Henrique Ferraz estava voltando para casa mais cedo naquela quinta-feira. Aos 32 anos, era o herdeiro do conglomerado Ferraz Industries, um império que seu pai havia construído com muito suor. Em duas semanas se casaria com Raíça Cavalcante, a mulher que acreditava ser o amor da sua vida.
Ao abrir a porta da mansão, escutou a voz de Raíça vinda do escritório. Ela estava ao telefone e o tom descontraído chamou sua atenção. Henrique se aproximou silenciosamente, sem intenção de espionar, mas o que ouviu o deixou gelado. Ai, Fernanda, você não imagina como estou cansada dessa farça toda dizia Raíça, rindo.
Henrique é tão chato, sabe? fica falando dos negócios, dos funcionários, dessas coisas sérias o tempo todo. Mas em duas semanas eu caso e pronto, missão cumprida. Henrique sentiu o coração acelerar. Que farça, que missão! A voz de Raíça continuou, agora mais baixa, como se contasse um segredo.

Depois que eu casar, vou me divertir muito, viu? Já tenho até uns candidatos em mente. O Henrique nunca vai desconfiar de nada. Homem apaixonado é cego mesmo. E quando tiver filhos dele, aí sim vou estar garantida para o resto da vida. As pernas de Henrique tremeram. Ele se apoiou na parede, tentando processar o que estava ouvindo. Claro que eu não amo ele, Fernanda. Como é que eu vou amar um homem que só pensa em trabalho? Mas o dinheiro, ai, o dinheiro compensa tudo.
Você viu a casa que ele comprou para nossa lua de mel? 15 milhões, e isso é só o começo. Henrique fechou os olhos, sentindo a vida desmoronar. A mulher que ele amava, que estava duas semanas de se tornar sua esposa, estava ali falando dele como se fosse apenas um banco ambulante. Raíça deu uma gargalhada cruel. Ai, para com isso.
Eu vou aguentar ele pelo resto da vida. Sim. Não é tão difícil fingir amor quando a conta bancária é tão gorda assim. Henrique se afastou devagar, o coração partido em mil pedaços. Subiu as escadas em silêncio, entrou no quarto e se sentou na cama. As mãos tremiam enquanto tentava entender como havia sido tão cego.
Todos os sinais estavam lá. as saídas constantes com as amigas, o interesse súbito por joias caras, a forma como ela sempre mudava de assunto quando ele falava sobre sentimentos. Como não havia percebido, quando Raça entrou no quarto, minutos depois, encontrou Henrique aparentemente calmo, mexendo no laptop. “Oi, amor. Chegou cedo hoje”, disse ela, beijando seu rosto com a mesma doçura de sempre.
Henrique a olhou nos olhos, procurando algum sinal de culpa, alguma pista do que havia acabado de descobrir. Mas Raíça sorria com a mesma naturalidade de sempre, como se nada tivesse acontecido. Estava resolvendo umas coisas do casamento com a Fernanda”, explicou ela, se arrumando no espelho. “Você não imagina como é trabalhoso organizar tudo.
” Imagino, respondeu Henrique, a voz saindo mais seca que pretendia. Raissça não notou. Estava ocupada demais, escolhendo um vestido para sair. Vou jantar com as meninas hoje, tá bom? Última reunião de solteiras antes do grande dia. Henrique apenas a sentiu, observando-a se arrumar. Cada gesto, cada sorriso agora parecia falso.
Como pôde ser tão ingênuo? Depois que Raíça saiu, Henrique ficou sozinho com seus pensamentos. A dor no peito era física, real, mas junto com a dor vinha outra coisa, uma necessidade desesperada de ter certeza absoluta. Precisava saber se o que ouvira era real ou apenas um momento de desabafo entre amigas. precisava ter certeza de que a mulher com quem estava prestes a se casar realmente o via apenas como um banco.

E se fosse verdade, se Raíça realmente fosse essa pessoa cruel e interesseira, então ela merecia conhecer o verdadeiro caráter de quem estava tentando enganar. Henrique passou a noite toda acordado, repassando cada momento dos últimos meses com raiça.
Agora, com os olhos abertos pela cruel verdade, conseguia ver sinais que antes ignorava, como naquela vez em que ela havia insistido para que ele comprasse o anel de noivado mais caro da joalheria, dizendo que precisava combinar com o status da família Ferraz, ou quando ela sempre encontrava uma desculpa para não o acompanhar nas visitas que ele fazia aos funcionários mais antigos da empresa. Esse povo é muito simples, amor. Fico sem assunto.
Ela sempre dizia. Na época, Henrique achou que era apenas questão de diferença de personalidade. Agora entendia que era puro preconceito e desinteresse por qualquer coisa que não envolvesse luxo e status social. Lembrou-se também de como Raíça sempre desconversava quando ele falava sobre ter filhos e constituir uma família de verdade. “Temos tempo para isso, amor.
Vamos aproveitar nossa juventude primeiro.” Ela dizia. Agora Henrique entendia. Ela queria aproveitar o dinheiro dele, não construir uma vida junto. Pela manhã, quando Raça desceu para o café, estava radiante, como sempre. Bom dia, meu amor. Dormiu bem? Perguntou, beijando sua testa. Mais ou menos, respondeu Henrique, estudando cada microexpressão do rosto dela.
Fiquei pensando em algumas coisas. Que tipo de coisas? Nervosismo de noivo? Ela riu servindo-se de frutas. Henrique quase riu da ironia. Algo assim, Raíça, posso te fazer uma pergunta? Claro, amor. Você me ama? A pergunta pegou Raíça desprevenida por um segundo. Henrique viu a hesitação antes dela responder. Que pergunta é essa, Henrique? Claro que eu te amo.
Não estaria casando com você se não amasse. E se eu perdesse tudo amanhã? Se a empresa falhisse? Se eu ficasse pobre, você ainda ficaria comigo? Raíça deu uma gargalhada nervosa. Amor, que ideias são essas? Você está bem? Claro que eu ficaria. O amor não tem preço. Mentira. Henrique via a mentira estampada no rosto dela, na forma como evitava seu olhar, na risada forçada. Tem razão.
Desculpa, acho que é nervosismo mesmo disse ele voltando a comer. Mas por dentro, Henrique já havia tomado uma decisão. Ia descobrir de uma vez por todas quem realmente era a mulher com quem estava prestes a se casar. E se ela fosse realmente a interesseira cruel que pareceu ser na conversa telefônica, então ela ia conhecer um lado de Henrique Ferraz que nunca imaginara existir. O plano começou a se formar em sua mente.
precisava de algo que testasse verdadeiramente o caráter de Raíça, algo que a colocasse numa situação onde ela teria que escolher entre o amor verdadeiro e o interesse financeiro. Durante o dia, enquanto trabalhava, Henrique pesquisou diferentes cenários. Uma perda financeira súbita seria muito radical e difícil de simular de forma convincente. Uma doença falsa seria cruel demais.
mesmo para alguém como Raíça. Foi então que a ideia perfeita surgiu. Um acidente, algo que o deixasse dependente, vulnerável, precisando de cuidados. Se Raíça realmente o amasse, ficaria ao lado dele. Se fosse apenas interesse, mostraria sua verdadeira face. O plano era arriscado e exigia preparo cuidadoso.
Henrique sabia exatamente quem poderia ajudá-lo a torná-lo realidade. Dr. Sérgio Abreu era um médico que Henrique conhecia há anos, não pelos melhores motivos. Sérgio havia perdido o emprego em um hospital particular após ser flagrado falsificando laudos para pacientes ricos que queriam se livrar de compromissos.
Era corrupto, sem escrúpulos, mais discreto, perfeito para o que Henrique precisava. Naquela noite, quando Raíça saiu novamente para resolver detalhes do casamento, Henrique fez a ligação. Dr. Sérgio, é Henrique Ferraz. Preciso conversar com o senhor sobre um assunto delicado.
Na manhã de terça-feira, uma semana antes do casamento, Henrique colocou seu plano em ação. Saiu de casa dizendo a Raíça que tinha uma reunião importante com investidores japoneses. “Pode demorar, amor.” “Essa reunião pode durar o dia todo”, disse ele, beijando sua testa. Tudo bem, querido. Vou aproveitar para resolver os últimos detalhes da festa.
respondeu Raça, sem levantar os olhos da revista de moda que estava lendo. Henrique encontrou Dr. Sérgio Abreu numa clínica particular discreta no Itaim Bibi. O médico, um homem de 50 e poucos anos, com cabelos grisalhos e olhar calculista, ouviu atentamente o plano. Entendo a situação, Henrique, mas você tem certeza de que quer fazer isso? Simular uma lesão medular? É algo muito sério”, disse Sérgio, tamborilando os dedos na mesa. “Abuta certeza.
Preciso saber a verdade sobre essa mulher antes de me casar com ela. E os exames? Outros médicos vão querer ver exames, fazer avaliações.” Henrique colocou uma maleta sobre a mesa. R$ 200.000. 50 agora, 50 quando você emitir o laudo e 100 quando tudo terminar. Você vai ser o único médico responsável pelo meu caso.
Vou alegar que quero privacidade total. Os olhos de Sérgio brilharam ao ver o dinheiro. Que tipo de lesão você quer simular? Paraplegia parcial. Algo que justifique fisioterapia e cuidados especiais, mas que permita alguns movimentos limitados. precisa ser convincente, mas não totalmente incapacitante.
Posso fazer isso, lesão na altura de T12 L1 com comprometimento motor parcial dos membros inferiores. Vai precisar de cadeira de rodas, mas com fisioterapia intensiva poderia ter alguma melhora com o tempo. É o tipo de lesão que permite certa ambiguidade. Perfeito. O acidente foi orquestrado com precisão.
Henrique bateu o próprio carro numa curva deserta da Marginal Pinheiros, calculando exatamente o impacto necessário para causar danos visíveis sem machucá-lo gravemente. Alguns arranhões, um hematoma no rosto. Nada demais, doutor. Sérgio chegou rapidamente ao local com uma ambulância particular, assumindo o controle da situação antes que qualquer outro médico pudesse intervir. No hospital, a família Ferraz se reuniu em desespero.
O pai de Henrique, Miguel Ferraz, estava visivelmente abalado. Como isso aconteceu, filho? Não lembro de muita coisa, pai. Só lembro de acordar aqui. Mentiu Henrique, interpretando perfeitamente o papel de vítima confusa. Raíça chegou uma hora depois, com os olhos vermelhos e o rosto de quem havia chorado muito.
“Meu amor, meu amor, eu pensei que tinha perdido você”, exclamou ela, segurando sua mão com força. Por um momento, Henrique quase acreditou que ela realmente se importava. Quase. Dr. Sérgio entrou no quarto com uma expressão grave que parecia genuína. “Senhor Ferraz, preciso falar com a família sobre o estado do Henrique. Todos se reuniram ao redor da cama. Henrique observou atentamente o rosto de cada pessoa, especialmente o de Raíça.
O acidente causou uma lesão na medula espinal, na altura das vértebras T12 e L1. Henrique sofreu o que chamamos de paraplegia. parcial. O silêncio no quarto foi ensurdecedor. “O que isso significa, doutor?”, perguntou Miguel, à voz embargada. “Significa que ele perdeu a maior parte da mobilidade e sensibilidade das pernas.
Vai precisar de cadeira de rodas e cuidados especiais”. Com fisioterapia intensiva, pode haver alguma melhora, mas não posso garantir nada. Henrique viu sua mãe Clara Ferraz desabar em lágrimas. Viu o pai apertar os punhos tentando se manter forte e viu Raíça. Por uma fração de segundo antes de ela recompor a expressão, Henrique viu algo em seu rosto que confirmou todas as suas suspeitas.
Não era tristeza, era irritação, era raiva, era a expressão de alguém que acabara de ver seus planos desmoronarem. Mas Raíça se recuperou rapidamente, voltando a interpretar o papel da noiva devastada. “Não importa, meu amor”, disse ela, beijando sua mão. “Vamos enfrentar isso juntos. Eu vou cuidar de você”. As palavras eram bonitas, mas Henrique conhecia bem aquele tom.
Era o mesmo que ela usava quando falava com pessoas que considerava inferiores, educado, mas vazio de qualquer sentimento real. Dr. Sérgio concluiu: “Henrique vai precisar de repouso e fisioterapia intensiva. Recomendo que contratem uma enfermeira especializada para acompanhá-lo em casa.
” Naquela noite, quando ficaram sozinhos, Raíça mostrou a primeira fresta de sua verdadeira personalidade. “Henrique, eu não sei se estou preparada para isso”, disse ela, evitando seu olhar. Preparada para quê? para cuidar de alguém nessas condições. Talvez seja melhor adiarmos o casamento. Henrique sentiu uma mistura de dor e satisfação. Dor por confirmar que a mulher que amava era realmente cruel.
Satisfação por estar descobrindo a verdade antes de cometer o maior erro da sua vida. Não precisa adiar nada, Raíça. Como o doutor disse, vou ter uma enfermeira para cuidar de mim. Ah, sim, claro. O alívio no rosto dela era óbvio. E onde você vai ficar durante a recuperação? Vou me mudar para aquela casa menor em Higienópolis. Vai ser mais fácil para me adaptar.
Boa ideia”, ela disse rápido demais, sem nem tentar disfarçar o entusiasmo. O teste havia começado e Raíça já estava falhando miseravelmente. Três dias depois, Henrique estava na casa em Higienópolis, que havia comprado anos antes como investimento. Era uma bela residência, menor que a mansão onde morava, mas ainda assim luxuosa o suficiente para manter as aparências. A mudança havia sido estratégica.
Henrique alegou que a casa menor seria mais adequada para sua nova condição, com menos escadas e espaços mais acessíveis. Na verdade, queria um ambiente mais controlado para seu teste, longe dos funcionários da mansão, que poderiam notar inconsistências em seu comportamento. “Tem certeza de que não quer que eu more aqui com você?”, perguntou Raça, olhando ao redor da casa, como se estivesse avaliando um imóvel para a compra. Não precisa, amor. Seria muito incômodo para você.
Além disso, a enfermeira vai ficar aqui 24 horas. Não haveria privacidade para nós. O alívio no rosto de Raíça foi instantâneo. Se você tem certeza, posso virte visitar todos os dias. Claro, concordou Henrique, sabendo que ela não manteria a promessa. Miguel e Clara Ferraz estavam visivelmente preocupados com a decisão do filho de se isolar.
“Filho, você não precisa passar por isso sozinho”, disse Clara, segurando sua mão. “Podemos contratar os melhores cuidadores. Você pode ficar em casa mesmo. Mãe, preciso de um tempo para me adaptar a essa nova realidade. Por favor, entendam. É temporário. Miguel assentiu com relutância. Se é isso que você quer, mas vamos visitar você todos os dias.
Não todos os dias, pai. Preciso de espaço para me recuperar. Dr. Sérgio disse que o excesso de visitas pode atrapalhar o processo de reabilitação. Era mentira, obviamente, mas Miguel respeitou a decisão do filho. Dr. Sérgio chegou a casa para fazer a primeira avaliação domiciliar. Como está se sentindo, Henrique? Ainda sem nenhuma sensibilidade nas pernas.
Consegui mover um pouco os dedos do pé direito hoje de manhã, mas foi só isso. É um bom sinal. Vamos manter esperança. O importante agora é começar com a fisioterapia intensiva. Você já decidiu que enfermeira vai contratar? Henrique havia pesquisado cuidadosamente. Queria alguém competente, mas também alguém que não tivesse condições de questionar sua autoridade ou investigar demais sua condição.
Ainda não. Você tem alguma recomendação? Tem uma lista de profissionais qualificados. Vou mandar para você. Raissa, que havia ficado quieta durante toda a conversa médica, finalmente se manifestou. Desde que seja alguém discreto, não queremos que nossa situação vire fofoca.
Henrique notou, como ela disse, nossa situação, mas seu tom deixava claro que considerava mais um fardo do que um problema compartilhado. Após Dr. Sérgio sair, Raíça também se preparou para ir embora. Vou deixar você descansar, querido. Preciso resolver algumas coisas dos preparativos do casamento. Achei que íamos adiar o casamento. Raísa hesitou. Bem, pensei melhor.
Talvez seja bom mesmo realizarmos a cerimônia. Pode ser reconfortante para você, uma coisa boa em meio a tanta dificuldade. Henrique quase riu da hipocrisia. Ela queria o casamento, não por amor ou apoio emocional, mas porque sabia que, sendo esposa, teria direitos legais sobre seus bens que uma noiva não teria. Se você acha que é o melhor, acho sim.
Vamos manter a data. Só vamos adaptar algumas coisas por causa da sua condição. A palavra saiu com um tom de distanciamento que não passou despercebido. Depois que Raíça saiu, Henrique ficou sozinho pela primeira vez desde que havia começado sua farça. Sentado na cadeira de rodas emprestada do hospital, olhando pela janela, sentiu uma mistura estranha de tristeza e determinação.
A tristeza vinha da confirmação de que a mulher que amava nunca havia realmente existido. A raíça, carinhosa, atenciosa, que dizia amá-lo, era uma mentira, uma fantasia que ele havia criado em sua própria mente, projetando qualidades que ela nunca possuira. A determinação vinha da necessidade de levar o teste até o fim.
Queria ver até onde a frieza e o interesse de Raíça podiam chegar. Queria documentar cada momento de crueldade, cada demonstração de desprezo, para que quando chegasse a hora da revelação, ela não pudesse negar nada. pegou o telefone e discou para Dr. Sérgio. Doutor, sobre aquela lista de enfermeiros, preciso de alguém específico, alguém que realmente acredite na minha condição, que se dedique de verdade.
Não quero apenas um profissional, quero alguém que se importe. Entendo. Tenho uma candidata perfeita, Camila Santos, 28 anos, muito competente e dedicada. acabou de perder o emprego no Hospital São Francisco por questões políticas. Que tipo de questões? Ela denunciou negligência médica de superiores.
Fez a coisa certa, mas acabou sendo demitida por isso. É íntegra demais para o próprio bem. Perfeita,” disse Henrique, “Uma enfermeira íntegra que havia sacrificado o próprio emprego para fazer o que era certo. Seria o contraste perfeito para a personalidade interesseira de Raíça. Mande ela vir amanhã para uma entrevista.
E, doutor, não mencione meu sobrenome completo ou minha empresa. Diga apenas que sou Henrique, um empresário que precisa de cuidados especiais. É por quê? Quero ter certeza de que ela está aceitando o trabalho pela vocação, não pela possibilidade de estar cuidando de alguém rico. Dr. Sérgio Rio, você realmente está testando todo mundo, não é? Exato.
E agora vamos ver quem passa no teste. Na manhã seguinte, Henrique acordou cedo para se preparar para a entrevista. vestiu uma roupa simples, sem logos de marca caros, e posicionou-se na sala de estar da casa, sentado na cadeira de rodas, que havia se tornado seu disfarce. Pontualmente às 9 horas, a campainha tocou.
Henrique abriu a porta e se deparou com uma mulher morena, de olhos castanhos expressivos, cabelos presos em um coque simples, vestindo uniforme branco impecável. Ela carregava uma pasta pequena e sorriu ao vê-lo. “Bom dia, você deve ser o Henrique. Sou Camila Santos, a enfermeira que Dr. Sérgio recomendou.” “Bom dia, Camila. Por favor, entre.” Henrique observou atentamente enquanto ela entrava na casa.
Camila olhou ao redor com admiração discreta, mas sem a inveja ou cálculo que ele estava acostumado a ver no olhar das pessoas quando conheciam suas propriedades. “Que casa bonita”, comentou ela genuinamente. “Deve ser reconfortante ter um lugar tranquilo assim para se recuperar”. Eles se acomodaram na sala. Camila sentou-se na borda da poltrona com postura profissional mais calorosa.
Dr. Sérgio me explicou sobre sua condição. Paraplegia parcial decorrente de acidente de trânsito. Correto? Isso mesmo. Aconteceu há uma semana. Camila assentiu com compreensão. Sei como deve estar sendo difícil. É uma grande mudança de vida, mas quero que saiba que estou aqui para ajudá-lo em tudo que precisar.
Havia algo no tom de voz dela que surpreendeu Henrique. Não era pena, não era piti profissional, era genuína empatia. “Conte-me um pouco sobre sua experiência como enfermeira”, pediu ele. Trabalho na área há 6 anos. Me formei pela USP. Sempre quis cuidar de pessoas. Trabalhei em hospital público, UTI, Home. Ela hesitou um momento. Recentemente saí do Hospital São Francisco.
Posso perguntar por quê? Camila respirou fundo. Denunciei um caso de negligência médica. Um paciente idoso estava sendo maltratado por uma equipe de enfermagem e quando reportei ao supervisor, ele tentou abafar o caso. Levei o assunto para a direção do hospital.
E o que aconteceu? O paciente foi transferido e recebeu o tratamento adequado, mas eu acabei sendo demitida. Disseram que eu não era team player. Ela sorriu com amargura. Aparentemente, fazer a coisa certa não é sempre a coisa politicamente correta. Henrique ficou impressionado. Aqui estava uma pessoa que havia sacrificado o próprio emprego para proteger um desconhecido.
Um contraste gritante com o comportamento de Raíça. E por que quer trabalhar com Homecare agora? Para ser honesta, preciso do trabalho. Cuido da minha mãe. Ela tem diabetes e hipertensão e os remédios são caros. Mas além disso, gosto de cuidar de pessoas. É diferente do hospital mais pessoal, mais humano.
Mora só você e sua mãe? Sim. Meu pai faleceu há 3 anos. Desde então somos só nós duas. Henrique sentiu uma pontada no coração. Aquela mulher simples, que havia perdido o emprego por fazer o que era certo, que sustentava uma mãe doente, tinha mais dignidade e caráter do que qualquer pessoa do círculo social em que ele vivia. O trabalho seria período integral.
Você teria que ficar aqui 24 horas por dia com folgas nos fins de semana. Sem problema. Minha mãe tem uma vizinha que pode ficar com ela quando preciso e sua experiência com lesões medulares. Cuidei de vários pacientes com diferentes tipos de lesão. Sei fazer fisioterapia básica, cuidados com a pele para evitar úlceras de pressão, exercícios passivos.
Ela pausou, olhando diretamente nos olhos dele. Mas, principalmente, sei que cada paciente é único. Não é só o corpo que precisa se curar, é a pessoa inteira. Henrique sentiu algo que não esperava, um aperto no peito que não tinha nada a ver com sua farça. Havia algo na sinceridade de Camila que o tocava profundamente.
“Posso fazer uma pergunta pessoal?”, ela continuou. Claro. Você tem família, alguém que possa dar apoio emocional durante a recuperação? Tenho pais e sou noivo. Que bom. O apoio da família é fundamental. Sua noiva deve estar sendo uma fortaleza para você nesse momento. Henrique quase rio da ironia. Ela está se adaptando à situação. Camila percebeu algo tom dele, mas não comentou.
Bom, se você decidir me contratar, pode ter certeza de que vou me dedicar completamente ao seu cuidado. Não é só um trabalho para mim, é uma missão. Missão? Ajudar pessoas a recuperarem não só a saúde física, mas a esperança, a acreditar que a vida pode ser boa mesmo quando tudo parece ter mudado.
Henrique ficou em silêncio por um momento, impressionado com a maturidade e sabedoria daquela mulher jovem. O salário seria R$ 5.000 por mês. Mais vale transporte e alimentação. Os olhos de Camila se iluminaram. É perfeito, mais do que eu esperava. Então você aceita? Aceito sim. Quando posso começar? Hoje mesmo, se for possível. Preciso começar com a fisioterapia o quanto antes.
Camila sorriu e foi o primeiro sorriso genuíno que Henrique vira em semanas. Então vamos começar. Primeira coisa, me conte como está se sentindo, não só fisicamente, mas emocionalmente. E não me diga que está bem, porque ninguém fica bem depois de uma mudança tão grande. Henrique olhou para aquela mulher que acabara de conhecer e que já demonstrava mais interesse genuíno por seu bem-estar do que sua noiva de 2 anos.
Para ser honesto, estou perdido”, disse ele. E pela primeira vez em dias não estava mentindo completamente. É normal se sentir assim, mas não está sozinho agora. Vamos enfrentar isso juntos. E naquele momento, Henrique percebeu que havia encontrado não apenas a peça que faltava para seu teste com Raíça, mas possivelmente algo muito mais importante, uma pessoa verdadeiramente boa em sua vida.
O primeiro dia de Camila, como enfermeira de Henrique foi revelador de várias formas. Ela chegou na manhã seguinte com uma mochila pequena e um sorriso caloroso. Bom dia. Como passou a noite? Bem, obrigado. Você trouxe suas coisas? Trouxe o essencial, doutor. Sérgio me explicou que seria período integral mesmo. Ela olhou ao redor.
Onde posso guardar minhas coisas? E onde fica o quarto que vou usar? Henrique havia preparado o quarto de hóspedes para ela. Venha, vou te mostrar. Ele guiou a cadeira de rodas pelos corredores e Camila o seguiu. O quarto era simples, mas confortável. Perfeito, disse ela, colocando a mochila sobre a cama. Obrigada por me receber em sua casa. Obrigado por aceitar cuidar de mim.
Camila desembarcou suas poucas coisas: uniformes, produtos de higiene pessoal, alguns livros e uma foto emoldurada de uma senhora de cabelos grisalhos. “Sua mãe?”, perguntou Henrique. “Sim, Maria Santos é minha inspiração.” “Posso perguntar por quê?” Camila sorriu pegando a foto. Ela trabalhou como faxineira a vida toda para me dar estudo.
Quando eu disse que queria ser enfermeira, ela fez dois turnos para pagar minha faculdade. Nunca reclamou, nunca disse que era difícil. Só dizia: “Minha filha, você vai cuidar das pessoas como eu cuidei de você”. Henrique sentiu um aperto no peito. Ela deve ter muito orgulho de você. Espero que sim. É para ela que eu trabalho. Nesse momento, a campainha tocou.
Era Raíça. Meu amor! Ela exclamou entrando na casa com várias sacolas de compras. Vim ver como você está se adaptando. Henrique notou imediatamente a mudança no comportamento dela ao ver Camila. O sorriso ficou forçado, o olhar avaliativo. Raíça, essa é Camila, minha enfermeira. Camila, minha noiva, Raíça.
Prazer em conhecê-la, disse Camila educadamente, estendendo a mão. Raíça cumprimentou friamente. Então você é a enfermeira. Espero que seja competente. Farei o meu melhor, respondeu Camila, mantendo a postura profissional apesar do tom hostil. Raía se voltou para Henrique. Posso falar com você em particular? Eles foram para o quarto, deixando Camila organizando seus materiais de fisioterapia na sala.
Henrique, você tem certeza sobre essa enfermeira? Por quê? Algum problema? Ela é muito nova e bonita demais. Não acha estranho uma enfermeira tão jovem ficar desempregada? Henrique ficou surpreso com a mesquinidade do comentário. Dr. Sérgio a recomendou. Ela é muito qualificada. Se você diz, só acho que podíamos ter contratado alguém mais adequado, uma senhora, sabe? Mais experiente.
Raíça, ela está aqui para cuidar da minha saúde. Não é uma competição de beleza. Claro, claro. Desculpa. Estou só ainda me adaptando a tudo isso. Eles voltaram para a sala, onde Camila havia organizado equipamentos de fisioterapia. Já podemos começar com os exercícios, se você quiser”, disse ela para Henrique. Exercícios? Perguntou Raíça.
Fisioterapia é fundamental para evitar atrofia muscular e manter a circulação”, explicou Camila profissionalmente. Henrique percebeu o desconforto de Raíça. “Você quer acompanhar?” Na verdade, preciso sair. Tenho que resolver umas coisas dos preparativos do casamento. Mas você acabou de chegar. Eu sei, amor, mas essa reunião é importante. Vou voltar mais tarde.
Henrique viu Raíça pegar as sacolas e se preparar para sair. Nem sequer perguntou como ele havia passado a primeira noite sozinho na casa nova ou se precisava de alguma coisa. Depois que ela saiu, Camila comentou discretamente: “Sua noiva parece estar lidando com a situação de forma particular. Como assim? Às vezes as pessoas próximas ficam mais assustadas que o próprio paciente. É normal.
Ela só precisa de tempo para se adaptar.” Henrique ficou impressionado com a generosidade de Camila em dar o benefício da dúvida para Raíça, mesmo após o tratamento frio que recebera. “Vamos começar com os exercícios?”, perguntou ela, mudando de assunto. A próxima hora foi uma experiência única para Henrique.
Camila o gui através de uma série de exercícios passivos para as pernas, massagens para estimular a circulação e movimentos de fortalecimento para a parte superior do corpo. É importante manter os músculos ativos, mesmo sem a sensibilidade completa”, explicava ela, trabalhando cuidadosamente em suas pernas. Henrique teve que se concentrar para não reagir ao toque dela.
Fingir que não sentia nada nas pernas enquanto ela fazia massagem foi um dos maiores desafios da sua farsa. “Alguma sensação?”, ela perguntava de tempos em tempos. Nada ainda mentia ele. Não desanime. O processo de recuperação pode ser lento. Durante o exercício, eles conversaram. Camila contou sobre seus outros pacientes, sempre com carinho e respeito.
Henrique falou sobre sua vida antes do acidente, editando cuidadosamente os detalhes para não revelar sua verdadeira identidade. “Você trabalhava com o quê?”, ela perguntou. negócios, nada muito empolgante. Todo o trabalho é importante. Você sente falta? Muito. Sinto falta de me sentir útil. Você ainda é útil, Henrique. Só está passando por uma fase de adaptação. A sinceridade no tom dela o emocionou.
No final da tarde, Raíça voltou visivelmente irritada. “Como foi o dia?”, perguntou Henrique. Complicado. Os fornecedores estão criando problema por causa das mudanças no casamento. Que mudanças? Ora, Henrique, obviamente não podemos ter o mesmo tipo de cerimônia agora. Precisa ser algo mais adequado à sua situação. Henrique entendeu o subtexto. Raíça estava com vergonha de se casar com alguém em cadeira de rodas.
Camila, que estava preparando o jantar na cozinha, ouviu a conversa e seu rosto se contraiu ligeiramente. Raíça, não precisa mudar nada por minha causa. Não seja ridículo. Claro que precisa. Não posso ter você chegando de cadeira de rodas numa cerimônia tradicional. O silêncio na casa ficou pesado. Camila parou de cortar os vegetais na cozinha. Talvez seja melhor mesmo”, disse Henrique testando a reação dela. Exato.
Na verdade, estava pensando, talvez seja melhor uma cerimônia bem pequena mesmo, só família. Henrique sabia que não era consideração por ele. Era vergonha de se mostrar publicamente casando com alguém limitado. “Como quiser”, ele disse. Raíça pareceu aliviada. Ótimo. Vou jantar fora hoje. Preciso encontrar as meninas para reorganizar tudo.
Depois que ela saiu novamente, Camila serviu o jantar para Henrique. Ela saiu de novo? Perguntou ela, tentando parecer casual. Disse que ia encontrar as amigas. Camila a sentiu, mas Henrique percebeu que ela estava começando a notar um padrão no comportamento de Raíça. Camila, posso te fazer uma pergunta pessoal? Claro, se você tivesse um noivo que sofresse um acidente como o meu, como reagiria? Ela parou de comer e o olhou seriamente.
Ficaria devastada, claro, mas ficaria ainda mais determinada a apoiá-lo. Quando você ama alguém de verdade, as circunstâncias não mudam isso. E se a pessoa ficasse completamente dependente? O amor não é condicional, Henrique. Se fosse, não seria amor. A resposta dela foi como um soco no estômago.
Henrique finalmente estava entendendo a diferença entre o que Raíça sentia por ele e o que era amor de verdade. Naquela noite, enquanto Camila lia um livro na sala e Raíça ainda não havia voltado, Henrique refletiu sobre o primeiro dia do seu teste. Os resultados já eram claros.
Raíça estava falhando espetacularmente, enquanto uma completa estranha demonstrava mais cuidado e consideração por ele em um dia do que sua noiva havia demonstrado em uma semana. O teste estava apenas começando, mas Henrique já sabia como terminaria. Era quase meia-noite quando Raça finalmente voltou.
Henrique estava no quarto fingindo dormir quando ouviu a porta da frente se abrir. Ela entrou tentando não fazer barulho, mas estava visivelmente alterada. Camila, que estava lendo na sala, se levantou ao vê-la. Boa noite, Raíça. Henrique já está dormindo. Ótimo, respondeu Raíça secamente, sem nem olhar para ela. Você pode se retirar. Quero ficar a sós com meu noivo.
Claro, qualquer coisa que precisar estarei no meu quarto. Depois que Camila saiu, Raíça entrou no quarto onde Henrique fingia dormir. Ela se aproximou da cama e ele pode sentir o cheiro de álcool em seu hálito. “Henrique está dormindo?” Ele não respondeu, mantendo a respiração regular. Raíça suspirou alto e foi para o banheiro. Henrique a ouviu falando ao telefone em voz baixa, mas conseguiu captar algumas palavras. Não posso mais.
Situação insuportável. Não era isso que eu planejei. No dia seguinte, durante o café da manhã que Camila havia preparado, Raíça mostrou pela primeira vez sua verdadeira face sem disfarces. Camila, preciso conversar com você sobre a rotina da casa”, disse ela com tomorário.
“Claro, em que posso ajudar?” Primeiro, quando eu estiver aqui, você pode se retirar para seu quarto. “Não preciso de uma plateia para conversar com meu noivo.” Henrique viu o rosto de Camila se contrairr ligeiramente, mas ela manteve a postura profissional. Entendo, mas preciso ficar próxima para caso Henrique precise de assistência médica. Ele pode me chamar se precisar de alguma coisa.
Dá, Raíça, interrompeu Henrique. Camila está aqui para cuidar da minha saúde. Ela precisa ficar por perto. Não seja ridículo, Henrique. Eu posso cuidar de você por algumas horas. A ironia do comentário era gritante. Raíça havia passado menos de três horas com ele desde o acidente e agora queria dar ordens para quem realmente estava cuidando dele.
Além disso, continuou Raíça, “acho que você pode reduzir um pouco essa fisioterapia toda. Não queremos que você se machuque mais, não é?” Camila não conseguiu se conter, com todo respeito, mas a fisioterapia é fundamental para a recuperação. Interromper agora pode causar complicações sérias. Desculpe, mas quem é você para questionar minhas decisões sobre meu noivo? Sou a profissional de saúde responsável por ele. “Você é uma empregada”, disse Raíça friamente.
O silêncio na cozinha foi ensurdecedor. Henrique viu Camila engolir em seco, claramente magoada, mas mantendo a dignidade. “Tem razão”, disse Camila calmamente. “Sou uma empregada, mas sou uma empregada que se importa genuinamente com o bem-estar do meu paciente. A indireta não passou despercebida por nenhum dos três.
Raça ficou vermelha de raiva. Acho melhor você lembrar qual é seu lugar aqui. Raíça, chega. Explodiu Henrique. Camila está fazendo seu trabalho e fazendo bem. Não aceito que você a trate assim. Você está defendendo ela contra mim, sua própria noiva? Estou defendendo uma pessoa que tem sido mais atenciosa comigo nos últimos dois dias do que Henrique se interrompeu antes de dizer algo que revelasse demais sobre sua percepção da situação. Do que o que, Henrique? Esqueça. Só trate Camila com respeito.
Raíça saiu da cozinha pisando duro e foi fazer uma ligação na sala. Henrique pode ouvi-la claramente. Fernanda, preciso desabafar. Essa situação está insuportável. O Henrique está defendendo a enfermeira contra mim. Você acredita? Eu sei. Eu sei que preciso aguentar até o casamento, mas está muito difícil.
Duas semanas. Só duas semanas e eu me livro desse peso morto. Henrique fechou os olhos, fingindo não ter ouvido. Cada palavra era como uma facada, mas também uma confirmação de que estava fazendo a coisa certa. Camila se aproximou dele na cozinha. Henrique, se minha presença está causando problemas entre vocês, não está. O problema não é você.
Ela o olhou com compreensão. Às vezes, situações difíceis revelam aspectos das pessoas que não conhecíamos antes. É verdade, ele concordou. E às vezes revelam aspectos de pessoas que acabamos de conhecer também. Camila sorriu ligeiramente, entendendo que ele estava falando positivamente sobre ela.
Raíça voltou para a cozinha com uma expressão determinada. Henrique, preciso sair. Vou passar o dia fora organizando os detalhes finais do casamento. Tudo bem? Ele respondeu sem nem tentar disfarçar o alívio na voz. E você? Ela se dirigiu a Camila. Espero que quando eu voltar você tenha entendido melhor seu papel nesta casa. Depois que Raíça saiu, Camila ficou quieta por um longo momento.
“Ela passando por um momento difícil”, disse finalmente. “Não é fácil ver a pessoa que você ama numa situação como essa.” Henrique ficou impressionado com a generosidade de Camila, sempre tentando encontrar explicações bondosas para o comportamento cruel de Raíça. “Camila, posso te contar um segredo?” Claro.
Às vezes eu me pergunto se as pessoas realmente me amam ou se amam o que eu represento para elas. O que você quer dizer? Nada. Só obrigado por estar aqui, por me tratar como uma pessoa normal. Você é uma pessoa normal, Henrique. Só está passando por uma fase difícil. Naquele momento, olhando para aquela mulher simples que havia entrado em sua vida há apenas dois dias, Henrique percebeu algo que o assustou.
Ele estava começando a se apaixonar por ela e, pela primeira vez, desde que começara a sua farça, sentiu medo do que descobriria sobre si mesmo nesse processo. A tarde passou tranquila, com Camila, cuidando dele com a mesma dedicação de sempre. Eles conversaram, riram e Henrique se pegou pensando que aquelas eram as horas mais genuínas que havia vivido em meses.
Às 8 da noite, Raíça ligou: “Henrique, não vou conseguir voltar para jantar. Estou numa reunião super importante com o cerimonialista. Tudo bem? Você está bem? A enfermeira está cuidando direito de você. Estou bem. Ótimo. Te amo, querido. Até amanhã. Até amanhã, ele respondeu, mas não disse que a amava também.
Camila, que estava preparando o jantar, comentou: “Ela deve estar muito estressada com os preparativos.” Deve estar”, concordou Henrique, sabendo que Raíça provavelmente estava em um bar com Márcio Esteves. Naquela noite depois do jantar, enquanto assistiam TV juntos na sala, Henrique tomou uma decisão. Ia acelerar seu teste.
queria ver até onde Raíça era capaz de ir e queria que Camila visse também, porque estava começando a perceber que talvez o mais importante não fosse descobrir quem Raíça realmente era, mas descobrir quem Camila realmente era. E a resposta para essa pergunta estava mudando sua vida de formas que ele nunca imaginou possíveis.
Era o quarto dia de Camila na casa e uma rotina começava a se formar. Henrique acordava todas as manhãs com o cheiro de café fresco vindo da cozinha, algo que nunca havia experimentado antes. Raíça nunca cozinhava, sempre preferindo pedir comida ou comer fora. Bom dia. Como se sente hoje? Camila entrava no quarto com uma bandeja de café da manhã. Melhor.
Obrigado. Você não precisava trazer café na cama. Claro que preciso. Faz parte do cuidado integral. Ela colocou a bandeja numa mesinha ao lado da cama. Hoje vamos intensificar um pouco a fisioterapia. Que tal? Durante o café, Camila contava histórias de outros pacientes que havia atendido, sempre com carinho e respeito, nunca revelando nomes ou detalhes íntimos, mas compartilhando vitórias e esperanças.
Cuidei de um senhor de 70 anos que tinha ficado paraplégico após um derrame. A família achava que ele nunca mais ia andar. Seis meses depois, ele estava dançando no casamento da neta. “Você acredita mesmo que eu posso melhorar?”, perguntou Henrique, testando a sinceridade dela. Acredito em milagres, Henrique, mas mais do que isso, acredito no poder da determinação e do cuidado adequado.
A fisioterapia matinal se tornou o momento favorito de Henrique. Camila trabalhava suas pernas com dedicação, explicando cada movimento, cada exercício. Henrique tinha que se concentrar intensamente para não reagir aos toques e manter a farça convincente. “Alguma sensação hoje?”, ela perguntava sempre. Acho que senti um formigamento no pé esquerdo”, mentia ele.
Os olhos de Camila se iluminavam a cada pequeno progresso. “Isso é maravilhoso. Vamos trabalhar mais essa região.” Durante uma sessão, ela comentou sobre sua mãe. Sabe, minha mãe sempre me disse que cuidar das pessoas é um dom. Não é só técnica, é amor em ação. Você usa parte do seu salário para os remédios dela, não é? Camila ficou ligeiramente constrangida.
Como você sabe? Você mencionou na entrevista. Não é uma crítica, é admiração. Ela fez tanto por mim. É o mínimo que posso fazer. Henrique ficou tocado pela simplicidade e gratidão dela. Você já pensou em ter sua própria família? Claro, mas primeiro preciso cuidar da minha mãe. E ela hesitou. Ainda não encontrei a pessoa certa.
Como seria a pessoa certa para você? Camila sorriu, continuando os exercícios. Alguém que me veja realmente sabe, não pelo que eu tenho ou aparento, mas pelo que sou. Alguém gentil que trate bem as pessoas independente da classe social. Alguém que entenda que o amor verdadeiro é sobre cuidar um do outro. Henrique sentiu uma pontada no peito.
Ela havia descrito exatamente o oposto de Raíça e exatamente o tipo de pessoa que ele gostaria de ser. E você? Ela perguntou como conheceu sua noiva? Em uma festa. Ela era é muito bonita, popular. Eu me senti sortudo por ela ter se interessado por mim. Ela deve ter visto algo especial em você. Henrique quase riu da ironia. Ela viu algo com certeza. Camila o olhou curiosa, mas não insistiu.
O importante é que vocês se amam e vão enfrentar isso juntos. Naquele momento, Henrique desejou desesperadamente que fosse verdade. Desejou que fosse Camila, sua noiva, alguém que realmente o amasse e estivesse ao seu lado em qualquer circunstância. Camila, posso te contar algo? Claro, você me faz sentir normal, como se eu fosse uma pessoa completa, não apenas alguém limitado.
Ela parou os exercícios e o olhou seriamente. Henrique, você é uma pessoa completa. Suas pernas não definem quem você é. Naquele momento, os dois se olharam profundamente e Henrique sentiu uma conexão que nunca havia experimentado antes, pura, honesta, baseada em quem ele realmente era, não no que possuía.
No quinto dia, Henrique começou a observar mudanças sutis no comportamento de Raíça. Ela chegou para visitá-lo no meio da tarde, aparentemente saindo de algum compromisso. “Oi, amor. Como foi a fisioterapia hoje?” “Bem.” Camila disse que estou progredindo. Raíça olhou para Camila com uma expressão que Henrique não conseguiu decifrar.
“Que bom, Camila, você pode nos dar licença? Quero conversar com meu noivo. Camila se retirou discretamente e Henrique notou como Raíça esperou até ter certeza de que ela havia saído de perto. “Henrique, preciso te contar uma coisa. Tive que fazer alguns ajustes no orçamento do casamento.
Que tipo de ajustes?” Bem, com todas essas mudanças, alguns gastos ficaram desnecessários. Cancelei a lua de mel no Caribe. Henrique ficou surpreso. A lua de mel havia sido ideia dela, algo que ela havia insistido em planejar nos mínimos detalhes. Por quê? Ora, amor, não faz sentido uma viagem tão extravagante agora. Vamos precisar do dinheiro para suas adaptações.
Henrique sabia que era mentira. Raíça estava cancelando porque não queria passar a lua de mel com um inválido. Se é o que você acha melhor, é sim. Ah, e outra coisa, vendi aquele relógio Rolex que você me deu no ano passado. Precisávamos do dinheiro para os ajustes da cerimônia. Você vendeu o relógio? Foi necessário, Henrique. Não se preocupe.
Quando você se recuperar totalmente, compramos outro. Mas Henrique sabia que ela não acreditava na possibilidade de recuperação. Estava apenas liquidando presentes que havia recebido, convertendo-os em dinheiro. Depois que Raíça saiu, prometendo voltar no dia seguinte, mais uma promessa que Henrique sabia que não seria cumprida, Camila voltou para a sala.
Tudo bem? Ela perguntou, notando sua expressão pensativa. Raíça cancelou nossa lua de mel. Ohó. Camila hesitou. Talvez ela ache que é melhor você se concentrar na recuperação primeiro. Talvez. Concordou Henrique, admirando mais uma vez como Camila sempre tentava encontrar explicações bondosas para comportamentos questionáveis.
Naquela noite, Henrique ficou acordado pensando, começou a fazer uma lista mental de todas as coisas que Raíça havia mudado desde o acidente. Cancelou a lua de mel, reduziu o tamanho da cerimônia, vendeu presentes, visitava menos, demonstrava menos afeto. Cada item da lista era uma pequena traição, uma pequena prova de que o amor dela tinha condições.
No sexto dia, as evidências ficaram mais claras. Raíça chegou tarde da manhã, visivelmente cansada, com uma desculpa elaborada sobre ter ficado até muito tarde organizando detalhes do casamento. Mas Camila, que estava trocando a roupa de cama, comentou discretamente: “Sua noiva usa um perfume diferente hoje. Como assim? Ontem ela cheirava a lavanda. Hoje é um perfume masculino mais amadeirado. Henrique sentiu o estômago apertar.
Talvez tenha experimentado um perfume novo. Talvez, disse Camila, mas havia dúvida em sua voz. Durante a tarde, enquanto Raíça falava ao telefone na sala, Henrique pediu para Camila empurrar sua cadeira mais perto, fingindo querer pegar um livro. Ele pode ouvir fragmentos da conversa. Não posso sair hoje.
Preciso ficar aqui um pouco. Eu sei que é chato, mas tenho que manter as aparências. Só mais uma semana e meio. Henrique olhou para Camila e viu que ela também havia ouvido. Seus olhos se encontraram e ele viu compaixão e preocupação no olhar dela. “Henrique”, ela sussurrou. Se você quiser conversar sobre qualquer coisa, estou aqui.
Naquele momento, ele soube que Camila estava começando a perceber que algo estava errado entre ele e Raíça. E pela primeira vez, desde que começara sua farça, Henrique se sentiu menos sozinho. No sétimo dia, um domingo, Raíça não apareceu. ligou de manhã, dizendo que estava com dor de cabeça e precisava descansar para uma semana intensa de preparativos.
“Você quer que eu vá até lá?”, ofereceu Henrique. “Não, não, você não pode sair de casa ainda, lembra?” Dr. Sérgio disse para evitar esforços desnecessários. Depois de desligar, Henrique ficou pensando: “Dr Sérgio nunca havia dito isso. Na verdade, havia recomendado pequenas saídas para melhorar o moral do paciente.
Acho que hoje é só nós dois”, disse Camila, tentando soar animada. “Você não precisa ficar aqui no domingo. Pode visitar sua mãe. Na verdade, ela está passando o fim de semana na casa da minha tia e eu gosto da sua companhia. Henrique sorriu. Eu também gosto da sua. Eles passaram o dia conversando na varanda.
Camila contou histórias da infância, crescendo numa casa simples, mas cheia de amor. Henrique compartilhou memórias editadas de sua juventude, focando nos momentos genuínos, longe dos privilégios e responsabilidades empresariais. “Você sabe o que mais me impressiona em você?”, disse Camila durante a tarde. O quê? Sua força. A maioria das pessoas na sua situação ficaria amarga, revoltada.
Você continua gentil, interessado nos outros. Não me sinto forte. Na verdade, me sinto bem perdido. É normal. Você está passando por uma transformação gigantesca. Mas sabe o que eu vejo quando olho para você? O quê? Vejo um homem íntegro, que trata bem as pessoas, que tem um coração bom. Isso não mudou com o acidente. Henrique sentiu os olhos marejarem. Obrigado por dizer isso. É a verdade.
Eles ficaram em silêncio por um momento, observando o pôr do sol. Camila, posso te fazer uma pergunta pessoal? Claro. Você acredita que as pessoas podem mudar? que alguém pode descobrir que a pessoa que ama não é quem pensava que era. Camila o olhou com atenção. Acredito que situações extremas revelam quem as pessoas realmente são.
E às vezes descobrimos que a pessoa que amávamos era uma projeção nossa, não a pessoa real. E se você descobrisse que alguém muito próximo não é quem você pensava, seria doloroso. Mas prefiro a verdade dolorosa a uma mentira confortável. Henrique a sentiu impressionado com a sabedoria dela. Naquela noite, eles assistiram um filme antigo na TV.
Durante uma cena romântica, Camila comentou: “Amor de verdade é isso. Duas pessoas que se veem realmente, que se aceitam completamente. Você já sentiu isso?” Não, ela admitiu, mas sei que existe. Meus pais tinham isso. Mesmo nas dificuldades financeiras, mesmo quando meu pai ficou doente, eles se amavam profundamente. Deve ser maravilhoso ter isso. Deve ser.
E você sente isso com sua noiva? Henrique hesitou. Pela primeira vez desde que começara a farça, queria contar a verdade para alguém. Eu pensava que sentia, mas ultimamente não tenho certeza se a conheço realmente. Camila se virou para ele na poltrona. O que você quer dizer? Às vezes sinto que ela está comigo pelas razões erradas. Henrique, vocês estão passando por um momento muito difícil.
É normal que as pessoas reajam de formas inesperadas ao estress. E se não for estress? E se for quem ela realmente é? Camila ficou quieta por um longo momento. Então você terá que decidir se consegue viver com essa pessoa real ou se merece alguém que o ame verdadeiramente.
Naquele momento, olhando para Camila na luz suave da TV, Henrique soube com absoluta certeza que estava se apaixonando por ela e, pela primeira vez em sua vida estava se apaixonando pela pessoa certa, pelos motivos certos. O problema era que tudo estava baseado numa mentira e ele não sabia como resolver isso sem destruir a coisa mais pura que já havia acontecido em sua vida.
Na segunda semana, o comportamento de Raíça mudou drasticamente. Ela chegou na segunda-feira, acompanhada de duas amigas, Fernanda Vilela e Patrícia Saldanha, mulheres da mesma classe social e mentalidade. “Meninas, esse é meu noivo, Henrique”, apresentou ela com um tom que soava quase como pedido de desculpas. “Oi, Henrique”, disseram elas claramente desconfortáveis.
Camila apareceu na sala trazendo café para as visitas. “Ah, essa é a enfermeira”, disse Raíça displicentemente. Camila, não é? Sim, prazer em conhecê-las, respondeu Camila educadamente. “Você pode nos servir o café na sala de jantar? Queremos conversar em particular”, ordenou Raíça. Henrique notou como ela tratava Camila como uma criada, não como uma profissional de saúde.
“Claro”, respondeu Camila com dignidade, mas Henrique viu o constrangimento em seus olhos. As três mulheres se afastaram, deixando Henrique sozinho na sala. Ele conseguia ouvir fragmentos da conversa. “Ai, você tem certeza de que quer continuar com isso?”, perguntava Fernanda. É uma situação muito complicada, completava Patrícia. Meninas, não posso desistir agora.
Estamos a uma semana do casamento respondia Raíça, como se estivesse falando de um negócio. Mas e depois? Você vai ter que cuidar dele? Não vou cuidar de ninguém. Para isso serve a enfermeira. Henrique sentiu nojo. Raíça estava discutindo sua vida como se ele fosse um fardo que ela estava assumindo por obrigação.
Quando as amigas saíram, Raíça voltou para a sala com uma expressão irritada. Henrique, preciso conversar com você sobre a enfermeira. O que tem ela? Acho que ela está se metendo demais na nossa relação. Hoje mesmo ela fez um comentário sobre eu não ter vindo ontem. Que tipo de comentário? Disse que você estava esperando minha visita como se ela soubesse o que acontece entre nós.
Henrique sabia que Camila jamais diria algo assim. Talvez ela tenha apenas notado que eu fiquei triste. Exato. Ela não deveria estar observando nossos sentimentos. é uma empregada, não uma psicóloga. Raíça, ela está fazendo o trabalho dela. O trabalho dela é fisioterapia, não opinar sobre nosso relacionamento. Naquele momento, Camila voltou para recolher as xícaras. Raíça a olhou com frieza.
Camila, quero deixar uma coisa clara. Quando eu estiver aqui, você deve se manter discreta. Não preciso de comentários sobre a frequência das minhas visitas. ou sobre o estado emocional do meu noivo. Camila ficou visivelmente confusa. Desculpe, não entendi. Eu fiz algum comentário inadequado.
Você disse que ele estava esperando minha visita ontem. Eu apenas perguntei se ele estava bem, porque parecia triste. Não fiz nenhum julgamento. Bem, da próxima vez mantenha suas observações para você. Henrique viu Camila engolir em seco, claramente magoada pela acusação injusta. Raça, acho que houve um mal entendido. Ele tentou intervir. Não houve mal entendido nenhum.
Só quero que fique claro qual é o lugar de cada um nesta casa. Depois que Raíça saiu, prometendo voltar quando tivesse tempo, Camila ficou quieta durante o resto da tarde. Camila, você está bem? Estou só. Não quero causar problemas entre vocês. Você não causou problema nenhum. Raíça está estressada com o casamento. Henrique, posso falar uma coisa como profissional? Claro.
Sua noiva parece estar tendo dificuldade para aceitar sua condição atual. Isso é normal. Mas talvez vocês devessem considerar terapia de casal para ajudar na adaptação. Henrique ficou impressionado com a delicadeza e profissionalismo de Camila, mesmo depois de ter sido humilhada.
Você acha que ela não me ama mais? Camila hesitou. Acho que ela ama a pessoa que você era antes do acidente. Ainda não aprendeu a amar a pessoa que você é agora. E qual é a diferença? A pessoa que você era tinha certas capacidades. A pessoa que você é agora tem outras qualidades, talvez mais importantes. Bondade, paciência, sensibilidade.
Eu vejo essas qualidades em você todos os dias. Henrique sentiu o coração acelerar. E você, você consegue ver a pessoa que eu sou agora? Camila o olhou nos olhos. vejo. E ela é uma pessoa maravilhosa. Naquele momento, os dois sentiram algo mudando entre eles, uma tensão diferente, mais profunda.
Henrique se inclinou ligeiramente para a frente e Camila não se afastou. Mas então ela se levantou rapidamente. Preciso, preciso preparar seu jantar. e saiu da sala, deixando Henrique sozinho, com a percepção de que não era apenas ele que estava desenvolvendo sentimentos confusos. Na terça-feira, 10o dia desde o início da farça, Raissa, chegou acompanhada de um homem alto, moreno, bem vestido, que Henrique reconheceu imediatamente das festas da alta sociedade paulistana.
Henrique, esse é Márcio Esteves, lembra dele? Nos conhecemos naquela festa no clube hípico no ano passado. Claro. Oi, Márcio! Disse Henrique, observando atentamente a dinâmica entre os dois. Henrique, cara, sinto muito pelo que aconteceu”, disse Márcio, apertando sua mão com força desnecessária.
“Que situação complicada! Obrigado. O Márcio tem sido um grande apoio nesse período difícil”, explicou Raíça com um brilho nos olhos que Henrique não via há semanas quando ela olhava para ele. “É o mínimo que posso fazer. A Raíça está passando por um momento muito delicado, né? precisa de amigos por perto.
Henrique notou como Márcio falava dele na terceira pessoa, como se ele fosse um objeto de pena, não uma pessoa presente na conversa. Márcio tem me ajudado com os fornecedores do casamento”, continuou Raíça. “Tem muito mais experiência com esses eventos do que eu. Já organizei várias festas para minha família. Conheço os melhores profissionais”, disse Márcio com um sorriso que não chegava aos olhos. Camila apareceu na sala.
“Márcio, essa é Camila, a enfermeira do Henrique. Prazer”, disse ele, malhando para ela. “Camila, pode trazer água para nosso convidado?” “Claro,”, respondeu Camila. Mas Henrique percebeu sua expressão fechada ao observar a interação entre Raíça e Márcio. Enquanto Camila estava na cozinha, Henrique observou como Raíça e Márcio se comportavam.
Eles se sentavam próximos demais, trocavam olhares cúmplices. E quando Raça ria das piadas dele, era com uma espontaneidade que ela não demonstrava mais com Henrique. “Bom, Henrique”, disse Márcio, “a Raíça me contou que vocês decidiram fazer uma cerimônia menor, mais íntima, foi ideia dela. Muito sensato, considerando as circunstâncias.
Novamente o tom condescendente, como se Henrique fosse uma criança que precisava ter suas limitações acomodadas. “Na verdade”, disse Raíça, “O Márcio sugeriu que fizéssemos a cerimônia no sítio da família dele, mais reservado, mais apropriado.” “Apropriado para quê?”, perguntou Henrique. Raíça e Márcio trocaram um olhar desconfortável.
Bem, você sabe, para evitar constrangimentos”, disse Márcio, “Que tipo de constrangimentos?” “Henrique, não precisa ficar na defensiva”, disse Raíça. “Estamos só tentando facilitar as coisas”. Camila voltou com a água e presenciou o final da conversa. Henrique viu em seus olhos a mesma indignação que ele estava sentindo.
Durante a tarde, enquanto Raíça e Márcio discutiam detalhes do casamento na varanda, Henrique pediu para Camila empurrar sua cadeira para um local onde pudesse ouvi-los. “Tem certeza de que quer fazer isso?”, perguntou ela baixinho. “Tenho.” Eles se posicionaram estrategicamente e Henrique pode ouvir a conversa.
Raí, você tem certeza de que quer continuar com essa farsa? Dizia Márcio. Não é farsa, é necessidade. Preciso casar com ele. Por você não o ama? Claro que não amo, mas ele tem muito dinheiro, Márcio, muito dinheiro. E depois do casamento vai ter que fingir pelo resto da vida? Não pelo resto da vida. Só até, bem, até que a situação se resolva naturalmente.
Henrique sentiu um calafrio. O que ela queria dizer com se resolver naturalmente. E quanto a nós? Perguntou Márcio. Nós podemos ficar juntos depois do casamento. Ele nunca vai desconfiar. Homem paraplégico, dependente, vai ficar é grato por eu ter ficado com ele. Henrique fechou os olhos, sentindo a crueldade das palavras como facadas.
Camila, que também estava ouvindo, colocou a mão no ombro dele num gesto de apoio silencioso. “Raíça está sendo muito cruel”, sussurrou ela. “Está”, concordou ele. “E agora eu sei exatamente quem ela é”. Naquele momento, Henrique tomou uma decisão. Não ia apenas expor Raíça, ia destruir completamente a vida dela, da mesma forma que ela estava tentando destruir a dele.
E Camila seria sua aliada nessa missão, mesmo sem saber. Na quinta-feira, 12º dia, aconteceu o evento que Henrique estava esperando e temendo ao mesmo tempo. Asa chegou em casa às 10 da noite, visivelmente alterada pelo álcool. acompanhada por Márcio. “Henrique deve estar dormindo”, ela disse em voz alta demais ao entrarem. Henrique estava acordado em seu quarto, no andar térrio da casa.
A porta estava entreaberta e ele podia ouvir tudo que acontecia na sala. Camila havia saído para comprar remédios na farmácia 24 horas, então eles estavam sozinhos na casa. Finalmente um pouco de privacidade”, disse Márcio. Henrique ouviu o som inconfundível de beijos e sussurros íntimos. “Tenho saudades de você”, dizia Raíça. “Também tenho.
Essa farça toda está me deixando louco. Só mais alguns dias, amor. Depois do casamento, podemos ficar juntos sempre que quisermos.” Henrique pegou discretamente seu celular e começou a gravar o áudio da conversa. Raíça, você tem certeza de que ele nunca vai descobrir, Márcio, o homem mal consegue ir ao banheiro sozinho.
Como vai descobrir alguma coisa? A crueldade do comentário fez Henrique cerrar os punhos. E se ele se recuperar? Os médicos disseram que há possibilidade. Raíça deu uma gargalhada amarga. Ele não vai se recuperar. E mesmo que se recuperasse parcialmente, seria sempre um aleijado. Nunca seria o homem que era antes. Você é muito fria, sabia? Sou prática, sempre fui.
Por que você acha que me interessei por ele desde o início? Não foi pelo charme irresistível, posso garantir. Henrique continuou gravando, sentindo uma mistura de dor e satisfação. Dor pela confirmação definitiva de suas suspeitas. Satisfação por estar obtendo evidências irrefutáveis.
E se ele te deixar uma herança pequena? E se a família desconfiar? Não vai desconfiar. Vou ser a viúva perfeita, dedicada, que sacrificou sua vida para cuidar do marido inválido. Viúva. Henrique sentiu o sangue gelar. Márcio, homens na condição dele t expectativa de vida reduzida, complicações de saúde, depressão, acidentes domésticos. Acontece muito.
Raíça, você está falando sério? Estou falando sobre realidade médica. E se alguma complicação acontecer um pouco mais cedo do que o natural, bem, seria uma bênção para todos, não é? Para ele que não teria que viver essa vida limitada e para mim que não teria que fingir pelo resto da vida. Henrique parou de gravar. Havia obtido mais do que esperava. Raça não estava apenas usando-o pelo dinheiro, estava planejando se livrar dele.
Naquele momento, ouviu a porta da frente se abrir. Era Camila voltando da farmácia. Raíça, você está aqui? A voz de Camila ecoou na sala. Henrique ouviu o movimento rápido, provavelmente Raíça e Márcio se separando. Oi, Camila. Sim, vim ver como o Henrique estava. E o Senr. Márcio estava me dando apoio.
É muito difícil para mim, você sabe. Henrique quase riu da hipocrisia. Claro. Henrique está no quarto, deve estar acordado ainda. Vou vê-lo rapidamente e depois vou embora, disse Raíça. Ela entrou no quarto de Henrique, que fingiu estar acordando. Oi, amor. Como você está? Bem, não sabia que você ia vir hoje. Quis dar uma passada rápida. Amanhã vou estar muito ocupada com os últimos preparativos.
Ela se aproximou e o beijou no rosto. Henrique pode sentir o cheiro de álcool e do perfume de Márcio nela. Raíça, você bebeu só um pouquinho. Estava num jantar com as meninas, discutindo o casamento. Mais uma mentira. Tudo bem para sábado? Tudo perfeito, amor. Vai ser um dia maravilhoso.
Depois que ela saiu, Henrique ficou acordado até tarde, processando tudo que havia descoberto. Raíça não era apenas interesseira, era potencialmente perigosa. Quando Camila passou para verificar se ele estava bem, Henrique tomou uma decisão. Camila, posso confiar em você? Claro. E Henrique, o que foi? Se eu te contasse que descobri algo terrível sobre alguém próximo, você acreditaria em mim? Dependeria do que fosse, mas sim, eu confiaria no seu julgamento.
E se fosse algo que pudesse mudar completamente sua percepção sobre uma pessoa? Camila se sentou na cadeira ao lado da cama. Henrique, o que está acontecendo? Ele olhou para aquela mulher que se tornara a pessoa mais importante de sua vida e tomou uma decisão que mudaria tudo.
Camila, preciso te contar uma coisa, mas promete que vai me ouvir até o final? Prometo. E Henrique começou a contar a verdade, toda a verdade. Henrique contou tudo para Camila, sobre a conversa telefônica que ouviu, sobre o plano da farsa, sobre Dr. Sérgio, sobre as gravações que havia feito. Tudo, exceto sua verdadeira identidade e fortuna. Isso ele guardaria para o momento certo.
Camila o ouviu em silêncio absoluto, seus olhos passando por surpresa, choque, indignação e, finalmente, compreensão. “Você Você não está realmente paraplégico?”, foi a primeira pergunta dela. “Não posso andar normalmente.” E fingiu tudo isso para testar Raíça? Sim. Camila ficou quieta por um longo momento, processando a informação. Henrique, você tem ideia do que fez comigo, com sua família, com todos? Eu sei e me arrependo de ter mentido para você, mas precisava saber a verdade sobre ela. E descobriu. Descobri muito mais do que esperava.
Ela não só está me usando, como está planejando em coisas terríveis. Camila se levantou e começou a andar pelo quarto. “Eu deveria estar furiosa com você”, disse ela finalmente. “Está? Deveria estar. Você me fez acreditar em uma mentira. Me fez me apaixonar por”. Ela parou abruptamente, percebendo o que havia dito. “Por mim?”, perguntou Henrique suavemente. Camila fechou os olhos.
“Não era para acontecer. Eu sou sua enfermeira. Você é comprometido. Camila, olha para mim.” Ela o olhou e Henrique viu lágrimas em seus olhos. Eu também me apaixonei por você completamente, perdidamente. Henrique. Isso é loucura. Sua vida é uma mentira. Você vai se casar daqui a dois dias. Não vou me casar com ela. Nunca poderia me casar com ela depois do que descobri.
Então o que vai fazer? Vou expor ela publicamente no próprio casamento. Camila o olhou com uma mistura de admiração e preocupação. Isso é muito arriscado e cruel. Ela merece, Camila. Você ouviu o que ela disse sobre mim? Ela está planejando me eliminar depois do casamento. Eu sei, eu ouvi. É assustador. Henrique estendeu a mão para ela.
Camila, eu sei que comecei tudo isso com uma mentira, mas o que sinto por você é a única coisa verdadeira que aconteceu na minha vida nos últimos meses. Camila hesitou, mas pegou sua mão. Henrique, mesmo se você expuser raíça, mesmo se cancelar o casamento, nós não podemos ficar juntos. Por quê? Porque somos de mundos diferentes. Você é empresário? Eu sou uma enfermeira desempregada que cuida da mãe doente.
Henrique quase riu. Se ela soubesse quão diferentes eram seus mundos realmente, isso não importa para mim. Importa para mim. Não quero ser vista como a enfermeira que seduziu o patrão vulnerável. Você não me seduziu. Você me salvou. Salvei, Camila.
Eu estava me casando com uma mulher que não me amava, que me via apenas como fonte de dinheiro. Você me mostrou o que é amor verdadeiro. Você me amou quando pensou que eu era limitado, dependente. Você me tratou com dignidade quando todos os outros me tratavam com pena. Lágrimas escorriam pelo rosto de Camila. Henrique, eu não sei o que fazer. Meu coração está dizendo uma coisa, minha razão outra. Escuta o coração, por favor.
Ela se aproximou dele na cama. Se eu fizer isso, se me entregar a esse sentimento, você promete que não vai me machucar? Prometo que vou passar o resto da minha vida tentando te fazer feliz. Camila se inclinou e beijou Henrique pela primeira vez. Foi um beijo suave, cheio de emoção contida, de amor verdadeiro, que finalmente encontrava expressão.
Quando se separaram, ela disse: “Então, estamos nisso juntos. Você vai expor Raíça e eu vou estar do seu lado”. Tem certeza? Tenho. Aquela mulher é perigosa e você não merece ser tratado da forma como ela te trata. Henrique segurou o rosto dela entre as mãos. Camila, depois que tudo isso acabar, depois que eu me livrar de raíça, você ficaria comigo? Ficaria, se você realmente me quiser. Eu te quero mais do que qualquer coisa na vida.
Eles passaram o resto da noite conversando, planejando como expor raiça, mas principalmente descobrindo um ao outro. Pela primeira vez em sua vida, Henrique estava experienciando amor incondicional e era mais maravilhoso do que jamais imaginou. Na sexta-feira, véspera do casamento, a tensão na casa era palpável. Raíça chegou cedo, agitada e exigente.
“Henrique, preciso que você assine alguns papéis”, disse ela colocando uma pasta na mesa. “Que papéis? Documentos do cartório. Última formalidade antes do casamento. Henrique foliou os papéis e notou que entre eles havia uma procuração dando poderes totais à Raíça sobre seus bens em caso de incapacidade mental ou física.
Raíça, por que preciso assinar uma procuração? É protocolo, amor. Para caso você tenha alguma complicação de saúde, eu poder tomar decisões rapidamente. Henrique olhou para Camila, que estava observando a cena com expressão preocupada. Não acho necessário, Henrique. Não seja teimoso. É para seu próprio bem. Meu bem ou o seu? Raíça ficou visivelmente irritada.
O que você está insinuando? Nada. Só acho precipitado assinar isso agora. Precipitado. Henrique, estamos nos casando amanhã. Quando seria o momento certo? Camila se aproximou. Posso sugerir que vocês discutam isso depois do casamento. Hoje deve ser um dia de celebração, não deos legais.
Raíça lançou um olhar venenoso para Camila. Ninguém pediu sua opinião. Raíça, não precisa ser rude, disse Henrique. Rud, eu estou sendo prática. Estou cansada desta enfermeira se metendo em assuntos que não são dela. Que assuntos? Tudo. Ela opina sobre nossa relação, sobre nossos planos, sobre nossos documentos. E qual é o papel dela aqui? Exatamente. Henrique e Camila trocaram um olhar.
Era a deixa perfeita. O papel dela, disse Henrique calmamente, é cuidar de alguém que ela realmente ama. Raíça ficou confusa. Como assim, Raíça? Eu sei de tudo. Sabe de quê? Sei do Márcio. Sei dos seus planos para depois do casamento. Sei que você não me ama e nunca me amou. O rosto de Raíça empalideceu.
Henrique, do que você está falando? Estou falando das conversas que você teve com ele aqui em casa. Estou falando dos seus comentários sobre minha expectativa de vida. Raíça olhou rapidamente para Camila, como se calculasse se ela era uma ameaça. Você está delirando. O acidente afetou sua mente. Minha mente está perfeita e tenho gravações para provar.
O silêncio na sala foi absoluto. Gravações? perguntou Raíça, a voz quase um sussurro de tudo. Das suas conversas telefônicas, dos seus encontros com Márcio, dos seus planos para me eliminar. Raíça tentou uma última cartada. Henrique, você não está bem. Está confuso, paranóico, precisa de ajuda médica.
A única coisa de que preciso é me livrar de você. Raíça olhou de Henrique para Camila, finalmente entendendo a situação. Ah, entendi. A enfermeirinha conseguiu virar sua cabeça, não foi? Você está cancelando o nosso casamento por causa de uma empregada? Não estou cancelando nada, disse Henrique com um sorriso frio. O casamento vai acontecer normalmente amanhã.
E como assim? Você vai descobrir amanhã na frente de todos os convidados. Raíça ficou pálida. Henrique, o que você está planejando? Estou planejando te dar exatamente o que você merece publicamente. Você não pode fazer isso comigo. Posso e vou. Você teve duas semanas para mostrar quem realmente é. Agora é minha vez.
Raíça saiu da casa pisando duro, gritando ameaças. Depois que ela se foi, Camila se aproximou de Henrique. Você tem certeza de que quer fazer isso? Absoluta certeza. Ela precisa pagar pelo que fez, pelo que planejava fazer. E depois, o que vai acontecer conosco? Henrique pegou a mão dela. Depois nós vamos ser felizes.
Pela primeira vez na minha vida, eu vou ser genuinamente feliz. Henrique, tem uma coisa que você ainda não me contou, não é? Tem quem você realmente é, sua verdadeira situação financeira. Henrique sorriu. Amanhã você vai descobrir tudo. Espero que quando descobrir ainda me queira. Henrique, eu te amo pelo homem que você é. Não importa o que você tenha ou deixe de ter.
E eu te amo por isso, por você me amar. pela pessoa que sou, não pelo que represento. Naquela noite eles dormiram abraçados no sofá da sala, preparados para o dia que mudaria suas vidas para sempre. O dia em que Henrique Ferrarz se revelaria ao mundo e Raíça Cavalcante descobriria o verdadeiro significado da palavra consequência. Era sábado de manhã, dia do casamento.
Henrique acordou no sofá com Camila em seus braços, pela primeira vez em semanas, sentindo-se verdadeiramente em paz. Mas a tranquilidade durou pouco. Às 7 da manhã, a campainha tocou insistentemente. Era Raíça, acompanhada de seus pais, Miguel e Clara Cavalcante e Dr. Sérgio Abreu. “Henrique, precisamos conversar urgentemente”, disse ela entrando na casa sem ser convidada.
Camila se levantou rapidamente do sofá, arrumando o cabelo. A situação era constrangedora. Camila, você pode nos dar licença? Pediu Miguel Cavalcante rispidamente. Na verdade, ela fica disse Henrique. Tudo que vocês têm para falar podem falar na frente dela. Dr. Sérgio se aproximou de Henrique com uma expressão preocupada.
Henrique, a Raíça me contou que você está tendo alguns episódios, alucinações, paranoia. Que conveniente, respondeu Henrique friamente. Filho disse Clara Cavalcante, sabemos que acidentes como o seu podem causar alterações psicológicas. É normal, acontece com muita gente. Henrique percebeu imediatamente a estratégia.
Raíça havia contado para os pais e para Dr. Sérgio que ele estava tendo problemas mentais decorrentes do trauma. Estava tentando desacreditar qualquer coisa que ele pudesse dizer sobre ela. Doutor Sérgio, disse Henrique calmamente. O senhor pode explicar para os pais da Raíça como foi que confirmou minha lesão medular? O médico ficou visivelmente desconfortável. Henrique, não entendo aonde quer chegar.
Quero que explique os exames que fez, os procedimentos que seguiu. Henrique, você está confuso. Seus exames foram todos feitos no hospital. Interessante, porque tenho aqui a gravação da nossa conversa quando o senhor aceitou R$ 200.000 para falsificar meu diagnóstico. Henrique pegou o celular e começou a reproduzir o áudio. A voz de Dr. Sérgio era inconfundível.
R$ 200.000, 50 agora. 50 quando você emitir o laudo. O silêncio na sala foi absoluto. Miguel e Clara Cavalcante olharam para Dr. Sérgio em choque. Isso, isso deve ser uma montagem, gaguejou o médico. Doutor Sérgio, disse Henrique se levantando da cadeira de rodas.
Quer que eu demonstre como está minha lesão medular? O médico empalideceu quando viu Henrique de pé, caminhando normalmente pela sala. Meu Deus! Sussurrou Clara cavalcante. Henrique, você pode andar? Sempre pude. Nunca tive lesão nenhuma. Miguel Cavalcante se voltou para a filha. Raíça, o que está acontecendo aqui? Pai, o Henrique está louco. Ele inventou essa história maluca. Inventei. Henrique interrompeu.
Raíça, quer que eu reproduza a gravação da sua conversa telefônica com a Fernanda? Aquela em que você diz que só está comigo pelo dinheiro? Raíça ficou desesperada. Henrique, por favor, não faça isso. Ou prefere que eu reproduza a gravação de quinta-feira à noite, quando você e o Márcio discutiam sobre minha expectativa de vida reduzida? Miguel e Clara se entreolharam em horror.
Clara se sentou na poltrona, levando a mão ao peito. “Raissa, isso é verdade?”, perguntou Miguel com a voz embargada. “Pai, eu posso explicar?” Não há nada para explicar”, disse Henrique. “Sua filha nunca me amou. Ela via em mim apenas uma fonte de renda. E quando pensei que estava paraplégico, ela começou a planejar como se livrar de mim depois do casamento. Dr.
Sérgio tentou sair silenciosamente, mas Henrique o parou. Doutor, o senhor vai ficar aqui até eu decidir o que fazer com sua participação nessa farça. Henrique, eu posso devolver o dinheiro? Pode, mas também vai perder seu registro médico. Tenho todas as evidências da sua corrupção. Clara Cavalcante começou a chorar.
Raissa, minha filha, como você pode ter feito uma coisa dessas? Mãe, vocês não entendem. Ele me enganou também. fingiu estar paraplégico para descobrir seu verdadeiro caráter, respondeu Henrique e descobriu muito mais do que esperava. Miguel se aproximou de Henrique.
Que tipo de homem você é para criar uma encenação tão elaborada? O tipo de homem que não quer ser enganado pelo resto da vida. O tipo de homem que quer ter certeza de que a pessoa que vai se casar com ele o ama de verdade. Camila, que havia assistido tudo em silêncio, se aproximou de Henrique. E descobriu? Perguntou Clara, olhando para Camila.
Descobri, disse Henrique, pegando a mão de Camila. Descobri o que é amor verdadeiro. Depois que a família Cavalcante e Doutor Sérgio saíram em completo caos. Henrique e Camila ficaram sozinhos. O silêncio na casa era pesado. Então, disse Camila finalmente, não vai ter casamento hoje. Não desse jeito não. Camila caminhou até a janela, olhando para a rua.
Henrique, preciso te fazer uma pergunta e quero uma resposta honesta. Pode fazer. Quem você realmente é? Henrique soube que chegara a hora da verdade completa. O que você quer dizer? Você tem dinheiro para subornar médicos, para contratar investigadores, para fazer toda essa encenação. Essa casa, embora você diga que é menor que a anterior, é luxuosa. Você não é apenas um empresário, é? Henrique respirou fundo. Não, não sou.
Então me conta tudo. Meu nome completo é Henrique Ferraz. Sou herdeiro e CEO da Ferraz Industries. Camila se virou para ele surpresa. Ferraz Industries? O conglomerado. Sim, Henrique, você é você é bilionário? Sou. Camila se sentou no sofá, processando a informação. Por que não me contou isso antes? Pelo mesmo motivo que fingi estar paraplégico, queria ter certeza de que você me amava por quem eu sou, não pelo que eu tenho.
E achou que eu ficaria com você pelo dinheiro? Não sabia. Nunca havia encontrado alguém como você antes. Todas as mulheres que conhecia estavam interessadas na minha fortuna. Camila ficou em silêncio por um longo tempo. Camila, isso muda alguma coisa entre nós? Muda tudo, Henrique. O coração dele afundou. Muda como? Eu sou enfermeira. Você é bilionário.
Eu moro numa casinha simples com minha mãe. Você tem mansões. Eu uso transporte público. Você tem motorista particular. Nada disso importa para mim, mas importa para o mundo. As pessoas vão dizer que eu sou interesseira, que me aproveitei da sua vulnerabilidade. Henrique se ajoelhou na frente dela. Camila, você me conhece? Você sabe quem eu sou por dentro. Isso é o que importa. Henrique, eu te amo.
Te amo profundamente, mas essa diferença social é só dinheiro, Camila. É só papel. Não é só dinheiro, é poder, influência, responsabilidades que eu não entendo. É um mundo do qual eu não faço parte. Henrique pegou o rosto dela entre as mãos. Você faria parte, se quisesse, ao meu lado, como minha igual. Sua igual, Henrique. Seja realista. Eu sou realista.
Você tem algo que nenhuma mulher rica que conheci jamais teve. Integridade, bondade e amor verdadeiro. Isso vale mais que qualquer fortuna. Camila começou a chorar. Henrique, eu tenho medo do quê? De não ser suficiente para o seu mundo, de ser julgada, criticada? De você se cansar de mim quando a novidade passar? Camila, me escuta bem.
Passei dois anos com uma mulher do meu mundo, uma mulher rica, educada, socialmente aceita e ela quase me destruiu. Você em duas semanas me mostrou o que é felicidade real, mas as pessoas vão dizer que se danem as pessoas. Camila, eu passei a vida inteira fazendo o que os outros esperavam de mim. Dessa vez vou fazer o que o meu coração manda.
E se der errado, não vai dar errado, porque é baseado em amor verdadeiro. Camila o olhou nos olhos. Você tem certeza de que me quer, mesmo sabendo que vou fazer você parecer comum aos olhos da elite? Henrique riu. Camila, você vai me fazer parecer o homem mais sortudo do mundo, porque vou estar casado com a única pessoa que me amou quando pensou que eu não tinha nada para oferecer.
Casado? Henrique se levantou e foi até o quarto. Voltou com uma pequena caixa de veludo. Camila Santos, você aceita se casar comigo? Ela olhou para o anel, um solitário simples, mas elegante, e começou a chorar mais forte. Henrique, isso é loucura. É. E você vai aceitar? Camila olhou para ele, para o homem que havia se apaixonado por ela quando fingia ser apenas um empresário comum em cadeira de rodas e tomou a decisão mais importante da sua vida. Aceito.
Duas horas depois, enquanto Henrique e Camila celebravam o noivado com um almoço simples, a campainha tocou novamente. Era raíça, mas desta vez sozinha e com uma expressão determinada e cruel. “Precisamos conversar”, disse ela entrando sem ser convidada. Não temos mais nada para conversar, Raíça.
Temos sim o quanto você vai me pagar para manter minha boca fechada. Henrique e Camila se entreolharam. Como assim, Henrique? Você achou que podia me humilhar na frente dos meus pais e sair impune? Achou que eu ia aceitar ser descartada quietinha? Raíça, você tentou me usar, me enganar e até planejou me eliminar. Quem deveria estar preocupado com exposição é você.
Ah, é? E como você acha que vai ficar sua reputação quando eu contar para toda a alta sociedade paulista que Henrique Ferraz fingiu ser paraplégico para testar a noiva? Que você é um mentiroso, manipulador, que enganou família e amigos? Henrique sentiu um aperto no peito. Ela tinha razão.
Sua reputação ficaria manchada. E mais, continuou Raíça, olhando para Camila. Quando eu contar que você foi seduzido pela enfermeira que contratou, que abandonou a noiva de família tradicional pela empregada interesseira. Camila não é interesseira, disse Henrique firmemente.
Não é? Então por que ela só aceitou ficar com você depois de descobrir que você é bilionário? Camila se levantou. Isso não é verdade, não é? Então, por que vocês não assumiram o relacionamento quando ele ainda fingia ser um inválido de classe média? Henrique viu a dúvida passando pelo rosto de Camila. Raíça estava sendo diabólica, plantando sementes de insegurança.
Camila, disse ele, não escuta ela. Por que, Henrique? Ela está errada. Você me pediu em casamento antes ou depois de revelar sua fortuna? O silêncio dele foi resposta suficiente. Viu só? Disse Raíça com satisfação. A enfermeirinha também é interesseira, só que mais esperta que eu. Não é verdade? Gritou Camila. Eu o amava antes de saber.
Amava o homem paraplégico e pobre ou o homem rico que fingia ser paraplégico. Camila ficou sem resposta, a confusão evidente em seu rosto. Raíça sorriu maliciosamente. Então, Henrique, quanto vale minha descrição? 5 milhões, 10? Você está me chantageando? Estou cobrando pelos danos morais que sofri com sua farça.
Henrique se aproximou de Raíça, a voz baixa e ameaçadora. Raíça, se você tentar me chantagear, eu vou destruir sua vida completamente. Tenho gravações suas planejando meu assassinato. Posso fazer você ser presa por tentativa de homicídio e eu posso fazer você virar piada na sociedade paulista. Vamos ver quem tem mais a perder.
Camila, que havia assistido o confronto em silêncio, finalmente falou: “Parem, parem com isso”. Ela se dirigiu à Raíça. Você quer dinheiro? Então diga quanto, mas depois sai da vida dele para sempre. Camila, não. Disse Henrique. Não, Henrique. Ela tem razão numa coisa. Sua reputação vale mais que qualquer quantia e eu não vou ser responsável por destruir sua vida. Raíça sorriu vitoriosa.
10 milhões e vocês nunca mais me incomodam. Feito disse Camila antes que Henrique pudesse protestar. Ótimo. Quero o dinheiro até segunda-feira. Depois que Raíça saiu, Henrique se voltou para Camila. Por que você fez isso? Porque te amo e não vou deixar que sua vida seja destruída por minha causa.
Camila, não é por sua causa, é por causa da maldade dela. Henrique, ela não está completamente errada. Eu realmente só aceitei me casar com você depois de saber da sua fortuna. Mas não por causa da fortuna. Como você pode ter certeza? Como eu posso ter certeza? Henrique viu que Raíça havia conseguido plantar a dúvida que queria e isso doía mais que qualquer chantagem.
Naquela noite, Henrique e Camila jantaram em silêncio. O clima entre eles havia mudado completamente desde a visita de Raíça. “Camila, você está duvidando dos seus sentimentos por mim?” Ela suspirou. Henrique, eu estou confusa. Quando achei que você era um empresário de classe média em cadeira de rodas, eu me apaixonei.
Quando descobri que você podia andar, continuei apaixonada. Mas agora, sabendo que você é bilionário, o que mudou? tudo, a dinâmica entre nós, as perspectivas, o futuro. Não sei mais se meus sentimentos são genuínos ou se estou sendo inconscientemente influenciada pela segurança financeira que você representa.
Henrique colocou o garfo no prato. Camila, vamos fazer um teste. Que tipo de teste? Vou transferir 10 milhões para sua conta amanhã. Se você ficar comigo depois disso, saberei que é interesseira. Se você recusar o dinheiro, saberei que me ama de verdade. Henrique, isso é ridículo. É, é exatamente o tipo de teste que fiz com Raíça, só que desta vez com resultados opostos.
Camila se levantou da mesa. Sabe de uma coisa? Estou cansada de testes. Estou cansada de ter que provar meu amor. Camila, não. Henrique. Você testou Raíça, agora quer me testar. Quando vai parar de duvidar das pessoas? Eu não duvido de você. Duvida sim. Se não duvidasse, não precisaria de teste nenhum.
Henrique percebeu que havia cometido um erro. Você tem razão. Foi uma ideia idiota. Henrique, eu vou embora. Como assim? Vou pedir demissão. Vou sair da sua vida. Vou deixar você resolver seus problemas com Raíça sozinho. Camila, não faça isso, por favor. Preciso Preciso de tempo para pensar, para entender meus próprios sentimentos, sem a pressão de toda essa situação.
E se você decidir que não me ama? Camila o olhou com lágrimas nos olhos. Então, pelo menos saberemos a verdade. E se você decidir que me ama? Aí voltamos para o problema original. Somos de mundos diferentes. Henrique se aproximou dela. Camila, não vá. Vamos resolver isso juntos. Henrique, preciso resolver isso comigo mesma primeiro.
Preciso ter certeza de que qualquer decisão que tome será baseada em amor verdadeiro, não em conveniência ou segurança. E quanto ao que sinto por você, você também precisa ter certeza. precisa saber se me quer pelo que sou ou porque representa uma alternativa pura à crueldade de Raíça. Henrique sabia que ela tinha razão, mas a ideia de perdê-la o apavorava.
Quanto tempo você precisa? Não sei, talvez algumas semanas, talvez meses. E se Raíça cumprir a ameaça, se expuser toda a farça, então você vai enfrentar as consequências das suas escolhas como um homem de verdade. Naquela noite, Camila fez as malas.
Henrique a observou em silêncio, sentindo como se seu mundo estivesse desabando novamente. “Camila, ele disse quando ela estava pronta para sair. Obrigado. Pelo quê? Por me mostrar o que é amor verdadeiro. Mesmo que seja só por algumas semanas. Henrique não é a Deus para sempre. É só até descobrirmos quem realmente somos quando todas as mentiras e testes terminarem.
Ela o beijou suavemente e saiu da casa, deixando Henrique sozinho com suas reflexões e a certeza de que havia encontrado e perdido o amor de sua vida no mesmo dia. Na manhã de domingo, Henrique acordou sozinho na casa que havia se tornado seu laboratório de experiências emocionais. Pela primeira vez em semanas, estava completamente só, sem Raíça fingindo amor, sem Camila, oferecendo carinho genuíno, sem Dr. Sérgio perpetuando mentiras médicas. O celular tocou.
Era Miguel Ferraz, seu pai. Henrique, onde você está? Todos estão preocupados. Raíça ligou ontem dizendo que vocês cancelaram o casamento. É verdade, pai. Cancelamos. Filho, você pode vir para casa? Precisamos conversar. Não, Henrique estava na mansão familiar, sentado na biblioteca com seus pais. Miguel e Clara Ferraz ouviram toda a história em silêncio.
A farça médica, o teste com Raíça, a descoberta sobre suas verdadeiras intenções, o aparecimento de Camila. Filho! disse Miguel quando Henrique terminou. Você tem ideia da gravidade do que fez? Tenho. Subornou um médico, enganou sua família, criou uma farça elaborada. E para quê? Para descobrir se uma mulher te amava? Pai, se você tivesse ouvido o que eu ouvi, Henrique, existe um jeito civilizado de terminar um noivado. Não precisava de toda essa encenação.
Clara, que havia ficado quieta, finalmente falou: “Henrique, e essa enfermeira, você realmente a ama?” “Amo mãe mais do que qualquer coisa.” “E onde ela está?” Foi embora. Disse que precisa de tempo para ter certeza dos próprios sentimentos. “Eá-la?” Vou pelo tempo que for necessário. Miguel suspirou.
Filho, você sabe que essa história vai vazar, não sabe? Raça não vai ficar quieta. Eu sei. A reputação da empresa, da família, tudo vai ser afetado. Pai, estou preparado para enfrentar as consequências. E se ela fizer chantagem, como ameaçou, não vou pagar. Se ela quiser expor a verdade, que exponha. Prefiro ser julgado por ter testado uma mentirosa do que por ter me casado com uma.
Clara se aproximou do filho. Henrique, você acha que fez a coisa certa? Acho, mãe. Descobri que a mulher com quem ia me casar não me amava e planejava me eliminar. E descobri que posso amar e ser amado de verdade, mesmo que isso custe nossa reputação. Reputação se reconstrói, mãe. Vida perdida não.
Miguel ficou em silêncio por um longo momento. E agora o que vai fazer? Vou esperar Camila decidir se quer ficar comigo e vou trabalhar para merecer o amor dela. E se ela não voltar? Então, pelo menos saberei que experimentei amor verdadeiro. E isso já é mais do que muitas pessoas conseguem. Naquela noite, de volta à casa em Igenópolis, Henrique recebeu uma ligação inesperada. Era Camila.
Henrique, preciso te contar uma coisa. O que foi? Raça me procurou hoje, disse que se eu não sair definitivamente da sua vida, ela vai expor tudo e ainda inventar mentiras sobre mim. E que tipo de mentiras? Que eu me prostituí para conseguir o trabalho, que roubei coisas da casa, que manipulei você psicologicamente? Henrique sentiu raiva correndo em suas veias. Camila, não escuta.
Ela são ameaças vazias. Henrique não são vazias. Ela tem contatos na imprensa, na elite social. Pode destruir minha reputação profissional. E o que você vai fazer? Não sei. Estou com medo. Camila, vem para casa. Vamos resolver isso juntos. Não posso. Se eu voltar, ela vai dizer que voltei pelo dinheiro.
Então, o que sugere? Que você pague o que ela está pedindo. Que termine isso de uma vez, Camila. Se eu pagar essa chantagem, vou estar admitindo culpa e ela nunca vai parar. Então, estamos num beco sem saída. Henrique ficou em silêncio pensando. De repente, uma ideia surgiu em sua mente. Camila, você confia em mim? Confio. Então me encontra amanhã às 2as da tarde no Clube Ípico. Tenho um plano.
Que tipo de plano? Vou dar a Raíça exatamente o que ela quer. Um show público, só que não será o show que ela espera. Henrique, o que você vai fazer? Vou provar que às vezes a melhor defesa é o ataque e vou provar que nosso amor é mais forte que qualquer chantagem. Henrique, isso é arriscado.
A vida toda é arriscada, Camila, mas pela primeira vez vale a pena correr o risco. Após desligar, Henrique pegou o telefone e fez uma série de ligações para jornalistas, para a elite social, para autoridades. Se Raíça queria um escândalo público, ele ia dar a ela o maior escândalo da década, mas desta vez com a verdade como arma. Domingo, 2 horas da tarde, o salão nobre do clube hípico de São Paulo estava repleto.
Henrique havia usado toda sua influência para convocar o que chamou de esclarecimento público sobre recentes acontecimentos envolvendo a família Ferraz e Cavalcante. Estavam presentes jornalistas dos principais veículos de comunicação, membros da elite paulistana, empresários influentes e figuras da sociedade.
Todos curiosos sobre o que Henrique Ferraz, herdeiro bilionário, tinha a dizer sobre o casamento cancelado que havia virado assunto nos círculos sociais. Raíça chegou acompanhada de seus pais, visivelmente nervosa, mas tentando manter a postura. Ela não sabia exatamente o que Henrique planejava, mas sabia que não seria bom para ela.
“O que ele está fazendo?”, sussurrou para o pai. “Por que convocou a imprensa?” Não sei, filha, mas seja o que for, mantenha a dignidade”, respondeu Miguel Cavalcante. Camila entrou discretamente pela porta lateral, como Henrique havia pedido. Ela estava vestida de forma simples, mas elegante, e se posicionou no fundo do salão, nervosa sobre o que estava para acontecer.
Márcio Esteves também estava presente, tendo sido convidado por Henrique. Ele se mantinha próximo à Raíça, mas claramente desconfortável, com toda a atenção. Às 2 horas em ponto, Henrique entrou no salão. Não estava em cadeira de rodas. Caminhava normalmente, com postura ereta e determinada. Um murmúrio percorreu a multidão. Muitos sabiam que ele havia sofrido um acidente que o deixara paraplégico.
Damas e cavalheiros começou Henrique ao microfone. Obrigado por comparecerem. Sei que muitos estão curiosos sobre o cancelamento do meu casamento e sobre minha aparente recuperação milagrosa. Raíça engoliu em seco. Estou aqui hoje para esclarecer alguns mal entendidos. e revelar algumas verdades que considero fundamentais para minha reputação e para a justiça. Henrique fez uma pausa, olhando diretamente para Raíça.
Há três semanas fingi sofrer um acidente de carro. Fingi estar paraplégico. Subornei um médico para confirmar um diagnóstico falso. Enganei minha família, meus amigos, e criei uma das maiores farças já vistas nesta cidade. O silêncio no salão era absoluto. Repórteres começaram a anotar freneticamente.
Fiz isso porque descobri, por acaso, uma conversa telefônica que revelou que minha então, noiva via em mim apenas uma fonte de renda, que planejava me trair após o casamento e que nunca sentiu amor genuíno por mim. Raíça se levantou. Henrique, você não pode fazer isso. Posso e vou, Raíça, porque você me forçou a isso.
Henrique se voltou para a audiência, mas a farça revelou muito mais do que eu esperava. revelou não apenas o verdadeiro caráter da mulher com quem ia me casar, mas também me apresentou ao amor verdadeiro. Todos os olhares se voltaram para onde Henrique estava olhando, para Camila, no fundo do salão.
Esta é Camila Santos, a enfermeira que contratei para cuidar de mim durante minha falsa recuperação. E a mulher que me amou quando pensou que eu era apenas um empresário comum, paraplégico, dependente de cuidados especiais. Camila sentiu todos os olhares sobre ela, mas manteve-se firme. Hoje estou aqui para expor toda a verdade sobre minha farça, sobre as verdadeiras intenções de Raíça Cavalcante e sobre o amor que encontrei no lugar mais inesperado.
Henrique se aproximou de uma tela que havia sido preparada na lateral do salão. Para que não restem dúvidas sobre minhas afirmações, tenho evidências. gravações que fiz durante essas três semanas. A primeira gravação começou a tocar. Era a voz de Raíça ao telefone com a amiga Fernanda. Ai, Fernanda, você não imagina como estou cansada dessa farça toda.
Henrique é tão chato, sabe? fica falando dos negócios, dos funcionários, dessas coisas sérias o tempo todo. Mas em duas semanas eu caso e pronto, missão cumprida. Um murmúrio de choque percorreu o salão. Raíça ficou pálida. Depois que eu casar, vou me divertir muito, viu? Já tenho até uns candidatos em mente. O Henrique nunca vai desconfiar de nada.
Homem apaixonado é cego mesmo. Os pais de Raíça abaixaram a cabeça em vergonha. Esta conversa, disse Henrique, foi o que me levou a criar toda a farça, mas tem mais. A segunda gravação começou. Era a conversa entre Raíça e Márcio na noite de quinta-feira. Raí, você tem certeza de que ele nunca vai descobrir, Márcio? O homem mal consegue ir ao banheiro sozinho.
Como vai descobrir alguma coisa? Márcio tentou sair discretamente do salão, mas os seguranças que Henrique havia contratado o impediram. E se ele se recuperar, os médicos disseram que há possibilidade. Ele não vai se recuperar. E mesmo que se recuperasse parcialmente, seria sempre um aleijado. Nunca seria o homem que era antes.
A crueldade nas palavras de Raça causou exclamações de indignação na audiência, mas a parte mais chocante ainda estava por vir. Márcio, homens, na condição dele, têm expectativa de vida reduzida, complicações de saúde, depressão, acidentes domésticos. Acontece muito. Raissa, você está falando sério? Estou falando sobre realidade médica.
E se alguma complicação acontecer um pouco mais cedo do que o natural? Bem, seria uma bênção para todos, não é? O salão explodiu. Jornalistas se agitaram, pessoas se levantaram. Houve exclamações de horror. “Como podem ver”, disse Henrique retomando o controle. Descobri que minha ex-noiva não apenas não me amava, como planejava acelerar minha morte após o casamento para herdar meus bens. Raíça se levantou desesperadamente.
Isso está fora de contexto. Eu estava bebendo. Estava confusa. Confusa o suficiente para planejar meu assassinato. Eu nunca planejei assassinato nenhum. Vocês estão distorcendo minhas palavras. Henrique se voltou para Márcio. Senhor Steves, o senhor gostaria de comentar sua participação nessas conversas? Márcio ficou em silêncio, claramente aterrorizado, porque tenho aqui também os registros bancários mostrando que assim um aninurita.
Raíça vendeu presentes que eu havia dado a ela, usou meu cartão de crédito para financiar encontros com o senhor e até tentou me fazer assinar uma procuração que lhe daria controle. total sobre meus bens. Henrique mostrou os documentos na tela.
Tudo isso enquanto eu fingia estar paraplégico, vulnerável, precisando de cuidados, enquanto ela fingia me amar e cuidar de mim. A reputação de Raíça estava sendo destruída publicamente diante da elite paulistana e da imprensa nacional. Mas como disse anteriormente, continuou Henrique, esta experiência também me trouxe algo maravilhoso. Henrique gesticulou para que Camila se aproximasse.
Ela hesitou por um momento, mas caminhou até a frente do salão. Esta é Camila Santos”, disse ele pegando a mão dela. Enfermeira formada pela USP, profissional exemplar que perdeu o emprego por denunciar negligência médica em favor de um paciente idoso. Raíça não conseguiu se conter. Uma empregada. Ele trocou uma mulher da nossa sociedade por uma empregada.
Uma empregada? Respondeu Henrique calmamente. Que tem mais classe, dignidade e caráter. que toda a sua sociedade junta. Ele se voltou para a audiência. Camila cuidou de mim quando pensou que eu era um empresário de classe média, paraplégico, sem perspectivas de recuperação. Ela me tratou com carinho, respeito e dedicação genuínos.
Me fez sentir humano quando todos ao redor me viam com pena. Camila estava visivelmente emocionada, mas mantinha a postura. Ela me amou pelo homem que eu era em minha suposta limitação, não pelo bilionário que sou na realidade. Quando descobriu minha farça, ficou magoada pela mentira, mas compreendeu meus motivos.
E quando descobriu minha verdadeira situação financeira, ficou insegura sobre nosso futuro, preocupada em ser julgada pelos outros. Henrique olhou diretamente para algumas das mulheres da elite presente. Camila tem algo que muitas pessoas neste salão perderam há muito tempo. Humildade. Ela sabe o valor do trabalho honesto, do amor incondicional, do caráter íntegro. Raíça tentou um último ataque.
E vocês acreditam que essa história romântica toda é real? Ela obviamente se aproveitou da vulnerabilidade dele. É uma interesseira esperta. Henrique sorriu. Interesseira? Camila recusou todos os presentes caros que tentei dar a ela. Usava seu próprio salário para comprar remédios para a mãe diabética. quando descobriu minha fortuna, ficou com medo de que as pessoas pensassem exatamente isso. Ele pegou um documento da mesa.
Na verdade, Camila foi tão longe em provar que não é interesseira que assinou ontem um documento renunciando a qualquer direito sobre meus bens, mesmo se nos casássemos. M. Camila olhou para ele surpresa. Ela não sabia que ele havia tornado público esse documento.
Ela fez isso para que ninguém pudesse questionar a pureza de suas intenções, para que nosso amor fosse julgado apenas pelo que é verdadeiro. A audiência estava claramente tocada pela história. Então pergunto a vocês continuou Henrique. Quem é a interesseira aqui? A mulher que planejou minha morte para herdar minha fortuna ou a mulher que renunciou a qualquer direito sobre ela para provar seu amor. O contraste era gritante e irrefutável.
Raissa, vendo que estava perdendo completamente a batalha da opinião pública, partiu para o desespero. Vocês não entendem. Ele me enganou. Ele mentiu para todos. Fez uma farça elaborada. Como podem apoiar um mentiroso? Henrique se voltou para ela calmamente. Raissa, eu menti sobre minha condição física para descobrir a verdade sobre seu caráter.
Você mentiu sobre amar-me para roubar minha fortuna e possivelmente minha vida. Há uma pequena diferença moral aí. Você arruinou minha reputação, destruiu meu futuro. Eu expus quem você realmente é. Sua reputação foi arruinada por suas próprias ações, não pela minha revelação. Miguel Cavalcante se levantou, visivelmente abalado. Henrique, peço desculpas em nome da minha família. Eu não sabia.
Nunca imaginei que minha filha fosse capaz de Senr. Miguel, não precisa pedir desculpas. O senhor e a senora Clara sempre me trataram com respeito. Vocês não têm responsabilidade pelas escolhas da Raíça. Clara Cavalcante estava chorando silenciosamente, claramente devastada pela humilhação pública da filha.
Um jornalista levantou a mão. Senr. Ferraz, o senhor vai processar a senorita cavalcante? Vou tomar as medidas legais necessárias, sim. tentativa de fraude e conspiracy para cometer homicídio, entre outras acusações que meus advogados estão preparando.
Outro jornalista perguntou: “E quanto ao médico que participou da farça?” Doutor Sérgio Abreu já teve seu registro médico cassado pelo Conselho Regional de Medicina. está respondendo por falsificação de documentos e corrupção. Raíça fez uma última tentativa desesperada. Márcio, conta a verdade. Conta que eu nunca quis machucá-lo de verdade. Márcio, que havia ficado quieto até então, surpreendeu a todos.
Raíça, você está sozinha nessa. Eu não vou afundar por causa dos seus planos malucos. Como assim? Você estava comigo em tudo. Eu estava interessado em você, não em cometer crimes. Quando você começou a falar em acelerar a morte dele, eu soube que você havia perdido a cabeça. A traição de Márcio foi o golpe final. Raíça não tinha mais ninguém do seu lado.
Damas e cavalheiros disse Henrique retomando o controle da situação. Espero que esta experiência sirva de lição para todos nós sobre a importância de conhecermos verdadeiramente as pessoas com quem escolhemos compartilhar nossas vidas. Raíça, completamente derrotada e humilhada, saiu correndo do salão, seguida pelos pais envergonhados. Com Raíça fora do salão, o ambiente mudou completamente.
Henrique se voltou para Camila, que havia acompanhado tudo com uma mistura de admiração e preocupação. “Camila, disse ele ao microfone. Sei que você ficou assustada com toda essa situação. Sei que tem medo de ser julgada. de não pertencer ao meu mundo. Ela o olhou com lágrimas nos olhos. Mas quero que todos aqui saibam que você não precisa se adaptar ao meu mundo.
Eu quero fazer parte do seu mundo. Um mundo onde o valor das pessoas é medido pelo caráter, não pela conta bancária. De Henrique se ajoelhou ali mesmo na frente de toda a elite paulistana e da imprensa nacional. Camila Santos, você aceita se casar comigo? Não com o bilionário, não com o herdeiro da Ferraz Industries, mas com o homem que você conheceu quando ele era apenas Henrique, vulnerável e precisando de cuidado? O salão ficou em silêncio absoluto. Camila olhou para ele, para a audiência, para as câmeras e tomou a
decisão mais corajosa da sua vida. Aceito”, disse ela, sua voz ecoando pelo salão. “Mas com uma condição, qualquer uma, que você prometa nunca mais mentir para mim sobre nada, nunca.” Prometo. O salão explodiu em aplausos. Jornalistas tiravam fotos, pessoas se levantavam.
E, pela primeira vez em meses, Henrique se sentiu genuinamente feliz. Miguel Ferraz, que havia assistido a tudo do fundo do salão, se aproximou do casal. Camila, disse ele, seja bem-vinda à família e obrigado por salvar meu filho. Eu não salvei ninguém, Sr. Miguel. Nós nos salvamos mutuamente. Dos seis meses depois. Henrique e Camila estavam no jardim de uma casa simples, mas bonita, no bairro de Perdizes.
Era a casa que haviam comprado juntos, não uma mansão, mas um lar verdadeiro. Camila estava grávida de 4 meses, radiante de felicidade. Maria Santos, sua mãe, morava com eles, completamente curada da diabetes, graças ao melhor tratamento médico que o dinheiro podia comprar. mas mais importante, cercada do amor da família. “Como foi o hospital hoje?”, perguntou Henrique chegando do trabalho.
Maravilhoso. As crianças da ala pediátrica estão respondendo muito bem ao novo tratamento. Camila havia se tornado coordenadora do Hospital Filantrópico Ferraz Santos, uma instituição que eles haviam criado juntos para atender comunidades carentes. E você, como foi a reunião com os investidores? Fechamos o acordo para expandir o projeto para outras cidades.
Vamos conseguir ajudar muito mais gente. Eles se abraçaram no jardim, observando o pôr do sol. Henrique, você se arrepende de alguma coisa? Me arrependo de ter demorado tanto para encontrar você. E você? Me arrependo de ter duvidado de que o amor verdadeiro existia. Nesse momento, a televisão da sala ligada mostrava uma reportagem.
Raíça Cavalcante, ex-noiva do bilionário Henrique Ferraz, foi condenada hoje a 5 anos de prisão por tentativa de fraude e conspiração para cometer homicídio. Henrique pegou o controle e desligou a TV. Não precisamos mais saber sobre isso, disse ele. Concordo. Nosso futuro é muito mais interessante que nosso passado. Maria Santos apareceu na varanda. Crianças, jantar está pronto.
Eles riram. Aos olhos de Maria, eles sempre seriam suas crianças, independente da fortuna ou status social. “Vamos, amor”, disse Camila. “Nossa família está esperando”. E entraram de mãos dadas, prontos para mais um jantar comum numa casa simples com uma família que se amava verdadeiramente.
Porque Henrique havia aprendido que a verdadeira riqueza não estava nos bilhões em sua conta bancária, mas nos braços da mulher que o amava, no filho que estava chegando, na sogra que o tratava como filho e no amor genuíno que finalmente havia encontrado. E Camila havia aprendido que o amor verdadeiro não conhece diferenças sociais, conhece apenas corações genuínos que se reconhecem e se completam.
Eles viveram felizes para sempre, não porque tinham dinheiro, mas porque tinham algo muito mais valioso, amor verdadeiro construído sobre verdade, confiança e respeito mútuo. E essa foi a maior vitória de todas. Yeah.
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