Num restaurante luxuoso, um milionário solitário encara seu jantar intocado, alheio ao mundo ao redor. De repente, uma menina de rua faminta caminha até ele e pergunta com voz trêmula: “Posso comer com você, papai?” Todos esperam que ele a expulse, como os outros fizeram antes. Mas sua resposta inesperada silencia o restaurante e muda o destino de ambos para sempre.
Ricardo Almeida permanecia imóvel à mesa do Estrela do Mar, o restaurante mais exclusivo de Copacabana. Diante dele, um prato de vieiras grelhadas na manteiga de ervas permanecia praticamente intocado, enquanto o vinho branco no copo de cristal refletia a luz dourada das velas. Aos 32 anos, era considerado um dos empresários mais promissores do Rio de Janeiro.
Sua empresa de tecnologia havia revolucionado o mercado de aplicativos financeiros, garantindo-lhe uma fortuna estimada em mais de 200 milhões de reais. Apesar do sucesso, Ricardo estava imerso em uma sensação de vazio que parecia aumentar a cada dia. O restaurante ao seu redor vibrava com conversas animadas, taças tilintando e risos discretos da alta sociedade carioca.
Executivos internos caros, socialities exibindo joias deslumbrantes e celebridades disfarçadas em mesas reservadas compunham o cenário exclusivo, onde uma mesa custava o equivalente ao salário mensal de muitos brasileiros. Ricardo deslizava o dedo pela tela do celular, verificando e-mails intermináveis e relatórios financeiros.

Os números na sua conta bancária cresciam exponencialmente, mas a satisfação que esperava sentir com cada conquista nunca chegava. Sua cobertura na Vieira Solto permanecia vazia, exceto por ele mesmo e pela equipe de funcionários que mantinha distância respeitosa. O garçom aproximou-se com deferência exagerada. O senhor gostaria de experimentar a sobremesa, Sr.
Almeida? O chefe preparou um suflet de maracujá exclusivamente para nossos clientes VIP. Esta noite, Ricardo dispensou a oferta com um gesto displice. Apenas o café, Augusto e a conta. Fora do restaurante, a noite carioca exibia seu contraste mais cruel. Enquanto turistas e moradores abastados circulavam despreocupados pela orla iluminada, nas sombras entre os prédios luxuosos e as vielas que levavam ao morro, outra realidade se desenrolava.
Júlia observava o movimento do restaurante há mais de uma hora. Com apenas 7 anos, seus grandes olhos castanhos revelavam uma maturidade forçada pela vida nas ruas. O vestido rosa, outrora bonito, agora estava sujo e grande demais para seu corpo magro. Os pés descalços estavam calejados de tanto caminhar pelo asfalto quente durante o dia.
A menina escondia-se atrás de uma palmeira decorativa, na esperança de conseguir alguma sobra de comida. Seu estômago doía de fome. Não comia nada substancial há dois dias, sobrevivendo apenas com restos encontrados em lixeiras e a ocasional gentileza de turistas. Sai daqui, moleque. Um dos seguranças do restaurante a avistou, avançando ameaçadoramente. Já disse que não queremos pedintes assustando os clientes.
Júlia recuou alguns passos, mas não desistiu. Ficou observando de longe, esperando uma oportunidade. Viu quando um casal saiu, deixando pratos quase inteiros para trás. Num movimento rápido, aproveitou a distração do segurança para tentar se aproximar das mesas externas.
quase conseguiu alcançar um pedaço de pão na mesa recém desocupada, quando sentiu uma mão agarrar seu braço com força. O que eu falei, sua pirralha. O segurança a arrastou para longe dos olhares escandalizados dos clientes. Gente como você não pertence a este lugar. Volte pro morro, por favor, moço, implorou Júlia com a voz embargada. Só um pouquinho de comida.
O homem a empurrou para a calçada. Da próxima vez chamo a polícia. Com lágrimas silenciosas escorrendo pelo rosto, Júlia se afastou alguns metros, mas não desistiu. A fome era mais forte que o medo. Observando o movimento do restaurante, notou um homem sozinho numa mesa de canto.
Diferente dos outros, ele parecia alheio à própria comida, absorto no celular, enquanto pratos cheios permaneciam entocados à sua frente. Algo naquele homem despertou uma memória distante em Júlia. Talvez fosse o jeito como franzia levemente a testa enquanto olhava para a tela, ou o modo como seus olhos pareciam tristes, apesar de estar num lugar tão bonito.
Por um breve momento, ele a lembrou de alguém, uma lembrança tão fugidia quanto preciosa. A fome tornou-se insuportável quando o aroma de pão fresco chegou até ela, trazido pela brisa marinha. O estômago de Júlia contraiu-se dolorosamente. Olhou para o segurança, que agora estava distraído com um grupo de turistas americanos. Era sua chance. Com o coração acelerado, reuniu toda a coragem que conseguiu encontrar.
Se eu não tentar, não vou conseguir nada”, murmurou para si mesma, repetindo as palavras que ouvira tantas vezes de sua mãe. Caminhando descalça pelas pedras frias do pátio, Júlia avançou determinada em direção ao homem solitário. Sua presença causou comoção imediata. Uma senhora com um colar de pérolas engasgou com o vinho.
Um executivo de terno claro fez sinal discreto para o garçom. “Meu Deus, de onde saiu essa criança?”, sussurrou uma mulher para seu acompanhante. O metre do restaurante avistou Júlia e avançou rapidamente em sua direção, pronto para interceptá-la antes que chegasse às mesas principais. Porém, a menina foi mais rápida.
Aproveitando sua pequena estatura, desviou-se entre as mesas e, antes que alguém pudesse detê-la, estava parada ao lado da mesa de Ricardo Almeida. O empresário, ainda absorto em seu telefone, não percebeu imediatamente a presença da menina. Foi apenas quando uma pequena sombra se projetou sobre sua mesa, que ele ergueu os olhos surpreso. Ali estava ela, com os pés descalços e sujos, o vestido esfarrapado e os olhos enormes fixos nos dele. Por um instante, o tempo pareceu congelar.
O burburinho do restaurante desapareceu. O mundo se resumiu àquele momento, aquele encontro improvável entre dois mundos completamente distintos. O Metri chegou ofegante. Senhor Almeida, perdoe-nos a intrusão. Vou remover esta esta intrusa imediatamente. Antes que Ricardo pudesse responder, Júlia olhou diretamente em seus olhos.
Com a voz trêmula de medo, mas firme de esperança, pronunciou as palavras que mudariam para sempre o curso de suas vidas. Posso comer com você, papai? Um silêncio absoluto tomou conta do ambiente. As conversas cessaram, os talheres pararam no ar e todos os olhares se voltaram para Ricardo e a pequena menina, que o chamara de papai.
O empresário ficou petrificado, seus olhos arregalados fixos na criança à sua frente. Aquela palavra, papai, ecoou em sua mente como um trovão em noite silenciosa. Eu disse que vou tirar essa menina daqui, senhor, insistiu o Metra, estendendo a mão para agarrar o braço de Júlia. A menina recuou, mas manteve o olhar suplicante em Ricardo.
“Por favor, papai”, ela sussurrou com a voz embargada. Não como faz dois dias. Prometo que vou ser quietinha. Ricardo observou a criança trêmula à sua frente. Algo naquele olhar penetrou sua armadura de indiferença cultivada ao longo dos anos. Por trás da fachada de empresário bem-sucedido, algo se quebrou.
“Espere”, ordenou Ricardo ao metre, sua voz surpreendentemente firme, virou-se para Júlia, estudando seu rosto. “Por que você me chamou de papai?” A pergunta pairou no ar, carregada de possibilidades. Os clientes nas mesas próximas trocaram olhares curiosos, alguns indignados, outros comovidos pela cena inusitada. Júlia engoliu em seco, reunindo coragem.
Porque você parece bom como meu pai era, respondeu com sinceridade infantil. E porque eu estou com muita fome? A simplicidade da resposta atingiu Ricardo como um soco. Não havia manipulação ali, apenas a verdade crua de uma criança desesperada. “Senhor Almeida”, insistiu o Matri, visivelmente constrangido. “Perdoe-me, mas temos normas rigorosas.
Essa menina claramente não pertence a este ambiente e está incomodando nossos outros clientes. Do outro lado do salão, uma senhora de meia idade, com joias caras e expressão enojada fez um gesto indignado. É inaceitável. Venho aqui justamente para não ter que lidar com esse tipo de gente.
Ricardo sentiu algo despertar dentro de si, uma emoção que não experimentava há anos. indignação, mas não contra a menina, e sim contra o mundo que permitia que uma criança chegasse a esse ponto de desespero. Augusto chamou o garçom pelo nome, ignorando completamente o Matri. Traga outro prato, por favor, e um suco de laranja natural. O garçom hesitou, olhando nervosamente para ore, que parecia não acreditar no que estava ouvindo.
Senhor Almeida, o senhor não pode estar falando sério. Estou falando completamente sério, interrompeu Ricardo com uma firmeza que não deixava espaço para a discussão. Esta menina vai jantar comigo esta noite. Um murmúrio percorreu o restaurante. A mesma senhora que reclamara antes agora coxixava com seu marido.
deve ser filha de alguma empregada dele. Que escândalo trazer uma criança nesse estado para um lugar como este. Ricardo ignorou os comentários, ajoelhou-se para ficar na altura dos olhos de Júlia e puxou delicadamente a cadeira ao seu lado. “Venha, sente-se aqui.” Júlia olhou desconfiada, como se esperasse que a qualquer momento ele mudasse de ideia.
“O senhor tá falando sério mesmo?” Estou”, confirmou Ricardo com um sorriso que surpreendeu até a ele mesmo. Não se lembrava da última vez que sorrira de verdade. “Re pode me chamar de Ricardo?” A menina subiu na cadeira com dificuldade, seus pés descalços balançando sem alcançar o chão.
O contraste entre ela e o ambiente luxuoso não poderia ser mais gritante. “Traga primeiro um pouco de pão e manteiga”, ordenou Ricardo ao garçom, que permanecia imóvel ainda em choque. “E depois uma sopa, algo substancial, mas leve para o estômago.” “Sim, senhor”, respondeu o garçom, afastando-se rapidamente. O metre, vendo que não conseguiria dissuadir Ricardo, afastou-se contrariado, não sem antes lançar um olhar de advertência a Júlia.
“Como você se chama?”, perguntou Ricardo, tentando ignorar os olhares e coxichos ao redor. “Júlia”, respondeu a menina, seus olhos percorrendo maravilhados à mesa elegante, os talheres de prata e as taças de cristal. “É um nome bonito”, comentou Ricardo. “Quantos anos você tem, Júlia?” Sete”, respondeu, esticando o pescoço para ver melhor os pratos na mesa.
“O que é isso?”, apontou para as vieiras que Ricardo mal tocara. “São vieiras, um tipo de fruto do mar”, explicou ele, percebendo como algo tão comum em seu mundo era completamente estranho para ela. “Você nunca experimentou?”, Júlia balançou a cabeça. Não, eu como o que consigo. Sua honestidade desarmante fez Ricardo sentir um nó na garganta.
O garçom retornou com uma cesta de pães quentes e manteiga. Júlia olhou para Ricardo como se pedisse permissão. “Pode comer”, encorajou ele. As pequenas mãos trêmulas pegaram um pedaço de pão e Júlia deu uma mordida hesitante. Seus olhos se fecharam por um momento, saboreando aquela simples iguaria como se fosse o manjar dos deuses. Uma lágrima solitária escorreu por sua bochecha suja.
“Está bom?”, perguntou Ricardo comovido pela reação da menina. É igual ao que minha mãe fazia, sussurrou Júlia entre mordidas antes dela ir pro céu. Aquela frase simples despertou memórias que Ricardo havia enterrado no fundo de sua mente. Lembrou-se de sua própria mãe, Luía, que partira quando ele tinha apenas 10 anos.
A dor daquela perda nunca cicatrizara completamente. “Sinto muito pela sua mãe”, disse Ricardo sinceramente. “Você mora com seu pai, então?” Júlia abaixou os olhos, concentrando-se no pão em suas mãos. Não. Ele foi embora depois que mamãe foi pro céu. Disse que eu dava muito trabalho e que alguém ia cuidar de mim.
Ela deu de ombros com uma resignação que nenhuma criança deveria conhecer, mas ninguém cuidou. Ricardo sentiu uma raiva crescente do homem que abandonara aquela criança. Como alguém poderia virar as costas para a própria filha? A pergunta o atingiu com força inesperada, pois sabia que ele mesmo havia construído muros ao seu redor, distanciando-se de relacionamentos e responsabilidades emocionais. “E onde você dorme, Júlia?”, perguntou, temendo a resposta.
“Tem um vão embaixo da escada do prédio ali na esquina.” Ela apontou vagamente para a janela. A dona da portaria deixa eu ficar lá quando chove. Nos outros dias eu durmo na praia. A normalidade com que Júlia descrevia sua situação desesperadora fez o coração de Ricardo apertar.
O garçom voltou com uma sopa cremosa de abóbora, colocando-a cuidadosamente à frente da menina. Cuidado, está quente”, advertiu Ricardo, notando como ela se inclinou ansiosamente sobre o prato. Júlia pegou a colher com certa hesitação, claramente não habituada a usar talheres. Observou Ricardo por um momento, imitando a maneira como ele segurava a sua própria colher.
soprou cuidadosamente a sopa antes de levá-la à boca, um gesto que provavelmente aprendera com sua mãe em um passado não tão distante. “Tá muito gostoso”, comentou ela com um sorriso tímido que iluminou seu rosto sujo. Ricardo percebeu que estava testemunhando algo precioso, a gratidão genuína por coisas que ele considerava absolutamente corriqueiras.
Quando foi a última vez que apreciara realmente uma refeição, que sentira gratidão pelo simples ato de ter comida na mesa, enquanto Júlia comia, Ricardo notou os olhares de desaprovação que continuavam a ser lançados em sua direção. Uma família na mesa ao lado pediu para ser realocada, como se a pobreza fosse contagiosa. Outros clientes sussurravam e apontavam discretamente.
Em vez de sentir vergonha, como teria acontecido no passado, Ricardo sentiu crescer dentro de si uma indignação que não experimentava há anos. O restaurante, que antes representava tudo o que ele havia conquistado, agora parecia um símbolo de superficialidade e exclusão. “Por que essas pessoas estão olhando assim pra gente?”, perguntou Júlia, percebendo os olhares. Ricardo hesitou.
Inseguro sobre como explicar a crueldade do mundo, a uma criança de 7 anos que já conhecia mais do que sua parcela de sofrimento. Porque às vezes as pessoas se preocupam mais com aparências do que com o que realmente importa”, respondeu finalmente, surpreso com sua própria honestidade. Júlia a sentiu como se aquilo fizesse perfeito sentido para ela.
Minha mãe sempre dizia que é o que tá dentro da gente que conta. Naquele momento, enquanto observava a pequena Júlia saborear cada colherada de sopa como se fosse um tesouro, Ricardo sentiu algo despertar dentro de si, uma emoção que havia esquecido, soterrada sob anos de ambição e solidão autoimposta. Era como se um véu estivesse sendo removido de seus olhos, permitindo-lhe ver pela primeira vez em muito tempo, o que realmente importava.
O gerente do restaurante aproximou-se da mesa, incapaz de ignorar por mais tempo a situação em comum. Com um sorriso forçado e voz controlada, dirigiu-se a Ricardo. Senor Almeida, poderia ter uma palavrinha em particular? Ricardo olhou para Júlia, que agora terminava a sopa, raspando cuidadosamente o fundo do prato para não desperdiçar uma única gota.
“Pode falar aqui mesmo”, respondeu sem tirar os olhos da menina. O gerente pigarreou visivelmente desconfortável. Senhor, entendo sua generosidade, mas temos uma reputação a zelar. Nossos clientes esperam um certo padrão de ambiente. Ricardo finalmente ergueu os olhos para encarar o gerente. E que padrão seria esse, Maurício? Um onde crianças passando fome são expulsas para não incomodar pessoas que jogam fora mais comida do que muitos comem dias.
Suas palavras ditas em tom baixo, mas firme causaram ainda mais desconforto nas mesas próximas. Uma jovem mulher em um vestido de designer abaixou os olhos para seu prato quase intocado, subitamente consciente do privilégio que representava. “Não é bem assim, senhor”, tentou explicar o gerente.
“Temos protocolos e, sinceramente, a higiene é uma preocupação legítima. A criança claramente não está em condições. A criança tem nome”, interrompeu Ricardo. “Ela se chama Júlia. E quanto à higiene, tenho certeza que seu estabelecimento possui instalações adequadas”. Virando-se para Júlia, que observava a conversa com olhos atentos, Ricardo perguntou gentilmente: “Você gostaria de se limpar um pouco antes de continuar o jantar?” A menina assentiu timidamente.
Posso lavar as mãos? Mamãe sempre dizia que a gente tem que lavar as mãos antes de comer. Claro que pode, respondeu Ricardo, lançando um olhar desafiador ao gerente. Maurício vai mostrar onde fica o banheiro, não é? Encurralado, o gerente não teve escolha se não concordar. Por aqui, senhorita, disse, estendendo reluctantemente a mão. Júlia olhou para Ricardo, hesitante em se afastar. Está tudo bem, garantiu ele.
Vou estar aqui esperando quando você voltar. Promete que não vai embora?”, perguntou ela, a insegurança evidente em sua voz. “Prometo,” respondeu Ricardo com firmeza. Enquanto Júlia seguia o gerente, Ricardo aproveitou para fazer uma ligação. Discou o número de Antônio, seu motorista e assistente pessoal. Antônio, preciso que compre algumas coisas urgentes.
Roupas infantis para uma menina de 7 anos, vestidos, calças, camisetas, pijamas, sapatos e o básico de higiene pessoal. Sim, para hoje. Agora, na verdade, traga tudo para o Estrela do Mar em, digamos, uma hora. E, Antônio, escolha coisas bonitas. Nada extravagante, mas de qualidade.
Após uma pausa, adicionou: “Também vou precisar que prepare o quarto de hóspedes quando voltarmos.” Ao desligar, Ricardo notou um senhor idoso na mesa ao lado, observando-o com um sorriso discreto. O homem, de cabelos brancos e terno impecável, inclinou levemente a cabeça em um gesto de aprovação silenciosa. Enquanto isso, no luxuoso banheiro feminino do restaurante, a funcionária designada para ajudar Júlia observava com espanto a menina que tentava alcançar a pia alta.
Deixa eu te ajudar, querida”, ofereceu a mulher, colocando um banquinho decorativo para Júlia subir. A menina olhou maravilhada para as torneiras douradas, os sabonetes perfumados e as toalhas macias. Lavou as mãos e o rosto com cuidado, como se realizasse um ritual sagrado. A funcionária comovida, ajudou-a a desembaraçar um pouco os cabelos crespos. “Você conhece o Sr.
Almeida há muito tempo?”, perguntou a mulher curiosa. “Ele é meu pai. respondeu Júlia com naturalidade, repetindo a mentira que agora parecia cada vez mais uma possibilidade de se tornar verdade em seu coração infantil. A funcionária ergueu as sobrancelhas surpresa, mas não contestou. Havia algo na determinação daquela criança que inspirava respeito.
Quando Júlia retornou à mesa, seu rosto limpo revelava traços delicados e olhos ainda mais expressivos. Ricardo ficou impressionado com a transformação. Apenas água e sabão haviam revelado uma beleza natural que a sujeira escondia. Melhor, perguntou ele sorrindo. Muito melhor, respondeu Júlia, subindo novamente na cadeira. Eles têm sabonete que cheira flor.
O garçom, agora tratando a situação com mais naturalidade, trouxe o prato principal, um filé minhon com batatas assadas e legumes grelhados, adaptado para ser mais adequado ao paladar infantil. Isso tudo é para mim? Perguntou Júlia, os olhos arregalados diante do prato generoso. Tudo para você, confirmou Ricardo. Mas coma devagar com calma. Seu estômago pode não estar acostumado com tanta comida de uma vez.
Júlia assentiu e começou a comer metodicamente, cortando pequenos pedaços de carne com concentração intensa, a língua aparecendo no canto da boca com o esforço. Ricardo a observava, dividido entre admiração por sua resiliência e tristeza pela situação que a levara até ali. Você disse que sua mãe foi para o céu”, comentou Ricardo cuidadosamente. Faz muito tempo. Júlia mastigou pensativamente antes de responder.
Faz um ano, eu acho. Ela ficou muito doente. A gente morava numa casinha pequena perto da praia. Depois que ela foi, meu pai ficou muito triste e bravo. Ele bebia aquela água que faz as pessoas ficarem estranhas. Cachaça, sugeriu Ricardo. É isso mesmo. Ele bebia muito e às vezes esquecia de comprar comida.
Continuou Júlia, relatando sua tragédia pessoal com a franqueza desconcertante das crianças. Um dia ele disse que ia buscar cigarro e nunca mais voltou. Fiquei esperando muito tempo. Ricardo sentiu um nó na garganta e não havia ninguém para ajudar, nenhum parente vizinho. Tinha a dona Zefa, nossa vizinha.
Ela me dava comida às vezes, mas depois ela também ficou doente e foi pro hospital. Júlia deu de ombros. Aí o dono da casa disse que a gente não tinha mais pago o aluguel e eu tive que sair. A história contada de forma tão simples revelava camadas de abandono institucional que deixaram Ricardo furioso.
Como uma criança podia simplesmente cair pelas rachaduras do sistema assim? E à escola? Você ia à escola? E assim”, respondeu Júlia, animando-se um pouco. “Eu gostava muito. A professora Ana Luía era muito legal, mas depois que fiquei sem casa, fiquei com vergonha de ir toda suja. Cada revelação era como uma facada no coração de Ricardo. Ele pensou em todas as vezes que passara por crianças nas ruas, desviando o olhar, dando algumas moedas ocasionalmente para aliviar a consciência.
Quantas Júlias havia ignorado ao longo dos anos! Você sabe ler?”, perguntou, tentando avaliar quanto da educação ela havia recebido. O rosto de Júlia se iluminou. “Sei sim, era a melhor da minha classe.” Fez uma pausa, o sorriso desaparecendo. “Pelo menos a professora dizia isso. Isso é maravilhoso, Júlia. Ler é muito importante. Um silêncio confortável se estabeleceu entre eles enquanto Júlia continuava comendo.
Ricardo percebeu que pela primeira vez em anos não sentia necessidade de verificar seu telefone ou pensar em trabalho. Estava completamente presente naquele momento. “E você tem filhos?”, perguntou Júlia de repente, olhando-o com curiosidade. A pergunta pegou Ricardo de surpresa. “Não, não tenho. Por quê? A simplicidade da pergunta escondia sua profundidade.
Por que de fato? Ricardo sempre tivera razões prontas. Estava focado na carreira, não tinha encontrado a pessoa certa, não tinha tempo para a família. Mas naquele momento todas essas justificativas pareciam vazias. Acho que nunca encontrei a pessoa certa para formar uma família”, respondeu finalmente.
“Minha mãe dizia que família não precisa ser de sangue”, comentou Júlia com sabedoria além de sua idade. Ela dizia que família é quem cuida da gente, quem a gente ama. As palavras simples atingiram Ricardo profundamente. Família era algo que ele havia abandonado conscientemente em sua busca por sucesso.
Seus pais haviam falecido e o relacionamento com seu único irmão era distante e formal. Vivia cercado de pessoas, funcionários, parceiros de negócios, relacionamentos casuais, mas ninguém realmente se importava com ele como pessoa, apenas com o que ele representava. Sua mãe era uma mulher muito sábia”, disse Ricardo, sentindo-se estranhamente emocionado.
Nesse momento, o celular de Ricardo vibrou com uma mensagem de Antônio informando que estava chegando com as compras. O timing não poderia ser melhor. Júlia havia terminado sua refeição e agora olhava com curiosidade para o carrinho de sobremesas que passava por perto. “Gostaria de uma sobremesa?”, ofereceu Ricardo seguindo seu olhar.
Os olhos de Júlia brilharam. Posso mesmo? Claro que pode. Ricardo fez um gesto para o garçom. Quais sobremesas vocês têm hoje? O garçom, que agora tratava Júlia com a mesma deferência que dedicava aos clientes habituais, recitou as opções. Temos suflet de maracujá, tiramizu, pudim de leite condensado com calda de caramelo e uma seleção de sorvetes artesanais.
O que é sorvete? perguntou Júlia em voz baixa para Ricardo, claramente envergonhada por não conhecer. O coração de Ricardo apertou novamente. Uma criança que nunca havia experimentado sorvete é como um doce gelado feito de leite e açúcar. Vem em vários sabores. Posso provar? Traga uma seleção de sorvetes, pediu Ricardo ao garçom.
Quais sabores vocês têm? Chocolate, baunilha, morango, pistache e doce de leite, senhor. Ricardo olhou para Júlia. Alguma preferência? A menina balançou a cabeça maravilhada com as possibilidades. Pode escolher o que você achar melhor. Traga um pouco de cada, decidiu Ricardo em taças separadas para que ela possa experimentar.
Enquanto esperavam a sobremesa, Ricardo recebeu outra mensagem de Antônio informando que estava no estacionamento. Pediu licença a Júlia por um momento, prometendo voltar logo, e foi encontrar seu assistente. Antônio, um homem de meia idade que trabalhava para Ricardo há anos, esperava ao lado do Mybac preto com várias sacolas de lojas de departamento de alto padrão. “Consegui tudo o que pediu, Sr.
Almeida informou, entregando as sacolas, roupas, sapatos, produtos de higiene. Comprei em tamanhos variados, já que não sabia o tamanho exato. Excelente trabalho, Antônio. Obrigado. Ricardo hesitou, então acrescentou. Vou precisar que prepare o quarto de hóspedes hoje com tudo o que uma criança possa precisar. Antônio ergueu as sobrancelhas, mas seu profissionalismo o impediu de fazer perguntas. Sim, senhor.
Devo avisar a governanta para estar presente amanhã? Sim. E por favor, peça a ela que prepare um café da manhã adequado para uma criança. Ricardo fez uma pausa. E Antônio, isso é uma situação delicada. Vou explicar tudo mais tarde, mas por enquanto descrição total. Como sempre, senhor. Ricardo retornou ao restaurante carregando as sacolas, consciente dos olhares curiosos que atraía.
Ao chegar à mesa, encontrou Júlia saboreando com deleite uma pequena colherada de sorvete de chocolate, seus olhos fechados em puro êxtase. Este é o melhor dia da minha vida”, declarou Júlia, alternando colheradas de cada sabor de sorvete com a concentração de uma pequena cientista, conduzindo experimentos importantes.
Ricardo colocou as sacolas no chão ao lado da mesa e se sentou, observando a felicidade simples e genuína no rosto da menina. “Qual sabor você mais gostou?” Júlia considerou a pergunta com seriedade. “Gosto de todos, mas acho que o marrom é o melhor. Chocolate”, corrigiu Ricardo gentilmente.
“E o que você acha dessas sacolas?” Os olhos de Júlia se arregalaram ao notar as diversas sacolas coloridas ao lado da mesa. “O que é isso?” “São algumas coisas para você”, respondeu Ricardo, tentando soar casual, embora seu coração batesse acelerado. Estava navegando em águas desconhecidas, movido por um impulso que não conseguia explicar completamente.
“Para mim, Júlia parecia não acreditar. Tipo, um presente?” Sim, vários presentes. Na verdade, a menina ficou imóvel a colher de sorvete suspensa no ar. Mas por quê? Não é meu aniversário. Porque achei que você precisava, respondeu Ricardo simplesmente. Gostaria de dar uma olhada quando terminar seu sorvete? Júlia assentiu vigorosamente, subitamente comendo mais rápido. Ricardo teve que rir. Calma, não tem pressa.
O sorvete não vai fugir e os presentes também não. Quando finalmente terminou a sobremesa, Júlia olhava ansiosamente para as sacolas. Ricardo pegou a primeira e colocou-a sobre a mesa. “Vamos ver o que temos aqui”, disse, abrindo a sacola e tirando uma caixa de sapatos. Dentro havia um par de tênis coloridos com luzes que piscavam na sola.
“São mágicos?”, perguntou Júlia, maravilhada quando Ricardo apertou a lateral e as luzes piscaram. “São tênis especiais”, explicou ele. “As luzes acendem quando você anda.” Com reverência, Júlia tocou os sapatos, passando os dedos pela superfície macia. “Posso experimentar?” Claro. Ricardo ajudou a calçar os tênis que serviram perfeitamente.
Júlia saltou da cadeira e deu alguns passos experimentais, gritando de alegria quando as luzes piscaram. “Olha, eles brilham mesmo!”, exclamou, dando pulinhos para ver as luzes piscarem mais intensamente. Ricardo sorriu, sentindo uma satisfação que nenhuma aquisição empresarial jamais lhe proporcionara. “Tem mais”, disse, apontando para as outras sacolas.
Nas próximas sacolas havia vestidos coloridos, calças jeans, camisetas com estampas divertidas, pijamas macios, meias, roupas íntimas, um casaco leve e um vestido especial de algodão azul claro com pequenas flores bordadas. Este é o mais bonito do mundo”, sussurrou Júlia, segurando o vestido azul contra o peito, como se fosse feito de ouro.
Outra sacola continha itens de higiene pessoal: shampoo e condicionador infantis, escova de dentes colorida, pasta de dente com sabor de morango, sabonete em formato de animais e uma escova de cabelo macia. “Tudo isso é meu mesmo?”, perguntou Júlia, claramente sobrecargada. Tudo seu confirmou Ricardo hesitou antes de continuar.
Júlia, eu estava pensando, você não tem onde ficar agora, certo? A menina a sentiu subitamente alerta, como se temesse que a magia do momento pudesse se dissipar. “Eu tenho uma casa grande com vários quartos vazios”, continuou Ricardo, escolhendo as palavras com cuidado. “Gostaria de vir ficar comigo, pelo menos por enquanto?” Júlia ficou imóvel, seus grandes olhos estudando o rosto de Ricardo como se procurasse sinais de engano.
Você tá falando sério? Completamente sério? Eu posso mesmo? A voz dela era quase um sussurro. Sim, você pode. Tenho um quarto que pode ser seu. E amanhã podemos conversar sobre escola e outras coisas que você vai precisar. Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Júlia. Preocupado, Ricardo se aproximou. Ei, está tudo bem? Se não quiser, não tem problema.
Podemos encontrar outro. Não conseguiu terminar a frase, pois Júlia pulou da cadeira e o abraçou com toda a força que seus pequenos braços permitiam. “Obrigada, obrigada. Obrigada”, repetia entre soluços. Ricardo hesitou apenas por um momento antes de envolvê-la em um abraço protetor.
Algo em seu peito há muito adormecido, despertou com uma intensidade que o assustou. prometeu a si mesmo naquele instante que faria tudo ao seu alcance para proteger aquela criança. “Vamos para casa, então?”, perguntou quando Júlia finalmente se acalmou. A menina assentiu, esfregando os olhos. “Posso levar meu vestido novo?” Pode levar tudo”, respondeu Ricardo sorrindo. “São seus presentes.
” Enquanto Ricardo pagava a conta, deixando uma gorgeta generosa para compensar o transtorno que causara, Júlia permanecia ao seu lado, segurando firmemente a sacola com o vestido azul, como se temesse que alguém pudesse tomá-lo. O gerente, ainda visivelmente desconfortável com a situação, aproximou-se enquanto Ricardo assinava a conta.
Senhor Almeida, apreciamos sua preferência pelo nosso estabelecimento. Espero que, apesar deste incidente, possamos continuar contando com sua presença no futuro. Ricardo ergueu os olhos lentamente. Maurício, este incidente, como você chama, me fez perceber muitas coisas. Uma delas é que talvez eu precise reconsiderar os lugares que frequento”, fez uma pausa significativa.
Lugares que consideram crianças famintas um inconveniente a ser removido, talvez não mereçam meu patrocínio. O gerente empalideceu. “Senhor, eu asseguro que houve um mal entendido. Nós apenas Não há mal entendido nenhum”, interrompeu Ricardo.
Vi como trataram esta criança antes de saberem que ela estava comigo e vi como muitos de seus clientes reagiram à sua presença. Fechou a pasta da conta e a empurrou para o gerente. Reflita sobre isso. Pegando as sacolas com uma mão e estendendo a outra para Júlia, Ricardo se dirigiu à saída. A menina, cansada, mas radiante, segurou sua mão como se fosse um salvavidas. No caminho para a porta, o senhor idoso que Ricardo notara antes os interceptou gentilmente.
“Perdoe-me a intromissão”, disse o homem com um sorriso bondoso, mas não pude deixar de observar o que aconteceu aqui esta noite. Queria apenas dizer que o senhor me devolveu um pouco de fé na humanidade. Ricardo, não acostumado a elogios sinceros, apenas a sentiu sem saber como responder. “A pequena tem sorte”, continuou o senhor piscando para Júlia.
Aí, o senhor também com isso, afastou-se, deixando Ricardo pensativo. Antônio esperava com o carro na entrada do restaurante. Seus olhos se arregalaram levemente ao ver Júlia, mas seu profissionalismo prevaleceu. Boa noite, senhor. O quarto está preparado conforme solicitado. Obrigado, Antônio. Esta é Júlia, apresentou Ricardo. Ela vai ficar conosco.
Muito prazer, senhorita Júlia, cumprimentou Antônio formalmente, abrindo a porta traseira do Mybach. Júlia olhou para o luxuoso veículo com olhos arregalados. A gente vai andar nisso? Sim, respondeu Ricardo, ajudando-a a subir. É meu carro. É tipo uma nave espacial? Perguntou ela, deslizando a mão pelo couro macio do banco. Ricardo riu. Algo assim.
Durante o trajeto até a cobertura de Ricardo em Ipanema, Júlia permaneceu com o nariz colado à janela, maravilhada com as luzes da cidade. Ocasionalmente fazia perguntas sobre os prédios que passavam, sobre o carro, sobre a casa para onde estavam indo. “Sua casa é grande, lhe”, perguntou em determinado momento. “Bastante grande para nós dois”, respondeu Ricardo. “Tem televisão?” “Tem sim.
E banheira? Várias. Os olhos de Júlia brilharam. Eu nunca tomei banho de banheira. Cada revelação sobre a vida de privações da menina era como uma pequena facada no coração de Ricardo. Como alguém tão jovem podia ter passado por tanto? Ao chegarem ao edifício luxuoso na Vieira Solto, o porteiro cumprimentou Ricardo respeitosamente, lançando um olhar curioso para Júlia, que agora estava quase adormecendo no banco traseiro.
O elevador privativo os levou diretamente à cobertura duplex. Quando as portas se abriram diretamente no hall, Júlia despertou, seus olhos se arregalando ao ver o apartamento impressionante. “Você mora num palácio?”, sussurrou incrédula. Ricardo olhou ao redor, vendo seu apartamento através dos olhos dela.
Os amplos espaços, os móveis de design, as obras de arte nas paredes, a vista deslumbrante da praia de Ipanema, através das janelas do chão ao teto, tudo aquilo que para ele havia se tornado comum de repente parecia extraordinário. “Não é um palácio”, respondeu, sentindo-se estranhamente envergonhado por toda aquela opulência. é apenas uma casa grande.
A governanta Sandra, uma senhora afro-brasileira de meia idade que trabalhava para Ricardo há anos, esperava por eles, claramente curiosa sobre a visita inesperada. “Sandra, esta é Júlia”, apresentou Ricardo. “Ela vai ficar conosco. Júlia, esta é Sandra. Ela ajuda a cuidar da casa.” “Olá, querida.” cumprimentou Sandra calorosamente seu instinto maternal imediatamente despertado pela visão da pequena menina de tênis luminosos e vestido esfarrapado. “Oi”, respondeu Júlia timidamente.
“Sandra, você poderia ajudar Júlia com um banho?” “Acho que ela gostaria de experimentar a banheira.” “Claro, senhor”, respondeu Sandra, estendendo a mão para Júlia. “Vamos, querida. Vou preparar um banho bem quentinho para você”. Júlia olhou para Ricardo como se pedisse permissão. Está tudo bem, garantiu ele.
Sandra vai cuidar de você e eu estarei aqui quando terminar. Amanhã conversamos mais, ok? Júlia a sentiu ainda hesitante, mas permitiu que Sandra a conduzisse para o corredor que levava aos quartos. Antes de desaparecer, virou-se uma última vez para Ricardo. “Isso não é um sonho, é?”, perguntou sua voz pequena e vulnerável.
Não, Júlia”, respondeu Ricardo, sentindo uma emoção desconhecida apertar sua garganta. “Não é um sonho.” Quando ficou sozinho no amplo Living, Ricardo sentou-se pesadamente no sofá, tentando processar tudo o que acontecera nas últimas horas. Sua vida, tão cuidadosamente estruturada e previsível, havia sido completamente virada de cabeça para baixo pelo encontro com uma pequena menina faminta. E o mais surpreendente era que, pela primeira vez em anos, sentia-se verdadeiramente vivo.
Amanhã chegou com uma luminosidade dourada que inundava a cobertura através das amplas janelas. Ricardo acordou mais cedo que o habitual, uma ansiedade inexplicável movendo-o. Demorou alguns segundos para se lembrar dos eventos da noite anterior.
A menina no restaurante, a decisão impulsiva, a promessa feita, levantou-se rapidamente e, após um banho rápido, dirigiu-se ao quarto de hóspedes, onde Júlia havia sido acomodada. Parou diante da porta, hesitante. E se ela tivesse fugido durante a noite? E se tudo não passasse de um golpe elaborado? Anos de ceticismo empresarial o haviam ensinado a desconfiar de situações extraordinárias.
Bateu levemente na porta, nenhuma resposta. Bateu novamente, um pouco mais forte. O silêncio persistiu. Com o coração acelerado, Ricardo girou a maçaneta e abriu a porta devagar. A visão que o recebeu dissipou instantaneamente suas dúvidas. Júlia dormia profundamente na grande cama. quase desaparecendo entre os travesseiros e lençóis brancos.
Vestia um dos pijamas novos, o rosa com estampa de unicórnios e seu rosto estava completamente relaxado no sono. Os cabelos crespos, agora limpos e bem cuidados graças à Sandra, formavam uma auréula escura contra o travesseiro. Ao lado da cama, no chão, estavam cuidadosamente organizados todos os presentes que Ricardo comprara.
As roupas dobradas em pilhas precisas, os sapatos alinhados, os produtos de higiene arrumados por tamanho. Era como se ela temesse que aqueles tesouros pudessem desaparecer durante a noite e quisesse mantê-los por perto. Ricardo sentiu um nó na garganta. O que dizia sobre a vida daquela criança? o fato de que ela sentia necessidade de manter suas novas posses tão próximas, tão organizadas, como se a qualquer momento tudo pudesse ser tirado dela.
Fechou a porta silenciosamente, decidindo deixá-la dormir. Provavelmente era o primeiro sono verdadeiramente tranquilo e confortável que tinha em muito tempo. Na cozinha, encontrou Sandra já preparando o café da manhã. Bom dia, senor Almeida”, cumprimentou ela, eficiente como sempre, mas com uma curiosidade evidente em seus olhos. “Bom dia, Sandra. A Júlia ainda está dormindo.
” “Imaginei que estaria”, respondeu a governanta, quebrando ovos em uma tigela. Pobrezinha, estava exausta ontem à noite. Nunca vi uma criança tão feliz com um simples banho de banheira. ficou quase uma hora na água, brincando com as bolhas como se fosse o maior luxo do mundo. Fez uma pausa, escolhendo cuidadosamente as palavras.
Senhor, se me permite perguntar quem é essa menina? Ricardo suspirou, servindo-se de café. Como explicar algo que nem ele mesmo compreendia completamente? Alguém que precisa de ajuda, Sandra. Encontrei-a no restaurante ontem, tentando conseguir restos de comida. Ela estava sozinha, abandonada. “Meu Deus”, murmurou Sandra, levando a mão ao peito. “E pais?”.
A mãe faleceu há um ano, aparentemente. O pai a abandonou logo depois. Sandra balançou a cabeça indignada. “Que crueldade! Uma criança tão pequena.” “Sim”, concordou Ricardo. “Por isso a trouxe. Não podia simplesmente deixá-la na rua. Fez muito bem, senhor”, aprovou Sandra, voltando à sua tarefa de preparar o café da manhã.
“E o que pretende fazer agora?” Era a pergunta que Ricardo estivera evitando desde a noite anterior. O que pretendia fazer? Qual era seu plano de longo prazo? Não tinha a menor ideia. Por enquanto, garantir que ela tenha o que precisa, comida, roupas, segurança. Depois deixou a frase inacabada. Sandra o observou com uma sabedoria que vinha de décadas cuidando das casas dos outros, testemunhando dramas familiares de todos os tipos. O Senhor já considerou a adoção. A palavra caiu entre eles como uma pedra em águas
calmas, criando ondas de possibilidades. “Sandra, mal a conheço”, protestou Ricardo, embora algo dentro dele já soubesse que era tarde demais para voltar atrás. Às vezes a vida nos coloca diante de pessoas que estavam destinadas a fazer parte dela, respondeu Sandra simplesmente, voltando a bater os ovos.
Nunca vi o senhor trazer ninguém para esta casa antes, nenhuma namorada, nenhum amigo próximo. E de repente traz uma criança abandonada. Ricardo não soube como responder. Era verdade. Sua casa, como sua vida, havia sido um espaço estritamente privado, quase hermético. A única presença constante era a dos funcionários, mantidos a uma distância emocional segura. Um pequeno ruído interrompeu seus pensamentos.
Júlia estava parada na entrada da cozinha, esfregando os olhos sonolentamente, seus pés descalços quase imperceptíveis no piso frio. “Bom dia”, disse ela timidamente, como se temesse estar fazendo algo errado. “Bom dia, Júlia”, respondeu Ricardo, sentindo-se inexplicavelmente feliz ao vê-la. “Dormiu bem?” Ela sentiu, seus olhos percorrendo a espaçosa cozinha gourmet com curiosidade.
Nunca dormi numa cama tão macia, parecia nuvem. Sandra sorriu. Bom dia, querida. Está com fome? Estou preparando panquecas. Você gosta? Júlia deu de ombros. Nunca comi panquecas. A simplicidade da resposta fez Ricardo e Sandra trocarem um olhar. Quantas experiências comuns essa criança havia sido privada. Tenho certeza de que vai gostar”, garantiu Sandra.
“Por não se senta ali ao lado do Senr. Almeida enquanto termino de preparar?” Júlia se aproximou da bancada onde Ricardo estava sentado, subindo com alguma dificuldade no banquinho alto. “Sua casa é mesmo muito bonita”, comentou ela, olhando ao redor com admiração. “Obrigado. É grande demais para uma pessoa só, na verdade. Você mora sozinho?”, perguntou Júlia surpresa.
“Por quê? Não tem família? A pergunta direta, típica das crianças atingiu Ricardo em cheio. Tenho um irmão, mas ele mora em São Paulo. Meus pais já faleceram. Eles também foram pro céu constatou Júlia com a lógica simples da infância, igual minha mãe. Sim, concordou Ricardo, sentindo uma pontada de dor ao pensar nos pais. Faz muito tempo.
Você sente saudade deles? Ricardo pensou por um momento. Todos os dias. Júlia a sentiu compreensiva. Eu também sinto saudade da minha mãe todos os dias. Às vezes sonho com ela. Antes que Ricardo pudesse responder, seu celular tocou. Era Carla, sua assistente executiva. Bom dia, Carla. Algum problema? Bom dia, senor Almeida.
Estou ligando para confirmar sua presença na reunião das 10 horas com os investidores da Fusion Tech. O Sr. Mendes já chegou de São Paulo especialmente para esta reunião. Ricardo havia esquecido completamente da reunião. Seus olhos encontraram os de Júlia, que o observava com curiosidade. Carla, vou precisar remarcar. Tenho um assunto pessoal urgente para resolver. Senhor? A surpresa era evidente na voz de Carla.
Em 5 anos trabalhando para Ricardo, jamais o ouvira cancelar uma reunião por motivos pessoais. Tem certeza? O Sr. Mendes foi bastante enfático quanto à importância deste encontro. Tenho certeza respondeu Ricardo com firmeza. Remarque para segunda-feira e cancele todos os meus compromissos de hoje e amanhã.
Após desligar, encontrou Sandra e Júlia, olhando para ele com expressões surpresas. “Não precisa cancelar suas coisas por minha causa”, disse Júlia, parecendo preocupada. “Eu posso ficar aqui quietinha?” A preocupação adulta em sua voz infantil partiu o coração de Ricardo. Não é por sua causa, Júlia. Ou melhor, é sim, mas não do jeito que você está pensando.
Acho que precisamos resolver algumas coisas importantes hoje. Como encontrar uma escola para você. Escola? Os olhos de Júlia se iluminaram. Eu posso voltar para a escola? Claro que pode. Toda criança deve ir à escola. Sandra colocou um prato de panquecas com calda de chocolate na frente de Júlia, cujos olhos se arregalaram com a visão.
Isso é tudo para mim? Tudo para você, confirmou Sandra, sorrindo. Coma enquanto está quente. Enquanto Júlia saboreava o café da manhã, Ricardo fez algumas ligações. A primeira foi para seu advogado, Marcelo Castro. Marcelo, preciso de sua ajuda com um assunto delicado”, explicou, mantendo a voz baixa. Encontrei uma criança abandonada e a trouxe para minha casa.
Preciso saber quais são os procedimentos legais para bem para obter a guarda temporária, no mínimo. Houve um longo silêncio do outro lado da linha. Ricardo, você está me dizendo que simplesmente pegou uma criança da rua e levou para casa sem envolver autoridades. É mais complicado que isso respondeu Ricardo defensivamente. Ela estava faminta, sozinha, não podia deixá-la lá.
Entendo sua preocupação, mas existem procedimentos legais. A criança deveria ter sido levada ao Conselho Tutelar. E o que aconteceria com ela? Marcelo suspirou. provavelmente seria encaminhada a um abrigo temporário, enquanto investigam-se aparentes que possam assumir a guarda.
E se não houver, então entraria na fila para a adoção ou permaneceria no abrigo até a maioridade. Ricardo olhou para Júlia, que comia suas panquecas com expressão de puro deleite, e sentiu uma determinação feroz crescer dentro de si. Não vou permitir que ela vá para um abrigo, Marcelo. Quero iniciar o processo para obter a guarda legal e eventualmente talvez a adoção. Outro longo silêncio.
Ricardo, isso não é como comprar uma empresa, é uma criança. Há avaliações psicossociais, visitas domiciliares, análise de antecedentes. E mesmo que você passe por tudo isso, o processo de adoção pode levar anos. Tenho tempo e recursos, Marcelo, e estou absolutamente decidido. Seu advogado suspirou novamente.
Certo, vou verificar quais são os primeiros passos. Mas, Ricardo, você precisa registrar a situação oficialmente. Não pode simplesmente manter uma criança em casa sem notificar as autoridades. Compreendo. Podemos fazer isso hoje? Vou ver o que posso arranjar. Te ligo em uma hora. Após desligar, Ricardo notou que Júlia havia terminado sua refeição e o observava com olhos atentos.
“Tá tudo bem?”, perguntou ela, percebendo sua expressão preocupada. Ricardo sorriu tentando parecer mais confiante do que se sentia. “Tudo ótimo. Só estou resolvendo algumas coisas para que você possa ficar aqui oficialmente.” “Oficialmente?”, repetiu Júlia, franzindo a testa. Sim, existem regras sobre quem pode cuidar de crianças”, explicou Ricardo, simplificando a complexidade da situação.
“Preciso falar com algumas pessoas para garantir que você possa ficar comigo.” O rosto de Júlia se contraiu com preocupação. “Que se eles não deixarem?” Ricardo sentiu um aperto no peito diante do medo evidente nos olhos dela. “Vou fazer tudo o que puder para garantir que deixem. Prometo.” Sandra, que observava a cena enquanto lavava a louça, interveio com sabedoria.
“Por que vocês dois não vão dar uma volta enquanto isso? A pequena precisa de ar fresco e sol.” Excelente ideia”, concordou Ricardo, grato pela sugestão. Voltar-se para os aspectos práticos da situação o ajudava a controlar a ansiedade. “Júlia, gostaria de ir à praia?” Os olhos da menina se arregalaram. “Posso mesmo?” “Claro. Vamos aproveitar que está um dia bonito.
Mas primeiro, que tal vestir algumas das suas roupas novas?” Uma hora depois, Ricardo caminhava pela orla de Ipanema, ao lado de uma radiante Júlia, que usava seu novo vestido azul florido, os tênis luminosos e uma tiara amarela que Sandra havia encontrado em algum canto da casa.
Alegria no rosto da menina enquanto corria na areia, perseguia gaivotas e observava o mar com fascínio, era como um bálsamo para a alma inquieta de Ricardo. Para qualquer observador, pareciam apenas um pai e sua filha, aproveitando uma manhã ensolarada na praia. E pela primeira vez em sua vida adulta, Ricardo sentiu que estava exatamente onde deveria estar.
As semanas seguintes passaram em um turbilhão de atividades e adaptações. Seguindo a orientação de Marcelo, Ricardo havia registrado oficialmente a situação de Júlia junto ao Conselho Tutelar. Como esperado, o processo não foi simples. Houve questionamentos sobre como ele encontrara a menina, suspeitas sobre suas intenções e exigências de documentação para comprovar a história de abandono.
Mas a influência de Ricardo, combinada com a evidente condição de abandono de Júlia e a ausência de qualquer registro oficial de seu paradeiro nos últimos meses, eventualmente resultou na concessão da guarda provisória. Era apenas o primeiro passo de uma longa jornada burocrática, mas significava que, por enquanto, Júlia poderia permanecer legalmente sob seus cuidados.
A adaptação à nova realidade foi um desafio para ambos. Ricardo, acostumado a dedicar todas as suas horas à empresa, agora tinha que equilibrar reuniões de negócios com visitas a pediatras, psicólogos infantis e escolas. Sua cobertura, antes um espaço minimalista e quase asséptico, gradualmente ganhou cores, brinquedos e o caos organizado que acompanha a presença de uma criança. Para Júlia, a transição foi igualmente desafiadora.
Após a euforia inicial dos primeiros dias, vieram os pesadelos noturnos, os momentos de insegurança e os ocasionais surtos de ansiedade quando Ricardo precisava se ausentar. A psicóloga infantil, Doutra. Helena explicou que eram reações normais ao trauma do abandono. Júlia ainda temia em algum nível que sua nova vida pudesse desaparecer a qualquer momento.
Naquela manhã de sexta-feira, enquanto Ricardo preparava o café antes de levar Júlia à escola, uma rotina que havia se estabelecido nas últimas semanas, seu telefone tocou. Era Marcelo. Boas notícias, Ricardo. O juiz marcou a audiência para o próximo mês. Se tudo correr bem, você receberá a guarda definitiva de Júlia.
Ricardo sentiu uma onda de alívio. Isso é excelente, Marcelo. Obrigado por tudo. Ainda não é a adoção plena, lembrou o advogado, sempre cauteloso. Mas é um passo importante nessa direção. Entendo. E quanto à busca pelo pai biológico, houve uma breve hesitação na linha. Bem, essa é a parte complicada. O investigador que contratamos conseguiu algumas informações. O nome do pai é Gilberto Souza.
Ele foi localizado em Parati, trabalhando como barm em um resort. Ricardo sentiu um aperto no estômago. Ele sabe sobre o processo? Ainda não. O investigador apenas o localizou, mas não fez contato. Precisamos decidir como proceder. Qual sua recomendação? Marcelo suspirou. Legalmente, ele tem direitos como pai biológico.
Se quisermos prosseguir com a adoção sem contestações futuras, precisamos de uma renúncia formal desses direitos. Isso significa que precisamos contatá-lo. Ricardo fechou os olhos tentando controlar a ansiedade que surgiu com essa informação. E se ele se recusar a renunciar? E se decidir que quer Júlia de volta? É um risco”, admitiu Marcelo.
“Mas se ele realmente a abandonou como Júlia descreve, temos argumentos fortes para contestar qualquer tentativa dele de recuperar a guarda.” Além disso, seu histórico provavelmente não o favorecerá em tribunal. Ricardo ouviu passos no corredor. Júlia estava acordando. Preciso desligar agora, Marcelo. Vamos conversar mais tarde sobre isso.
Desligou o telefone justamente quando Júlia entrou na cozinha, esfregando os olhos e bocejando. Vestia o pijama de ursinhos que escolhera em uma das muitas sessões de compras que fizeram desde sua chegada. “Bom dia, pequena”, cumprimentou Ricardo, tentando disfarçar sua preocupação. “Dormiu bem? Mais ou menos”, respondeu Júlia, subindo no banquinho da bancada. “Tive aquele sonho de novo.
” Ricardo sabia a qual sonho ela se referia. Um pesadelo recorrente onde ela se perdia e não conseguia encontrar o caminho de volta para casa. A Dra. Helena explicara que era uma manifestação clássica do medo de abandono. Lembre-se do que a doutora Helena disse, falou Ricardo gentilmente, servindo leite com chocolate para ela. São apenas sonhos.
Na vida real você sempre vai ter um lar para voltar. Promete? perguntou Júlia, seus olhos buscando segurança. Prometo respondeu Ricardo, sentindo o peso daquela promessa. A notícia sobre o pai biológico pairava como uma nuvem escura sobre sua determinação, mas ele a afastou. Agora coma seu café da manhã.
Não queremos nos atrasar para a escola, certo? Enquanto Júlia comia, Ricardo a observava com uma mistura de amor e preocupação. Em apenas algumas semanas, aquela pequena menina havia se tornado o centro de seu universo. A ideia de perdê-la para o homem que a abandonara era insuportável. “No que está pensando?”, perguntou Júlia, interrompendo seus pensamentos sombrios.
“Você tá com aquela cara?” “Que cara?”, indagou Ricardo, surpreso com a percepção da menina. aquela que você faz quando tá preocupado com alguma coisa da empresa. A tia Sandra chama de cara de reunião difícil. Ricardo não pôde deixar de sorrir. Era incrível como em tão pouco tempo Júlia havia aprendido a ler suas expressões melhor que muitos adultos que o conheciam há anos.
Não é nada importante mentiu, tentando protegê-la. Só pensando nas minhas tarefas do dia, Júlia o estudou por um momento, claramente não convencida, mas aceitou a explicação. Hoje tem aula de arte na escola. Vou fazer um desenho para você. Mal posso esperar para ver”, respondeu Ricardo sinceramente, após deixar Júlia na escola, uma prestigiada instituição particular que a aceitara no meio do ano letivo, graças à influência de Ricardo e a um generoso donativo para o fundo de bolsas de estudo. Ele seguiu para seu escritório no Centro Empresarial de São Conrado. Carla, sua
assistente, o recebeu com sua eficiência habitual. Bom dia, Senr. Almeida. A reunião com os investidores chineses foi antecipada para as 11 horas e o departamento jurídico precisa de sua assinatura nos documentos da fusão com a Tec Brasil. Ricardo a sentiu distraídamente, sua mente ainda nas notícias que recebera de Marcelo.
Carla, por favor, cancele todos os meus compromissos após as 14es. Preciso resolver um assunto pessoal. A assistente o olhou com curiosidade, mas apenas a sentiu. Desde a chegada de Júlia, todos na empresa haviam notado a mudança em Ricardo. Ele delegava mais responsabilidades, evitava horas extras desnecessárias e frequentemente saía mais cedo para buscar a menina na escola.
Para a surpresa de todos, incluindo o próprio Ricardo, a empresa não havia desmoronado com essas mudanças. na verdade parecia funcionar ainda melhor com uma equipe gerencial mais empoderada e processos mais eficientes. Após uma manhã de reuniões, Ricardo dirigiu seu carro até Parati. A cidadezinha histórica, com suas ruas de pedras e casarões coloniais, contrastava fortemente com a modernidade urbana de sua vida no Rio.
Seguindo as indicações do investigador, encontrou o resort onde Gilberto Souza trabalhava. Um estabelecimento de luxo médio frequentado principalmente por turistas estrangeiros. No bar à beira da piscina, um homem de aproximadamente 35 anos servia drinks para um casal de turistas. Tinha cabelos escuros e cacheados e a pele bronzeada de quem passa muito tempo ao sol.
Não havia nada em sua aparência que sugerisse uma conexão com Júlia, exceto talvez o formato dos olhos. Ricardo sentou-se em um dos bancos do bar, esperando até que o homem o atendesse. “Boa tarde, senhor. O que vai querer?”, perguntou Gilberto com a cordialidade profissional típica de quem trabalha com turismo. “Um whisky sem gelo,” pediu Ricardo, estudando o rosto do homem.
“Você é Gilberto Souza, certo?” Uma expressão de surpresa e leve desconfiança passou pelo rosto do Barman. “Sim, sou eu. Nos conhecemos?” Não diretamente, respondeu Ricardo, mantendo a voz calma, apesar da tempestade interior. Mas conheço sua filha, Júlia. O impacto foi imediato. Gilberto empalideceu, seus olhos se arregalando em choque. Olhou rapidamente ao redor, como se temesse que alguém pudesse ouvir.
“Não sei do que você está falando”, disse, sua voz subitamente tensa. “Deve estar me confundindo com outra pessoa.” “Não estou”, respondeu Ricardo firmemente. Júlia, 7 anos, filha de Mariana, que foi para o céu há cerca de um ano, como ela diz. A mesma Júlia que você abandonou depois que sua mãe faleceu, dizendo que ela dava muito trabalho. Gilberto colocou a garrafa que segurava sobre o balcão com força excessiva.
Olha, não sei quem você é ou o que quer, mas esse assunto não é da sua conta. Tornou-se da minha conta quando encontrei sua filha faminta tentando conseguir restos de comida em um restaurante, rebateu Ricardo, sentindo a raiva crescer. Tornou-se da minha conta quando a levei para minha casa e assumi a responsabilidade que você abandonou.
Os poucos clientes no bar começaram a lançar olhares curiosos na direção deles. Percebendo isso, Gilberto fez um gesto para outro funcionário. “Vou fazer uma pausa”, anunciou saindo de trás do balcão. “Vamos conversar lá fora.” Ricardo o seguiu até uma área mais reservada, próxima ao estacionamento do resort.
“Quem diabos é você?”, perguntou Gilberto assim que estavam sozinhos. Algum tipo de assistente social? Meu nome é Ricardo Almeida. Sou o homem que está cuidando da sua filha desde que a encontrei há um mês. Gilberto passou a mão pelos cabelos, visivelmente nervoso. Olha, eu não abandonei ninguém, ok? A situação era complicada. Depois que Mariana morreu, eu eu não conseguia lidar com tudo.
Estava destruído, endividado, bebendo demais. Deixei Júlia com a vizinha, dona Zefa, que prometeu cuidar dela até eu me reorganizar. Bem, dona Zefa aparentemente também adoeceu informou Ricardo friamente e Júlia acabou nas ruas sozinha. Um lampejo de culpa genuína passou pelos olhos de Gilberto. Eu eu não sabia disso.
Quando consegui esse emprego, tentei mandar dinheiro, mas não consegui contato com ninguém no antigo endereço. Pensei que talvez tivessem se mudado ou que algum parente de Mariana tivesse assumido a guarda de Júlia. Ninguém assumiu disse Ricardo. Ela passou fome, dormiu na rua, foi tratada como um animal por pessoas que deveriam protegê-la.
E tudo isso enquanto você servia drinks para turistas em um resort. A vergonha no rosto de Gilberto era evidente. Agora eu sei que sou um pai terrível, OK? Sei que falhei com ela. Mas o que você quer de mim agora? Dinheiro? Porque não tenho muito. Não quero seu dinheiro, respondeu Ricardo.
Quero sua renúncia formal aos direitos parentais sobre Júlia. Quero adotá-la legalmente, dar a ela a família e a segurança que você não pôde ou não quis proporcionar. Gilberto o encarou surpreso. Você quer adotar minha filha? Nem me conhece. Como posso saber que você não é algum tipo de maluco? Ricardo manteve a calma, embora por dentro estivesse fervendo. Sou empresário. Tenho uma situação financeira estável.
E, mais importante, amo Júlia como se fosse minha filha. Ela está bem cuidada, frequentando uma boa escola, recebendo acompanhamento psicológico para lidar com o trauma do abandono. Tem um teto sobre a cabeça, comida na mesa e alguém que realmente se importa com ela. Um longo silêncio se seguiu enquanto Gilberto processava essas informações.
Finalmente ele perguntou: “Como ela está?” “Está se recuperando”, respondeu Ricardo, permitindo que um pouco da atenção deixasse sua voz. tem pesadelos. Às vezes ainda guarda as roupas novas ao lado da cama todas as noites, como se temesse que alguém pudesse levá-las. Mas também está descobrindo como é ser apenas uma criança de novo, brincar, estudar, fazer amigos.
Gilberto assentiu lentamente, olhando para o chão. Ela pergunta por mim? Ricardo hesitou. Às vezes ela conta sobre como você e a mãe dela eram felizes juntos antes, antes de tudo acontecer. “Éramos mesmo,” murmurou Gilberto, mais para si mesmo que para Ricardo. Mariana era o amor da minha vida. Quando ela se foi, algo dentro de mim se quebrou.
Não conseguia nem olhar para Júlia sem ver Mariana nela. Era doloroso demais. Por um momento, Ricardo sentiu um lampejo inesperado de empatia. conseguia imaginar como seria perder alguém que amava tão profundamente e ser deixado sozinho para criar um filho que constantemente o lembrasse dessa perda. “Entendo sua dor”, disse Ricardo com sinceridade surpreendente. Mas Júlia não tinha culpa.
Ela também perdeu a mãe e então perdeu o pai também. “Eu sei”, admitiu Gilberto, a voz embargada. “Sei que falhei com ela. Sei que não mereço ser chamado de pai”. Ele ergueu os olhos agora brilhantes de lágrimas contidas. Ela está realmente bem com você? Feliz? Está começando a ficar, respondeu Ricardo.
Dia após dia, está aprendendo a confiar novamente, a se sentir segura. Gilberto respirou fundo, parecendo tomar uma decisão difícil. O que preciso fazer para essa renúncia que você mencionou? Ricardo sentiu uma onda de alívio. Meu advogado preparará os documentos. Basicamente, você estará abrindo mão legalmente de seus direitos parentais, permitindo que a adoção prossiga sem contestação. E nunca mais verei Júlia.
Isso dependerá dela quando for mais velha”, respondeu Ricardo com honestidade. “Por enquanto, acho que seria melhor não perturbar a estabilidade que ela está começando a encontrar, mas no futuro, se ela quiser conhecê-lo, não me oporei.” Gilberto assentiu lentamente. Parece justo. Meu turno termina às 8.
Podemos nos encontrar depois disso para assinar o que for necessário? Na verdade, disse Ricardo, acho que seria melhor você vir ao Rio na próxima semana. Meu advogado estará presente e os documentos serão oficializados em cartório. Se meses haviam-se passado desde aquele dia fatídico no restaurante Estrela do Mar. A vida de Ricardo e Júlia encontrava-se agora em um ritmo harmonioso, pontuado por rotinas escolares, reuniões de trabalho adaptadas para terminar a tempo de buscar Júlia na escola, sessões semanais com a doutora Helena e fins de semana repletos de atividades que Ricardo jamais imaginara que apreciaria.
Visitas ao zoológico, piqueniques na lagoa, sessões de cinema infantil e intermináveis partidas de jogos de tabuleiro. A cobertura em Ipanema havia se transformado completamente. O quarto de Júlia, antes um impessoal quarto de hóspedes em tons neutros agora explodia em cores, paredes azul celeste, prateleiras repletas de livros e brinquedos e uma cama com doc Júlia se sentir como uma princesa, segundo suas próprias palavras.
Desenhos coloridos decoravam a geladeira. Brinquedos ocasionalmente esquecidos surgiam nos cantos mais inesperados e o som de risadas infantis ecoava. pelos corredores que antes conheciam apenas o silêncio. Era uma tarde de domingo quando Ricardo e Júlia retornavam de um passeio de bicicleta na orla. A menina pedalava à frente em sua bicicleta nova.
Um presente de aniversário antecipado, já que Ricardo descobrira que ela jamais tivera uma festa de aniversário propriamente dita. Decidira mudar isso, planejando uma celebração memorável para o mês seguinte, quando Júlia completaria 8 anos. Cuidado com os pedestres”, alertou Ricardo, observando-a com o coração cheio daquele misto de orgulho e apreensão que havia descoberto ser parte intrínseca da paternidade.
Júlia diminuiu o ritmo obedientemente, mas seu rosto radiante revelava a pura alegria de simplesmente ser uma criança despreocupada em um dia ensolarado. Seus cabelos crespos, agora mais compridos e bem cuidados, esvoaçavam ao vento enquanto ela pedalava. Ao chegarem ao prédio, o porteiro os cumprimentou com familiaridade. Boa tarde, senor Almeida.
Boa tarde, senorita Júlia. Aproveitaram o passeio? Foi incrível, seu Jorge, exclamou Júlia, saltando da bicicleta com a energia inesgotável da infância. A gente foi até o arpuador e voltou. Eu nemsei. Impressionante, respondeu o porteiro com um sorriso genuíno. Ele, como todos os funcionários do prédio, havia se rendido completamente ao charme da pequena nova moradora.
Ah, Senor Almeida, seu irmão está esperando na cobertura. Chegou a cerca de meia hora. Ricardo franziu o senho, surpreso. Paulo está aqui? Ele não avisou que viria. Sim, senhor. A senhora Sandra o recebeu e o deixou entrar, conforme suas instruções permanentes. Obrigado, Jorge. No elevador, Júlia notou a expressão pensativa de Ricardo.
Quem é Paulo? Meu irmão respondeu Ricardo. Seu tio, tecnicamente. Ele mora em São Paulo. Não nos vemos com muita frequência. Ele é legal? Ricardo considerou a pergunta. Seu relacionamento com Paulo sempre fora complicado. Uma mistura de rivalidade fraterna, diferenças fundamentais de personalidade e o distanciamento que veio após a morte dos pais.
Não se viam pessoalmente há quase um ano, embora mantivessem contato ocasional por telefone e mensagens. Ele é diferente de mim”, respondeu diplomaticamente. “Mas sim, acho que ele é legal à sua própria maneira.” Quando as portas do elevador se abriram diretamente no hall da cobertura, encontraram Paulo sentado no sofá da sala, foliando distraídamente uma revista de negócios.
Ao contrário de Ricardo, sempre impecavelmente vestido em terno sob medida, Paulo usava jeans, camiseta e tênis, seu visual despojado refletindo sua personalidade mais relaxada. Ricardo! Exclamou Paulo, levantando-se. Desculpe aparecer sem avisar. Estava no Rio para uma conferência e pensei em passar para ver como sua voz morreu quando notou Júlia parcialmente escondida atrás de Ricardo. Ó, olá, Paulo.
Esta é Júlia, apresentou Ricardo gentilmente trazendo a menina para seu lado. Júlia, este é meu irmão Paulo, seu tio. Paulo olhou de Ricardo para Júlia e de volta para Ricardo, a confusão evidente em seu rosto. Seu tio, é uma longa história”, respondeu Ricardo.
“Júlia, por que não vai tomar um banho enquanto converso com seu tio? Depois podemos todos lanchar juntos.” Júlia estudou Paulo por um momento, então assentiu. “Tá bom. Prazer em conhecer você, tio Paulo.” Disse educadamente antes de se dirigir ao corredor que levava ao seu quarto. Assim que Júlia saiu de vista, Paulo olhou para Ricardo com as sobrancelhas erguidas. Tio Paulo, sério, Ricardo, o que está acontecendo? Você tem uma filha que nunca mencionou ou está namorando alguém com uma filha? Ricardo indicou o sofá. Sente-se.
É uma história e tanto. Nos próximos 20 minutos, Ricardo relatou toda a jornada, o encontro no restaurante, a decisão impulsiva de levar Júlia para casa, o processo legal para obter a guarda, o encontro com Gilberto e, finalmente, o pedido de adoção que estava em andamento.
Paulo ouviu tudo em silêncio, seu rosto passando da incredulidade inicial para algo mais difícil de decifrar. Deixe-me ver se entendi”, disse finalmente. “Você, Ricardo Almeida, o work orolic mais dedicado que já conheci, o homem que uma vez disse que filhos eram distrações ineficientes, simplesmente adotou uma menina de rua?” “Não a chame assim”, respondeu Ricardo automaticamente, surpreendendo-se com sua própria reação protetora.
“E sim, estou no processo de adotá-la legalmente.” Paulo balançou a cabeça, um leve sorriso se formando em seus lábios. Inacreditável. Quando mamãe morreu, você se fechou completamente, mergulhou nos negócios como se nada mais importasse e agora fez um gesto abrangente, indicando os brinquedos espalhados pela sala, os desenhos na parede, as evidências inconfundíveis da presença de uma criança. “As pessoas mudam”, respondeu Ricardo simplesmente.
Aparentemente, Paulo se recostou no sofá ainda processando a informação. E como tem sido a paternidade? Ricardo pensou por um momento desafiador, assustador, exaustivo. Fez uma pausa. E a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. Paulo estudou o irmão com interesse genuíno. Você parece diferente. Não apenas as olheiras óbvias de quem não dorme direito há meses brincou, mas algo mais fundamental. Me sinto diferente”, admitiu Ricardo.
Hesitou, então acrescentou. Você se lembra daquelas conversas que tínhamos com papai sobre propósito, sobre deixar um legado? Paulo assentiu. Seu pai, antes de falecer, frequentemente falava sobre a importância de viver uma vida com significado, de contribuir para algo maior que si mesmo. Sempre pensei que meu legado seria minha empresa, continuou Ricardo.
Construir algo duradouro, gerar empregos, criar inovação. E isso ainda é importante para mim. Mas agora olhou na direção do corredor por onde Júlia havia desaparecido. Agora entendo o que papai realmente queria dizer. Um silêncio confortável se estabeleceu entre os irmãos, talvez o primeiro em muitos anos.
Foi quebrado pelo retorno de Júlia, agora de banho tomado, cabelos úmidos e pijama de ursinhos, apesar de ainda ser metade da tarde. “Já terminaram de conversar coisas de adulto?”, perguntou ela, subindo no sofá entre os dois irmãos, com a facilidade de quem se sente completamente à vontade. Paulo riu. Sim, acho que sim. Então, Júlia, conte-me sobre você.
O que gosta de fazer? Desenhar, ler histórias, andar de bicicleta, respondeu prontamente. E sorvete? Gosto muito de sorvete. Sorvete não é uma atividade, corrigiu Ricardo gentilmente. Poderia ser, argumentou Júlia. Se você comer bem devagar e prestar muita atenção. Paulo soltou uma gargalhada.
Ela tem um ponto, Ricardo, e claramente herdou seu gosto por debates. Não herdei, corrigiu Júlia seriamente. Não sou filha de sangue do Ricardo. Ele tá me adotando. A franqueza infantil pegou Paulo de surpresa. Ah, sim, claro. Desculpe. Tudo bem, respondeu Júlia dando de ombros. A Dra. Helena diz que família é quem a gente escolhe, não só quem tem o mesmo sangue, como você e o Ricardo.
Vocês são irmãos, mas também se escolheram como família, né? A pergunta inocente atingiu os dois irmãos profundamente. Ricardo e Paulo se entreolharam, conscientes do distanciamento que havia se estabelecido entre eles ao longo dos anos. “Sim”, respondeu Paulo após um momento. “Nós nos escolhemos como família.
” olhou para Ricardo, embora às vezes possamos nos esquecer disso. Ricardo assentiu, sentindo uma inesperada emoção na garganta. Tio Paulo, está certo, Júlia? Família é quem escolhemos e quem nos escolhe de volta. A tarde transcorreu em uma atmosfera de reconciliação e redescoberta. Paulo, inicialmente surpreso com a nova vida do irmão, rapidamente se rendeu ao charme de Júlia.
Ao longo do lanche improvisado e dos jogos de tabuleiro que se seguiram, Ricardo observou com espanto como seu irmão, sempre tão focado em sua carreira artística e vida boia em São Paulo, revelava-se um tio natural, paciente, brincalhão e genuinamente interessado no mundo de Júlia. Quando a noite caiu e chegou a hora de colocar Júlia na cama, Paulo se preparava para sair quando a menina o surpreendeu com um pedido.
Você pode contar uma história para mim? antes de dormir. Tio Paulo, Ricardo sempre conta, mas acho que você deve conhecer histórias diferentes. Paulo olhou para Ricardo, que assentiu com um sorriso. Claro, se seu pai não se importar.
Ricardo sentiu um calor se espalhar por seu peito ao ouvir Paulo se referir a ele como pai de Júlia. Era a primeira vez que alguém de sua família o reconhecia nesse novo papel e significava mais do que esperava. Enquanto Paulo seguia Júlia para seu quarto, Ricardo permaneceu na sala, absorvendo a quietude momentânea e refletindo sobre as reviravoltas extraordinárias que sua vida havia tomado.
Há pouco mais de se meses, estivera sentado sozinho em um restaurante elegante, sentindo-se vazio apesar de todas as suas conquistas materiais. Agora, sua casa estava repleta de vida, de barulho, de amor. Pensou em Júlia quando a encontrara, faminta, desesperada, abandonada e em quem ela se tornava a cada dia, confiante, curiosa, amada. A transformação era mútua e profunda. O som de risadas veio do quarto de Júlia.
Aparentemente, Paulo estava contando uma história particularmente engraçada. Ricardo sorriu percebendo que a chegada de Júlia à sua vida havia criado ondas que se estendiam muito além do relacionamento entre os dois. Estava reconectando-o com seu irmão, lembrando-o dos valores que seus pais haviam tentado incutir, abrindo seu coração de maneiras que jamais julgara possíveis.
Mais tarde, após Paulo se despedir com a promessa de visitas mais frequentes e planos para levar Júlia a São Paulo para conhecer museus e parques, Ricardo foi verificar se a menina estava dormindo. Encontrou-a ainda acordada, os grandes olhos brilhando na penumbra do quarto iluminado apenas pela luz suave do abajur em forma de lua. “Gostou do seu tio?”, perguntou Ricardo, sentando-se na beira da cama. Júlia assentiu entusiasticamente.
Ele é muito legal, conta histórias engraçadas e disse que vai me levar num lugar chamado MASP da próxima vez que a gente for para São Paulo. É tipo um castelo cheio de quadros. Ele vai adorar te mostrar tudo respondeu Ricardo. Paulo sempre foi apaixonado por arte. Júlia ficou em silêncio por um momento, então perguntou: “Ricardo, posso te perguntar uma coisa?” “Claro, pequena.
O que foi? Quando a adoção terminar, ela hesitou, mexendo nervosamente no cobertor. Eu vou poder te chamar de pai? A pergunta atingiu Ricardo como uma onda, deixando-o momentaneamente sem palavras. Desde o início, Júlia o chamava pelo nome, um arranjo que parecia natural dadas as circunstâncias.
A questão de como ela o chamaria no futuro, nunca havia sido discutida explicitamente. “Você gostaria disso?”, perguntou finalmente sua voz suave. Júlia assentiu seus olhos fixos nos dele. Muito agora, meu pai. Não o que me fez, mas o que me escolheu. Ricardo sentiu as lágrimas se formarem em seus olhos, algo que teria considerado uma fraqueza inaceitável apenas alguns meses antes, mas que agora aceitava como parte da vulnerabilidade necessária ao amor verdadeiro.
Nada me faria mais feliz, Júlia. respondeu com voz embargada. Seria a maior honra da minha vida ser chamado de pai por você. Júlia sorriu, o alívio evidente em seu rosto. Então tá combinado. Quando a adoção terminar, você vai ser oficialmente meu pai. Ela estendeu a mão, o dedo Mindinho erguido. Promessa de Mindinho? Ricardo entrelaçou seu dedo Mindinho ao dela, selando a promessa mais importante que já fizera. Promessa de Mindinho.
Boa noite, pai, sussurrou Júlia, testando a palavra como quem experimenta uma roupa nova, um sorriso tímido brincando em seus lábios. Boa noite, minha filha, respondeu Ricardo, as palavras suando ao mesmo tempo estranhas e absolutamente certas. Quando Júlia finalmente adormeceu, Ricardo permaneceu sentado ao lado de sua cama por um longo tempo, observando o suave movimento de sua respiração.
Pensou na extraordinária jornada que os havia unido, uma menina desesperada e um homem vazio, ambos buscando algo que nem sabiam que precisavam até se encontrarem. “Posso comer com você, papai?”, a pergunta simples e desesperada que mudara suas vidas para sempre. Três meses depois, em uma ensolarada manhã de primavera, Ricardo e Júlia estavam de pé diante da juíza Cláudia Mendes no fórum central do Rio de Janeiro.
A sala de audiências estava decorada com balões coloridos e flores, uma concessão incomum da magistrada que ficara comovida com a história dos dois pelos poderes a mim conferidos”, declarou a juíza com um sorriso caloroso. Tenho a honra de finalizar oficialmente a adoção de Júlia Souza, que a partir de hoje será legalmente conhecida como Júlia Souza Almeida, filha de Ricardo Almeida.
A pequena plateia reunida para a ocasião e rompeu em aplausos. Paulo Sandra, Antônio, Carla, a doutora Helena e até mesmo o gerente e alguns garções do restaurante Estrela do Mar, que Ricardo fizera questão de convidar. Júlia, deslumbrante em seu vestido azul florido, o mesmo que Ricardo comprara naquela primeira noite, agora considerado seu vestido da sorte, saltou nos braços do pai, abraçando-o com toda a força que seus pequenos braços permitiam.
“Agora é oficial”, sussurrou ela em seu ouvido. “Somos uma família de verdade.” Ricardo a abraçou de volta, sentindo uma felicidade tão completa que mal conseguia contê-la. Sempre fomos minha pequena. Desde aquela primeira noite, o papel apenas confirma o que nossos corações já sabiam. Enquanto saíam do fórum sob uma chuva de arroz e pétalas, Ricardo refletiu sobre o extraordinário poder das palavras ditas por uma criança desesperada em um momento de coragem suprema.
Posso comer com você, papai? Uma pergunta que transformara não apenas duas vidas, mas um círculo inteiro de pessoas ao seu redor. Uma pergunta que lembrara a todos que em um mundo muitas vezes cruel e indiferente ainda havia espaço para milagres cotidianos, para segundas chances e para o tipo de amor que transcende sangue, circunstâncias e expectativas.
Um amor que, como Júlia havia dito com sabedoria, além de sua idade, vinha não de quem nos fez, mas de quem nos escolheu. Fim da história. Queridos ouvintes, esperamos que a história de Ricardo e Júlia tenha tocado seus corações. Para continuar essa jornada emocional, preparamos uma playlist especial com histórias igualmente cativantes. Encontrem-na aqui clicando à esquerda.
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