além de apenas mais um ano de sobrevivência. Ele fez uma pausa, escolhendo cuidadosamente as próximas palavras. Quando você perde alguém que é o centro do seu mundo, datas comemorativas tornam-se apenas dolorosos lembretes do que falta.

 Mas agora, agora sinto que nossa família está reaprendendo a celebrar a vida. Luía a sentiu compreendendo perfeitamente o que ele descrevia. Havia passado por processo semelhante após a perda de Gabriel. “A vida sempre encontra um caminho para continuar”, comentou. como suas plantas após a tempestade, dobradas talvez, mas não quebradas, prontas para crescer novamente quando o sol retorna.

 Ricardo observou-a com aquele olhar que havia se tornado familiar, uma mistura de admiração e algo mais profundo que ambos evitavam nomear. “Você tem o dom de transformar sabedoria profunda em palavras simples, sabia?” Luía sorriu ligeiramente embaraçada. Apenas repito o que aprendi com minha avó. Ela tinha um ditado para cada situação da vida. Bem, sua avó deve ter sido uma mulher extraordinária, assim como você.

 O elogio pairou entre eles, carregado de significado não dito. Por um momento, Luía permitiu-se imaginar um futuro diferente do que havia planejado, um futuro ali com os Nogueira, não apenas como babá, mas como algo mais. A ideia era simultaneamente assustadora e reconfortante. “É melhor eu ir dormir”, disse finalmente levantando-se. “Amanhã será um longo dia.

” Ricardo assentiu, respeitando sua retirada. “Boa noite, Luía, e obrigado. Pelo quê? Por estar aqui. Por tudo.” Luía apenas sorriu em resposta, incapaz de expressar em palavras o complexo emaranhado de emoções que sentia. retirou-se para seu quarto, onde passou algum tempo verificando os últimos detalhes para a celebração do dia seguinte, antes de finalmente adormecer.

 A manhã do aniversário amanheceu ensolarada e perfeita, como se o próprio céu conspirasse para o sucesso da surpresa. As quadrigêmeas, contrariando todos os hábitos, acordaram antes mesmo de Luía, e vieram bater em sua porta, já vestidas e prontas para a ação. “Tia Luía, acorda. É hoje”, chamou Beatriz em um sussurro alto o suficiente para acordar os mortos.

 Luía abriu a porta encontrando quatro rostinhos ansiosos e sorridentes. “Já estou acordada. Vejo que estão super animadas.” “O papai ainda tá dormindo”, informou Bruna. A gente espiou. Ótimo. Vamos descer e começar os preparativos, mas em silêncio absoluto combinado. As meninas a sentiram solenemente, embora o brilho em seus olhos denunciasse a dificuldade que teriam em conter a empolgação.

 Na cozinha encontraram Ivone, dona Zulmira e os outros funcionários da casa já em plena atividade. Todos haviam entrado na conspiração, felizes em ver a alegria retornando àquela família. Bom dia, pequenas madrugadoras”, cumprimentou Ivone com um sorriso caloroso. Prontas para a grande operação? Sim”, responderam em uníssono, antes de se lembrarem que deveriam fazer silêncio.

 Por duas horas, a mansão transformou-se em uma colmeia de atividade silenciosa. O jardim dos fundos foi decorado com fitas coloridas e balões. A mesa foi arrumada com toalhas de linho e a melhor louça. O bolo de chocolate com cobertura de brigadeiro, o favorito de Ricardo, foi posicionado estrategicamente no centro e os presentes feitos pelas meninas foram organizados artisticamente.

 Quando tudo estava pronto, veio a parte mais desafiadora, acordar Ricardo sem revelar a surpresa. “Eu vou”, ofereceu-se Belisa, a mais convincente atriz das quatro. subiu as escadas com passos leves e bateu na porta do pai. “Papai, você tá acordado?” Um resmungo sonolento foi a única resposta. “Papai, tem uma coisa estranha no jardim. Vem ver”. Essa tática funcionou. Em poucos minutos, Ricardo emergia de seu quarto, ainda em pijamas, o cabelo despenteado, mas com expressão alerta.

 “O que tem de estranho, Beliza? Algum animal entrou? Não sei direito”, respondeu ela, tentando parecer preocupada enquanto o guiava a escada abaixo. “Parece, parece. Ah, é melhor você ver. Com habilidade surpreendente para uma criança de 7 anos, Belisa conduziu o pai até a porta dos fundos.

 No momento em que a abriu, um couro de surpresa explodiu no jardim ensolarado. Ricardo congelou, boque aberto. Diante dele estava não apenas sua família e funcionários, mas um verdadeiro cenário de celebração que claramente havia exigido dias de preparação. “Feliz aniversário, papai”, gritaram as quadrigmeas correndo para abraçá-lo. Por um momento, Ricardo pareceu genuinamente sem palavras.

 Seus olhos percorreram o espaço transformado, detendo-se nos rostos sorridentes de suas filhas, e, finalmente, em Luía, que observava a cena com satisfação discreta. “Vocês Vocês fizeram tudo isso para mim?” “Sim”, respondeu Beatriz orgulhosamente. “A gente planejou tudo com a ajuda da tia Luía”, acrescentou Bianca honestamente. “E da dona Zulmira e da Ivone”, completou Bruna.

 “Mas a ideia foi nossa”, insistiu Belisa. Ricardo ajoelhou-se, abraçando as quatro filhas de uma só vez, uma façanha que agora conseguia realizar com mais facilidade após meses de prática. “É o melhor aniversário da minha vida”, declarou a voz embargada pela emoção. “Obrigado, minhas princesas”.

 Depois de alguns momentos absorvendo a surpresa inicial, Ricardo foi gentilmente empurrado pelas filhas para se sentar à cabeceira da mesa. O café da manhã transformou-se em uma celebração festiva, com pratos elaborados preparados por Ivone, presentes entregues com entusiasmo infantil e conversas animadas. As quadrigmeas estavam radiantes, orgulhosas de seu plano bem-sucedido.

Ricardo aceitava cada presente feito à mão, desde pinturas abstratas até pequenos vasos com mudas da horta, como se fossem tesouros inestimáveis. E, de certa forma, eram. Após o café, quando a conversa fluía naturalmente e a tensão da surpresa havia se dissipado, Beatriz fez um sinal discreto para as irmãs.

 Era hora da apresentação especial que haviam ensaiado por duas semanas. Papai, anunciou ela com seriedade formal, temos mais uma surpresa. As quatro posicionaram-se diante de todos em formação ensaiada. Bianca, que tinha a voz mais afinada, deu o tom.

 E então começaram a cantar uma versão personalizada de parabéns a você intercalada com versos originais que haviam composto sobre seu pai. Não era uma performance profissional. Havia notas desafinadas e momentos de dessincronia. Mas a pureza do sentimento e o evidente esforço tornavam-na mais comovente que qualquer apresentação polida. Quando terminaram, não havia um olho seco no jardim. Ricardo, visivelmente emocionado, aplaudiu de pé.

Isso foi perfeito conseguiu dizer finalmente. Como vocês cresceram? Como estão se tornando pessoas incríveis. As quadrigmeas correram para abraçá-lo novamente, formando o nó familiar que havia se tornado sua marca registrada nos últimos meses. A celebração continuou pela manhã, com jogos no jardim e mais conversas.

 Por volta do meio-dia, Ricardo surpreendeu a todos com um anúncio. Pensei em tirarmos o resto do dia para um passeio especial. Que tal irmos à praia? A sugestão foi recebida com entusiasmo pelas meninas que correram para se preparar. Em menos de uma hora, todos estavam prontos. as quadrigêmeas com chapéus e protetor solar, Luía com uma bolsa contendo lanches e toalhas, e Ricardo com um largo sorriso que iluminava seu rosto como Luía raramente havia visto.

 A praia escolhida era uma enceada tranquila e pouco movimentada, perfeita para uma tarde familiar. As meninas corriam na areia, construíam castelos e brincavam nas ondas rasas sob supervisão atenta. Ricardo e Luía revesavam-se entre participar das brincadeiras e simplesmente observar, sentados lado a lado na areia. “Elas estão tão felizes”, comentou Luía, observando as quadrigmeas, tentando capturar pequenos caranguejos em poças de maré. Sim, e livres”, acrescentou Ricardo. “Livres do peso que carregavam.

“Você também parece mais leve”, ele sorriu seus olhos seguindo as filhas. Me sinto mais leve, como se finalmente estivesse emergindo de um longo mergulho em águas escuras, respirando plenamente pela primeira vez em anos. Luía assentiu, compreendendo perfeitamente a metáfora. “Sabe o que mais me impressionou na surpresa de hoje?”, continuou ele.

 Não foi apenas o gesto em si, mas o que ele representa. Há alguns meses, minhas filhas mal conseguiam expressar emoções que não fossem raiva ou medo. Hoje organizaram uma celebração de amor. Isso é extraordinário. Elas sempre tiveram essa capacidade dentro delas, respondeu Luía. Apenas precisavam redescobri-la. Ricardo virou-se para encará-la diretamente com sua ajuda.

 Não diminua sua contribuição, Luía. Você foi o catalisador de tudo isso. Ela sorriu, aceitando o reconhecimento. Talvez. Mas vocês fizeram o trabalho difícil. Eu apenas ofereci um espaço seguro. Um espaço seguro, repetiu ele pensativamente. É exatamente o que nossa casa se tornou desde sua chegada. Um espaço seguro para cura, para crescimento, para recomeçar.

 Havia uma intenção clara em suas palavras que Luía não podia ignorar. Durante semanas, haviam dançado ao redor do tema cuidadosamente, evitando qualquer declaração explícita. Mas hoje, no aniversário de Ricardo, parecia haver uma nova resolução em seus olhos. Antes que pudesse responder, foram interrompidos por Bruna, que corria em sua direção com uma concha particularmente bonita para mostrar.

 O momento passou, mas algo havia mudado subtilmente entre eles. Uma barreira invisível havia se dissolvido. O restante da tarde transcorreu em clima de alegria despreocupada. Quando o sol começou a se pôr, pintando o céu com tons alaranjados, a família reuniu-se para observar o espetáculo natural. “É tão bonito”, suspirou Belisa, sentada no colo do pai. “Sim”, concordou Beatriz.

“Parece pintura. Mamãe adorava pôr do sol”, comentou Bianca suavemente. O comentário, em vez de trazer a melancolia habitual, foi recebido com sorrisos nostálgicos. Adorava mesmo, confirmou Ricardo. Dizia que era o momento em que o céu mostrava todas as suas cores de uma vez só, como se estivesse se exibindo.

 As quadrigmeas riram da descrição, facilmente imaginando sua mãe dizendo algo assim. “Acho que ela ia gostar de saber que a gente ainda vê pôr do sol juntos”, observou Bruna pensativamente. “Tenho certeza que sim, querida”, respondeu Ricardo, abraçando-a mais forte. Luía observava a interação alguns passos atrás, dando a eles o espaço para este momento familiar.

 Era uma cena que jamais imaginaria testemunhar quando chegou àquela casa meses atrás. Ricardo e suas filhas falando abertamente sobre Clarissa, compartilhando memórias com sorrisos, em vez de lágrimas, honrando sua presença em vez de evitá-la dolorosamente. O caminho de volta para casa foi tranquilo, com as meninas adormecendo no carro, exaustas da emoção e atividades do dia. Quando chegaram à mansão, já era noite fechada.

 Ricardo carregou Belisa e Bianca para dentro, enquanto Luía ajudava Beatriz e Bruna. semi-adormecidas. Após colocarem as meninas na cama, encontraram-se no corredor, ambos exaustos, mas satisfeitos com o dia perfeito. “Obrigado por hoje”, disse Ricardo Baixinho. “Pelo aniversário, pelo passeio, por tudo.

 Foi um prazer ver a felicidade delas e a sua é a melhor recompensa.” Ricardo hesitou como se estivesse tomando uma decisão importante. “Podemos conversar? um pouco mais na varanda, talvez. Luía assentiu, percebendo pela seriedade em sua voz que esta não seria uma conversa casual. Na varanda, sob o céu estrelado, Ricardo parecia nervoso, algo raro para um homem geralmente tão composto. “O que foi?”, perguntou Luía gentilmente.

 Preciso lhe dizer algo, algo que venho pensando há semanas, mas nunca encontrei o momento certo. Ele respirou fundo. Hoje, vendo minhas filhas tão felizes, tão completas, tive uma certeza que não posso mais ignorar. Luía sentiu seu coração acelerar, antecipando o rumo da conversa. Não sou ingênuo, Luía. Sei que o que aconteceu aqui nos últimos meses é excepcional, não a regra.

 Sei também que você entrou em nossas vidas como uma profissional, não buscando complicações. Ele fez uma pausa, organizando seus pensamentos. Mas também sei reconhecer quando algo raro e precioso surge em nossa vida. Algo que seria loucura ignorar ou deixar escapar por medo ou convenções.

 Ele virou-se para encará-la diretamente, seus olhos refletindo a determinação de alguém que havia pensado profundamente sobre cada palavra. Não estou lhe pedindo nada agora. Não estou esperando nenhuma resposta ou compromisso. Apenas quero que saiba que o que sinto por você vai muito além da gratidão. É algo que não sentia há muito tempo, algo que achei que jamais sentiria novamente.

Luía ouviu cada palavra com atenção, sentindo o peso e a sinceridade por trás delas. Ricardo, eu, por favor, deixe-me terminar. Interrompeu ele gentilmente. Sei dos complicadores. Sei das questões éticas envolvidas em sua posição em nossa casa. Sei do receio quanto ao impacto nas meninas. Compreendo tudo isso? Ele deu um passo adiante, aproximando-se dela.

 Mas também sei que o que temos aqui, o que construímos juntos nesta casa nos últimos meses, é algo extraordinário. Uma família que estava quebrada, encontrando um caminho para a cura. E você, Luía, não é apenas a facilitadora desse processo. Tornou-se parte essencial dele.

 A emoção em sua voz era palpável e Luía sentiu seus próprios olhos umedecerem. O que estou tentando dizer de forma bastante desajeitada é que gostaria que considerasse permanecer não apenas como babá das minhas filhas, mas como parte permanente da nossa família. O título, a forma, os detalhes, tudo isso pode esperar.

 O importante é que saiba que há um lugar para você aqui, um lugar que criou com seu próprio coração e que ninguém mais poderia preencher. As palavras pairaram entre eles, carregadas de significado e possibilidades. Por vários segundos, Luía permaneceu em silêncio, absorvendo tudo. Quando cheguei aqui, começou finalmente, disse à dona Zulmira que não estava aqui para consertar nada, apenas para ficar até que a luz voltasse. Ela sorriu suavemente.

 Era o que eu acreditava ser meu propósito, um propósito temporário, uma passagem breve por vidas que precisavam de ajuda para reencontrar seu caminho. Ricardo ouvia atentamente seu rosto revelando atenção de quem teme e espera simultaneamente. O que não esperava, continuou Luía, era que encontraria aqui não apenas uma família para ajudar, mas um lugar onde minha própria luz também voltaria a brilhar.

 Um lugar que preencheria vazios, que carregava há tanto tempo que havia esquecido como era sentir-me completa. Ela deu um passo em sua direção, reduzindo a distância entre eles. As quadrigêmeas capturaram meu coração desde o primeiro dia, mesmo quando estavam tentando me assustar com aranhas de borracha. Ambos sorriram com a lembrança. E você, Ricardo? Você mostrou uma coragem e um compromisso com a cura que me inspiraram profundamente.

 Juntos, vocês cinco me ensinaram que família não é apenas o que nascemos, mas também o que construímos com amor e escolha consciente. Ricardo esperava, quase sem respirar, pela conclusão que ainda não havia vindo. “Não tenho todas as respostas ainda, admitiu Luía. Há complexidades que precisamos navegar com cuidado, especialmente pelo bem das meninas, mas sei com uma certeza que raramente senti na vida que meu lugar é aqui, que esta casa de alguma forma inexplicável tornou-se meu lar.

 O alívio e a alegria no rosto de Ricardo eram quase palpáveis. Ele pegou suas mãos entre as dele. Isso é tudo que precisava ouvir. O resto, o como, o quando, podemos descobrir juntos no nosso próprio ritmo. Por um momento, ficaram assim: mãos unidas, olhares conectados, um entendimento silencioso passando entre eles. Não era um final, mas um começo, o início de um novo capítulo para a família Nogueira, agora expandida de formas que nenhum deles poderia ter previsto.

 Daquele dia em diante, a mansão nogueira continuou sua transformação. As quadrigêmeas floresciam, suas personalidades distintas, emergindo mais claramente à medida que a sombra do luto não processado se dissipava. Ricardo redescobriu não apenas como ser um pai presente, mas também como ser um homem completo, capaz de honrar o passado enquanto abraçava o futuro.

 E Luía, que havia chegado com uma pequena mala e uma bíblia gasta, encontrou um propósito que transcendia sua missão inicial. Um ano depois, uma nova fotografia foi colocada sobre o piano da sala de estar. Nela, seis pessoas sorriam sob o sol brilhante do jardim. Ricardo ao centro com as quadrigmeas, agora com oito anos ao seu redor e Luía ao seu lado, um delicado anel de noivado brilhando em sua mão esquerda.

 Ao lado desta foto permanecia a de Clarissa, não mais escondida ou evitada, mas honrada como parte essencial da história familiar. O jardim, antes parcialmente abandonado, agora florescia exuberante e colorido, cuidado por seis pares de mãos. A horta das meninas havia se expandido, tornando-se um projeto familiar de fins de semana.

 Clareiras foram abertas entre as árvores para permitir a entrada de mais luz natural, simbolizando a nova filosofia da casa. Honrar a sombra, mas sempre buscar a claridade. Nas noites de tempestade que antes traziam terror, a família agora se reunia na sala para contar histórias das princesas guardiãs, um mitologia particular que havia se expandido consideravelmente, com novas aventuras e personagens adicionados pelas próprias quadrigémeas.

 A mansão, antes um mausoléu de memórias dolorosas, ecoava novamente com risos musicais e conversas animadas. As quadrigémeas continuavam a ser desafiadoras à sua maneira. eram, afinal crianças com personalidades fortes, mas sua energia agora fluía em direções construtivas, alimentada pelo ambiente seguro que havia sido reconstruído ao seu redor.

 Ricardo e Luía encontraram seu próprio ritmo, construindo um relacionamento fundamentado em respeito mútuo, valores compartilhados e o amor profundo pelas quatro meninas, que haviam inadvertidamente sido as arquitetas de sua união. E todas as noites antes do jantar, a família inteira juntava as mãos ao redor da mesa. Juntos agradeciam não apenas pela comida, mas pelo amor que o sustentava, pela jornada que haviam compartilhado e pelo milagre diário que era ter encontrado uns aos outros.

 Provando que mesmo nos lugares mais improváveis, mesmo após as perdas mais devastadoras, a luz sempre encontra um caminho. Porque como Luía havia aprendido e agora ensinava as suas quatro filhas de coração, a família verdadeira não é apenas aquela em que nascemos. mas também aquela que escolhemos construir dia após dia com paciência, coragem e amor inabalável. Fim da história.

 Queridos ouvintes, esperamos que a jornada de Ricardo Luía e as quadrigmeas tenha tocado seu coração. Para continuar essa viagem por histórias emocionantes que exploram os laços familiares e os caminhos de cura, preparamos uma playlist especial com narrativas igualmente cativantes. Encontrem-na aqui clicando à sua esquerda.

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