O vento atravessava o parque com cheiro de grama molhada e pipoca quente. O sol das 4 da tarde escorria entre as folhas das árvores, iluminando cada grão de poeira suspenso no ar. As risadas das crianças ecoavam por todo lado. O estalo das cordas do balanço, o grito agudo de quem sobe alto demais, o barulho dos tênis na areia. Mas em meio a toda aquela vida, uma menina não ria. Lívia.
5 anos. Vestidinho amarelo, tênis brancos gastos. Ela balançava devagar, os pés quase sem força, o olhar fixo em algum ponto que ninguém mais via, nenhuma palavra, nenhum som. A brisa batia no cabelo dela, levantando uma mecha, como se pedisse que ela dissesse algo, mas só o vento respondia. Há alguns metros dali, sentado num banco de madeira, Rafael Nogueira observava: terno claro, mangas dobradas, relógio caro, mas o rosto, o rosto era o de quem não dormia direito há muito tempo. Os olhos dele pareciam carregar o peso de
todos os dias, que haviam começado com esperança e terminado em silêncio, trs anos. Três anos sem ouvir a voz da filha. Ele respirou fundo, apoiou os cotovelos nos joelhos e ficou olhando para as mãos, aquelas mesmas mãos que já tinham apertado a de tantos investidores, assinado contratos milionários, criado uma empresa capaz de fazer máquinas falarem, mas incapazes de fazer a própria filha dizer papai.
Do lado, uma garotinha passou correndo, gritando para o pai empurrar mais alto. Rafael ergueu os olhos e tentou sorrir, mas o sorriso dele era curto, torto, como se doesse. Uma lembrança piscou, o quarto branco do hospital, o som dos monitores, a esposa Ana segurando o bebê no colo.
“Ela vai ter a sua risada”, disse ela antes de fechar os olhos pela última vez. O som dos monitores desapareceu, substituído pelo silêncio que nunca mais foi embora. Lívia tinha dois anos quando parou de falar. Primeiro foram as palavras simples: água, mamãe, papai, depois o silêncio inteiro. Os médicos chamaram de mutismo seletivo pós-traumático.
Rafael chamou de culpa. Tentou de tudo. Psicólogos, fonoaudiólogos, terapias em grupo, viagens a clínicas particulares, os melhores do Brasil, alguns até do exterior. Mas cada consulta terminava igual. O tempo vai ajudar, Senr. Rafael. Ela precisa se sentir segura. Segura? pensava ele.
Eu dei tudo que o dinheiro pode comprar e mesmo assim, em casa, o som do teclado do notebook era o único que quebrava o ar. O quarto da menina aparecia sempre em câmera lenta, os brinquedos no mesmo lugar, a boneca de pano caída na cadeira, os desenhos colados na parede, todos sem boca. Rafael percebeu isso um dia.
Todas as figuras que Lívia desenhava não tinham boca. Naquela noite, ele ficou parado diante dos desenhos, sem conseguir mover os lábios. Era como se até ele tivesse esquecido como se fala. Na manhã seguinte, tentou algo diferente. Colocou para tocar uma gravação antiga da esposa, uma canção de Ninar que ela cantava para Lívia. O som saiu baixo, cheio de chiado. A menina parou o que estava fazendo e virou o rosto para o altofalante.
Por um segundo, os olhos dela brilharam, mas logo ela se encolheu, tampou os ouvidos e se afastou. Rafael desligou o aparelho desesperado. Desculpa, filha. Desculpa. O sussurro dele morreu no ar. Nos dias seguintes, começou a levar a menina ao parque todo sábado. Era a única rotina que restava entre os dois.
Ele sentava sempre no mesmo banco, aquele com o número 27 gravado na madeira. Enquanto ela se balançava devagar, ele fingia ler relatórios no tablet, mas os olhos não saíam dela. Às vezes, achava que via um movimento diferente, um gesto novo, e o coração acelerava. Mas logo percebia que era só o vento. As pessoas olhavam, algumas comentavam baixo.
Coitadinha, não fala, né? Ele fingia não ouvir, mas cada palavra entrava como farpa. Naquela manhã, o parque estava especialmente cheio, crianças correndo atrás de pombos, casais de mãos dadas, vendedores ambulantes com isopor gritando água gelada. O sol refletia nas poças d’água, cegando por instantes.
Rafael piscou e quando abriu os olhos, viu algo que nunca tinha notado antes. Perto dos balanços, uma mulher varria o chão. Uniforme azul desbotado, boné encardido, tênis velhos. Os gestos eram lentos, mas firmes. Ela varria com atenção, como se cada folha caída tivesse um significado. Rafael percebeu que, diferente de todos, ela não desviava o olhar de Lívia.
Por um instante, pensou em levantar e pedir para ela se afastar. Não queria que incomodassem a filha, que estragassem aquele pequeno ritual deles. Mas algo na forma como a mulher observava, com calma, sem pena. o fez parar. Ela ajeitou o boné, limpou o suor da testa e deu dois passos na direção de Lívia. Depois parou, baixou o olhar, apoiou as mãos no cabo da vassoura e ficou ali como quem espera o momento certo de falar. Rafael apertou os punhos.
A tensão subiu no peito, uma mistura de medo e curiosidade. O vento soprou mais forte. Uma folha seca desprendeu-se da árvore e pousou delicadamente no cabelo da menina. Lívia não se mexeu. A mulher, que Rafael ainda não sabia se chamava Sueli, se aproximou mais um pouco.
Ajoelhou-se devagar até ficar na altura dos olhos da criança. Rafael ficou imóvel. O coração dele batia como se estivesse prestes a pular do peito. Por um segundo, ele achou que fosse apenas coincidência, mais um sábado igual a todos os outros. Mas havia algo diferente no ar, uma calma estranha, como se o tempo estivesse segurando a respiração.
A mulher sorriu, um sorriso pequeno, verdadeiro, que não pedia nada em troca, o tipo de sorriso que Rafael já não lembrava como era. O sol atravessou as folhas e caiu sobre o rosto de Lívia. A menina piscou, meio incomodada com a luz. A mulher levantou o dedo devagar e encostou de leve no queixo da menina, só o suficiente para que ela erguesse o olhar. A distância entre as duas parecia feita de silêncio líquido. Rafael prendeu a respiração.
Foi então que ele percebeu o que o silêncio dele escondia não era falta de som, era falta de encontro. O relógio no pulso dele aptou uma notificação qualquer, mas ele nem ouviu. Todo o mundo desapareceu. Só havia aquelas duas, a filha dele e a mulher invisível, presas num instante que o vento parecia proteger. Rafael sentiu o corpo inteiro estremecer, mas não se moveu.
Algo dentro dele dizia que qualquer palavra, qualquer passo, poderia quebrar aquele feitiço frágil. E enquanto observava, uma lembrança atravessou sua mente. A esposa no hospital sorrindo fraco e dizendo: “Quando ela ficar em silêncio, escuta com o coração”.
Rafael fechou os olhos por um segundo e uma lágrima desceu sem pedir permissão. O som das risadas do parque voltou distante, abafado. Ele abriu os olhos de novo. A mulher continuava ali de joelhos, olhando para sua filha. A folha no cabelo de Lívia balançou e caiu devagar, pousando entre as duas. O sol refletiu nela por um instante, uma pequena centelha dourada antes que o vento a levasse.
Rafael acompanhou o movimento da folha com os olhos e, pela primeira vez em muito tempo, sentiu algo que quase havia esquecido como era. Curiosidade. não sabia quem era aquela mulher, nem o que ela ia dizer, mas de alguma forma teve certeza de que o silêncio da filha estava prestes a mudar de forma.
Ele se encostou no banco, o coração acelerado, e sussurrou para si mesmo: “O que você vai fazer agora, meu amor?” O vento respondeu com um sussurro leve, fazendo as correntes do balanço rangerem devagar. E no som metálico que cortou o ar, Rafael jurou ter ouvido algo novo. Um som que não vinha de máquinas, nem de diagnósticos, um som que parecia a respiração do próprio silêncio, prestes a falar.
O sol começava a se esconder por trás das árvores e o parque parecia respirar mais devagar. O barulho das crianças diminuía, os vendedores recolhiam as caixas de isopor. O cheiro de milho e pipoca se misturava com o da terra molhada. Rafael continuava sentado no mesmo banco, o tablet esquecido no colo. Mas o olhar dele estava fixo em uma única cena, a fachineira ajoelhada diante de sua filha.
O vento soprou mais uma vez, balançando o rabo de cavalo meio desfeito da mulher. Ela usava um uniforme azul desbotado com o nome do parque bordado no peito. Sueli. A o rosto era simples, queimado de sol, com algumas rugas precoces marcadas pela vida. Mas os olhos, os olhos eram tranquilos, como quem já tinha visto o pior, e ainda assim escolhia ser gentil. Sueli apoiou a vassoura no carrinho de limpeza e se agachou na altura da menina.
A areia fez um barulhinho baixo sobre os joelhos. Ela sorriu pequeno, sem forçar. Oi, princesa. Tudo bem aí? Silêncio. Eu também gostava de balançar, sabia? Quando era pequena, achava que o vento podia me levar para longe. Bem longe. Lívia olhou rápido, mas desviou. Rafael de longe ficou tenso.
O instinto foi levantar, interromper, mas algo o prendeu. Talvez o jeito como Sueli falava. Não era o tom de quem pergunta, era o tom de quem lembra. Meu pai fez um balanço de corda no quintal. Eu passava horas lá voando sem sair do lugar. Às vezes o vento batia forte e eu pensava: “Agora eu caio”. Mas nunca caía. Ele sempre me segurava.
Ela riu sozinha, um riso bobo, leve, meio envergonhado. Aquele som tão comum atravessou o ar e, por um instante a menina mexeu os pés. Rafael percebeu, o coração acelerou. A mão dele apertou o braço do banco com força. Sueli continuou baixinho, como quem conversa com uma flor que acabou de abrir.
Sabe o que é engraçado? Quando a gente cresce, esquece de balançar, esquece de olhar pro céu. Ela olhou para cima, apontando uma nuvem. Olha lá, parece um sorvete derretendo, não parece? Lívia seguiu o dedo dela com os olhos. Uma brisa passou, levantando areia. O barulho das folhas cobriu o som da cidade. A voz de Sueli veio ainda mais baixa.
Sabe, às vezes o silêncio da gente só precisa de alguém que não tenha pressa para escutar. Rafael sentiu o corpo inteiro arrepiar. Não era só o que ela dizia, era como ela dizia. Sem técnica, sem medo de errar, sem tentar consertar nada. Ela apenas estava ali inteira. Um pardal pousou perto, bicando migalhas de pão no chão. Sueli o apontou com o queixo.
Olha, ele vem todo dia aqui. Acho que ele também gosta de ver as crianças. O nome dele devia ser, sei lá, teimoso. Lívia olhou o pássaro e um som saiu, quase um sopro. Passarinho. Sueli parou. Por um instante, o mundo pareceu parar junto. Os olhos dela se arregalaram. E um sorriso nasceu devagar. Não era de espanto, nem de triunfo.
Era de quem entende que acabou de presenciar um milagre pequeno e silencioso. Ela respirou fundo, a voz trêmula, mas firme. Você gosta de passarinhos, né, minha princesa? Lívia olhou para ela e de repente riu. Uma risadinha fina, curta, quase tímida, mas real. o tipo de som que Rafael achava que nunca mais ia ouvir.
Ele se levantou num pulo, as pernas tremiam, o coração parecia bater fora do corpo. Por reflexo, deu um passo à frente, mas parou. Havia algo sagrado naquele instante, como se o ar inteiro tivesse virado oração. Sueli não olhou para ele, continuou ali conversando como se nada fosse extraordinário. Pegou uma folha no chão e mostrou pra menina.
Olha quantas formiguinhas, tá vendo? Trabalham juntinhas. Cada uma leva um pedacinho. Acho que elas também conversam, só que no jeitinho delas. Lívia se inclinou para ver melhor, o cabelo caindo no rosto, e respondeu baixinho, quase como quem testa a própria voz. Trabalham juntinhas. Sueli riu. Isso mesmo, juntinhas. Rafael levou as mãos ao rosto.
As lágrimas vieram sem aviso, quentes, densas. Ele tentou conter, mas não deu. Ficou parado, respirando com dificuldade, como se o corpo tivesse desaprendido a sentir. Um menino passou correndo, tropeçou, riu. O mundo voltou a girar, mas o som parecia distante. Sueli se levantou devagar, limpando o joelho sujo de areia.
Pegou a vassoura de volta, olhou pra menina e disse: “Tá bom, princesa. Agora a tia precisa voltar a trabalhar, tá? Mas eu volto aqui depois. Lívia assentiu ainda sorrindo. O balanço rangeu de novo, agora mais rápido. Sueli virou-se, ajeitando o boné, e caminhou de volta pro carrinho de limpeza. Rafael não aguentou, correu até ela. A voz saiu trêmula, meio rouca. Por favor, espera.
O que acabou de acontecer? Sueli se virou confusa. Aconteceu o que, moço? Ele apontou pra filha. fegante. Ela falou: “Você viu?” Falou três anos sem uma palavra. E agora? Sueli levou a mão à boca, olhou paraa menina, depois para ele. Eu eu não sabia. O olhar dela encheu d’água, mas Rafael não parava de repetir. Ela falou: “Você fez ela falar como?” Sueli baixou os olhos.
“Moço, eu só falei com ela. É só isso que eu sei fazer. falar e escutar. Por um instante, o silêncio ficou pesado de novo, mas não era o mesmo silêncio de antes. Agora havia vida dentro dele. Rafael respirou fundo, tentando se recompor. As palavras saíam atropeladas.
Posso, posso te oferecer um café? Eu só preciso entender. Sueli olhou pro uniforme sujo, pro carrinho de limpeza. parecia hesitar entre o dever e algo maior. O vento passou, levando uma folha até o pé dela. Ela olhou pra folha, olhou pro homem e, por fim, sorriu. Tá bom, mas tem que ser um café simples, viu? Eu só gosto de café que vem em copinho de plástico”, ele riu. A primeira risada sincera em muito tempo.
Enquanto caminhavam até a lanchonete do parque, Rafael ainda olhava para trás, vendo Lívia no balanço. A menina falava baixinho sozinha, como se conversasse com o vento. O céu agora tinha um tom alaranjado e as sombras das árvores alongavam-se no chão. O som das folhas varridas ficou para trás, misturado ao ranger leve das correntes do balanço.
E naquele ruído pequeno, quase imperceptível, havia uma música nova, o som de algo renascendo. O parque já estava quase vazio quando eles se sentaram à mesa da pequena cafeteria. O céu antes dourado, agora era uma mistura de lilás e cinza. O cheiro de café recém-passado se misturava ao de chuva distante.
O vento balançava o toldo verde, fazendo ranger o ferro velho da estrutura. Rafael pediu dois cafés e um suco de laranja. Sueli ficou meio sem jeito, as mãos sujas de poeira apoiadas no colo. Lívia, sentada ao lado, desenhava distraída num guardanapo com uma caneta emprestada do caixa. Cada traço vinha tímido, mas firme, como se redescobrisse o próprio mundo. Rafael olhava pra filha e ainda custava a acreditar no que tinha acontecido.
A cena do parquinho se repetia na cabeça dele em câmera lenta. A vozinha dela, o passarinho, o riso, parecia impossível, parecia milagre. Ele respirou fundo e olhou pra mulher à frente dele. “Eu preciso entender”, disse baixinho. “O que aconteceu ali? A senhora falou alguma coisa especial? Usou alguma técnica?” Sueli deu de ombros, mexendo no café.
O vapor subia, desenhando linhas no ar. Técnica. Ela riu leve. Moço, eu não sei nem o que isso quer dizer. Eu só conversei com ela. Rafael encostou as costas na cadeira, confuso. Mas ela não fala com ninguém há 3 anos. Eu levei ela em médicos, terapeutas, psicólogos e nada. Então a senhora chega, fala de passarinhos e ela fala: “Sueli ficou em silêncio por alguns segundos, depois olhou pro café, girando a colherzinha devagar. O barulhinho do metal no copo encheu o arre.
Sabe, seu Rafael, eu já vi muito silêncio na vida. Tem gente que se cala porque não quer brigar. Tem gente que se cala porque ninguém escuta e tem criança que se cala porque o mundo ficou barulhento demais para ela. As palavras dela eram simples, mas batiam fundo. Não era discurso, era lembrança.
Rafael percebeu pela forma como ela olhava pra mesa, como se estivesse em outro tempo. “Minha irmã, Rosana também ficou muda um dia,” continuou Sueli. Ela tinha 6 anos quando nosso pai foi embora. Eu era a mais velha. A mãe trabalhava o dia inteiro e eu ficava tentando arrancar qualquer palavra dela.
A voz de Sueli tremia levemente, o cheiro do café, o som dos carros ao longe. Tudo ficou em segundo plano. Na cabeça de Rafael, a cena dela menina se formava. Uma casa simples, chão frio, duas irmãs pequenas tentando inventar alegria, onde só havia a ausência. A Rosana desenhava, sabe, igual a sua filha agora. Mas os desenhos dela eram sempre cinza, sem sol.
Eu falava, cantava, fazia careta, contava história. Levei um ano quase até o dia em que ela olhou para mim e disse: “Sueli, canta de novo aquela dos passarinhos”. Sueli sorriu de leve, os olhos marejados. Foi a primeira palavra dela depois de tanto tempo. Eu entendi ali que o silêncio dela não era doença, era um esconderijo.
E esconderijos só se abrem quando a gente se sente seguro. Rafael passou as mãos no rosto devagar, respirando fundo. O peso das palavras dela parecia empurrar tudo o que ele acreditava até então. Durante anos, tratou o silêncio da filha como um erro a ser consertado, um sistema travado, mas talvez ele fosse o travado. Eu passei 3 anos tentando curar minha filha como se ela fosse um problema técnico, murmurou. Achei que dava para consertar sentimentos com dinheiro.
Eu achava que se eu achasse o médico certo, o aparelho certo. A voz falhou. Ele olhou pra filha. Lívia desenhava uma casinha. Pela primeira vez em muito tempo, o desenho tinha janelas abertas. Sueli observou também. Um sorriso pequeno, calmo, apareceu no rosto dela. Ela tocou de leve o braço dele. O senhor não errou.
Todo pai tenta resolver as coisas do jeito que sabe, mas tem coisa que a gente não resolve. A gente acolhe. Rafael respirou fundo. O barulho do relógio de pulso dele marcava o tempo, compassado, lento. Do lado, uma funcionária limpava as mesas vazias, o pano molhado rangendo no tampo de plástico.
Lívia levantou o olhar e mostrou o guardanapo. Papai, olha, é a gente. O desenho era tosco, tremido, mas claro. Um homem, uma mulher e uma menina segurando um balão. Rafael olhou e sentiu a garganta fechar. É lindo, filha. Quem é essa moça aqui? É a tia Sueli. O café na xícara dele já estava frio. Ele riu entre as lágrimas.
Um riso nervoso, frágil. Ela é mesmo especial, não é? Lívia assentiu e voltou a desenhar. Sueli abaixou a cabeça tímida, mexendo de novo no copo. Não sou especial, não. Só aprendi a escutar. Por um momento, ninguém falou nada. O silêncio entre eles não doía. Era suave, cheio, o som da rua distante, o apito do vendedor de picolé, as folhas batendo lá fora, tudo parecia fazer parte de uma mesma respiração.
Rafael se recostou exausto e olhou pra mulher à frente dele. A roupa simples, o uniforme amassado, as mãos calejadas, mas o olhar, o olhar era firme de quem carrega uma paz que não se compra. A senhora devia ser médica”, ele disse, tentando sorrir. Médica da alma. Sueli riu, balançando a cabeça. Já fui enfermeira, sabia? Num hospital público. Eu amava cuidar das pessoas, principalmente das crianças.
Mas aí meu marido adoeceu e quando ele foi embora, eu perdi o chão. Tive que aceitar qualquer trabalho que aparecesse. E aqui estou limpando o chão, tentando pagar as contas e continuar de pé. Rafael ficou mudo, sentiu um aperto no peito, não de pena, mas de admiração. Aquela mulher que ele quase ignorou horas antes, agora parecia maior do que qualquer título. E mesmo assim a senhora ainda sorri.
Depois de tudo, Sueli deu de ombros. A vida é pesada, moço. Mas quando a gente para de sorrir, ela pesa o dobro. Os dois se olharam por um tempo. O barulho do metrô distante subia do subsolo, vibrando no chão. Lívia agora, desenhava um sol enorme no canto do guardanapo. As pontas amarelas quase furavam o papel.
Rafael pegou o desenho nas mãos. As lágrimas caíram devagar sobre o guardanapo, borrando a tinta. O café derramado antes se misturou com as gotas e criou uma mancha marrom em forma de coração. Ele olhou para aquilo e riu, ainda chorando. Acho que o mundo tá tentando me ensinar alguma coisa, Sueli. Ela sorriu.
Às vezes o mundo ensina com barulho, às vezes com silêncio. Rafael respirou fundo, limpou as lágrimas com as costas da mão e estendeu o desenho para ela. Posso ficar com esse? É seu, disse Sueli, sorrindo. É o seu começo novo. Do lado de fora, o céu já estava quase escuro. As luzes do parque acendiam devagar, refletindo nas poças d’água da chuva que começava a cair. O som das gotas no told todo fazia um ritmo calmo, constante.
Lívia se levantou, estendeu os braços pro pai e encostou a cabeça no peito dele. Rafael abraçou a filha com força, sentindo o cheiro do cabelo dela, aquele cheiro de infância guardada. Sueli observou a cena em silêncio, sorrindo. Na mesa, o guardanapo com o desenho ficou esquecido, manchado de café e lágrima. O vento o levantou um pouco, fazendo-o tremular vivo.
A tinta ainda úmida formava uma mancha nova que parecia pulsar. E por um instante, parecia mesmo que o coração desenhado ali respirava. O dia começou com uma claridade suave, dessas que parecem entrar na casa pedindo licença. O relógio marcava 6:30 da manhã, quando Rafael acordou com um som que ele não ouvia havia anos.
Fraco, fino, desafinadinho, mas reconhecível. Uma voz. Ele se sentou na cama, o coração disparado. Demorou alguns segundos para entender que o som vinha do quarto ao lado. Andou devagar, como quem teme assustar a própria esperança. A porta do quarto estava entreaberta. A luz do sol entrava em faixas pela janela e caía sobre os brinquedos espalhados no chão. Lívia estava sentada na cama, penteando o cabelo da boneca e cantando.
Um fiapinho de voz, trêmulo, mas cheio de vida. A mesma canção que a mãe dela cantava antes de partir. Rafael encostou na parede uma mão na boca para conter o choro. Não se atreveu a interromper. Cada nota da música parecia costurar o tempo, emendando os pedaços dele que tinham se rasgado nos últimos três anos.
Lívia percebeu o pai na porta e parou assustada, mas ele só sorriu, os olhos marejados. Continua, meu amor. Eu tô ouvindo. Ela sorriu de volta, tímida, e voltou a cantar. E Rafael ficou ali parado, respirando devagar, tentando guardar aquele som para sempre dentro do peito.
No trabalho, naquele mesmo dia, o clima era outro. A empresa de Rafael ocupava três andares de um prédio envidraçado na Vila Olímpia. Tudo moderno, silencioso, frio. As pessoas andavam apressadas, de fone no ouvido, olhando telas luminosas. Mas Rafael via tudo diferente agora. sentou-se à mesa de reunião e olhou pros engenheiros, pros fonoaudiólogos, pros desenvolvedores.
Slides, gráficos, números, palavras sobre voz artificial, dispositivo de fala assistida, interface neural, e de repente aquelas palavras soaram vazias. Ele levantou, a sala inteira se calou. A gente passou anos tentando fazer máquinas falarem”, disse, olhando paraa tela. Mas esquecemos de ouvir as pessoas. Um dos diretores o encarou confuso.
O senhor quer mudar a linha de produto, Rafael? Não, ele respondeu. Quero mudar a alma da empresa. Silêncio. Rafael caminhou até a janela e olhou lá fora, o trânsito fluindo como um rio de luzes. Eu vi minha filha falar ontem depois de trs anos em silêncio.
E quem fez isso não foi um médico, nem um software, foi uma mulher simples que varre o chão de um parque. Os olhares se cruzaram surpresos. Ele continuou com a voz embargada. Eu quero que essa mulher trabalhe aqui. Quero que ela ensine a gente a ver o que não se vê, a ouvir o que não tem som. Dois dias depois, Rafael apareceu no parque.
O uniforme de Sueli já estava manchado de poeira e cloro. As mãos dela cheiravam a sabão. Ela se assustou ao vê-lo de camisa social em plena manhã. Moço, aconteceu alguma coisa? A menina tá bem? Rafael sorriu emocionado. Ela tá mais do que bem, tá cantando. E eu vim fazer um convite para você. Convite? Quero que trabalhe comigo, não limpando o chão. Quero que ensine minha equipe o que aprendi com você. Ensine a ver gente, Sueli.
Ela ficou muda por alguns segundos, rindo sem acreditar. Eu trabalhar numa empresa, moço, eu nem terminei o segundo grau. Não sei nem mexer direito num computador. Você tem o que eles não têm, Sueli. Ele respondeu: “Coração”. O olhar dela se encheu d’água, ficou em silêncio, olhando o chão. O vento mexia o cabelo dela e a sombra das árvores desenhava manchas no uniforme surrado.
Eu eu não sei se consigo, seu Rafael. Eu só sei cuidar das pessoas do meu jeito. É exatamente isso que eu quero que você leve para lá. Sueli respirou fundo e o sorriso foi crescendo, tímido, como uma flor abrindo. Então, tá, mas só se eu puder continuar varrendo o parque no fim de semana. Eu gosto daqui. Aqui foi onde tudo começou. Combinado? Disse ele rindo.
Os meses seguintes pareciam outro filme. Sueli começou a trabalhar na empresa, orientando os novos projetos. No começo, os engenheiros riram da ideia, mas bastou uma reunião com ela para o riso virar respeito. Ela falava simples, direto. A gente não fala só com a boca, fala com o olhar. Máquina nenhuma entende medo, só quem sente entende. E Rafael observava orgulhoso como a presença dela mudava o ambiente.
As pessoas começaram a se cumprimentar no corredor. As reuniões ficaram menos tensas. O silêncio da empresa ganhou alma. Lívia também mudava. Falava com os colegas na escola, ria alto, cantava desafinada no banho. Um dia chegou em casa com uma carta de cartolina escrita à mão: “Papai, a tia Sueli é minha melhor amiga.
” Ele guardou a carta na gaveta da mesa junto com uma foto antiga de Ana, a mãe. E naquela noite acendeu uma vela na janela e agradeceu em silêncio. Num sábado de sol, meses depois, Rafael levou Sueli e Lívia de volta ao parque. Ibirapuera o mesmo banco, o mesmo balanço, mas tudo parecia novo. O ar tinha cheiro de algodão doce.
O som das crianças não doía mais, era música. Lívia corria com outras meninas, o cabelo solto ao vento. Sueli e Rafael sentaram lado a lado tomando sorvete. “Lembra do dia que a gente se conheceu?”, Ele perguntou. Lembro. Eu achei que o senhor ia me mandar embora. Ela riu. E eu achei que a senhora era só mais uma fachineira. Ele respondeu.
Os dois riram juntos. Aquele tipo de riso calmo de quem já passou pelo inferno. E voltou. Obrigado, Sueli, disse Rafael, sério por terme lembrado de que o amor não precisa falar alto para ser ouvido. Sueli olhou para ele e balançou a cabeça, sorrindo. Obrigado você por me lembrar que eu ainda posso fazer diferença.
Nesse momento, Lívia correu até eles, suada, o rosto vermelho de tanto brincar. Papai, tia Sueli, fiz uma amiga. Ela quer brincar de pega a pega. Vocês vêm? Sueli e Rafael se entreolharam e, pela primeira vez em anos, ele largou o celular no banco. Vamos sim, princesa. Os três correram juntos. O riso dele se misturou ao som dos outros risos. O sol lá no alto parecia mais quente, mais vivo.
No balanço vazio, o vento soprava devagar, fazendo as correntes rangerem. preso a uma delas, um pedacinho do guardanapo que Lívia desenhara meses antes, tremulava, esquecido, com um coração borrado de café. Rafael olhou para aquilo antes de correr. O pedaço de papel se movia com o vento, mas não caía. Parecia respirar, parecia dizer, sem som nenhum, que agora o silêncio sabia falar. M.
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